Era um dos momentos especiais do Perdidos na Noite, o histórico e transgressor programa da Band que lançou Faustão na TV nos anos 80. O quadro se chamava Sofá Ambulante. Tratavam-se de entrevistas feitas sobre a caçamba de uma caminhonete, que circulava carregando os participantes e filmando-os só do peito para cima, como se estivessem soltos no ar pelas ruas de São Paulo. Aquilo, que parecia uma performance filmada, chamava atenção para os entrevistados, mas, tanto quanto, para o intrépido entrevistador: um cara chamado
Tadeu Jungle. Ali conheci este artista multimídia ativo e considerado no meio paulistano, uma referência da arte pop dos anos 80.
Eis que, nessa frutífera passagem por Sampa, deparamo-nos com uma exposição individual de Jungle no Centro Cultural Fiesp, na Paulista: "Tudo pode (perder-se)". Mais que isso: era a primeira exposição individual de retrospectiva da obra deste jornalista, videomaker, poeta, músico, fotógrafo e criador visual, reunindo cerca de cem poemas, 30 vídeos e duas músicas de sua autoria do final dos anos 70 para cá. A produção de Jungle, em vários suportes, vai desde vídeos, serigrafia, foto, instalação, pintura, tapeçaria ou escultura, sendo possível dimensionar a riqueza de sua poética, visto que forjada na poesia concreta, quanto, principalmente, simbólica, dado que atravessa mais de quatro décadas ajudando a refletir (sempre com muita ironia) os processos e mudanças da comunicação de massa neste período. Aliás, tema recorrente em sua obra. Seja a televisão, a publicidade, o cinema, a moda ou o deslumbramento com a mídia: tudo é munição para o olhar atento e arguto de Jungle.
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Poesia visual de Jungle: identificação com ele |
Minha identificação com ele, ao conhecer mais a fundo seus trabalhos na mostra, só se confirmou. O trato com a poesia concreta é um exemplo. Obras como
“O Confronto da Ordem” e “Hiato” lembram (sem qualquer nível comparativo) coisas que eu produzo nessa linha poético-visual. Mas, claro, Jungle vai muito além disso, a se ver pela engenhosa escultura cinética "Respiro (o primeiro e último)", pelo quadro "Tiganho Gatinha" (acrílica sobre papel), o mural “Verdade/Mentira" ou o poema-objeto vestível "#Eumesma #Eumesmo" – que, claro, Leocádia e eu vestimos.
Sarcástico, Jungle (que também está presente noutra exposição que visitamos em São Paulo, a "Fullgás", no CCBB, só sobre a arte brasileira dos anos 80 e a qual ele mesmo é uma das referências) segue valendo-se da sua própria imagem como figura de expressão, artifício comum aos artistas modernos. Em “Autorretrato com cara de cu - Bola, Omo e Osso”, ele mesmo aparece em fotos tão publicitárias quanto ridículas em um triedro cinético. Sarcasmo que domina a série “Faz de Conta”, em que o artista permite-se ser qualquer coisa: Messi, estrela de TV, Barbie ou simplesmente alguém amado.
Da variedade conceitual de Jungle, também merecem atenção, claro, os vídeos, plataforma pela qual é bastante conhecido. “Isto Teve Roteiro”, de 2007, homenageia o pai da videoarte, o coreano Nam June Paik, com sucessivas superposições de imagens e trilha de Luiz Macedo. Já a instalação urbana que leva o nome da exposição, realizada em 2003, quando ele distribuiu por ruas de São Paulo e sem autorização 15 faixas de 9m de largura com os dizeres “TUDO PODE” e “PERDER-SE” é nada menos que genial.
A genial instalação não-autorizada que
leva o nome da exposição
Igualmente interessante é a série “Legenda” (foto digital em impressão fine art sobre PS), na qual extrai legendas de frames de filmes diversos e os dispõem sem aparente conexão entre um e outro, criando, assim, um universo instigante de nexos improváveis, engraçados e aleatoriamente plausíveis.
Seja na poesia visual, no vídeo, na pintura tradicional ou em qualquer formato, a exposição tem esse poder de mostrar um Tadeu Jungle completo e complexo, bem como dimensionar seu papel na arte moderna paulistana e brasileira nesses últimos 40 anos. Aquele inquieto repórter do Sofá Ambulante, como se vê, continua circulando por aí com suas ideias e irreverência nos mais diferentes níveis.
Confira um pouco de como foi a exposição:
De cara, somos recebidos por esta escultura cinética
chamada "Respiro (o primeiro e último)"
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| Impressão fine arte sobre PS de 2002-2025 |
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| "Hiato", da concepção a mão à obra em si |
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| Vinda, ida, palavra, outra e... mais uma |
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| Poesia visual: nem tão óbvio assim |
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| Enial G |
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| "Tiganho Gatinha", das primeiras obras, de 1980 |
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| Algumas das primeiras pinturas com forte influência da arte do começo dos anos 80 |
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"Ideograma para Yoko" (spray sobre papel, de 1980) e "Quero um filho" (acrílica sobre papel, 1984) |
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| Cadernos que trazem a beleza do traço de Jungle e percorrem dos anos 70 aos 2010 |
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| Instalação que já foi motivo de obra única de uma exposição de Jungle, no início dos anos 2000 |
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| Verdade ou mentira? Truth or Lie? |
Autorretrato com cara de cu - Bola, Omo e Osso”
Jungle vira obra
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| Frame de uma das videoartes, a praia de Jungle ("Medo", 2006) |
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| "Culpa". Quem nunca? |
Outro baita vídeo de Jungle, este em
homenagem a Nam June Paik, de 2017
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| Da recente série "Faz de Conta": crítica à mídia sempre presente |
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| É possível ser qualquer coisa no mundo atual - e ser nada ao mesmo tempo |
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Sendo, agora, escritor: Ray Bradbury ("Farenheit 451") e Guimarães Rosa ("Grande Sertão, Veredas") |
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Tapeçaria de Jungle para se dizer Messi
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Mais uma instigante instalação da exposição de Jungle
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| Fotografias digitais que se refletem a partir de legendas de filmes |
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| Muitos sentidos - quando não, engraçados |
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| Nem nós |
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| Estes dois visitantes, claro, vestindo-se de si mesmos através da arte de Jungle |
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texto: Daniel Rodrigues
vídeos e fotos: Daniel Rodrigues e Leocádia Costa