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quinta-feira, 20 de novembro de 2025

CLAQUETE ESPECIAL DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA - “Também Somos Irmãos”, de José Carlos Burle (1948)

 

Os movimentos negros surgidos no século 20 no Brasil edificaram a mentalidade e o discurso antirracista como hoje conhecemos, bem como a valorização da cultura afro-brasileira e a luta pelos direitos sociais, civis e políticos do povo preto. Aquilo que passou a ser mais comum na tela do cinema ou da televisão a partir dos anos 90, intensificando-se anos 2000 afora, é certamente resultado da organização formal de grupos como Palmares e Movimento Negro Unificado, surgidos à base de muita resistência em plenos anos de chumbo da Ditadura Militar.

Porém, um fundamental movimento ocorrido no Brasil ainda em um período em que a mentalidade escravagista e colonial era ainda mais forte, visto que vigente em um país jovem e recém-saído do sistema escravocrata, foi o Teatro Experimental do Negro. Fundado pelo genial Abdias do Nascimento, ator, poeta, escritor, dramaturgo, artista plástico, professor universitário, político e ativista dos direitos civis e humanos das populações negras brasileiras, este centro de cultura e arte serviu não apenas para formar profissionais, como atores, diretores, técnicos, entre outros, mas cidadãos negros conscientes de sua posição na sociedade brasileira. 

A força simbólica e prática do TEN foi tamanha, que chegou até o cinema. O principal resultado deste impulso é o filme “Também Somos Irmãos”, de José Carlos Burle, de 1948. Embora com características comuns a outros filmes produzidos pela Atlântida, como a abordagem popular, a narrativa linear, o maniqueísmo da trama, os números musicais e a dramatização de situações cotidianas, o filme absorve estes mesmos elementos de forma muito consciente para abordar corajosamente o tema do racismo no Brasil dos anos 40.

Como menciona o jornalista e crítico de cinema João Carlos Rodrigues em seu essencial livro “O Negro e o Cinema Brasileiro’, “Também...” é um caso raro dentro da cinematografia brasileira, dada a sua capacidade de abordar um tema mais do que apenas sensível, pois também negado e desvirtuado. Com roteiro de Burle e Alinor Azevedo, o longa trata do racismo e das relações de classe de forma muito consistente e realista dentro das possibilidades de um cinema melodramático como propunha a Atlântida.

Na história, dois irmãos negros, Renato e Miro (Aguinaldo Camargo e Grande Otelo respectivamente), cresceram na casa do rico Sr. Requião (Sérgio de Oliveira), que também adotou duas crianças brancas, Marta (Vera Nunes) e Hélio (Agnaldo Rayol). Enquanto Renato, apaixonado por Marta e determinado a concluir seus estudos em Direito, se mantém submisso, Miro comete pequenos delitos. Renato, compositor nas horas vagas, tem grande carinho pelo irmão caçula Hélio, que interpreta suas canções. Após se formar, Renato assume a defesa de Miro, acusado de crimes. Quando Walter Mendes (Jorge Dória), um golpista, tenta enganar Marta e o Sr. Requião, o amor fraterno é colocado à prova.

Tecnicamente muito bem realizado, "Também..." traz, contudo, a sua grande força nas atuações. É absolutamente tocante a interpretação de Grande Otelo, o maior ator que este país já teve, em um papel que é certamente um dos seus melhores em cinema e, talvez, o que mais dignifique sua genialidade interpretativa. No papel de Miro, ele consegue encontrar um equilíbrio dificílimo entre os arquétipos do negro revoltado, do malandro e do favelado, pegando as definições estudadas por João Carlos Rodrigues quanto à figura do negro na história do cinema brasileiro.

Mas não apenas Grande Otelo brilha. Aguinaldo Camargo, um dos frutos do TEN, assim como Ruth de Souza, que faz Rosália no filme. Dada a importância de seu personagem, Aguinaldo, no entanto, desempenha um papel essencial na construção maniqueísta da história de luta entre bem e o mal, cumprindo uma posição ideológica diretamente oposta a do seu irmão. Ele, um “homem da lei”; o irmão, um “fora-da-lei”. Ele é o típico “negro de alma branca” ao representar a superfície na qual o brancocentrismo o coloca; o irmão, ao contrário, não está nessa superfície, e, sim à margem. Um “marginal”.

Burle, que ainda dirigiria clássicas comédias musicais da Atlântida como ”Carnaval Atlântida”, de 1952, e “Quem Roubou meu Samba”, de 1959, conduz a história dramática com habilidade. Primeiramente, pelo fato de que não há concessões sentimentalistas. Os negros seguem sendo negros, os brancos seguem sendo brancos, a polícia segue sendo polícia e os ricos seguem segregando e dando as cartas. Igualmente, porque Burle consegue dar a este drama social a dose certa de chanchada, como as cenas musicais com Grande Otelo e do pequeno Agnaldo Rayol, bem como as de ação. 

Porém, o roteiro é o que acende o filme. Alguns diálogos são primorosos. Um dos mais brilhantes da história do cinema brasileiro, inclusive, é o que abre este destoante filme do cinema brasileiro. Em pouco mais de 4 minutos e com atuações memoráveis, a conversa entre os irmãos no barraco de Renato, após Miro fugir da polícia pelas ruelas do morro, é exemplar. Devidamente salvo, Miro, então, passa a travar um diálogo com o irmão mais velho na qual é possível compreender e identificar elementos narrativos importantes a toda a continuidade do filme. Fica clara a relação existente entre os dois, o papel simbólico de cada um dentro da sociedade racista, o histórico de vida que os levou até ali e as diferentes aspirações. Tudo isso sem, contudo, tomar partido de ninguém. O espectador é quem, com os elementos cênicos e narrativos que lhe são informados, formará a sua opinião a partir de então. 

Aguinaldo e Grande Otelo: dupla de atores negros de extremo talento

Nesta mesma cena, um desses elementos cênicos é especialmente simbólico: o contraste entre branco e preto nos sentidos físico e psicológico do termo. Perceptível desde a fotografia até o figurino, este aspecto se dá principalmente por conta da contraposição “sujeira x limpeza”. Explicando: ao fugir dos policiais pelas ruas enlameadas e sem estrutura urbanística de uma favela, Miro acaba por emporcalhar a bainha de sua calça clara, o que é imediatamente percebido por ambos e motivo de reprimenda do irmão mais velho para com o caçula. Porém, não se trata apenas de uma roupa suja como um inconveniente doméstico. Esta “sujeira” representa as ideias de mácula de caráter e de limpeza étnica alimentada pela sociedade pós-escravidão. É o próprio racismo, que age indistintamente sobre os dois personagens: um que o identifica e se revolta e o outro, que busca não enxergar para ser aceito pelo sistema e salvo da sua condição desumanizada. 

Para uma sociedade preconceituosa e mal resolvida, ser negro é errado, pois ser negro é ser sujo, enquanto que o branco deve ser o padrão a se seguir. Além de desencadear a discussão entre os irmãos de um ponto tão central para a trama, a cena serve também para contrapor, mais adiante, outro momento importante da fita. Quando Renato está se dirigindo à cerimônia de formatura, onde acredita que receberá o diploma das mãos da irmã adotiva por quem é apaixonado, os vizinhos, num ato muito bonito do senso de comunidade dos negros, vão para a rua festejar sua conquista e estendem tábuas sobre o chão barrento para que este não manche suas calças e chegue ao destino limpo. No entanto, Renato volta para casa frustrado pela ausência da irmã, proibida pelo impositivo pai de comparecer à formatura. Resultado: Renato volta para casa mais cedo e não encontra mais o simbólico tapete vermelho sobre o chão para o salvar. Isso faz com que, justo ele, que sempre buscou responder à sociedade branca da forma como esta gostaria, acaba por sofrer a mesma indignidade que o irmão marginal. O racismo estrutural é implacável.

Dado como perdido por muitos anos, o filme foi restaurado pela Cinemateca Brasileira a partir de materiais remanescentes em 16mm. A cópia existente, ainda que com prejuízos no som e na imagem, preserva o filme em sua íntegra. Um trabalho de importância cívica, visto que “Todos...” é uma obra ousada e corajosa essencial para entender os processos que o povo preto enfrenta e como esses reflexos foram levados à popular arte do cinema. Nem mesmo o desfecho denota sentimentalismo, ainda que num contexto melodramático. A moral, imperiosa, age, assim, com pesos desiguais. Tanto que uma mentira é muito mais cabível para resolver uma questão jurídica do que um amor verdadeiro mas proibido. 

A despeito de Burle ser um homem branco da alta sociedade carioca (justamente, o alvo de crítica do filme na figura dos Requião), o próprio título “Também...” contém, se não ingenuidade, certo simplismo advindo do perigoso (mas bastante vigorante à época) conceito de "democracia racial". Há, contudo, de se desculpar possíveis equívocos de uma obra datada de um momento histórico brasileiro em que recém se construía algum tipo de consciência negra, quanto mais por não saber manejar o que hoje se entende como letramento racial. Até porque, ainda hoje, o filme se mantém atual em diversos aspectos da questão antirracista, mesmo que ainda nem se pensasse em usar esse termo para designar o óbvio: que a verdadeira sujeira da alma é o racismo.


Filme "Também Somos Irmãos" completo e restaurado



Daniel Rodrigues

sábado, 12 de outubro de 2013

"A Arca de Noé" - 1 e 2 - Vinícius de Moraes, Toquinho e Convidados (1980/1981)




“A poesia é capaz de coisas que você nem imagina.
Eu sou a porta que o poeta imaginou”
“A Porta”, de Vinicius de Moraes


Numa das conversas que tivemos sobre as nossas infâncias, confessei ao Clayton e ao Daniel, com muita emoção que “A Arca de Noé” é a trilha sonora que eu mais gostava e lembrava a minha primeira infância. Nada em termos fonográficos, nenhum outro disco podia se comparar a “Arca de Noé” e olha que o páreo tinha as obras “Os Saltimbancos”, “Sítio do Pica-pau Amarelo”, "Plunct-Plact-Zum!", “Pirlimpimpim” e o “Grande Circo Místico” só para começar a listinha básica de musicais das crianças que cresceram entre 1973 a 1983.

Na época da Arca, eu, uma guria entre 7 e 8 anos de idade, me divertia com a minha irmã repetindo muitas vezes as canções que minha mãe ajudava a gente a lembrar, porque não tínhamos os LPs. “A Arca de Noé” ficou na minha memória musical depois que assisti ao programa de televisão de mesmo nome exibido no início da década de 80, na Rede Globo. Os registros sonoros se fixaram tão fortemente nas minhas retinas, ouvidos e coração, que por muitos anos, lembrava dos detalhes visuais de cada apresentação. Lembrava dos gestos e dos figurinos/cenografias dos convidados que fazem parte do elenco musical dos volumes 1 e 2.

Eu e minha irmã na época em
que conhecemos "A Arca de Noé"
Muitos anos se passaram e já adulta me deparei com os dois volumes da Arca em CD e relembrei, faixa a faixa, cada poema. As músicas estavam tão vivas em mim que cheguei a apresentar “Corujinha”, da “Arca de Noé 1”, numa audição em 2008 promovida por todos os estudantes da Profª de música Maria Beatriz Noll. Aliás, foi ela também quem me mostrou a versão italiana de “A Casa”, no LP “L´Arca – Canzoni per bambini” a partir da produção de Sergio Endrigo  que reuniu vários intérpretes italianos em versões das canções do volume 1 feitas por Vinícius de Moraes.

Cada vez que escuto a “Arca de Nóe” de Vinicius de Moraes, acompanho em poesia as vozes e a respiração de Milton Nascimento, Moraes Moreira, Alceu Valença, MPB 4, Elis Regina, Frenéticas, Fabio Jr., Boca Livre, Ney Matogrosso, Marina e Walter Franco só para citar os intérpretes do volume 1. O mais interessante é que parte deles já fazia parte do repertório diário que eu colocava na vitrola, após chegar da escola diariamente para fazer meus shows dublados com o som no volume máximo.

A “Arca de Noé” é o último trabalho poético-musical de Vinicius de Moraes lançado nos anos de 1980 e 1981 – este último, póstumo. Em entrevista ao jornalista Tárik de Souza, o produtor Fernando Faro reafirma que Vinicius trabalhou até pouco antes de morrer. “Na madrugada em que se foi, vertia do italiano para o português os poemas da Arca. E cobrava de mim: ‘Faro, me dá logo esse treco!’. Ele respirava esse disco, atento a todos os detalhes”, conta o produtor dos shows e dos álbuns da dupla Toquinho-Vinicius.

No volume 2, alguns intérpretes se repetem, mas as participações de Fagner, Jane Duboc, Elba Ramalho, Grande Otelo, Clara Nunes, Céu da Boca e Paulinho da Viola são muito especiais, diversificando os temas e os gêneros musicais.

A poesia de Vinicius é tão imensamente bela e se ampliou tanto na voz desses intérpretes que  está na memória de crianças, jovens e adultos por sua qualidade, irreverência e pureza. A poesia d’“A Arca de Noé” é capaz de coisas que você nem imagina, como, por exemplo, reencontrar a sua criança toda a vez que a escuta. Experimente.

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FAIXAS - "Arca de Nóe 1":
1 - A Arca de Noé-Abertura - Chico Buarque e Milton Nascimento
2 - O Pato - MBP 4
3 - A Corujinha - Elis Regina
4 - A Foca - Alceu Valença
5 - As Abelhas - Moraes Moreira
6 - A Pulga - Bebel
7 - Aula de Piano - Frenéticas
8 - A Porta - Fábio Jr.
9 - A Casa - Boca Livre
10 - São Francisco - Ney Matogrosso
11 - O Gato - Marina
12 - O Relógio - Walter Franco
13 - Menininha - Toquinho
14 - Final - Instrumental

FAIXAS - “Arca de Noé 2”:
1 - Abertura - A Arca de Noé - Dionísio Azevedo
2 - O Leão - Fagner
3 - O Pinguim - Toquinho
4 - O Pintinho - Frenéticas
5 - A Cachorrinha - Tom Jobim
6 - O Girassol - Jane Duboc
7 - O Ar (O vento) - Boca Livre e Vinicius de Moraes
8 - O Peru - Elba Ramalho
9 - O Porquinho - Grande Otelo
10 - A Galinha d'angola - Ney Matogrosso
11 - A Formiga - Clara Nunes
12 - Os Bichinhos e o Homem - Céu da Boca
13 - O Filho Que Eu Quero Ter - Paulinho da Viola

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quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Cinema Marginal #9 - "O Rei do Baralho", de Júlio Bressane (1973)



Tem clichês de filmes americanos, sim? Mas de um jeito bem brasileiro, bem marginal.
Um clássico americano,
tipicamente brasileiro.
Um homem (Grande Otelo), auto-proclamado "O Rei do Baralho", se apaixona por uma loira estonteante, diretamente saída de uma chanchada brasileira ou de algum noir americano barato da década de quarenta.
Por mais que o filme tenha uma história, ele também é sobre como se fazer cinema. Seu começo muito arrastado, totalmente sem som, e as constantes saídas da história principal podem fazer você perder o foco do longa. São cortes abruptos e muito rápidos mas essa altura já estamos acostumados com isso.
Embora a historia, mais uma vez, possa ser difícil de ser absorvida, as atuações tão naturais e a vontade dos atores torna o filme muito leve. Temos uma atuação muito natural (como sempre) de Grande Otelo, um personagem negro, baixo, que foge completamente dos estereótipos num filme repleto de estereótipos americanos o que é muito interessante É mais uma vez o Cinema Marginal dando um toque de brasilidade ao cinema.
Uma obra que que consegue (ou tenta) contar sua história mas que vai muito alem disso: ela fala sobre cinema. Temos aparições do diretor, das câmeras, dos atores se preparando para entrar em cena... Uma obra de apaixonado por cinema que consegue emular “o melhor cinema”, com poucos recursos e muito talento ao mesmo tempo que parece falar apenas do dia a dia, do comum.
Atuações que se destacam na frente  e atrás das câmeras.



por Vagner Rodrigues

segunda-feira, 19 de junho de 2023

CLAQUETE ESPECIAL 15 ANOS DO CLYBLOG - Cinema Brasileiro: 110 anos, 110 filmes (parte 3)


Grande Otelo em "Rio, Zona Norte" com o seu realizador, 
Nelson Pereira dos Santos, que chega para ficar
Chegamos à terceira parte de nossa lista dos 110 melhores filmes brasileiros, em comemoração aos 110 anos do primeiro filme realizado no Brasil, “Os Óculos do Vovô”. E justo naquele em que é celebrado o Dia do Cinema Brasileiro! E podemos dizer que a coisa está ficando cada vez mais séria. Não que os primeiros-últimos da ordem já não garantissem uma qualidade excepcional. Afinal, separar APENAS 110 títulos entre tantos memoráveis foi tarefa não só difícil como incompleta. Porém, é óbvio que, à medida que vai se avançando na classificação, também se intensifica a importância das obras.

É bem o caso do nosso novo recorte, que vai do 70º ao 51º posto. E em verdade vos digo: só tem filmão! Se nos 40 títulos anteriores já figuravam grandes realizadores, como Eduardo Coutinho, Glauber Rocha, Hector Babenco e Humberto Mauro, agora entram no páreo outras referências indeléveis do cinema nacional, como Leon Hirzsman, Nelson Pereira dos Santos e Kleber Mendonça Filho com seus primeiros listados. Por que, claro, todos eles voltarão mais pra frente com mais obras. Mesmo caso de Cláudio Assis, aqui com “A Febre do Rato”, e Ruy Guerra, já mencionado com seu "Os Cafajestes" (102º) e agora representado por um dos raros musicais de toda a seleção: “Ópera do Malandro”. Como Guerra, Walter Avancini, Julio Bressane, Joaquim Pedro de Andrade, Walter Lima Jr. e Rogério Sganzerla, já presentes, voltam à carga com todo merecimento. 

Entre as mulheres, se até então apareceram apenas filmes de Suzana Amaral, Laís Bodanzky e Tatiana Issa, Sandra Kogut amplia a representatividade feminina trazendo uma obra-prima da recente cinematografia brasileira: “Três Verões”. Por falar em época, ao contrário do recorte imediatamente anterior, onde calhou de não haver nenhuma produção dos anos 80, nesta, pelo contrário, elas são maioria entre as décadas, com 8 títulos, 4 a mais que a segunda com mais filmes, os anos 60. Este é um dos retratos de momentos importantes do audiovisual brasileiro que uma lista de teor histórico como esta pode suscitar. A constatação é uma mostra (à exceção de “Morte e Vida Severina”, teledrama da TV Globo) do quanto a Embrafilme, bem estruturada nos anos 80, rendeu ao cinema brasileiro frutos muito qualificados e duradouros. A mesma Embrafilme desmontada nos anos 90 por Collor... Mas isso é outra história.

Confiram, então, mais uma parte da lista destes filmes que, se não são necessariamente todos os melhores, infalivelmente guardam qualidades que os credenciam a estarem aqui.

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70.
“O Homem que Virou Suco”, João Batista de Andrade (1981) 

A forte e memorável atuação de José Dumond (Melhor ator em Gramado, Brasília e Huelva), mais uma vez espetacular como em “A Hora da Estrela” e “Morte e Vida Severina”, leva o filme, que conta a história do poeta popular nordestino Deraldo. Ele quer tenta viver em São Paulo de sua arte mas é irresponsavelmente confundido com um assassino. Suas raízes e verdades, então, viram “suco” na grande cidade. Melhor Filme em Moscou e Nevers, é daquelas corajosas realizações  ficcionais, mas abertamente realista que quase documental, e de extrema importância para o período de abertura política no Brasil após os Anos de Chumbo da Ditadura Militar.



69. “Sem Essa Aranha”, Rogério Sganzerla (1970) 
68. “Pra Frente, Brasil”, Roberto Faria (1982) 
67. “Tropa de Elite 2 - O Inimigo Agora é Outro”, José Padilha (2010)
66. “Ópera do Malandro”, Ruy Guerra (1986) 
65. “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”, José Mojica Marins (1968)



64. “O Padre e a Moça”, Joaquim Pedro de Andrade (1966)
63. “Três Verões”, Sandra Kogut (2020)
62. “Ele, O Boto”, Walter Lima Jr. (1987) 
61. “A Pedreira de São Diogo”, Leon Hirzsman (1962) 

 
60.
“Os 7 Gatinhos”, Neville D’Almeida (1980) 


Neville é daqueles cineastas da “elite intelectual carioca” que produz coisas às vezes intragáveis, mas esse é um acerto inconteste. Baseado em Nelson Rodrigues, tem o dedo do próprio no roteiro e, além de trilha com músicas de Roberto e Erasmo, é uma tragicomédia crítica e consistente à hipocrisia e depravação da sociedade brasileira. Interpretações (Thelma Reston, Melhor Coadjuvante em Gramado) e cenas inesquecíveis como a dos “caralhinhos voadores” e “me chama de contínuo” estão neste longa referencial.





59. “O Mandarim”, de Julio Bressane (1995)
58. “Morte e Vida Severina”, Walter Avancini (1981)
57. “Casa Grande”, Fellipe Gamarano Barbosa (2014)
56. “A Febre do Rato”, Cláudio Assis (2011)
55. “O Romance da Empregada”, Bruno Barreto (1888)



54. “Faca de Dois Gumes”, Murilo Salles (1989)
53. “Rio, Zona Norte”, Nelson Pereira dos Santos (1957)
52. “Aquarius”, Kleber Mendonça Filho (2016)
51. “Blá Blá Blá”, Andrea Tognacci (1968)


Daniel Rodrigues

quinta-feira, 2 de junho de 2022

Milton, enfim, voou

 

Seu Chico, personagem de Milton em "Carandiru", de 2003
Dia desses conversava com um colega sobre a grandeza de alguns atores brasileiros que, não fosse o entrave cultural à língua portuguesa no mundo do entretenimento (ou a qualquer outro idioma que não o inglês), estariam voando alto mundo afora. Vários grandes ficaram apenas para “consumo interno” do brasileiro na tevê, no cinema ou no teatro. Alguns, tiveram em produções internacionais, como José Wilker, José Lewgoy e Grande Otelo, mas não despontaram internacionalmente. A exceção são Carmen Miranda, ícone, e Sônia Braga e Rodrigo Santoro, que se adaptaram ao idioma de fora. Fernanda Montenegro é também um caso que não foge à regra: vencedora de Globo de Ouro e concorrente ao Oscar falando português há 25 anos, nunca mais concorreu a algo deste vulto mesmo com excelentes trabalhos posteriores a “Central do Brasil”. Por quê? Seguiu falando somente (e suficientemente) o português.

Semelhante ocorreu com Milton Gonçalves, que faleceu no último dia 30, aos 88 anos. Lembro do policial que ele viveu em “O Beijo da Mulher Aranha”, de Hector Babenco, em 1986, filme que deu o Oscar de Melhor Ator para o norte-americano John Hurt, com quem Milton contracena, contudo, sem dever em nada. Milton foi, sim, da altura de Hurt, Freeman, Hopkins, Lancaster, Hanks, Lee Jones. A diferença? O português.

Se no cenário internacional Milton foi um dos que quase alçou, em seu terreiro, contudo, voou alto. Foi uma das vozes negras mais importantes da dramaturgia brasileira em mais de 60 anos de carreira. Por esse protagonismo preto, para além de outros grandes atores brasileiros como ele, deixou uma marca insubstituível no teatro, na TV e no cinema. Este mineiro de Monte Santo teve importante atuação no Teatro de Arena de São Paulo, no Teatro Experimental do Negro de São Paulo, no Grupo Opinião, no Teatro dos Quatro e em outras companhias. Como ator de novelas e seriados, nem se fala! Embora pouco lembrado por isso, foi também foi o primeiro negro a dirigir uma novela na Globo – e não qualquer novela, mas sim o sucesso internacional da primeira versão de “A Escrava Isaura”, de 1976. Mas não só isso: esteve decisivamente em todos os momentos demarcatórios do cinema brasileiro: no neorrealismo dos anos 50 (“O Grande Momento”), no Cinema Novo (“Macunaíma”), no udigrudi (“O Anjo Nasceu”), na fase Embrafilme (“Eles Não Usam Black-Tie”), na primeira internacionalização (“O Beijo da Mulher Aranha”), na retomada (“Carandiru”) e na produção atual (“Pixinguinha: Um Homem Carinhoso”).

Dotado de espontaneidade e carisma, dominava a arte dramática com maestria, indo do pastelão ao melodrama com a naturalidade dos grandes. Interpretou textos dos maiores, de Guarnieri a Dias Gomes, de Steinbeck a Millôr. Sabia como tratar um texto. De todos os personagens que fez, de Zelão das Asas a Bráulio e Seu Chico, no entanto, um se destaca especialmente para mim: “A Rainha Diaba”, filme de Antonio Carlos Fontoura, de 1974. Espécie de blackexplotation à brasileira, o longa, centrado na atuação de Milton, nasceu do desejo do diretor de mostrar o submundo das drogas e da prostituição no Rio de Janeiro dos anos 70, com influências decisivas do teatrólogo Plinio Marcos – responsável pelo argumento – e do artista plástico Helio Oiticica. Como lembra o jornalista Márcio Pinheiro, trata-se de um filme livremente inspirado na vida de Madame Satã, porém com mais violência e menos romantismo. “’A Rainha Diaba’ é, em muitos aspectos, mais autêntico e biográfico do que o próprio filme que leva o nome do mitológico travesti da Lapa”, diz em uma postagem nas redes sociais. Milton dá vida a este personagem andrógeno, que põe pela primeira vez um negro LGBTQIA+ como protagonista de um filme no Brasil. E isso é muito.


Até o primeiro brasileiro num Emmy Internacional (prêmio ao qual concorreu como Melhor Ator Internacional, em 2006) ele foi quando entregou a estatueta de Melhor Programa Infantojuvenil ao lado da atriz norte-americana Susan Sarandon. Predileção pela estreia, como um ator que sobe ao palco renovado a cada noite de espetáculo.

Também tive, aliás, uma primeira – e única – vez com Milton. Uma ocasião em que o vi pessoalmente, a poucos metros. Estava no Rio de Janeiro, nos arredores da emblemática Cinelândia, acompanhado de minha esposa e de meu irmão numa tarde de agosto de 2018. Nós saímos de uma livraria e ele, provavelmente, de algum dos teatros daquele quadrante em busca de um dos infindáveis taxis do Rio. Durante os segundos de espera dele na calçada, pintou-me a dúvida: “Falo com ele?” Mas para dizer-lhe o quê? pensei. “Parabéns”? “Obrigado”? Minha hesitação momentânea impediu que achasse algo mais válido que isso e o taxi, obviamente, chegou. Ele embarcou e foi-se embora com toda sua importância e grandeza. Voou. Aliás, como há muito se ensaiava, seja como Zelão, que sobrevoou Sucupira, seja como o velho Chico, aprendiz das pipas no Carandiru. Eu fiquei na calçada, pés plantados, olhando para cima e sabendo que havia deixado escapar a oportunidade. Não agarrei suas asas. Depois vi que fiz o certo: deixei-o subir. Quantas asas ele já havia me dado sem saber para que eu, negro homem, um dia voasse também.


MILTON GONÇALVES
(1933-2022)



Daniel Rodrigues

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Música da Cabeça - Programa #432

 

Será mesmo que a polícia francesa não se deu conta de que o roubo das joias do Louvre é coisa do Arsène Lupin? Intrépido e certeiro assim como o personagem de Leblanc é o MDC, que terá somente joias preciosas na edição de hoje. The Beatles, Cypress Hill, Vitor Ramil, Talking Heads e Miúcha são alguns dos que vão brilhar. Reluzindo igualmente, o ouro negro Grande Otelo, que completa 110 anos de seu nascimento. Roubando a atenção de muita gente, o programa vai entrar pelas janelas às 21h na sorrateira Rádio Elétrica. Produção, apresentação e joias bem escondidas: Daniel Rodrigues 


www.radioeletrica.com


segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

20 filmes para entender o cinema brasileiro dos anos 60



Outro dia, logo após postar no Facebook que havia revisto um dos meus filmes favoritos da cinematografia nacional, “Bye Bye Brasil” (sobre o qual comentarei melhor em um próximo post), surtiram, como geralmente ocorre, alguns comentários. Na ocasião, entretanto, um dos que comentou foi meu primo e colaborador do ClyBlog (especialmente para da seção ClaqueteVagner Rodrigues. Amante de cinema, ele revelou não apenas querer conhecer o filme em questão quanto se aprofundar mais no cinema brasileiro das décadas de 60, 70 e 80.

Dispus-me, então, a elencar para ele títulos que dessem um panorama da produção de cada década no combalido e combativo cinema no Brasil. Até aí, nada incomum, considerando que gosto de compartilhar conhecimento sempre que posso e o considero suficiente para tal. O que eu mesmo não esperava era que, ao comentar brevemente cada filme somente de forma a justificar ao Vágner o porquê de sua presença numa classificação tão seleta, fui me empolgando não apenas com cada anotação, como, principalmente, com a seleção em si. Tanto que, somando-se os três períodos, cheguei a 55 títulos!

Afora a trabalheira prazerosa que sei que dei ao meu primo, acabaram surgindo três listas bem interessantes que dão a dimensão da qualidade, importância, versatilidade e profundidade artística, estilística, sociológica e política do cinema brasileiro em cada uma destas décadas, sem dúvida as melhores em nível qualitativo em toda a história dessa arte no Brasil (e olha que tem como concorrentes os fortes anos 50 e a primeira década do séc. XXI). Ao mesmo tempo, juntos, dão uma mostra bem real do quanto já foi muito mais difícil fazer cinema no Brasil, tanto pela questão técnica (produções quase sem recurso, tecnologia defasada e falta de mão de obra) quanto, principalmente nos 60 e 70, pelo cenário político, tendo em vista que muitos desses filmes – mesmo os corajosamente denunciadores – sofreram com a censura do governo militar antes, durante ou depois de lançados.

Comecemos, então, com a melhor de todas: a década de 60, marcada pelo boom do Cinema Novo – que revelou os gênios Glauber Rocha e Julio Bressane, mestres como Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade e Cacá Diegues e técnicos de primeira linha como Dib Lufti e Eduardo Escorel – mas que presenciou, tanto quanto, obras memoráveis não necessariamente ligadas ao movimento. Enfim, uma seleção de 20 títulos com seus respectivos diretores e em ordem cronológica de ano que me deram muito trabalho para escolher, mas que dão uma ideia legal da produção da época pelo filtro daquilo que gosto e acredito como arte – a sétima, neste caso.



1 - "O Pagador de Promessas", Anselmo Duarte (60) – Com absoluta convicção, o melhor de todos os tempos no Brasil. Perfeito do início a fim: fotografia, atuações, roteiro, trilha, edição, cenografia. E tem um dos papeis mais memoráveis do cinema: Leonardo Villar como Zé do Burro. E ainda é um Palma de Ouro em Cannes que venceu AntonioniPasolini e Buñuel. Tá bom pra ti? Irretocável.






2 – “Barravento”, Glauber Rocha (62) – Primeiro filme do Glauber, coloca-se num ponto entre o Neo-Realismo e o Cinema Novo. Extremamente poético, é o filme que melhor retrata o universo místico do candomblé e da vida dos pescadores do interior, aqueles que raramente temos acesso no mundo urbano. Venceu prêmio na República Checa e tem montagem do Nelson Pereira, quer mais?










3 - “Assalto ao Trem Pagador”, Roberto Faria (62) – Outro daqueles filmes essenciais. O Roberto Faria sempre fez filmes com arte e apelo popular. Esse é bem assim: com uma cara ainda de Atlântida dos anos 40/50, mas com um pé no Neo-Realismo. Atuações fantásticas do irmão Reginaldo Faria, do Grande Otelo e do ator principal, Eliezer Gomes, como o inesquecível Tião Medonho.










4 - “Os Cafajestes”, Ruy Guerra (62) – Clássico do Cinema Novo, tem toda a questão da câmera na mão, do enquadramento intuitivo, do aspecto documental, da inspiração estética e temática na nouvelle vague. Fala sobre a decadência da burguesia, pondo em evidência seu vazio e a falta de sentido. Daniel Filho e Jece Valadão ótimos. E ainda tem o primeiro nu frontal da história do cinema, e quando a Norma Bengell era tri gata!







5 - “Cinco Vezes Favela”, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Miguel Borges, Leon Hirzsman e Marcos Farias (62) – Filme de episódios (5, obviamente), todos retratando algum aspecto das então pouquíssimo retratadas favelas, papel de denúncia que o Cinema Novo foi hiperimportante. O do Cacá, embora ainda cru em termos de estilo, é bem interessante, pois fala sobre uma escola de samba e os problemas da comunidade num dia de carnaval. “Couro de Gato”, do Joaquim Pedro, chegou a ganhar Cannes. O de Leon também é incrível, “Pedreira de São Diogo”, sobre trabalhadores da pedreira que são obrigados a fazer implosões perto de uma comunidade que iria para os ares. O do Miguel Borges, sobre um lixão, é claramente uma das inspirações do “Lixo Extraordinário” e com o recente britânico-brasileiro “Trash”.







6 – “Vidas Secas”, Nelson Pereira dos Santos (63) - Genial. Precursor em muitas coisas: fotografia seca, roteiro, cenografia, atuações. Daquelas adaptações literárias tão boas quanto o livro, ouso dizer. Tem uma das cenas mais tristes que já vi, a o sacrifício da cachorra Baleia. Limite também entre Neo-Realismo e Cinema Novo. Indicado a Palma de Ouro. Aula de cinema.










7 - “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, Glauber Rocha (63) - A obra-prima do Cinema Novo, um dos maiores filmes do século XX. De tirar o fôlego. Sobre este, me reservo o direito de indicar um post inteiro que escrevi sobre ele em meu blog de cinema: http://oestadodascoisascine.wordpress.com/2010/11/09/a-terra-do-homem-e-o-mito-da-morte/









8 - “Os Fuzis”, Ruy Guerra (64) – Um soco no estômago. Sobre um cerco militar que se forma numa cidade do sertão nordestino, pondo à mostra toda a miséria social e moral gerada pelo Estado, quase um presságio do derramamento de sangue que ocorreria com os que combateriam a ditadura militar, então recém-iniciada. Dos filmes preferidos de gente como Gustavo Spolidoro e Eduardo Valente, foi Urso de Prata em Berlim em Direção.








9“Noite Vazia”, Walter Hugo Khouri (64) – O Khouri sempre teve o seu jeito de fazer cinema, abordando temas como a depressão das altas classes, o vazio existencial, a anestesia da vida moderna, e bastante inspirado em Antonioni. “Noite Vazia”, no entanto, não é uma cópia brasileira de “A Noite”: é um filme com personalidade e referencial. Trilha do Duprat, tá louco! E concorreu a Palma de Ouro. Depois, o Khouri só se repetiu, mas esse é demais.










10 - “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, Roberto Santos (65) – Uma joia meio esquecida. Leonardo Villar, de novo ele, faz o papel principal, que ele literalmente encarna. Baseado no conto-novela do Guimarães Rosa, é daquelas adaptações ao mesmo tempo fiéis mas que souberam transportar a história pra outro suporte. Obra-prima pouco lembrada.








11 – “São Paulo S/A”, Luis Sérgio Person (65) – Outro clássico. Walmor Chagas tá ótimo. Na linha d’”Os Cafajestes”, mas sob outra ótica, mostra a asfixia da classe média (paulistana, no caso), imersa na impessoaliadade da vida industrial e maquinal da grande cidade. Recebeu prêmios na Itália, México e São Paulo. Muito atual.








12 – “O Desafio”, Paulo César Saraceni (65) – Parece loucura, mas o diretor fez um filme sobre a ditadura em plena ditadura. Haja peito! E mostra em detalhes a vida daqueles que não se enquadram naquilo, a tristeza de ver seu país tomado sem lado para correr. É um filme revoltado, corajoso e triste com todos os elementos de Cinema Novo: câmera na mão, fotografia natural, improvisação, tom documental, trilha sonora da MPB combativa da época.








13 - “O Padre e a Moça”, Joaquim Pedro de Andrade (66) - Lindo. Primeira ficção do Joaquim Pedro, que foi um contista de mão cheia. Sobre um padre (o maravilhoso Paulo José) que se apaixona por uma moça de família no interior. Claro que dá merda, né? Fotografia PB rigorosa e pouco diálogo, que dá um clima sufocante à história. Indicado ao Urso de Ouro em Berlim.







14 – “O Caso dos Irmãos Naves”, Luis Sergio Person (67) – Filme de tribunal sobre uma história real de um julgamento injusto ocorrido no interior de Minas na Era Vargas envolvendo os tais irmãos da família Naves. Super bem narrado e fotografado. Alto nível. Interpretações, idem. Interessante que, por se passar em uma época antiga, o filme passou pela censura, é os militares burros não perceberam ser uma baita crítica ao governo. Até torturas mostra... Venceu Brasília (Roteiro e Atriz Coadjuvante) e foi indicado em Moscou.







15 - "Terra em Transe", Glauber Rocha (67) - Pra muitos, o melhor do Glauber. Também altamente referencial do que foi o Cinema Novo e a visão dos artistas daquela época no Brasil. Algumas das cenas – captadas pela câmera-personagem de Dib Lufti – e ícones do movimento estão diretamente ligadas a essa filme. Premiado em Cannes, Locarno e Havana. Não menos que genial.








16 - “O Dragão da Maldade Conta o Santo Guerreiro”, Glauber Rocha (68) - Espécie de continuação do “Deus e o Diabo...”, porém num outro conceito e contexto. Altamente Teatro de Arena e Teatro Oficina, considero-o uma “ópera do Sertão” em cores, uma tragédia shakesperiana nordestina. Texto incomparável. Filme amado por Scorsese. Metafórico e forte. Melhor Direção em Cannes.






17 - “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”, José Mojica Marins (68) – O genial Mojica traz indiretamente seu célebre personagem, que não aparece mas “representa” os 3 episódios que compõem o longa. Sua melhor produção, que mostra o quanto ele, um dos maiores mestres do terror trash mundial, ao lado de ArgentoCarpenter e Bava, é capaz de fazer miséria com um pouquinho mais de recurso.








18 - “O Bandido da Luz Vermelha”, Rogério Sganzerla (68) – Se existe cinema marginal, é “O Bandido...”. Transgressor, louco, efervescente, non-sense, crítico, revolucionário. Adjetivos são pouco pra definir. Grande vencedor do Festival de Brasília daquele ano. O filme que fez o “terceiro mundo explodir” de criatividade.










19 – “O Anjo Nasceu”, Julio Bressane (69) – Gênio do cinema autoral da atualidade (haja vista que é vivo e segue produzindo), junto com Sganzerla originou o chamado cinema “udigrudi”, o underground brasileiro, que subvertia ainda mais a estética e narrativa do que o Cinema Novo. Segundo filme dele, que, embora tenha um pouco mais de história (o que o diretor praticamente abandonou a partir do final dos 70), é tomado de simbologias e metáforas, que, por sinal, embaralharam a cabeça dos militares, que o proibiram sem saber porquê.






20 – “Brasil Ano 2000”, Walter Lima Jr. (69) – Fala-se muito do “Macunaíma” (referencial certamente, mas um filme confuso), mas esse do Walter Lima é exemplar no que seria um cinema “tropicalista” e “antropofágico”. É um musical com trilha original do Gilberto Gil cujos temas são muito bem integrados à história, pois se trata de uma ficção surrealista inteligente e engraçada. Muita criatividade com pouco.