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terça-feira, 24 de março de 2015

Exposição “Manifesto, ainda que tardio”, de Rubem Valentim – Sala Rubem Valentim – Museu de Arte Moderna da Bahia / Solar do Unhão – Salvador/BA (6/3/2015)




Obra do artista que é a logo do espaço,
na parede externa do anexo.
Minha linguagem plástico-visual signográfica
está ligada aos valores míticos profundos
de uma cultura afro-brasileira
(mestiça-animista-fetichista)”
Rubem Valentim

Conheci parte da obra do artista visual baiano Rubem Valentim (1922-1991) por conta de uma investida frustrada. Pois um dos pontos que almejávamos visitar Leocádia e eu em Salvador era o Solar do Unhão, um belíssimo complexo arquitetônico do século XVII (integrado pelo Solar, pela Capela, um cais privativo, aqueduto, chafariz, senzala e um alambique) sobre o qual saímos de Porto Alegre já com intenção de visitar, pois lá funciona o Museu de Arte Moderna da Bahia – MAM’s sempre fazem parte de nossos roteiros. Ainda por cima, já lá, passando pela Avenida do Contorno, que costeia a Baía de Todos os Santos, pudemos ver de cima o lindo casarão lá embaixo, bem à beira do mar, o que nos empolgou ainda mais em conhecer o local.
Peças compostas em escultura,
madeira e acrílica.
A decepção se deu porque praticamente todo o Unhão estava em reforma estrutural ou em montagem da nova exposição. Resultado: a única galeria que tivemos acesso foi justamente a sala que leva o nome de Rubem Valentim, um anexo do museu localizado numa lomba acima da casa antiga – lindo por sinal, que, em sua arquitetura moderna, contrasta bem com os traços da original de estilo colonial. Pois a decepção não foi total porque ali estava a exposição “Manifesto, ainda que tardio”, de Valentim. Pequena mas bem interessante, mostra um conjunto de esculturas, pinturas e instalações (em algumas obras, os três formatos ao mesmo tempo, todas compostas de escultura, madeira e acrílica) de 1977 e 78. Dono de uma arte figurativa geométrica, Valentim foi um dos pioneiros, segundo o crítico e ensaísta carioca José Guilherme Merquior, de uma arte “semiótica”, devido à sua capacidade de dessacralizar fetiches e objetos rituais, imprimindo a eles contornos de uma semântica peculiar.
A exposição mostra bem isso: símbolos africanos e da religiosidade afro-brasileira são elaborados em formas geométricas graves e concisas, pois transformados pelo concretismo e pelo construtivismo vida urbana. Um cosmopolitismo muito original. O título, inclusive, é bem apropriado: “Manifesto, ainda que tardio” é um documento escrito por Valentim em 1976 onde ele explicava os porquês e as motivações de sua arte, uma vez que ele, artista precursor da moderna arte na Bahia que vivera e expusera em várias capitais brasileiras (Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo) e exterior (Itália, Alemanha, Japão, Colômbia), nunca o tinha feito tão abertamente até então.

Por se tratar de um espaço expositivo temático, sempre há obras de Valentim, porém esta vale bastante a pena ser vista por quem puder.
Os Relevos
Emblema de 1878
Quadros-esculturas da exposição
Raros tons que incrementam a signografia de Valentim
Eu entre as obras de Valentim



domingo, 11 de junho de 2023

Exposição “ÀMÌ: Signos Ancestrais” - Espaço Cultural Arte Sesc - Rio de Janeiro/RJ (16/05/2023)

 

Foram poucos dias de visita à minha família naquela que é minha segunda cidade, Rio de Janeiro, mas de uma programação cultural significativa. Teve show, feira, bares, passeios, flâneur e, claro, exposições de arte. Dentre elas, uma que juntou mais de um desses atrativos: após uma caminhada pelas ruas entre o Cosme Velho, a Laranjeiras e o Flamengo, minha mãe e eu fomos parar no charmoso Espaço Cultural Arte Sesc, novo espaço cultural do Rio ao qual já saí de Porto Alegre com intenção de conhecer. Minha mãe, já tinha ido ao bistrô tempo antes, mas não às salas expositivas, que guardavam uma rica surpresa para nós: um encontro com as nossas raízes pretas na bela mostra tripla “ÀMÌ: Signos Ancestrais”.

Antes de mais nada, vale, contudo, conhecer o próprio espaço em si, mesmo que não se almeje ver alguma exposição. Instalado num belo casarão em estilo Eclético construído em 1912, o Espaço Cultural Arte Sesc foi a moradia do empreendedor tcheco Frederico Figner, pioneiro da indústria fonográfica no Brasil e fundador da Casa Edison e da Odeon, a primeira gravadora musical do país (olhe só esses reencontros com aquilo que a gente gosta). Originalmente denominada Mansão Figner, a edificação representa ideais da época em que o Rio de Janeiro era a capital do país, sendo uma das mais relevantes e significativas casas de natureza residencial que integram o patrimônio arquitetônico da cidade.

A bela casa estilo
Eclético do novo espaço
cultural do Rio
Mas voltando à exposição. Ou melhor: tripla exposição. A partir da palavra “ÀMÌ”, que designa “signo” e “símbolo” na língua yorubá, os jovens artistas Guilhermina Augusti e Raphael Cruz valem-se da brilhante e referencial obra do baiano Emanoel Araújo, um ícone da arte brasileira e negra no Brasil, para traçar um diálogo revelador e propositivo. Trazidos da África para o Brasil no século XIX, o povo de origem nagô, antes residente abaixo do deserto do Saara, possuía uma riqueza de ritos, cultos, pensamento matemático que acabaram sendo incorporados ao Brasil como partícipes da cultura nacional. É desta riqueza ancestral que Araújo sempre desvelou raízes e signos afrodescendentes.

As divindades do Candomblé estão identificadas seja na figuração quanto na abstração, em que os artistas assumem um lugar de representação e representatividade. Instigante, a obra de Guilhermina coopta essa divindade para uma realidade mais urbana e moderna, colocando neste panteão personagens pretos como Madame Satã, Yêdamaria e Arthur Bispo do Rosário na sequência de serigrafias. Ela também instiga a reflexão no díptico “Noite Eterna”, em que o machado de Xangô sustenta seu povo, seja no dia ou na noite, quer dizer, na eternidade. Interessante também o painel de Cruz, transversalizando a arte urbana do seu bairro, Irajá, família, ancestralidades e musicalidades afrorreferenciadas.

Mas, evidentemente, o grande impacto fica por conta da seção destinada a Emanoel Araújo. Falecido precocemente no ano passado, este intelectual nascido na terra de Caetano Veloso e Maria Bethânia, Santo Amaro da Purificação, foi escultor, desenhista, ilustrador, figurinista, gravador, cenógrafo, pintor, curador e museólogo. Suas obras tensionam tridimensionalidades que dialogam com construções totêmicas africanas num conjunto de dogmas retrabalhados e reinscritos em um novo lugar: na diáspora afro-brasileira. É o que se vê na assombrosa capacidade de síntese que suas peças deflagram, caso da impactante “Exu”, montada a partir de elementos não apenas artísticos mas, antes de tudo, totêmico: espelhos, miçangas, cabaças, conchas, pregos e ferro. Em sua concepção que amalgama pesquisa em profundidade e sentimento de identidade, a técnica se reveste de simbologia.

O curador da mostra se refere à Araújo dizendo que este “observa e reflete a África em dimensões contemporâneas, pensa a travessia dos signos, registra o povo negro com amabilidade e doçura, raras nas interpretações violentas e caricatas de então, direcionando-se, também, à percepção de si como um homem negro afrodiaspórico”. “Relevo” (madeira e tinta automotiva), “Xangô” (madeira, tinta automotiva, vidro, machado, máscara e miçangas) e “Sem título” (madeira policromada) trazem isso com absoluta coesão. Neste aspecto, a arte de Araújo remete às composições geométricas de um de seus mestres, o conterrâneo Rubem Valentim – com quem há paralelo, inclusive, em outra exposição que visitei, no Casa Roberto Marinho. Os símbolos e emblemas afro-brasileiros de Valentim reaparecem revisitados e ressignificados em Araújo.

Confiram, então, algumas fotos e vídeos da exposição e do espaço:

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Entrando na sala expositiva


Arte urbana de Raphael Cruz no Arte Sesc

Guilhermina Augusti e suas novas divindades

A eternidade do machado de Xangô 

A fascinante obra de 1985, mais antiga da mostra

A densa "Exú", de Emanoel Araújo

Outra obra divina de Araújo

Detalhe da madeira policromada

Os dois flâneurs do Rio encerrando o passeio na exposição

E este blogueiro em frente ao mural do Arte Sesc


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Exposição "ÀMÌ: Signos Ancestrais"
local: Espaço Cultural Arte Sesc
Av. Marquês de Abrantes, 99 - Flamengo (Rio de Janeiro)
período: até 31 de outubro de 2023
horário: de segunda a sábado, das 12h às 19h
ingressos: Gratuito


Daniel Rodrigues

domingo, 2 de julho de 2023

Exposição "Nuances de Brasilidade: Repertório" - Centro Cultural PGE-RJ - Rio de Janeiro/RJ

 

Embora eu não entenda nada de astrologia, deve passar por alguma explicação neste sentido a minha ligação com o Rio de Janeiro. Digo frequentemente que, mesmo gaúcho, porto-alegrense nato, e com família e amigos que moram no Rio, ando por lugares que nem os cariocas circulam, o que me faz conhecer a cidade mais do que muitos deles. Numa dessas andanças cariocas na última vez que estive na cidade, saía eu de uma visita ao Paço Imperial, na Praça XV, no Centro (lugar que, sei, muitos turistas e nem os próprios cariocas vão) e, ao atravessar a 1º de Março, percebi no frondoso prédio da calçada oposta que havia uma entrada iluminada e convidativa. Parecia ser um espaço novo. E era: o Centro Cultural PGE-RJ, aberto em 2022 pela Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, atual responsável pelo prédio histórico. 

"Novo", modo de falar, pois o Centro Cultural PGE-RJ, recém-restaurado, fica no antigo Convento do Carmo, uma das mais antigas construções do país, cedido pelos monges carmelitas para servir de residência para D. Maria I quando da vinda da Família Real para o Brasil e datado da mesma época que o Paço, século XVII. Mas voltando à astrologia. Diz-se que o Rio de Janeiro tem como signo peixes, o que o faz ser uma cidade de belezas e mistérios. Afinal, não são à toa os versos: “cidade maravilhosa, cheia de encantos mil”. E o que me aconteceu naquele finalzinho de tarde em que saía do Paço Imperial foi de revelação de um desse tipo de mistério que o Rio guarda nas suas entranhas. Arrisquei e minha curiosidade foi recompensada pelo belo espaço expositivo que encontrei, o qual me lembrou os do próprio Paço Mais do que isso: a qualidade da exposição em si: "Nuances de Brasilidade: Repertório".

Não deu muito tempo para visitar, pois, como falei, já era fim de tarde e o horário de atividade estava se encerrando. Mas deu para apreciar a pequena e agradável mostra de 14 artistas brasileiros com obras cedidas por colecionadores particulares. Os trabalhos são de gente do calibre de: Abraham Palatnik; Emanoel Araújo; Frans Krajcberg; José Bechara; Luiz Zerbini; Miguel Rio Branco; OSGEMEOS; Rubem Valentim e outros. Só coisa fina.

Confiram algumas obras em exposição até setembro no belo espaço do casarão da PGE-RJ.

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Já de cara, um Palatnik (acrílica sobre madeira, 2015)

As formas orgânicas e perturbadoras de Krajcberg:
obra (pigmentos naturias sobre madeira) que é um dos destaques da mostra

A profusão ótica do paulista Zerbini ("Sem título", 2007)

A fotografia também presente na mostra pelas lentes de Luiz Braga
("Menino sentado no pneu", 1988)

A genialidade afro-simbolista de Emanoel Araújo, 
que marcou esta minha ida ao RIo em três expos diferentes

A arte d'OS GÊMEOS, "Gravidade Zero", técnica
mista sobre madeira (2012)

Outro gênio, Miguel Rio Branco, e suas imagens densas
que desafiam o conceito de fotografia ("Havana velha", 1994)

O baiano Valemtim, a quem me deparei também mais de uma vez,
com "Emblema 80", de 1980 (acrílica sobre tela)



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E
xposição "Nuances de Brasilidade: Repertório"
local: Centro Cultural PGE-RJ
Praça XV de Novembro – Centro (Rio de Janeiro)
período: até 16 de setembro de 2023
horário: de terça-feira a sábado, das 10h às 18h
ingressos: Gratuito

Daniel Rodrigues