sexta-feira, 21 de setembro de 2012
Coluna dEle #27
sexta-feira, 26 de outubro de 2012
cotidianas #185 - "Livros"
cena do filme "Fahrenheit 451" de François Truffaut |
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.
Mas podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
(Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou o que é muito pior por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:
E de mais confusão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.
letra da música "Livros"
de Caetano Veloso
terça-feira, 10 de janeiro de 2012
cotidianas #128 - MacGol
Desembarcaram no aeroporto ainda eufóricos pela grande vitória fora de casa.
Havia sido um chocolate!
Tinham passado por cima do adversário e ele, Maicon, um reserva havia sido o grande destaque com três gols. Estava ansioso para dividir com a mulher a alegria do feito. Ela que sempre lhe dizia que ele merecia mais, que já devia ser titular àquelas alturas, certamente estava satisfeita com o que ele fizera. Com certeza vira o jogo na TV.
Agora a caminho do táxi, ele e o colega, amigo e vizinho Waldemar, zagueiro veterano e experiente, conversavam animadamente sobre o campeonato, quando uma velhinha pedinte, provavelmente cega a julgar-se pela branquidão das íris, sentada no meio fio da área de desembarque , os interrompeu:
- Ehe, Maicon, novo dono da camisa 9 e logo logo o grande craque do Metrópolis, hehehe! – riu-se sozinha.
- Como é que é? - se deteve, interrompendo o passo.
- E tu – disse agora se apontando para o Waldemar, sem levantar a cabeça – Filho de Soberano é Príncipe. Hihihi! O guri vai ser grande. O maior! Hehehe...
Referia-se ao Waldemar daquela maneira porque assim era conhecido o zagueiro do Metrópolis: O Soberano da Grande Área e pelo visto aquela adivinha via um futuro promissor para seu filho que ainda jogava nos juvenis.
Não tiveram tempo de pedir maiores explicações. Um táxi encostou e o motorista já se encarregava de guardar-lhes as bagagens no porta-malas.
Embarcaram mas permaneceram por um momento um tanto atônitos pelas previsões da anciã. Seus estados de transe só foram quebrados pela entrevista que por caso, ouviam exatamente naquele momento no rádio do táxi, na qual o técnico de seu time, recém desembarcado no aeroporto, anunciava aos repórteres que Maicon seria o novo dono da camisa 9 já a partir do próximo jogo.
Se entreolharam estupefatos!
Mas se a velha dissera a verdade então em breve não só seria titular como também seria o grande craque do time. E o Waldemar? O filho seria então o grande ídolo do clube? Seria uma maravilha uma vez que nunca passara de um zagueiro limitado, imponente mas limitado, e de qualquer foram, já estava mesmo em fim de carreira. Que orgulho sentia pelo filho embora não houvesse do que se orgulhar efetivamente ainda. Tudo que havia era apenas uma predição de uma velha cega na calçada do aeroporto.
Assim que chegaram ao condomínio onde eram vizinhos, cada um foi para sua casa e Maicon, mais que depressa foi levar à mulher a boa notícia. Era o que ela esperava. Sabia que o marido merecia. Sabia que merecia muito mais. Craque do time? Isso traria um salário maior, convocação para a Seleção, contratos publicitários, propostas do exterior... Mas como seria possível? O craque do time indubitavelmente era o Duca. O Duca era titular da Seleção Brasileira e pretendido por inúmeros clubes europeus. Só se... E se tirassem o Duca do caminho. Quem sabe ele não poderia ‘aceitar’ uma destas propostas do exterior. Tinha o mesmo empresário do Maicon, era só uma questão de convencê-lo a vender o craque imediatamente. Mas como faria? Bom, tinha seus meios e o Maicon não precisava saber como ela tinha conseguido...
E foi o que aconteceu. Deram-se mais uns 3 jogos, o Duca parecia desinteressado, coma cabeça em outro lugar até que foi anunciada sua para um time da Espanha. Foi uma grande frustração para a torcida. Quem poderia substituir o craque agora. Por mais que o Maicon continuasse fazendo seus gols e tivesse sido naturalmente elevado à condição de grande ídolo, nem de perto exibia a mesma qualidade técnica do meia-armador vendido para o estrangeiro. A grande vantagem do clube era que na categoria de base um jovem talento vinha-se destacando era o Wellington, filho do veterano zagueiro Waldemar. Em sub-15, 16,19, 20, simplesmente arrasava. Estava muito à frente do pessoal da sua categoria e logo teria que ser integrado ao profissional. Já chamava-no o Pequeno Príncipe, em alusão ao título de nobreza atribuído ao pai. O Maicon não tinha nem se dado conta disso, mas sua ambiciosa esposa, sim. Se a velha estivesse certa, e já havia acertado antes, aquele menino seria o maior ídolo do clube e por certo faria com que a torcida relegasse seu marido a uma condição inferior e passasse exclusivamente a adorar aquele fedelho. A idolatria era o de menos, o problema era que aquilo certamente acarretaria contratos inferiores, perda de patrocínios, de prestígio no próprio clube. Conhecia alguns garotos da base, podia convencer algum zagueirinho daqueles a dar um fim à carreira do prodígio. Uma entrada criminosa no joelho? Um carrinho por trás... Adorava aquele termo, ‘por trás’. Sim, qualquer um daqueles garotos pernas-de-pau ficaria feliz em fazer-lhe aquele favorzinho em troca de alguns momentos... mais íntimos, digamos assim.
A notícia da lesão do Wellington caiu como uma bomba no clube. E num rachão! Ainda se fosse em jogo valendo. O Rodrigão, zagueiro de 18 anos que dera-lhe a entrada imprudente fora até a público desculpar-se, ‘coisas do acaso’, ‘futebol é jogo de choque’, ‘lamentava por ter feito aquilo com um colega’, até chorara na TV. A grande promessa do clube, no entanto, estava de molho por pelo menos 3 meses. Muito menos tempo do que, quem vira o garoto se retorcendo de dor no campo suplementar, podia imaginar. Sem o Duca, vendido, e sem a perspectiva do Pequeno Príncipe, o Metrópolis teria que continuar dependendo dos gols do Maicon. Mas graças a Deus ele estava em grande fase e os gols não cessavam. A bola às vezes mordia-lhe, era sofrível, ele a tratava mal, mas no fim das contas, na hora de empurrar pras redes, sempre era ele quem estava lá.
O velho Waldemar que conhecedor como era do ofício de zagueiro, tinha certeza que aquilo tinha sido de propósito. Muito já fizera pra tirar adversários de campo. Tinha uma leve desconfiança mas não queria dar crédito a ela.
O campeonato seguiu, não foram campeões, tinham arrancado muito atrás mas graças aos gols do centroavante conquistaram a chance de disputar a Libertadores. No ano que viria, sim. Maicon, o MacGol, como chamava a torcida, teria que ser decisivo para conquistarem a América. O Waldemar apesar da desconfiança, optou por calar-se, até porque no clube, àquelas alturas, o Maicon era como um deus e, desgostoso com aquilo tudo como estava, preferiu retirar-se dos gramados no final da temporada a ficar travando uma batalha interna. A recuperação do filho, no entanto, surpreendia o departamento médico e o garoto logo voltaria a trabalhar com bola, contudo, seria melhor emprestá-lo para outro clube pelo menos por um semestre para ver como retornaria de todo aquele tempo parado e para que fosse ganhando ritmo de jogo. Foi emprestado ao Guarí time pequeno mas que excepcionalmente conseguira aquela vaga inédita para o torneio continental. Dependendo da recuperação, poderia te vir a enfrentar o próprio clube em outra fase da competição.
A torcida por sua vez já esperava ansiosa pela volta do craquezinho depois do empréstimo e, mesmo à distância, no modesto Guarí, o garoto recebia o carinho do torcedor que já o considerava o novo Duca. Maicon começou a ficar preocupado com aquela idolatria. O garoto nem sequer jogava no seu time e era amado daquela maneira. Podia vir a ser adversário até na competição mas parecia que a torcida ignorava isso ou.. talvez nem se importassem. Imagina quando voltasse ao clube. Como garantiria sua condição maioral no clube? E os contratos, e o prestígio, e os patrocinadores? Tolas preocupações uma vez que numa atividade como o futebol há espaço para mais de um ídolo na mesma casa, mas provavelmente por conta de sua ignorância, de sua origem humilde, sua formação, temia que o que por ele fora conquistado, lhe fosse tirado da mesma forma.Por isso tinha que se certificar de que uma possível volta do guri não o relegaria a um segundo plano, terceiro talvez, a um ocaso prematuro... Mas o que poderia garantir-lhe? A velha! Sim a velha do aeroporto. Deveria estar lá ainda, maltrapilha mendigando perto da fila do táxi. Iria vê-la. Nem trocou de roupa. Saiu como estava mesmo. Pegou o carro e rumou para o aeroporto. Chegando lá não se enganara, encontrara a velha exatamente onde imaginava: na fila do táxi, com os olhos esbranquiçados fixos no chão, o que não a impediu de reconhecê-lo antes que se aproximasse ou ao menos abrisse a boca.
- Ah, lá vem o Dono da Camisa 9. O capitão do time. O Grande ídolo do Metrópolis! Salve o MacGol!!! Hehehehe!
- Velha, tu disse as coisas certas: que eu ia ser titular, ídolo da torcida e tudo mais. Mas tu também falou que o filho do Waldemar ia ser O Maior. Ele tá fora. Tá em outro time e mesmo assim parece que gostam mais dele do que...
- Te acalma, te acalma. Tu é o grande MacGol, o maior jogador do clube, o mais alto salário e blábláblá... Só vai deixar de ser no dia que concreto virar ouro.
- Então, não tem chance! – suspirou aliviado – Ninguém pode me derrubar...
Mas a velha interrompeu:
- Até pode, mas só se for homem nascido de bicho.Tu já viu? Tu conhece algum?
- Nã... Não... Acho que não. – disse hesitando um pouco.
- Agora vai, vai... E põe um dinheirinho aí – disse estendendo uma lata de goiabada com uma meia dúzia de moedas. – Vai, MacGol. Senhor da Pequena Área, hehehehe!
Ele depositou uma nota generosa e foi-se embora ainda remoendo o assunto. “Homem nascido de bicho”. Aquilo era impossível. E ‘o dia que concreto virar ouro’. Isso é um absurdo. Concreto jamais poderia virar ouro. Podia ficar tranqüilo. E foi para casa ainda com uma ponta de preocupação na cabeça, mas que foi desaparecendo e transformando-se em confiança durante o caminho pra casa.
Dentro de campo tudo continuava correndo bem. Avançavam às 4as. De final da Libertadores e ele MacGol continuava sendo decisivo. Mas fora de campo as coisas começavam a ficar um tanto conturbadas. O zagueiro do juvenil que tirara Wellington dos gramados, meio bêbado demais numa festa, dera com a língua nos dentes, com detalhes inclusive do modo como fora convencido. A conversa vazou para a imprensa e logo foi para os jornais em forma de boato. É lógico que o garoto, o Rodrigão desmentiu publicamente, mas aí a aura de desconfiança com o MacGol já era perceptível. A torcida se dividia em opiniões: Uns achavam impossível alguém mandar fazer uma coisa daquelas com um colega de profissão, ainda mais um menino, outros, que aliás eram a maioria, estavam solidários com o Pequeno Príncipe e consideravam a atitude do goleador imperdoável.
Para piorar o guri estava fazendo chover no modestíssimo Guarí! Praticamente sozinho levara a fraca equipe às semifinais de uma Libertadores da América e enfrentaria exatamente o clube do coração, o clube no qual fora criado e ao qual ainda pertencia por contrato.
O dilema do torcedor ficara maior ainda: era a chance de chegar finalmente a uma final de Copa Libertadores, mas ao mesmo tempo a jóia do clube estaria do outro lado fazendo as habituais mágicas que costumava aprontar. O certo seria prestigiar o garoto, aplaudi-lo, mas não abandonar o próprio clube de maneira alguma. Sorte que tinham o MacGol, que vinha guardando todas desde o início do campeonato.
Mas na semana do jogo a balança pendeu definitivamente para o lado do jovem craque quando o ex-empresário, aquele que vendera o craque Duca para a Europa, insatisfeito por ter sido destituído do cargo pela ambiciosa esposa do artilheiro, também tratou de dar detalhes sobre os motivos que levaram o ex-camisa 10 a sair do clube. A situação ficou péssima para a esposa dentro de casa e para os dois dentro do clube. Sirleni era olhada com desprezo pelas outras, era alvo da ira de dirigentes e de piadinhas dos jogadores de todas as categorias. Em casa, Maicon humilhado pedia-lhe explicações de como pudera fazer uma coisa daquelas com ele, ao que ela respondeu que não havia feito COM ele e sim POR ele. Não adiantaram as explicações e as justificativas. Furioso a mandou embora, botou pra fora, bateu a porta jogou as coisas pela janela e gritando dali a mandou dormir debaixo da ponte. Um prato cheio para a s fofocas dos vizinho e para imprensa que confirmava então, até mesmo o caso do Rodrigão. Agora era notícia. Que péssimo clima para uma semana de decisão.
Mas salvo todos os problemas, o nariz torcido da diretoria, do técnico, dos colegas, sabia que na podiam prescindir dele. Ele era o MacGol, o que caísse na área para ele era rede. E mais do que nunca estava cheio de confiança. Sabia que aquilo tudo iria passar. Não deixaria de ser o ídolo maior do clube, com certeza escreveria o nome na história, um dia teria estátua, seria nome do estádio, provavelmente viria até mesmo a ser presidente. Jamais concreto viraria ouro.
Mas a determinação da torcida em torcer para o time sem deixar de demonstrar solidariedade ao garoto prata-da-casa tinha que ser simbolizada de alguma maneira e para isso as organizadas combinaram de usar coroas de papelão revestidas com papel dourado no dia do jogo. Todos deveriam pô-las nas suas cabeças quando as equipes entrassem em campo. E foi o que aconteceu. As equipes entraram juntas e o que se viu foi aquele estádio praticamente todo dourado. Era como se o concreto da arquibancada tivesse virado ouro.
Maicon não acreditava no que via. De repente toda sua confiança começava a se esvair. Mas não seria substituído, ninguém seria como ele no clube, afinal nenhum homem nascera de um animal.
Enquanto sua cabeça girava em inúmeras inquietações o placar eletrônico dava as escalações dos times. O goleiro, o lateral-direito... Naquele dia o lateral do Guarí estava suspenso e jogaria um outro, por acaso de mesmo nome do seu rival. Se não bastasse um Wellington o atormentando, ainda teria que agüentar outro em campo. Mas meteria dois ou três gols e logo a torcida esqueceria o pirralho. E seguia o placar: o volante, o meia-direita, o meia-esquerda, ele: Wellington Lobo. Anunciaram-lhe o sobrenome para diferenciar do outro. E era um Lobo, um bicho, um animal. Nascera de um... bicho. Suas pernas bambearam, mas já era o momento de dar início ao jogo. O árbitro já apitara e ele continuava ali atônito olhando para o placar sem acreditar.
- Maicon, rola a bola. O homem já apitou. – chamou-lhe o colega tirando-lhe parcialmente do transe.
Tocou levemente na bola, o suficiente para fazê-la sair do lugar. E o jogo começara.
A atuação do MacGol foi ridícula. Provavelmente nunca nenhum jogador de futebol fizera uma partida tão sofrível. Não acertou nenhum passe. Rigorosamente nenhum. Parecia totalmente desconcentrado. Teve a chance de ouro quando o Paulinho driblou o goleiro perto da linha de fundo e não tendo mais ângulo para chutar rolou para ele, sozinho, quase sobre a linha e ele, inexplicavelmente, meio que tropeçando, se enrolando com as pernas, chutando o chão e arrancando um naco de grama bateu fraquinho pelo lado do gol. Foi retirado imediatamente pelo técnico debaixo da maior vaia já direcionada a um só jogador num estádio de futebol.
Do outro lado, Wellington, o Pequeno Príncipe, mostrava porque era a maior jóia do futebol brasileiro. Fazia miséria! Era impossível marcá-lo. Era chapéu, janelinha, toque de letra, empilhava uns três ou quatro na marcação fácil e chegava na cara do gol quase sempre em condição de concluir e em atos heróicos derradeiros, um zagueiro se jogava contra a bola, o goleiro fazia um milagre ou ela saía por capricho.
A torcida conformada que aquele jogo já estava perdido mesmo, passou a apenas assistir às obras de arte do garoto, que acabou o jogo classificado e simplesmente ovacionado pela torcida que era adversária, mas que no fim das contas era a sua torcida.
Quanto ao Maicon, depois de todas as acusações da semana, do escândalo com a esposa, do prejuízo que causara ao próprio clube tirando o garoto do time naquela temporada, somado à atuação bisonha, queriam literalmente a sua cabeça. Se tivesse feito aquele gol naquele momento do jogo talvez tivessem alguma chance mas depois, foi um passeio do adversário. Show do guri!
Substituído que foi, aproveitou para sair de fininho antes do fim do jogo. Não apareceu mais no clube. Não foi mais visto por um bom tempo até que se soube que atuava em um time da quarta divisão do estado. A esposa soube-se que passara a dormir debaixo do viaduto, virara mendiga, enlouquecera e não falava coisa com coisa. Foi encontrada morta alguns meses depois.
No Metrópolis, o Pequeno Príncipe é hoje o maestro do time, o grande Camisa 10, o centro técnico, a referência. O orgulho do seu Waldemar Lobo. É titular da Seleção fazendo dupla com o Duca no meio-campo. Reina absoluto!
quinta-feira, 17 de dezembro de 2020
Lou Reed & John Cale - "Songs for Drella" (1990)
Foi assim com Reed e Cale desde sempre. Dois dos maiores talentos de sua geração de prodigiosos jovens artistas nascidos no pós-Guerra, são figuras essenciais para a cena da contracultura nova-iorquina, que mudou os rumos da vida social na segunda metade do século XX. Isso, contudo, não impediu que as desavenças se manifestassem. Pelo contrário, era-lhes como dar mais munição. Já na Velvet Underground, histórica banda que cofundaram com Moe Tucker e Sterling Morrison nos anos 60 e espinha dorsal do rock junto a Beatles, Bob Dylan e Rolling Stones, isso já acontecia. Mesmo com a alta sinergia artística que os unia e os colocava como o principal núcleo criativo do grupo – capaz de inventar algumas das mais elevadas obras da música contemporânea, como “Heroin”, “Venus in Furs” e “Sister Ray” –, as diferenças falavam mais alto do que as semelhanças. A Velvet continuou com Reed até este partir para sua própria carreira no início dos anos 70, mas Cale, incomodado com o parceiro, não suportou mais do que dois discos e saltou fora um ano após a estreia no clássico "Disco da Banana" para voos solo e na produção musical.
Já veteranos, os integrantes da banda promoveram uma nova aproximação somente 25 anos, em 1993, para o memorável show “Live MCMXCIII”. A turnê comemorativa, que vinha emocionando fãs por onde passava, entretanto, mal havia começado e teve de ser subitamente interrompida por causa de brigas entre os dois líderes. De novo os iluminados raios se chocavam e faziam fechar o tempo, transformando a situação festiva em um dilúvio de ferozes descargas elétricas.
A Velvet com Nico: apadrinhados por Andy |
Precavidos do próprio histórico, a combinação foi a seguinte: por três meses, os dois – e somente os dois –, suportariam o confinamento e baixariam a cabeça para comporem conjuntamente um repertório inteiramente novo em memória a Andy. Três meses apenas. O que talvez seja muito pouco tempo para alguns, foi mais do que suficiente para que os conflituosos, mas não menos experientes e afinados companheiros, compusessem uma obra-prima única em vários aspectos. A começar pela ocasião em si, para a qual Reed e Cale conceberam também algo especial, uma vez que sabiam da responsabilidade que lhes cabia: somente eles podiam cumprir aquela tarefa. Embora a vastidão da influência de Andy para a arte, estabelecendo nesta um "antes" e um "depois" de si, eram Reed e Cale seus verdadeiros herdeiros na música. Por isso, entendiam que a homenagem a Andy pedia pompas. Afinal, somente um indivíduo ímpar na humanidade poderia juntar Drácula com Cinderella (daí, o apelido “Drella”). Com isso, “Songs” saiu não apenas um disco, mas uma ópera-rock, que respeita toda a estrutura clássica tal como o rock havia incorporado ao narrar uma história de apogeu e miséria e final necessariamente trágico. Outra excepcionalidade é ter apenas os dois no recinto tocando, cantando, gravando, mixando e produzindo a si próprios. O resultado é um disco de sonoridade minimalista mas altamente expressiva, em que não há percussão, sopros, orquestra ou outras vozes, apenas as cordas vocais dos dois falando pela de Andy e intercalando-se e a de seus instrumentos: guitarras, baixo, viola e piano/teclados.
Cale, Reed e Andy em 1976: relação antiga e muito cúmplice |
Para narrar a trajetória de Andy, Cale e Reed determinam, então, 15 movimentos em que se ouvem a sofisticação do art rock, a fúria do punk, a ousadia da vanguarda, a tradição clássica europeia e o palpável da canção pop. Tudo que Andy lhes legou em ideias e conceitos, desde a Velvet até as suas carreiras solo, era revisado e revisitado de forma altamente madura e concisa, mas também emocional e devota. Num teor erudito, a provocativa “Smalltown” começa como uma espécie de minueto ternário em allegro em que a voz de Reed faz resgatar o desejo do jovem Andy antes de mudar-se para a cosmopolita Nova Yprk nos anos 50. Gay, estranho e totalmente deslocado em sua Pittsburgh natal, ele tinha uma única certeza: a de que queria sair dali. “De onde é que Picasso vem/ Não há Michelangelo vindo de Pittsburgh/ Se a arte é a ponta do iceberg/ Eu sou a parte mais ao fundo“.
A percepção de que o destino de Andy era mudar os padrões da sociedade começa a ser desenhada a partir do momento em que ele pisa na Big Apple, mais precisamente quando “abre a casa” na 81st Street, em Manhattan, para receber toda a fauna de artistas e doidões de uma Nova York em plena ebulição criativa. Era a Factory, seu lendário estúdio de onde a arte ocidental entrou de um jeito e saiu de outro para nunca mais ser a mesma. A dupla dá a este momento ares litúrgicos e ambientais, mas ao mesmo tempo recorre ao minimalismo nas três notas repetidas que formam o núcleo melódico de "Open House", o mesmo que usaram em "Waiting for the Man", outra sua do repertório da Velvet.
Enquanto Cale canta a busca de Andy por patrocínio junto aos mecenas endinheirados, a quem apresenta um portfólio com suas embalagens de Brillo e uma tal banda chamada Velvet Underground (“Style It Takes”), Reed, na sequência, sob um ruidoso e minimalista rock, traz o artista em atividade (“Work”) fazendo lembrar o som hipnótico e sequencial de contemporâneos de anos 60, mas estes, da cena avant-garde da Califórnia, Philip Glass e Steve Reich. Logo começam, entretanto, os problemas. “Trouble With Classicists”, numa melodia neo-renascentista quase declamada por Cale, traz as idiossincrasias entre a arte moderna e classicismo, bem como o embate com os críticos.
A efervescência nova-iorquina agora está nas veias de Andy. A intensa “Starlight”, com as guitarras distorcidas de Reed e o toque atonal do piano de Cale, fala da casa LGBT que abrigou seus pares: Ingrid, Viva, Little Joe, Baby Jane, Eddie S. “Starlight aberto/ Luz das estrelas abre sua porta/ Isso se chama Nova York/ Com filmes na rua/ Filmes com pessoas reais/ Que você recebe é o que você vê”. Desses personagens reais surgem as famosas fotografias e serigrafias como as que imortalizou de Marylin Monroe, Elvis Presley ou Truman Capote. O genial e inquieto rapaz do interior agora se encontra totalmente consigo mesmo. Criador e criaturas se homogeneízam. Para Andy, cantado no elegante timbre de Cale numa das mais brilhantes do disco, “rostos e nomes são tudo a mesma coisa”. Kitsch, celebridades, sexo, drogas, noite, ruas. Em "Faces and Names" a arte sai pelos poros, seja pela pintura, cinema, teatro ou música. São os “15 minutos de fama” e muito mais. Andy, no auge, prossegue formando novas figuras, como Reed canta noutra maravilha de “Songs”, “Images”. A viola ao estilo La Monte Young de Cale e a guitarra com efeitos de pedal de Reed formam um corpo dissonante só para registrar que, além do figurativo, o abstrato também integra o repertório pictórico do artista visual.
A dupla em 1990 na rara reunião para homenagear o pai da pop art |
O belo country “Nobody But You” versa ainda sobre o traumático episódio (“Eu realmente me importo muito/ Embora pareça que não/ Desde que eu fui baleado/ Não há ninguém além de você”), encaminhando o musical para um desfecho, como se sabe, melancólico como em todas as óperas. Na discursiva e etérea “A Dream”, Cale traz sua veia new age e neoclássica captada junto a outros parceiros, como Terry Riley, Brian Eno e Kevin Ayers. A letra é um fluxo de pensamento de Andy, cuja descrição de um sonho traça um panorama de vários momentos de sua biografia: os primeiros anos, a Velvet, pessoas de convivência, a amizade com Reed e Cale, o incidente na Factory e as feridas que a vida lhe trouxe. A indagação: “Puxa, não seria engraçado se eu morresse neste sonho antes que eu pudesse inventar outro?”, quase ao final da faixa, denota o pressentimento de que os últimos traços de um artista sublime estavam sendo dados.
A arquitetura narrativa de “Songs” - que mantém um exemplar equilíbrio entre densidade e leveza, tonalismo e dissonâncias, agitação e calmaria, classicismo e vanguarda, agressividade e lirismo - surpreende mais uma vez na virada da contemplativa e extensa “A Dream” para o blues ultramoderno “Forever Changed”, talvez a mais impactante de todo o álbum. Ciente da proximidade da morte, Andy compreende igualmente a sina de todo grande artista: a permanência do seu legado. “Eu fui”, mas tudo “mudou para sempre”. A consciência da eternidade. Se Cale emenda as duas anteriores, é Reed quem tem o privilégio de desfechar este réquiem. Isso porque, ao invés de prosseguirem a narrativa na terceira pessoa, como que falando pela voz de Andy, são as próprias palavras de Reed que compõem a letra de“Hello It's Me” numa emocionante carta de despedida. “Andy, sou eu, não te vejo há um tempo/ Eu gostaria de ter falado mais com você quando você estava vivo”, abre dizendo na singela balada, mais uma como “Femme Fatale” e “Sunday Morning” composta pelos dois em meio aos vários proto-punks raivosos e sinfonias ruidosas dos tempos de Velvet.
Terminada a gravação, também não durou muito a turnê de “Songs”. Após algumas apresentações, Cale e Reed separaram-se novamente, como raios excelsos que entram em choque depois de mal se aproximarem. A última ocasião, o reencontro da Velvet, três anos dali, foi sentenciada com a partida de Sterling Morrison dois mais tarde e a do próprio Reed, em 2013. Antes da tormenta, contudo, o tempo colaborou para que registrassem este impecável e sui generis disco, que evidencia o quanto figuras como Andy Warhol fazem falta sempre. E por quê? Porque, como um Michelangelo, um Mozart, um Picasso, um Shakespeare, ícones revolucionários invariavelmente deixam lacunas impreenchíveis, simplesmente. Ouvir “Songs” hoje, a três décadas de seu lançamento, dá a dimensão do que existências como as de Andy, Reed, Nico e Morrison significam depois que partem e da importância dos que ficam, como Cale e Moe. Raios muito raros que, incrivelmente, caíram no mesmo lugar. Justo por isso que o disco tenha se concluído com estes versos: “Bem, agora Andy, acho que temos que ir/ Espero de alguma forma que você goste deste pequeno show/ Eu sei que é tarde, mas é a única maneira que eu sei/ Olá, sou eu/ Boa noite, Andy”.
domingo, 9 de agosto de 2020
Claquete Especial Dia dos Pais - 9 filmes sobre paternidade
Gavino, já adulto, encara seu pai: amor e ódio |
STALKER, de Andrei Tarkowski (Rússia, 1979)
Em um país não nomeado, a suposta queda de um meteorito criou uma área com propriedades estranhas, onde as leis da física e da geografia não se aplicam, chamada de Zona. Dentro dela, segundo reza uma lenda local, existe um quarto onde todos os desejos são realizados por quem pisa seu chão. Com medo de uma invasão da população em busca do tal quarto, autoridades vigiam o local e proíbem a entrada de pessoas. Apenas alguns têm a habilidade de entrar e conseguir sobreviver lá dentro: os chamados "stalkers". É aí que um escritor, um cientista querem entrar e contratam um stalker para guiá-los lá dentro. No caminho até o quarto, vão passar por rotas misteriosas e muitas vezes, mutáveis, que simbolizam uma ida ao subconsciente e a verdades de suas próprias naturezas nem sempre afáveis. Acontece que este stalker (Alexandre Kaidanovski) quer salvar a sua filha mutante e desenganada alcançando o misterioso quarto.
Talvez o melhor filme de Tarkowski, “Stalker” é uma ficção-científica hermética e reflexiva sobre o homem e a sua existência, sendo a questão da paternidade a chave para tal reflexão. Trazendo a atmosfera onírica comum aos filmes do russo, vale-se do fantástico de “Solaris” (1971), porém burilando-lhe o cerebralismo existencial. A narrativa, transcorrida num clima de suspensão do tempo/espaço, tem como motor o amor de um pai desesperado em salvar sua filha. Ou seja: assim como em “Solaris”, a percepção difusa da realidade é totalmente explicável pelo estado de angústia vivido pelo protagonista. É como se, participante de sua busca, o espectador também adentre naquele mundo surreal. A sempre brilhante fotografia sombreada, o cenário apocalíptico e o recorrente uso de elementos sonoro-visual-narrativos como a água (símbolo da vida) unem-se ao ritmo muito peculiar, pois contemplativo e poético, de Tarkowski.
Os três homens adentram a Zona, mas é o pai que carrega a motivação mais genuína |
KRAMER VS. KRAMER, de Robert Benton (EUA, 1979)
Se já falamos da questão paterna nos confins da Itália rural, na Idade Média e num lugar imaginário, aqui o tema é colocado na modernidade urbana norte-americana. No enredo, Ted Kramer (Dustin Hoffman), leva seu trabalho acima de tudo, tanto da família quanto de Joanna (Maryl Streep), sua mulher. Descontente com a situação, ela sai de casa, deixando Billy, o filho do casal, com o pai. Ted, então, tem que se deparar com a necessidade de cuidar de uma vida que não apenas a dele, dividindo-se entre o trabalho, o cuidado com o filho e as tarefas domésticas. Quando consegue ajustar a estas novas responsabilidades, Joanna reaparece exigindo a guarda da criança. Ted porém se recusa e os dois vão para o tribunal lutar pela custódia de Billy.
“Kramer vs. Kramer” é arrebatador. Começando pelas interpretações dos magníficos Hoffman e Maryl. No entanto, mesmo com o talento que os é inerente, não estariam tão bem não fosse o roteiro contundente, que aprofunda o drama familiar e social aos olhos do espectador. Os diálogos são tão reais e bem escritos, que naturalmente transportam o espectador para situações conflituosas da vida cotidiana, gerando identificação com os personagens. Quantos pais já não foram despedidos do emprego justo no momento em que estava tentando se erguer. E qual pai não ficaria desesperado e sentindo-se culpado por um acidente com seu filho, principalmente quando o acontecido pode ser usado pela mãe para justificar a perda da guarda?
Ted aprendendo e gostando de ser pai |
A BUSCA, de Luciano Moura (Brasil, 2012)
Filme brasileiro relativamente recente, renova o olhar para o problema da distância entre pais e filhos (estado inicial e propulsor da narrativa de “Kramer...”) por questões sentimentais não resolvidas ou dialogadas. Theo Gadelha (Wagner Moura) e Branca (Mariana Lima) são casados e trabalham como médicos. O casal tem um filho, Pedro (Brás Antunes), que desaparece quando está perto de completar 15 anos. Para piorar a situação, Theo fica sabendo que Branca quer se separar dele e que seu mentor (Germano Haiut) está à beira da morte. Theo sai em busca do filho sumido, viagem que o impele a se redescobrir e a ressignificar a relação com o filho.
Road-movie muito bem realizado, “A Busca” tem na atuação de Moura, principalmente, a grande força da obra. Ele transmite ao espectador desde a irascibilidade e insensibilidade de um homem controlador e fechado em si próprio até, conforme o trama se desenrola nos lugares que percorre em busca do filho, passar pelo desespero, a frustração, a esperança e o encontro consigo mesmo. Todos estes momentos perfeitos por uma grande solidão emocional, estado ao qual o caminho lhe dá condições de repensar e transformar.
Wagner Moura em etapa do trajeto em busca de seu filho e de si mesmo |
IRONWEED, de Hector Babenco (EUA, 1987)
Francis Phelan (Jack Nicholson) e Helen Archer (Maryl Streep, olha ela aí de novo!) são dois alcoólatras que vivem mendigando nas ruas tentando sobreviver às lembranças do passado: Ela, deprimida por ter sido uma cantora e pianista cheia de glórias e hoje estar na sarjeta. Já o caso dele é o que tem a ver com o tema em questão: o motivo por viver como um vagabundo é a não superação do trauma de ter sido o responsável pela morte do filho, ao deixá-lo cair no chão ainda bebê 22 anos antes. Ao mesmo tempo, Francis precisa voltar à realidade, e conseguir um emprego para dar um pouco de conforto à companheira Helen, já muito doente e enfraquecida. E o sentimento de pai do protagonista é, ao mesmo tempo, pena e salvação, uma vez que se configura como a única força capaz de tirá-lo da condição de mendicância.
Ainda mais do que “Kramer...”, “Ironweed” é um filme sui generis na cinematografia dos Estados Unidos, e isso se deve, certamente, ao olhar sensível do platino-brasileiro Hector Babenco. Com o aval dos estúdios para fazer uma produção própria em terras yankees após o grande sucesso do oscarizado “O Beijo da Mulher Aranha”, produção financiada com dinheiro norte-americano mas bastante brasileira em conteúdo e abordagem, o cineasta transpõe para as telas – com a habilidade de quem havia extraído poesia do abandono infantil – o romance de William Kennedy e dá de presente para dois dos maiores atores da história do cinema um roteiro redondo. Isso, ajudado pela fotografia perfeita do craque Lauro Escorel e edição de outra perita, Anne Goursaud, responsável pela montagem de filmes com “Drácula de Bram Stocker” e “O Fundo do Coração”, ambos de Francis Ford Coppola.
À PROCURA DA FELICIDADE, de Gabriele Muccino (EUA, 2007)
Chris (Will Smith) enfrenta sérios problemas financeiros e Linda, sua esposa, decide partir e deixá-lo. Ele agora é pai solteiro e precisa cuidar de Christopher (Jaden Smith), seu filho de 5 anos. Chris tenta usar sua habilidade como vendedor de aparelhos de exames médicos para conseguir um emprego melhor, mas só consegue um estágio não remunerado numa grande empresa. Seus problemas financeiros, inadiáveis, não podem esperar uma promoção nesta empresa e eles acabam despejados. Chris e Christopher passam, então, a dormir em abrigos ou onde quer que consigam um refúgio, como o banheiro da estação de trem. Mas, apesar de todos os problemas, Chris continua a ser um pai afetuoso e dedicado, encarando o amor do filho como a força necessária para ultrapassar todos os obstáculos.
Se é difícil a vida de um pai solteiro na América urbana, como em “Kramer...”, imaginem um jovem-adulto negro e pobre 30 anos atrás? Baseado na história real do empresário Chris Gardner, este comovente filme tem alguns trunfos em sua realização. Primeiramente, o de trazer à luz a superação individual de um negro na sociedade norte-americana e no meio corporativo capitalista, ainda hoje majoritariamente dominado por brancos. Segundo, por revelar Jaden, filho de Will na vida real que, além de uma criança graciosa, é talentoso, vindo a lograr uma carreira de sucesso a partir de então a exemplo do pai, também um talento mirim no passado. Por fim, o êxito de consolidar Will como um dos mais importantes nomes de sua geração, daqueles Midas de Hollywood capazes de fazer brilhar onde quer que ponham a mão.
Will e Jaden: pai e filho no cinema e na vida real |
O trio impagável de "Up": paternidade de quem adota com o coração |
com colaborações de Leocádia Costa e Cly Reis