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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Cartola - "Cartola" (1976)



"A delicadeza visceral de Angenor de Oliveira é patente quer na composição, quer na execução. (...) Trata-se de um distinto senhor emoldurado pelo Morro da Mangueira. A imagem do malandro não coincide com a sua. A dura experiência de viver como pedreiro, tipógrafo e lavador de carros, desconhecido e trazendo consigo o dom musical, a centelha, não o afetou, não fez dele um homem ácido e revoltado. A fama chegou até sua porta sem ser procurada. O discreto Cartola recebeu-a com cortesia. Os dois conviveram civilizadamente. Ele tem a elegância moral de Pixinguinha, outro a quem a natureza privilegiou com a sensibilidade criativa, e que também soube ser mestre de delicadeza".
Carlos Drummond de Andrade



O escritor Ariano Suassuna, numa hilária passagem de uma palestra que proferira em 2012, comenta sobre a desqualificação da cultura no Brasil e cita como exemplo uma matéria do jornalista Carlos Eduardo Miranda, a qual dizia ser o guitarrista da banda pop-brega Calipso, Chimbinha, um “gênio”. Suassuna, do alto de sua sabedoria, ironiza indagando que, se for usar o termo “gênio” para alguém como o famigerado Chimbinha, o que lhe resta para qualificar Mozart? De fato, o adjetivo é forte e sofre de constante vulgarização nos tempos atuais, a ponto de chegar a uma total inadequação como esta. Porém, há casos em que chamar algo ou alguém de genial é mais do que cabível: é a única forma de classificar. É o caso de Angenor de Oliveira, um dos maiores compositores que a música (popular? Brasileira? Mundial?) já viu. De vida oscilante entre a fama e a dureza, foi nesta segunda que se consagrou. Os anos de lida difícil como pedreiro serviram se não por outro motivo pelo menos de uma coisa: por conta do justificável cuidado que tinha com a preciosa cabeça – de onde saíam as tais genialidades –, protegia-a dos dejetos de obra usando um chapéu coco. O suficiente para os colegas de broxa e argamassa lhe darem o apelido que viraria a alcunha artística definitiva deste Mozart do morro: Cartola.

Completando 40 anos de seu lançamento, o segundo disco do sambista é a consolidação de uma era iniciada na virada do século XIX para o XX quando negros ex-escravos e filhos deles migraram do Nordeste para o Rio de Janeiro, a capital brasileira que veria o nascimento do gênero musical essencialmente nacional: o samba urbano. Após gravar o também fundamental álbum de estreia, em 1974, igualmente homônimo e recheado de clássicos da MPB, Cartola viu-se, aos 67 anos de idade, finalmente alçar ao estrelato. Mas, como dito, antes de chegar a isso travou muitas batalhas com o destino. Sua vida cheia alegrias e tristezas foi o verdadeiro reflexo do negro pobre brasileiro: mesmo com tamanho talento, a discriminação e as dificuldades raciais e socioeconômicas muitas vezes se sobrepuseram. Aos 8 anos, nos anos 10, já tocava cavaquinho e acompanhava os blocos carnavalescos. Mas a fome atingia a ele e a sua família, tendo de dividir-se entre o pinho e o trabalho desde cedo. Na adolescência, em 1928, fundou a primeira agremiação de samba do Rio, a famosa Estação Primeira de Mangueira, época em que já compunha vários sambas, muitos deles sucessos na voz de Carmen Miranda, Francisco Alves e Mário Reis (mesmo que não recebesse crédito às vezes, ou seja, não fosse pago pela autoria). Pouco depois, tem de abandonar os estudos, pois a mãe morre e passa a se sustentar sozinho. Até que contrai meningite e, em seguida, fica viúvo, afastando-se por uma década do violão pelo desgosto. Volta à cena por acaso num café de Ipanema quando Sérgio Porto o descobre lavando carros num prédio do bairro. O ano era 1956, e corria pelos botecos a lenda de que mito Cartola havia morrido. Não: a vida não havia conseguido derrubá-lo. Pouco tempo dali, com ajuda de amigos e admiradores, monta com a segunda e derradeira esposa, D. Zica, o bar Zicartola, página importante na história da música popular brasileira que viu, por exemplo, jovens como Paulinho da Viola nasceram para a música. Claro, sob a bênção de Cartola, a partir dali fadado finalmente só aos aplausos.

Chegados os anos 70, o qual não se imaginava ser a última década da vida de Cartola (podia-se pelo menos suspeitar, dada a idade avançada e o organismo judiado), um de seus admiradores, o produtor musical João Carlos Bozelli, o Pelão, deu-se conta de uma coisa importantíssima: mesmo com o tardio mas devido reconhecimento, Cartola não tinha ainda um disco solo! Vários o gravaram dos anos 20 até então, tendo suas composições já imortalizadas na música brasileira mais do que o próprio autor. Mas ele mesmo, cantando e protagonizando, havia apenas uns poucos e esparsos registros. Diversas das joias compostas por ele ao longo de 60 anos e cantadas por outros intérpretes – “Não posso viver sem ela” (Ataulfo Alves, 1941), “O Sol Nascerá” (Isaura Garcia, 1964), “Sim” (Elizeth Cardoso, 1965), "Festa da vinda" (Elza Soares, 1973) – juntaram-se, então, a canções novas que, tal o poder operado pelos gênios, tornaram-se clássicos atemporais imediatamente. É o caso de “O Mundo É Um Moinho”, samba-canção que abre o segundo disco e que traz um dos mais belos poemas da língua portuguesa, algo do nível de Camões ou Vinícius. A exatidão formal dos versos sobre o requinte harmônico é aquilo que um Chico Buarque sempre buscou. “Preste atenção querida/ De cada amor tu herdarás só o cinismo/ Quando notares estás a beira do abismo/ Abismo que cavastes com teus pés.”. A melodia é primorosa, como se o amigo (e admirador) Heitor Villa-Lobos tivesse posto em partitura um samba. No luxuoso arranjo, assinado por Dino 7 Cordas, a flauta do virtuose Altamiro Carrilho e o violão solo de um então jovem chamado Guinga. Perfeição é pouco.

Na mesma linha temática de perda da amada, “Minha” (“Minha/ Ela não foi um só instante/ Como mentiam as cartomantes/ Como eram falsas as bolas de cristal”) traz a tradicional elegância poética e composicional de Cartola, a qual o poeta Drummond chamou de “delicadeza visceral”. É isso que se sente noutra de suas imortais canções, esta, um dos hinos da Mangueira: “Sala de Recepção”. “Habitada por gente simples e tão pobre/ Que só tem o sol que a todos cobre/ Como podes, Mangueira, cantar?”. Com esse questionamento, que percorre todo um paradigma sociocultural dos povos marginalizados e sua bravia cultura – a qual prescinde de estudo formal, haja vista que um poeta e compositor de fina estampa como Cartola tinha apenas o primário –, tem a ajuda do registro agudo da cantora Creusa, equilibrando o tom moderado e elegante do canto de Cartola. E com que beleza são cantados os versos! “Pois então saiba que não desejamos mais nada/ A noite e a lua prateada/ Silenciosa, ouve as nossas canções”.

Outra das antigas, sucesso já nos anos 40, “Não Posso Viver sem Ela” vem num arranjo redondo de partido-alto, favorecendo a voz declamativa de Cartola – esta, acompanhada, na segunda parte, por um coro feminino. O trombone inicia anunciando os acordes-base. Segue desenhando frases do sopro a faixa inteira com a majestosa “cozinha” que traz Elton Medeiros no ganzá e caixa de fósforos; Gilson de Freitas, no surdo; Jorginho do Pandeiro no seu instrumento originário; Nenê, na cuíca; mais Meira ao violão; Canhoto no cavaquinho e Dino 7 Cordas tangendo as próprias. Mais um samba romântico, cujo refrão é uma aula de uso poético do idioma lusófono: “Pode ser que ela ouvindo os meus ais/ Volte ao lar pra viver em paz”. Isso se chama “rima rica”, meus senhores. Paulinho da Viola, valorizador de Cartola desde sempre, a gravaria numa versão de igual qualidade em 1983.

Mais uma gloriosa é “Preciso me Encontrar”, única do disco não composta por Cartola junto com “Senhora Tentação” (de Silas de Oliveira, originalmente gravada por Elizeth Cardoso em 1967 com o título “Meu Drama”). Esta é de outro mestre do samba: o portelense Candeia. Abertura mais do que marcante ao som de um fagote e o dedilhado aberto do violão, erudita e melancólica. A versão choro de Marisa Monte, de 1989, é muito legal, mas inesquecível mesmo é a cena de “Cidade de Deus” em que esta, a original, faz trilha para a fuga frustrada do personagem Cabeleira: “Deixe-me ir/ Preciso andar/ Vou por aí a procurar/ Rir pra não chorar.” Simplicidade dos versos e uma síntese narrativa impressionante que caíram como uma luva ao filme.

“Peito Vazio”, outra das recentes à época da gravação, é mais uma de tirar o fôlego tamanha sua riqueza melódica, seja na estrutura harmônica airosa, seja na poética romântico-parnasiana. Chico Buarque, no documentário “Palavra (En)Cantada“, disse-se impressionado com tal capacidade inata de Cartola e desses sambistas do morro, uma vez que provavelmente jamais tiveram acesso à literatura parnasiana ou romântica. O belo samba “Aconteceu” (“Aconteceu/ Eu não esperava, mas aconteceu/ Todo o bem que fiz, se fiz, ela esqueceu”), também nesta linha, antecede outra prova da criatividade superior do Mozart da Mangueira: “As Rosas não Falam”. Assim como “O Mundo é um Moinho” (e outras composições sui-generis como “Acontece”, do álbum anterior, e “Nós Dois”, de 1977), pode-se classificar como uma obra-prima – é tida como a 13ª maior música da MPB em votação da revista Rolling Stone Brasil.

Ouvindo-se “As Rosas não falam”, a comparação com um músico erudito não parece exagerada, o que ratifica em carta medida a percepção manifestada por Chico. Quem conhece o "Vocalise, Op.34,Nº14", do compositor, maestro e pianista russo Sergei Rachmaninoff talvez nunca tenha percebido a semelhança da melodia desta com a música de Cartola. Não que o sambista não pudesse admirar algo deste tipo – pelo contrário, tinha sensibilidade musical suficiente para tal. Mas é bastante improvável que tenha se inspirado em Rachmaninoff ou mesmo escutado a peça – repetindo-a inconscientemente ou “chupando-a” conscientemente – antes de inventar os acordes deste samba. Proposital ou não, é-lhe elogiável. O arranjo, o qual conta novamente com a flauta de Carrilho, favorece o brilhantismo cristalino da melodia e da harmonia. E o que dizer da riqueza literária desses versos: “Queixo-me às rosas, que bobagem/ As rosas não falam/ Simplesmente as rosas exalam/ O perfume que roubam de ti, ai”?

“Sei Chorar”, de ritmo animado mas de letra igualmente sobre um amor desiludido, abre caminho para mais uma genial: “Ensaboa”. Lundu em dueto novamente com Creusa, se situa entre a reverência à linguagem ancestral africana, repetindo os cantos de trabalho das lavadeiras rurais, e a poesia modernista, no emprego fonético da sintaxe, no ritmo interno das palavras e na abordagem social do tema central. Marisa Monte também gravaria essa nos anos 90 numa linda versão em que lhe intensifica o aspecto rítmico. Finalizando o disco mais um clássico: “Cordas de aço”. Metalinguística, é a simbiose entre emoção e técnica, entre artista e sua arte. “Ai, essas cordas de aço/ Este minúsculo braço/ Do violão que os dedos meus acariciam/ Ai, esse bojo perfeito/ Que trago junto ao meu peito/ Só você, violão, compreende porque/ Perdi toda alegria”.

O historiador e pesquisador musical brasileiro José Ramos Tinhorão conta, em seu “História Social da Música Popular Brasileira”, que, na Rio de Janeiro do final do século XIX e início do XX, “as camadas populares urbanas viviam um dinâmico processo de grande riqueza cultural”.  Foi nesta época que surgiram os primeiros blocos carnavalescos e os primeiros nomes do samba, tanto na Zona Portuária e arredores quanto no Estácio de Sá e nas periferias e morros, como o da Mangueira, o que deu a luz à Cartola. Tardios, os dois primeiros discos dele, além de conterem a mais alta qualidade musical, formam um arquivo de importância documental e antropológica incomensuráveis dentro da cultura brasileira e dos processos sociais da América negra. Por razões socioculturais e econômicas nefastas e vergonhosas, demorou meio século para que o óbvio acontecesse, processo idêntico ao ocorrido com outros bambas como Clementina de Jesus, Nelson Sargento, Nelson Cavaquinho, Ismael Silva e Adoniran Barbosa. Todos só gravariam trabalhos solo na terceira idade e na última década de suas vidas. Se isso é um resultado das tais desvalorização e vulgarização da cultura a qual Suassuna diz ainda acometer o Brasil, ao menos, em algum momento, os moinhos do mundo sopraram a favor da genuína genialidade. E se a fama chegou até a porta de Cartola sem ser procurada, como frisou Drummond, o fez com o devido respeito e deferência, enquanto que o discreto Cartola recebeu-a com a cortesia de um verdadeiro nobre.


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FAIXAS:
1. O Mundo é um Moinho
2. Minha
3. Sala de Recepção
4. Não Posso Viver sem Ela (Cartola/Bide)
5. Preciso me Encontrar (Candeia)
6. Peito Vazio (Cartola/Elton Medeiros)
7. Aconteceu
8. As Rosas não Falam
9. Sei Chorar
10. Ensaboa
11. Senhora de Tentação (Meu Drama) (Silas de Oliveira)
12. Cordas de aço

todas as faixas compostas por Cartola, exceto indicadas.

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OUÇA O DISCO:



quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

"O Coração da Música - Vida e Obras dos Grandes Mestres: Händel/ Mozart/ Beethoven/ Brahms/ Wagner”, de Paul Trein – Ed. BesouroBox (2018)



Quando o coração da música está dentro da gente
por Leocádia Costa


Ao chegar na Edições BesouroBox, em abril desse ano, me deparei com um catálogo que renova ao comunicar os saberes. Cheguei com diversos lançamentos previstos, entre eles, um pequeno livro (porque a edição é de formato 12x18cm) mas que traz em seu miolo uma abordagem iluminada sobre música: "O Coração da Música”.

O pianista, educador e também escritor Paul Trein, que residia há muitos anos na Alemanha, conseguiu de maneira didática abordar sinteticamente a vida e obra dos grandes mestres da música clássica: Händel, Mozart, Beethoven, Brahms e Wagner. Os textos sobre cada compositor abordam em sua estrutura o bom senso destacando detalhes biográficos de maneira pontual, elegante e explicativa, mas sem deixar que se sobreponham a genialidade contida em cada obra por eles criada.
A música clássica, que sempre foi acusada de ser inacessível a interessados por envolver não somente o aprendizado de um instrumento e a cultura musical, encontra um aliado nessa publicação. A pesquisa de Trein é, em tempos de internet e, assim, de uma maior circulação de ideias, algo que não se pode desconsiderar. Além disso, convida os mais curiosos a escutarem os principais temas de cada compositor, pois as contextualiza com primor.

Para mim, que fui criada entre audições clássicas de piano e voz em meu ambiente familiar por ter tido pais envolvidos com a música erudita, foi uma volta a escuta deles. Uma retomada a conversas que presenciei muitas vezes em saraus e reuniões com os amigos de coral em casa.

Paul Trein me proporcionou um retorno ao aconchego que a música erudita oferece, sem afetação ou barreiras a quem quiser escutá-la. Uma oportunidade de escutar outras ideias sobre a história de compositores que até hoje ressoam em nossos ouvidos universais. Um convite a pais, educadores e estudantes que queiram ler um livro escrito por quem ama a música na medida exata, mas com a devida emoção de sentir o coração quase saindo pela boca em forma de palavras.

Nesse final de ano, imagino a ausência que Paul Trein faz à sua família e amigos (ele faleceu no primeiro semestre de 2018, na Alemanha), mas também sei o quanto a música preenche esse vazio. Então se você sentiu entusiasmo em escutar mais uma vez seus compositores prediletos ou em conhecer cada um citado nesse livro, pegue sua vitrola, seu aparelho de CD, seu arquivo de mp3 ou nuvem e escute música. Se a vontade for maior ainda, vá a um concerto para escutá-la ao vivo. Com certeza toda a tristeza irá embora e somente os acordes ficarão ressonando dentro de você, como uma benção pulsante, viva e eterna.

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Exposição “Andy Warhol: Pop Art!”, de Andy Warhol - Museu de Arte Brasileira – MAB FAAP - São Paulo/SP

 


"Não importa quantas vezes a gente se encontre na pista, ele [Halston] me agarra e me abraça e me beija e diz, 'É muito bom ver você, mr. Warhol'".
Andy Warhol, em "Diários de 
Andy Warhol - vol. 1 (1976-1981)"

Não é errado dizer que o motivo que nos levou a esta curta mas proveitosa temporada em São Paulo foi ver Andy Warhol. A vontade de visitar a cidade já nos era acalentada há anos, mas sempre impossibilitada por uma série de fatores que não vêm ao caso enumerar. Porém, a presença de Warhol através da exposição temática a ele “Andy Warhol: Pop Art!”, no Museu de Arte Brasileira – MAB FAAP, era forte o suficiente para considerarmos a possibilidade, o que se concretizou em junho, pouco antes da mesma ser prorrogada até final de agosto.

Artista referencial em nossas formações tanto culturais e filosóficas como acadêmicas, Andy é daquelas admirações de anos. Aliás, para possivelmente qualquer ser humano que viveu os últimos 80 anos, visto que suas criações, tão emblemáticas quanto icônicas, são parte da vida social do mundo moderno. Já havíamos visto algumas obras dele em parceria com Jean-Michel Basquiat no CCBB de Belo Horizonte, em 2014, e na mostra individual de Basquiat no CCBB do Rio de Janeiro, em 2018, e já tínhamos nos embasbacado. Imagina agora, nesta exposição, que reúne mais de 600 peças do “pai da pop-art”!?

Como fãs e conhecedores de sua trajetória, não deixamos de sentir algumas ausências na seleção das obras. É o caso das belíssimas capas para LP’s de jazz do início da carreira, anos 50, ou mesmo os quadros coassinados com Basquiat, da segunda metade dos anos 80, de um Warhol já adoecido e “passando o bastão” ao pupilo. Porém, nada que desmereça a excelente curadoria, que dá, sim, a dimensão da magnitude de sua obra. Estão lá as bottle-lines da revista Glamour no começo da carreira; os anúncios para calçados e artigos de luxo dos anos 50; a arte kitsch dos anos 70; a Factory; o Studio 54; o lado designer; o publisher, a ligação com a música pop; os quadros clássicos (Marylin, Liz Taylor, Elvis, Pelé, Liza); o pioneirismo como “influencer”; a moda; o ativista político; o visionário do audiovisual e quantos Andy Warhol se queira imaginar.

Com textos muito bem escritos e informativos, ressaltando o que merece, a exposição recapitula os principais momentos históricos de sua carreira nas artes, sejam elas visuais, da música, da moda, do cinema, da televisão ou da fotografia. De um senso estético-visual impressionante, o qual ele ajudou a redefinir no cenário da arte contemporânea, Warhol tinha também domínio do desenho – como, aliás, todo grande artista visual que se preze, tal Picasso, Dali ou Pollock. Por trás das fotos manipuladas e das serigrafias havia sempre um traço apurado, como fica evidente seja nas naturezas mortas, dos anos 50, ou nas serigrafias e tinta acrílica sobre linho das figuras de Miguel Bose (1983) ou de Albert Einstein (1980), que lembram o traço leve e contínuo de Jean Cocteau.

Quadro de Miguel Bose: serigrafia que não esconde
o lindo traço a la Cocteau

É muita coisa legal que Warhol produziu, e impressiona bastante ver isso tudo reunido. As séries com rostos de artistas, como as de Silvester Stallone, Debbie Harry, Alfred Hitchcock e Clint Eastwood é de cair o queixo. Igualmente, as centenas de polaroides das mais variadas pessoas, de Yoko Ono a Truman Capote, de Dennis Hooper a Mick Jagger, de Jane Fonda a Valentino. As fotografias das funções na Factory, os filmes experimentais (“Eat”, “Kiss” e “Velvet Underground”), as embalagens de Campbell’s e Mott’s, as capas de discos...

Famosos ou não, ninguém em NY
escapava de sua Polaroid
Nada escapava a essa figura aglutinadora e em constante processo, uma força da natureza multimídia. Embora vivesse rodeado de famosos iguais a ele, Warhol nunca deixou que isso se sobrepusesse ao seu trabalho e relegasse a segundo plano sua arte. Pelo contrário: quanto mais se enfurnava nesses universos, mais tirava combustível para produzir. Warhol não se perde nessa fogueira de vaidades justamente porque ele sabia ser ferramenta para a materialização - e crítica - do que hoje é conhecido como showbiz. Ele era figura central e catalizadora de todos esses estímulos que o rondavam: Hollywood, universo queer, noite nova-iorquina, publicidade, moda, música pop, televisão. Dos famosos aos anônimos, todos deveriam ter pelo menos 15 minutos de fama, entendia ele. Warhol teve muitos 15 minutos multiplicados até os dias de hoje e assim certamente continuará.

No Jornalismo, reza que se deve evitar usar o termo "gênio" para qualquer pessoa com o perigo de vulgarizar o termo. Se for aplicar genialidade para qualquer um, o que dizer, então, de Mozart, Da Vinci ou Shakespeare? Embora não leve tanto assim a sério a regra, visto que me empolgo com "genialidades" alheias, hei de concordar, sim, que muitas vezes se vulgariza o termo. Mas com Andy Warhol não há esse receio. Warhol é gênio, sim, tanto quanto estes citados. Um Mozart, um Da Vinci, um Shakespeare de nossos tempos.

📺📺📺📺📺📺📺📺📺📺

As flores dos primeiros desenhos, anos 50

Rosas feitas em nanquim e corante de anilina sobre papel

"Cabeça de menino", de 1950, bonito traço feito a nanquim e grafite

Borboletas, do mesmo ano (grafite sobre papel)

"Lenço de seda" em grafite e têmpera
 
O universo da moda entra na sua vida em 1955

Como ilustrador exclusivo da marca de calçados I. Miller Shoes
Company, faz anúncios para o New York Times

Anúncio para perfume Bottle, de 1953

"Pássaros e abelhas voando" (s/d): ideias de pop art

Dos anos 60, abstratos

Mais borboletas, espalhadas pelos anos 50 e 60

Brilhante anúncio para a Dior, já com cara do que Basquiat faria

Ainda a moda: torso de Paola Dominguim, de 1983. Moderníssimo

O estilista Halston ganharia alguns posters em 1982 para sua linha de casacos

"Abra este lado": a fantástica série baseadas em etiquetas
de transporte e manuseio, de 1962. Muito pop

Vestido "Frágil" composto só de etiquetas "descartáveis"

As clássicas embalagens de Campbell's: arte como produto


Brillo, Mott's, Heiz, Del Monte, Campbell's: 
o design industrial ganha status de arte


Embalagem de Campbell's virou um ícone

Elvis duplo: um clássico do mundo moderno

Por falar em clássico, o que dizer desta
serigrafia de 1964, a obra mais cara do mundo?

Victor Hugo, amigo e modelo para diversos quadros, aqui
neste díptico de tinta acrílica e serigrafia sobre linho de 1978

Mais um clássico: Elizabeth Taylor, de 1964

Liz Taylor num dos mais emblemáticos trabalhos de Warhol

A série feita para Jackie O. em 1964, logo após o assassinato de John Kennedy

As borboletas, as flores e as imagens 
repetidas estampadas nos lenços

A criatividade das artes e capas da revista Interview

Mais da Interview: arte visual e gráfica

Como layoutar uma revista com criatividade

As estamparias de camisetas. O amigo Keith Hering está numa delas

Warhol nos domínios do seu estúdio Factory

Cenas das festas nova-iorquinas dos anos 70/80

A agitação cultural da Factory em fotos

Um jovem Sting fotografado por Warhol

Série "Ladies and Gentlemen", de 1975, sobre a cena queer de NY

Mais do tributo vibrante à comunidade trans e drag da Big Apple

Warhol faz seu próprio "Rorscharch", gigante acrílico sobre linho de 1984

"Estátua da Liberdade Fabis", de 1986, último ano de vida do artista

Da série Skulls, de 1976: crítica à tradição cristã, pegada punk e
o desencanto do fim de século com a AIDS e a Guerra Fria

"Tunafish Disaster": o atum em lata que matou pessoas em 1963
virou crítica ao consumismo

Genial obra feita da oxidação provocada pela urina sobre metal

A impactante - e grandiosa - "A Última Ceia", de 1986


"A Última Ceia", dos trabalhos finais de Warhol

Fantásticas serigrafias para criticar a cadeira elétrica
da série "Death and Disaster", de 1963

Série de Mao Tsé Tung, de 1972

Mais Mao

Lindas pinceladas sobre o desenho numa das 199 serigrafias de Mao feitas por Warhol


Filme "Kiss", de 1963

As lindas capas de discos e filmes. Pena que se expuseram poucas


Velvet Underground & Nico: projeto musical experimental 
que mudou a história da música moderna

As incríveis polaroids, que invariavelmente viravam base para outra obra,
como as de Mick Jagger e Pelé

Deuses dos esporte viraram também pop na série Atletas, de 1977

O gênio da bola pelo gênio da arte popular

Judeus célebres retratados: Einstein...

... e Freud. Anos 80

Beethoven num quádruplo originalíssimo

Joan Collins em acrílica e serigrafia sobre linho, de 1985

Neil Armstrong fincando a bandeira na Lua pop

Miss Aretha Franklin em díptico magnífico

E o que dizer desse poster de Liza para o show dela de 1981?

Michael e o estilo de Warhol combinam muito

Outra série espetacular, a de retratos. Aqui, mestre Clint Eastwood

Stallone em retratos de 1980 e 1981

Diane Keaton em acrílica e serigrafia sobre linho (1984)

Bill Murray também ganhou seu retrato

Mestre do suspense em arte do mestre da pop art

E nós escolhemos miss Debbie Harry para compartilhar nosso registro

Ah! E também viramos pop art a la Warhol, nossos 15 minutos de fama


📺📺📺📺📺📺📺📺📺📺

exposição "Andy Warhol: Pop Art!”
Obras de Andy Warhol
local: Museu de Arte Brasileira – MAB FAAP
endereço: Rua Alagoas, 903 - Higienópolis - São Paulo/SP
visitação: de terça-feira a domingo, das 9h às 20h (último horário de entrada às 19h)
período: até 31/08/2025
entradagratuita



texto: Daniel Rodrigues
fotos e vídeos: Leocádia Costa e Daniel Rodrigues