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segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Dossiê ÁLBUNS FUNDAMENTAIS 2024

 


Se liga rapaziada de Liverpool que
o tio Wayne tá chegando
A gente que gosta de falar sobre grandes discos, volta e meia quando descobre alguma coisa, reouve ou reavalia algum disco esquecido, pensa "Eu tenho que escrever sobre esse disco!". Mas aí, muitas vezes, a gente pondera, "Poxa, mas vai ser mais um álbum do Fulano nos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS... Já tem tantos". É que tem uns que é inevitável que tenham mais de um. Dois, três..., um monte.  Beatles, por exemplo, muitos defenderiam que toda a discografia estivesse destacada entre os melhores discos de todos os tempos (e não seria nenhum absurdo). Caetano Veloso, Stevie Wonder, Miles Davis, é impossível que em obras tão relevantes que influenciaram gerações, nos impressionemos e nos limitemos a destacar apenas um grande trabalho de cada um deles. Depois de alguns anos fazendo a seção de grandes álbuns, acumuladas grandes obras de diversos nomes desse porte, a gente fica sempre com a curiosidade: quantos discos daquele cara, daquela banda tem nos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS?

Então surgem outras curiosidades: a gente vê vários de Rolling Stones, Elton John, Smiths, e se pergunta "Quantos ingleses tem na lista?", aí vê Ramones, Madonna, Herbie Hancock, Aretha Franklin, e compara, "Será que tem mais americanos ou ingleses?", "e os brasileiros, como estão nessa parada?", e vão surgindo categorias e mais categorias. Qual ano tem mais grandes discos lembrados? Qual década se destaca?... E assim criamos o Dossiê ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, um levantamento que fazemos a cada ano, contabilizando os discos incluídos na última temporada na nossa seção, apresentando então quem está na frente em cada um dos critérios. 

No último ano, entre os artistas internacionais, os Beatles continuam firmes na ponta como aqueles com mais discos citados, mas começam a sentir a proximidade do gênio do jazz Wayne Shorter que vem chegando como quem não quer nada. No âmbito nacional, se Caetano Veloso se manteve à frente por conta de um disco em parceira com Chico Buarque, o mesmo álbum fez com que o próprio Chico se aproximasse e alcançasse a segunda posição. Entre os países, o Brasil, com 8 dos 21 discos destacados no ano, deu um salto na tabela ampliando ainda mais a vantagem em relação aos ingleses, mas ainda longe dos norte-americanos que lideram com folga.  Já nas épocas, a década de 70 continua sendo a que tem mais grandes álbuns mencionados, embora o ano que tenha mais obras seja da década de 80, o ano de 1986. No entanto, no ano passado, por trazer alguns discos que recentemente completavam 50 anos, o de 1974 foi o que apareceu mais na nossa galeria.

 Ainda no que diz respeito aos anos, vamos dar uma 'trapaceada' desta vez: como o disco "Me & My Crazy Self", do bluesman Lonnie Johnson contém gravações de 1947 a 1953, vamos incluí-lo nos anos 40 só porque, até hoje, era a única década que não tinha nenhum disco indicado. Pode ser? (Segredo nosso. Fica entre a gente. Shhhh!!!)

Como destaques tivemos as estreias da talentosíssima musa francesa Françoise Hardy e do subestimado Ivan Lins no nosso seleto grupo de elite; o disco ao vivo de Gilberto Gil, no Tuca, um dos álbuns cinquentões do ano passado; mais um da rainha Madonna para marcar sua grandiosa vinda ao Brasil; e, em ano de Olimpíadas, um disco de atleta, o excelente "Rust in Peace", do faixa preta em taekwondo Dave Mustaine do Megadeth.

Bom, chega de papo-furado: vamos às listas, às colocações, aos números que é o que interessa aqui. Com vocês o Dossiê ÁLBUNS FUNDAMENTAIS 2024.

Dá uma olhada aí:


*************


PLACAR POR ARTISTA (INTERNACIONAL)

  • The Beatles: 7 álbuns
  • Kraftwerk e Wayne Shorter***: 6 álbuns
  • David Bowie, Rolling Sones, Pink Floyd, Miles Davis, John Coltrane e John Cale*  **: 5 álbuns cada
  • Talking Heads, The Who, Smiths, Led Zeppelin, Bob Dylan, Philip Glass e Lee Morgan: 4 álbuns cada
  • Stevie Wonder, Cure, Van Morrison, R.E.M., Sonic Youth, Kinks, Madonna, Iron Maiden , U2, Lou Reed**, e Herbie Hancock***: 3 álbuns cada
  • Björk, Beach Boys, Cocteau Twins, Cream, Chemical Brothers, Sean Lennon, Deep Purple, The Doors, Echo and The Bunnymen, Elvis Presley, Elton John, Queen, Creedence Clarwater Revival, Janis Joplin, Johnny Cash, Joy Division, Massive Attack, Morrissey, Muddy Waters, Neil Young and The Crazy Horse, New Order, Nivana, Nine Inch Nails, PIL, Prince, Prodigy, Public Enemy, Ramones, Siouxsie and The Banshees, The Stooges, Pixies, Dead Kennedy's, Velvet Underground, Metallica, Dexter Gordon, PJ Harvey, Rage Against Machine, Body Count, Suzanne Vega, Beastie Boys, Ride, Faith No More, McCoy Tyner, Vince Guaraldi, Grant Green, Santana, Ryuichi Sakamoto, Sinéad O'Connor, Marvin Gaye e Brian Eno* : todos com 2 álbuns

*contando com o álbum  Brian Eno e John Cale , ¨Wrong Way Out"

**contando com o álbum Lou Reed e John Cale,  "Songs for Drella"

*** contando o álbum "Five Star', do V.S.O.P.



PLACAR POR ARTISTA (NACIONAL)

  • Caetano Veloso: 8 álbuns*#
  • Gilberto Gil * **  e Chico Buarque ++ #:  7 álbuns
  • Jorge Ben ** João Gilberto*  ****: 5 álbuns
  • Tim Maia, Rita Lee, Legião Urbana,  , e Milton Nascimento***** º: 4 álbuns
  • Gal Costa, Titãs, Paulinho da Viola, Engenheiros do Hawaii e Tom Jobim +: 3 álbuns cada
  • João Bosco, Lobão, João Donato, Emílio Santiago, Jards Macalé, Elis Regina, Edu Lobo+, Novos Baianos, Paralamas do Sucesso, Ratos de Porão, Roberto Carlos, Sepultura, Cartola, Baden Powell***  e Criolo º : todos com 2 álbuns 


*contando com o álbum "Brasil", com João Gilberto, Maria Bethânia e Gilberto Gil

**contando o álbum Gilberto Gil e Jorge Ben, "Gil e Jorge"

*** contando o álbum Baden Powell e Vinícius de Moraes, "Afro-sambas"

**** contando o álbum Stan Getz e João Gilberto, "Getz/Gilberto"

***** contando com o álbum Milton Nascimento e Lô Borges, "Clube da Esquina"

+ contando com o álbum "Edu & Tom/ Tom & Edu"

++ contando com o álbum "O Grande Circo Místico"

# contando com o álbum "Caetano & Chico Juntos e Ao Vivo" 

º contando com o álbum Milton Nascimento e  Criolo "Existe Amor"



PLACAR POR DÉCADA

  • anos 20: 2
  • anos 30: 3
  • anos 40: 1
  • anos 50: 121
  • anos 60: 101
  • anos 70: 166
  • anos 80: 142
  • anos 90: 108
  • anos 2000: 20
  • anos 2010: 18
  • anos 2020: 3


*séc. XIX: 2
*séc. XVIII: 1


PLACAR POR ANO

  • 1986: 24 álbuns
  • 1977 e 1972: 21 álbuns
  • 1969: 20 álbuns
  • 1976: 19 álbuns
  • 1970, 1971, 1985 e 1992: 18 álbuns
  • 1968, 1973 e 1979 17 álbuns
  • 1967, 1975 e 1980: 16 álbuns cada
  • 1983 e 1991: 15 álbuns cada
  • 1965, 1988, 1989 e 1994: 14 álbuns
  • 1987 e 1990: 13 álbuns
  • 1990: 12 álbuns
  • 1964, 1966, 1978: 11 álbuns cada



PLACAR POR NACIONALIDADE*

  • Estados Unidos: 218 obras de artistas*
  • Brasil: 167 obras
  • Inglaterra: 130 obras
  • Alemanha: 11 obras
  • Irlanda: 8 obras
  • Canadá: 5 obras
  • Escócia: 4 obras
  • Islândia, País de Gales, Jamaica, México: 3 obras
  • Austrália, França e Japão: 2 cada
  • Itália, Hungria, Suíça, Bélgica, Rússia, Angola, Nigéria, Argentina e São Cristóvão e Névis: 1 cada

*artista oriundo daquele país
(em caso de parcerias de artistas de países diferentes, conta um para cada)

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Cartola - "Cartola" (1974)


“Por incrível que pareça, esse disco que só a perspectiva histórica permitirá compreender, no futuro, é o primeiro long-play de um dos poucos verdadeiros gênios da música popular brasileira”. 
José Ramos Tinhorão

“Alguns, como Cartola, são trigo de qualidade especial. Servem de alimento constante. O nobre, o simples, não direi o divino, mas o humano Cartola, que se apaixonou pelo samba e fez do samba o mensageiro de sua alma delicada". 
Carlos Drummond de Andrade

Há 50 anos o Brasil corrigia um erro crasso de, pelo menos, outro meio século anterior. Um dos maiores autores da música popular brasileira, finalmente, registrava sua obra pela própria voz: Angenor de Oliveira, o Cartola. Assim como ocorreu com outros sambistas prejudicados pela disfunção anacrônica da indústria fonográfica de um país desleixado com sua própria cultura (leia-se Nelson Sargento, Dª Ivone Lara, Clementina de Jesus, Adoniran Barbosa e outros velhos bambas desafortunados), Cartola, à exceção de uma rara gravação de 1965 junto ao coro da Escola de Samba do compositor Almeidinha, só pode realizar esse feito na terceira idade, aos 65 anos de uma vida sofrida e batalhada. Como a de todo brasileiro pobre, mas que, por mérito, deveria ser poupada a gênios como ele.

O ano foi 1974 e Sérgio Cabral, no texto da contracapa do LP, celebrava que, finalmente, havia um disco do grande Cartola. A realização deste feito, no entanto, se deve em grande parte ao destino e ao sentimento de dívida para com Cartola alimentado por algumas personalidades importantes da cultura carioca. O primeiro ė Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, jornalista e cronista que, em 1956, certa noite, descobriu que o já histórico compositor e fundador da Mangueira, dado por ele como morto, estava num subemprego de lavador de carros, ajudando-o, por fim, a retornar à carreira musical. Anos depois, nos anos 60, preterido pelos sambas-canções bolerizados e, principalmente, pela bossa-nova, Cartola se desilude, mas volta aos holofotes quando, em plena Ditatura Militar os jovens ligados ao CPC/UNE passam a valorizar artistas da velha-guarda do samba como ele. É quando participa, por iniciativa de Hermínio Bello de Carvalho, do memorável projeto "Fala, Mangueira" ao lado de outros bambas de seu calibre: Nelson Cavaquinho, Clementina, Carlos Cachaça e Odete Amaral

Impossível não citar ainda outro ardoroso venerador de Cartola dos que lhe ajudaram em vida e que foi responsável por, enfim, colocá-lo num estúdio: João Carlos Botezelli. Produtor musical e fã, Pelão levou a ideia ao selo Marcus Pereira de gravar um LP da lenda viva do samba. As sessões ocorreram entre os dias 20 e 21 de fevereiro e 16 e 17 de março daquele ano, contando com as participações de exímios músicos, como o percussionista Mestre Marçal, o violonista e arranjador Dino 7 Cordas, o flautista Copinha e o trombonista Raul de Barros. Não havia músico no Rio que quisesse perder aquela oportunidade de participar de um momento histórico: Cartola lançaria seu primeiro álbum solo, que já nascia clássico.

Basta ouvir os primeiros acordes da faixa inicial, “Disfarça e Chora”, para perceber que se inaugurava ali uma era na música brasileira – ou melhor, se resgatava o tempo perdido. Samba elegante, letra exata, melodia engenhosa, poesia romântico-parnasiana. Que acordes bonitos e criativos! Nunca o samba, nem com Paulo da Portela, com Dª Ivone, com Candeia, com Wilson Batista, com Batatinha, havia sido tão lírico. Lirismo e perfeição, aliás, caminham juntos durante todo o álbum. O que dizer de cânones da MPB como “O Sol Nascerá (A Sorrir)”, dele e de Elton Medeiros, e seus versos infalíveis em melodia, harmonia e poesia? “Finda a tempestade/ O Sol nascerá/ Finda esta saudade/ Hei de ter outro alguém para amar”.

Ou “Alvorada”? “Alvorada lá no morro/ Que beleza/ Ninguém chora/ Não há tristeza/ Ninguém sente dissabor/ O sol colorindo é tão lindo/ É tão lindo/ E a natureza sorrindo/ Tingindo, tingindo”. Parceria com Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho, remete, em sua repetição harmoniosa de palavras e na economia harmônica de seus acordes, a simplicidade universal de outro sambista contemporâneo seu, o baiano Dorival Caymmi. É muita maestria.

E os clássicos só vão se avolumando. “Tive Sim”, uma das mais singelas declarações de amor da música brasileira e que pode ser considerada irmã de outra composição de Cartola, “Nós Dois”, de seu terceiro disco, “Verde que te Quero Rosa”, de 1977, pois conta sobre a felicidade de se ter um amor (Dª Zica, companheira do segundo casamento até sua morte) sem esconder que teve, sim, “um outro amor antes" daquele. Composta em 1968, a música participou da Primeira Bienal do Samba, defendida por Cyro Monteiro, e ficou em quinto lugar. Outra irreparável é “Corre e Olha o Céu”, com a bela introdução em que Copinha e Raul de Souza dão a deixa com seus sopros para Cartola entoar com a elegância de sempre os versos. “Linda!/ Te sinto mais bela/ Te fico na espera/ Me sinto tão só”. 

Porém, há os clássicos entre os clássicos. Isso é a mais certeira afirmação, pois trata-se da música chamada “Sim”. Samba de 1962, gravado originalmente por Gilberto Alves, é a exatidão da palavra cantada no ritmo mais afro-brasileiro por excelência. “Para ter uma companheira/ Até promessas fiz/ Consegui um grande amor/ Mas eu não fui feliz/ E com raiva para os céus/ Os braços levantei/ Blasfemei/ Hoje todos são contra mim”. Não são dignos de um Álvares de Azevedo estes versos?

E o que dizer, então, de “Acontece”? Um assombro a capacidade de Cartola de sintetizar em pouco mais de 1 min tamanha perfeição musical. Traços de Villa-Lobos emanam do morro. E que canto o de Cartola! Elegante, afinado, emotivo, seguro, dono da própria criação. "Esquece nosso amor, vê se esquece/ Por que tudo no mundo acontece". Sem dúvida nenhuma, top 10 entre as melodias mais bem construídas da música brasileira. Para um país que tem o privilégio de ter compositores do calibre de Caymmi, Gil, Edu, Garoto, Donato, Joyce, Chico, Tânia, Moacir, alguns destes, maestros formados, isso é bastante representativo. 

Mas tem mais. “Amor Proibido”, claramente uma forte inspiração para Paulinho da Viola em estilo melódico e cuja melodia é tão linda que ganhou, em 2008, uma versão apenas instrumental de Zé Paulo Becker, no disco-homenagem “Viva Cartola – 100 anos”. Ainda, outras preciosidades: “Quem Me Vê Sorrindo”, nova parceria com Carlos Cachaça, “Festa da Vinda”, um ano antes gravada por Elza Soares, e “Ordenes e Farei”, sua e de Aluísio Dias. Finalizando o disco, uma música de 1965 que, resgatada, traduzia o momento especial do velho bamba: “Alegria”. “Alegria/ Era o que faltava em mim”. Em depoimento a O Globo, o próprio falou sobre esse sentimento quando se deu conta de que era verdade o que vivia: “Me senti muito emocionado quando ouvi a minha voz no disco. Eu já tinha até pensado que ia morrer sem gravar um disco”. Cartola, mesmo com cerca de meio século de atraso, estava de volta.

Até debutar em estúdio, Cartola já havia fundado, nos anos 20, uma das mais tradicionais escolas de samba cariocas – a qual ele mesmo, com seu senso estético apurado, escolhera as cores verde e rosa como símbolo. Já havia composto sambas-enredo campeões de diversos carnavais nas décadas de 40 e 50. Já havia inventado um ritmo, o samba-canção. Já havia posto sucessos nas vozes de artistas como Carmen Miranda, Noel Rosa, Francisco Alves e Aracy de Almeida. Já havia sido aprendiz de tipografia, pedreiro, pintor, guardador e lavador de carros, vigia de edifícios e contínuo de repartição pública. Já havia enviuvado e casado novamente, sido pai, dono da casa noturna Zicartola e radialista junto com Paulo da Portela e Heitor dos Prazeres. Tudo isso, toda uma vida antes desta estreia como artista solo. 

Isso é muito sério e diz bastante sobre o Brasil: rico em cultura, mas paupérrimo em autoestima. É como se a genialidade prodigiosa de Mozart, desperta na infância, fosse enclausurada na Áustria por uma vida inteira até ser revelada só quando este tivesse branqueado os cabelos. Não é exagero essa comparação, pois Cartola é o Mozart do samba. O maestro de música erudita britânico Leopold Stokowski, em excursão ao Brasil nos anos 50, já havia ficado impressionado com a musicalidade de Cartola. Nada mais do que a sua obrigação como homem da música em reconhecer o talento do brasileiro, considerou outro brasileiro genial, Carlos Drummond de Andrade. Aliás, é do poeta mineiro a definição mais sintética do que o admirável poeta do morro representa: “Cartola é daquelas criaturas que a música habita nelas”.

***********
FAIXAS:
1. "Disfarça E Chora" (Cartola, Dalmo Castello) - 2:06
2. "Sim" (Cartola, Oswaldo Martins) - 3:38
3. "Corra E Olhe O Céu" (Cartola, Dalmo Castello) - 2:23
4. "Acontece" - 1:17
5. "Tive Sim" - 2:09
6. "O Sol Nascerá" (Cartola, Elton Medeiros) - 1:42
7. "Alvorada" (Carlos Cachaça, Cartola, Hermínio Bello de Carvalho) - 2:40
8. "Festa Da Vinda" (Cartola, Nuno Veloso) - 1:59
9. "Quem Me Vê Sorrindo" (Carlos Cachaça, Cartola) - 2:07
10. "Amor Proibido" - 2:37
11. "Ordenes E Farei" (Aluízio Dias, Cartola) - 2:21
12. "Alegria" (Cartola, Gradim)- 2:44
Todas as composições de autoria de Cartola, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO:
Cartola - "Cartola"


Daniel Rodrigues

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

João Gilberto - “Live at The 19th Montreux Jazz Festival” ou "Live In Montreux" (1985)

 

No topo, capa do LP original
lançado no Brasil e, abaixo,
a da edição americana

“É a grande soma da obra de João Gilberto. É o disco que dá a visão mais ampla da ideia que ele tem de repertório, de estilo”.
Caetano Veloso

Os baianos, mais do que qualquer outra gente, são donos de uma genialidade que às vezes beira a ingenuidade. Caetano Veloso conta que, certa vez, ao visitar Dorival Caymmi em sua casa numa quente tarde de Salvador, o anfitrião mal o deixou entrar pelo portão e já se pôs a mostrar-lhe uma novidade que havia descoberto para aliviar aquele intenso calor. Levou, então, Caetano até a sala e solenemente lhe apresentou sua mais nova obra de engenharia doméstica: havia disposto a cadeira na qual estava sentado só de bermuda e chinelos feito um Buda nagô de frente para um... ventilador! 

Por mais óbvio que pareça o raciocínio de Caymmi, ele guarda, no fundo, uma percepção que, muitas vezes, foge aos mortais preocupados em complexar a vida: a simplicidade. Foi valendo-se do mesmo senso natural que outro baiano favorecido pelos Céus, João Gilberto, chegou a uma conclusão semelhante. Além daquilo que produzia nos invariavelmente indispensáveis discos de estúdio desde o final dos anos 50, João costumava reinventar seu repertório a cada nova apresentação ao vivo. Geralmente, só ele é o inseparável violão. Uma magia inimitável a qualquer outro momento da história da música moderna. Então, do fundo de sua cabeça privilegiada mas distraída, pensou: "porque não gravo um disco ao vivo que transmita essa atmosfera?" 

Sim, passados mais de 30 anos de carreira, João nunca havia feito um álbum neste formato. Tinha até então dois ao vivo, todos com parcerias e/ou bandas/orquestra acompanhando: "Getz/Gilberto #2", em companhia do saxofonista de jazz norte-americano Stan Getz, de 1965, e o especial da TV Globo "João Gilberto Prado Pereira de Oliveira", de 1980, no qual recebe vários convidados. Assim, só ele no palco, nunca.

O que parecia óbvio, por se tratar da essência do som do homem que inventou a moderna música brasileira com a concepção da bossa nova, ganhava, enfim, um registro fiel. Já havia se tornado comum a artistas brasileiros a partir dos anos 70 gravarem seus shows no Festival de Jazz de Montreux, na Suíça, desde que a curadoria do evento se abrira para a sonoridade da MPB como sendo cabível no gênero do "jazz moderno". De A Cor do Som a Elis Regina, passando por Gilberto Gil, Pepeu Gomes e Hermeto Pascoal. Faltava João.

E o Bruxo de Juazeiro não deixa por menos. Com seu repertório impecável selecionado cirurgicamente, une velhos sambas, como os de Ary Barroso, Haroldo Barbosa, Geraldo Pereira e Wilson Batista, a então novos clássicos. Melhor exemplo é "Menino do Rio", de Caetano, lançada em 1979 pelo autor e já versada pelo próprio João um anos depois. Mas ocorreu que a música fizera novamente muito sucesso em 1982 na voz de Baby Consuelo para a trilha do filme homônimo, e João, ao resgatá-la, transformava-a imediatamente de um hit para um clássico. 

João destila musicalidade. É tocante ouvir o trato de cada detalhe, de cada pronúncia, de cada acorde ou silêncio. A permanente confluência harmonia-melodia, as variações de ritmo, o casamento de cordas vocais e cordas de nylon num constante entendimento, entrelaçando-se, dançando. "Tim Tim Por Tim Tim", conhecida do repertório de João, abre com um verdadeiro show de gingado. Quem escuta ele tocando e cantando com tamanha naturalidade pode até pensar que se trata de um improvido. Mas o mais impressionante de João é que tudo aquilo faz parte de um exercício de controle absurdo, e ao vivo isso fica mais evidente. As soluções harmônicas, as escolhas de tempos, a voz afinadíssima mas sem vibrato, o controle da cadência, o que arpejar e o que silenciar: tudo se resolve ali, na hora, no palco, diante do microfone e da plateia. 

O público, neste show, aliás, merece uma atenção à parte. Até mais: merece também aplausos. Visivelmente formada por muitos brasileiros, mas certamente também por suíços e outros estrangeiros, na maioria da Europa, a plateia se emociona e transmite essa emoção para o artista, que retribui, numa corrente de energia poucas vezes vista ou perceptível em discos ao vivo. João brincando de "quém quém" ao cantar "O Pato" ou sambando com a voz em "Sem Compromisso" não deixam mentir. Mas, principalmente, "Adeus América". O samba de Haroldo Barbosa, escrito para outro símbolo mundial do Brasil (o maior deles), Carmem Miranda, como uma declaração de amor ao Brasil após ela ser tachada pelos compatriotas invejosos de "voltar americanizada" dos Estados Unidos, aqui soa (e ainda mais aos brasileiros da plateia) como um canto de exílio, um canto de saudade da terra mater. “Não posso mais, que saudade do Brasil/ Ai que vontade que eu tenho de voltar/ Adeus América, essa terra é muito boa/ Mas não posso ficar porque/ O samba mandou me chamar”. É certamente o momento mais emocionante do show, como talvez nenhuma outra gravação ao vivo de João neste ou noutros discos.

Há também a apropriação "mpbística" do jazz standart italiano "Estate", presente no memorável LP "Amoroso", de 1977, e, claro, a reverência à bossa nova. Mais precisamente, a Tom Jobim. Do maestro, João toca quatro das 15 do set-list: "Retrato em Branco e Preto", dois ícones da primeira fase bossanovista, "Garota de Ipanema" e "Desafinado"; e uma imbatível "A Felicidade", menos recorrente no repertório de João e até por isso ainda mais impactante.

Outro maestro, no entanto, é exaltado por João na histórica apresentação no 19º Festival de Montreux. Cabe ao legado de Ary Barroso fechar o show com três faixas: "Morena Boca de Ouro" e outras dois símbolos de brasilidade em música: as ufanistas "Isto Aqui o que É?" e aquele que é considerado o segundo hino da nação, "Aquarela do Brasil", numa execução de quase 10 minutos. João, que a havia protagonizado no disco "Brasil", de quatro anos antes e quando teve a companhia de Caetano e Gil para interpretá-la, encara aqui a empreitada sozinho. Coisa só de quem tem a mesma envergadura da própria música que entoa.

Prestes a completar 40 anos de seu lançamento, “Live at The 19th Montreux Jazz Festival” guarda a primazia de ser a primeira gravação fiel de um show de João Gilberto, abrindo caminho para vários outros que viriam nos anos seguinte e dos quais destacam-se pelo menos dois: “João Gilberto In Tokyo”, de 2004, e “Live At Umbria Jazz”, de 2002. No entanto, este registro evidentemente possui uma aura e uma importância especial. Mesmo que na maioria dos discos, inclusive os de estúdio, João fosse captado “just in time” pelas mesas de som, no palco não há o que editar ou refazer. É aquele pulsar orgânico e indelével. E no caso de João, isso vale mais do que o silêncio, como diz Caetano. 

E dizer que João levou mais de duas décadas para deixar essa óbvia joia da cultura brasileira para a posteridade... Às vezes, a obviedade é mesmo genial.

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Originalmente lançado no Brasil e no Japão em 1985 como LP duplo de 15 faixas, "Live At The 19th Montreux Jazz Festival", na versão norte-americana, de um ano após, chamou-se apenas de "Live In Montreux" e contendo 13 músicas: sem "Tim Tim Por Tim Tim", "Desafinado" e "O Pato" e tendo acrescida "Rosa Morena" (Dorival Caymmi).

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FAIXAS:
1. “Tim Tim Por Tim Tim” (Geraldo Jacques, Haroldo Barbosa) - 3:38
2. “Preconceito” (Marino Pinto, Wilson Batista) - 2:25
3. “Sem Compromisso” (Geraldo Pereira, Nelson Trigueira) - 4:05
4. “Menino Do Rio” (Caetano Veloso) - 3:45
5. “Retrato Em Branco e Preto (Antonio Carlos Jobim, Chico Buarque) - 6:36
6. “Pra Que Discutir Com Madame?” (Haroldo Barbosa, Janet de Almeida) - 6:25
7. “Garota De Ipanema” (Antonio Carlos Jobim, Vinicius De Moraes) - 3:42
8. “Desafinado” (Antonio Carlos Jobim, Newton Mendonça) - 4:53
9. “O Pato” (Jaime SIlva, Neuza Teixeira) - 6:08
10. “Adeus América” (Geraldo Jacques, Haroldo Barbosa) - 6:50
11. “Estate” (Bruno Brighetti, Bruno Martino) - 5:18
12. “Morena Boca de Ouro” ((Ary Barroso) - 5:37
13. “A Felicidade” (Antonio Carlos Jobim, Vinicius De Moraes) - 5:10
14. “Isto Aqui, O Que É? (Sandália de Prata”) (Ary Barroso) - 6:43
15. “Aquarela Do Brasil” (Ary Barroso) – 9:05



Daniel Rodrigues


segunda-feira, 15 de julho de 2024

Gilberto Gil - "Gilberto Gil ao Vivo" ou "Ao Vivo no Tuca" (1974)

 

“A experiência do exílio universaliza o caráter da música de Gil, mas também serve para reabrasileirá-la”
Marcelo Fróes, pesquisador musical

O forçado período de exílio, no final dos anos 60/início dos 70, em razão da perseguição do Governo Militar brasileiro, fez bem a Gilberto Gil. A afirmação soa cruel humanisticamente falando, mas, em contrapartida, é impossível dissociar a música do compositor e cantor baiano daquilo que ele produziu em sua fase pós-tropicalista, justamente a que coincide com aquele momento. Sondar, hoje, a música de Gil sem esta intervenção temporal, num continuum que ligue “Batmakumba” diretamente a “Realce”, é impensável. Londres, com seu frio e neblina, mas também com seus “lindos verdes campos” que o oportunizaram a Swinging London e a lisergia, marcou-se de vez na alma de Gil. E isso por um simples motivo: a cosmopolita Londres em muito combinava com a visão holística deste artista.

Os sinais do Velho Mundo ficam evidentes já em “Expresso 2222”, de 1972, seja na influência beatle, seja, por outro lado, no re-enraizamento, espécie de contramovimento em direção às origens de quem tanto tempo ficou distante de sua terra. Mas outras sensibilidades também puderam ser extraídas daquela inevitável influência europeia, que é o próprio cosmopolitismo. E Gil, hábil, traduziu isso em sonoridade. Jards Macalé já havia dado os primeiros passos desde seu compacto "Só Morto", de 1970, e, posteriormente, ao instaurá-la em “Transa”, que Caetano Veloso, companheiro de Tropicália e de exílio de Gil, gravaria na mesma Londres antes de voltar ao Brasil. Era uma sonoridade elétrica (ainda sem teclados), mas sem peso e distorções, que mesclava o rock aos sons brasileiros numa medida que, hegemonizada, soava como um novo jazz fusion. Um fusion essencialmente brasileiro. Não o que Airto Moreira, Hermeto Pascoal ou Eumir Deodato vinham praticando nos Estados Unidos. Era um jazz brasileiro, mas tão brasileiro, que é fácil se esquivar de chamar de jazz, ao passo que é difícil classificar somente de MPB.

O sumo desta sonoridade universalista está no disco ao vivo que Gil gravava há 50 anos com uma afiada banda num único e histórico final de semana de outubro de 1974 no Teatro da Universidade Católica de São Paulo, o conhecido Tuca – palco de diversas combativas apresentações no período da Ditadura. Gil estava num momento transitório entre o disco “Expresso 2222”, que marcou sua volta ao Brasil, e um grande projeto, a trilogia “Re” (“Refazenda”/"Refavela”/”Realce”) a qual tomaria seus próximos três anos a partir de 1975. Além disso, Gil engavetara um disco de estúdio previsto para aquela época e para o qual havia composto várias canções, renomeado “Cidade do Salvador” quando lançado posteriormente na caixa “Ensaio Geral”, de 1998, produzida pelo pesquisador musical Marcelo Froés. Nem por isso, o artista se desconectara de suas próprias buscas sonoras. Pelo contrário. Absorvido pelos estímulos da música pop e com o que captara no período internacional, Gil realiza este show onde exercita o que havia de mais arrojado em termos de arranjo, melodia, harmonia e performance de sua época. Era o Gil tropicalista, novamente, dando as cartas da “novidade que veio dar na praia” na música brasileira. 

“João Sabino”, faixa inicial, é exemplar. Inédita, assim como todas as outras cinco que compõem o disco. Ou seja: embora se trate da gravação de uma apresentação, sua estrutura é de um álbum totalmente novo, com faixas inéditas ou nunca tocadas por Gil, e não de versões ao vivo de temas conhecidos e/ou consagrados - tal como o próprio realizaria em diversos outros momentos da carreira, como os ao vivo "Refestança" (com Rita Lee, de 1980), e "Quanta Gente Veio Ver" (1998). Soma-se a isso a exímia execução, que dá a impressão de uma gravação tecnicamente perfeita como que engendrada num estúdio, da fantástica banda formada por: Gil, na voz, violão e arranjos; Aloísio Milanês, nos teclados; o "Som Imaginário” Frederiko, guitarra; Rubão Sabino, baixo elétrico; e Tutty Moreno, bateria. 

Afora isso, “João Sabino” – homenagem ao pai do baixista da banda, que está excelente na faixa – é um samba de mais de 11 min, repleto da variações e uma melodia com lances experimentais, que exige domínio dos músicos. Na letra, metalinguística, Gil equipara as “localidades” da cidade natal dos Sabino, a capixaba Cachoeiro do Itapemirim (“Pai do filho do Espirito Santo”) com religiosidade e das notas musicais (“Nessa localidade de lá/ Uma abertura de si/ Uma embocadura pra dó/ Sustenindo uma passagem pra ré/ Mi bemol/ (...) De mi pra fá/ Sustenindo, suspendendo/ Sustentando, ajudando o sol/ Nascer"”). E Gil o faz com muita improvisação no canto, incidentando passagens e brincando com as palavras e os vocalises, o que antecipa, até pela extensão do número, a grande jam que gravaria com Jorge Ben no ano seguinte no clássico “Gil & Jorge/Xangô Ogum”. Som eletrificado com alto poder de improvisação dos músicos, que sintetiza a sina bossa-novista, a tradição do samba e a influência nordestina às novas sonoridades pós-“Bitches Brew” e “A Bad Donato”. Um show.

É a vez da psicodélica “Abre o Olho”, espécie de diálogo consigo mesmo no espelho, em que Gil reflete algumas maluquices saborosas enquanto põe colírio nos olhos sob efeito da maconha. “Ele disse: ‘Abra o olho’/ Eu disse ‘aberto’, aí vi tudo longe/ Ele disse: ‘Perto’/ Eu disse: ‘Está certo’/ Ele disse: ‘Está tudinho errado’/ Eu falei: ‘Tá direito’”. Essa divagação toda para chegar na catártica (e sábia) frase do refrão: “Viva Pelé do pé preto/ Viva Zagalo da cabeça branca”. Seu violão e canto são tão intensos, sua performance é tão completa, que nem dá pra perceber que o resto da banda não está tocando.

Gravada originalmente pelo seu coautor, o amigo João Donato, no disco homônimo, “Lugar Comum” ganha aqui a única versão cantada pelo próprio Gil. Delicada e num arranjo redondo, tem a segurança dos músicos na retaguarda, entre eles Tutty, baterista dos revolucionários “Transa”, “Expresso 2222” e dos discos iniciais de Jards, entre outros. Destaque do repertório, talvez a mais sintética de todas da atmosfera empregada nesta apresentação, é “Menina Goiaba”, que bem poderia receber o subtítulo de “Pequena Sinfonia de São João”. São mais de 6 min em que Gil e banda conduzem o ouvinte em uma viagem ao Nordeste festivo e brejeiro, iniciando numa moda de viola, avançando para uma marchinha e finalizando com uma quadrilha num misto de rock e sertanejo com a formosa guitarra de Fredera. Linha melódica intrincada, mas deliciosa como uma guloseima junina, cheia de idas e vindas, transições, variações rítmicas e adornos. E que execução da banda! Jazz fusion brasileiríssimo. E para quem desistiu de lançar um álbum novo àquela época, Gil resolveu muito bem consigo mesmo a dicotomia quando diz na letra da música: “Andei também muito goiaba/ E o disco que eu prometi/ Não foi gravado, não”.

Como já havia feito (e voltaria a fazer inúmeras vezes na carreira), Gil versa Caetano com a magia que somente um irmão espiritual conseguiria. Assim como “Beira-Mar”, do seu trabalho de estreia, em 1967, agora é outra balada caetaneana trazida por Gil: “Sim, Foi Você”. Igualmente, cantada e tocada somente a voz e violão e numa sensibilidade elevada. Para fechar, outro número extenso e uma explosão de talento da banda em “Herói Das Estrelas”. Originalmente gravado pelo seu autor, Jorge Mautner – que o assina junto com o parceiro Nelson Jacobina – naquele mesmo ano num disco produzido por Gil, agora o tema recebe uma roupagem jazzística de dar inveja a qualquer compositor (ainda bem que Gil e Mautner são tão amigos). Rubão está simplesmente sensacional no baixo, assim como Tutty, com sua bateria permanentemente inventiva. Aloísio Milanês, igualmente, improvisa brilhantemente de cabo a rabo (de cometa). E o que falar do violão de Gil? Uma batuta tomada de suingue, de brasilidade, de africanidade. Perfeita para finalizar um show/disco impecável.

Quem escuta algumas das obras posteriores de Gil, talvez nem perceba o quanto este disco ao vivo teve influência. Nas duas versões de “Essa é pra Tocar no Rádio” (“Gil e Jorge” e “Refazenda”), é evidente o trato jazz que recebem, assim como “Ela”, “Lamento Sertanejo” (“Refazenda”, 1875), “Babá Alapalá”, “Samba do Avião” (“Refavela”, 1977) e “Minha Nega Na Janela” (“Antologia do Samba-Choro”, 1978), além da clara semelhança do conceito sonoro de todo “Gil e Jorge”. Gil só viraria a chave desta habilidosa condensação sonora quando fecha a trilogia "Re" no pop “Realce”, de 1978. Porém, não sem, meses antes, encerrar aquele ciclo com outro disco ao vivo, gravado no 12º Festival de Jazz de Montreux, na Suíça. A mídia internacional entendia, enfim, que aquilo era, sim, jazz. Gil, assim, voltava à Europa de onde, no início daquela década, mesmo que forçadamente, precisou se refugiar e aprendeu a ser mais universal do que já era. Igual diz a sua “Back in Bahia”: “Como se ter ido fosse necessário para voltar”.

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A caixa “Ensaio Geral”, lançada em 1998, trouxe em “Ao Vivo no Tuca”, além das faixas do vinil oficial, outras cinco inéditas garimpadas em gravações das másters originais do mesmo show e outras de estúdio da época, somente voz e violão. “Dos Pés à Cabeça”, escrita para a voz de Maria Bethânia, foi registrada por ela no espetáculo “A Cena Muda”, de 1974. Já “O Compositor me Disse” foi para a voz de Elis Regina e gravada pela Pimentinha em “Elis”, também de 1974. Proibido pela Censura de apresentar músicas novas de sua própria autoria, Chico Buarque gravaria músicas de outros compositores, entre elas, “Copo Vazio”, de Gil, em “Sinal Fechado”, do mesmo ano. No espírito do álbum original, todas as extras são cantadas pela primeira vez na voz de Gil.

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FAIXAS:
1. “João Sabino” - 11:33
2. “Abra o Olho” - 4:50
3. “Lugar Comum” (Gilberto Gil, João Donato) - 4:50
4. “Menina Goiaba” - 6:50
5. “Sim, Foi Você” (Caetano Veloso) - 5:47
6. “Herói das Estrelas” (Jorge Mautner, Nelson Jacobina) - 6:01
Faixas bônus da versão em CD:
7. “Cibernética” - 7:45
8. “Dos Pés à Cabeça” - 4:27
9. “O Compositor me Disse” - 4:01
10. “Copo Vazio” - 6:39
11. “Dia de Festa” (Rubão Sabino) - 5:05
Todas as composições de autoria de Gilberto Gil, exceto indicadas

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Daniel Rodrigues

sábado, 22 de junho de 2024

Chico 80 Anos - As 80 músicas preferidas dos fãs

 Montar uma lista com músicas preferidas de Chico Buarque é, antes de mais nada, desafiador, mas também garantia de uma seleção do mais alto nível da música brasileira. Dada a magnitude e qualidade de sua obra – além de extensa, sempre muito significativa – não haveria como ser diferente. Para celebrar o aniversário de 80 anos deste mestre da nossa cultura completos esta semana, juntamos, então, uma lista de 80 músicas preferidas por alguns de seus inumeráveis fãs.

Disso, porém, uma coisa foi quase unânime: a reclamação dos votantes de que é difícil compor uma lista dessa natureza. Todos os que se dispuseram a realizar essa tarefa quase trocaram o prazer em compô-la por dúvidas atrozes ou, pior, a angústia por não poder escolher mais títulos além de apenas 10. Compreensível. Quando fizemos, em 2022, uma listagem semelhante a esta para o aniversário de outro mestre da música brasileira, Gilberto Gil, o sentimento foi o mesmo. Isso sem falar, após a divulgação, da transformação desse desconforto em arrependimento por não se ter lembrado de incluir esta ou aquela canção...

O fato é que amamos a obra de Chico, e nisso me incluo tanto quanto todos os nossos outros 6 fãs, que toparam comigo e Cly, a ingrata missão de listar apenas 10 músicas da vasta e qualificadíssimo cancioneiro buarqueano. Pois, realmente, 10 é muito pouco para dar a dimensão do quanto o admiramos e da importância de sua obra. Sabemos. Mas, de modo a contemplarmos pelo menos 8 destes ardorosos fãs, a matemática nos obriga a separar apenas uma mísera dezena para podermos completar 80 escolhas celebradoras de suas 80 primaveras. 

Para tanto, reunimos um time especial de “buarqueiros” de diferentes áreas. Jornalistas, escritores, publicitários, ilustradores, produtoras culturais. Há, mas são poucos os que não gostam de Chico – e quando gostam, é assim, de “Todo o Sentimento”. A ponto de fazer canção em sua homenagem, como um dos nossos convidados, o músico radicado em Londres Thomas Pappon - da Fellini, Tres Hombres, Voluntários da Pátria, Smack, The Gilgertos e outros vários projetos – coautor da bela “Chico Buarque Song”, da Fellini. Ou mais do que isso: alguém que dedica-lhe uma obra, caso do jornalista e escritor Márcio Pinheiro, esporádico colaborador do blog, que acaba de lançar o livro "O que Não tem Censura nem Nunca Terá: Chico Buarque e a Repressão Artística na Ditadura Militar".

Afora os impasses, o legal é que existe um Chico para cada um. “Paratodos”, mais certo dizer. Há músicas desde sua fase inicial, nos anos 60, dos tempos da “capa do meme”, até a mais recente produção, deste “Velho Francisco” agora oitentão. 80 músicas é pouco, sim. Melhor seriam mais “Umas e outras”, mais um “Frevo Diabo”, mais um “Tango do covil”, um “Partido alto”, uma “Opereta de casamento”. E “Que tal um samba?”, um pra Vinicius, um de Orly, um de adeus?... “Qualquer canção”, desnaturada, inédita, de Pedroca. Não? Então, como diz ele mesmo, “palmas para o artista confundir”. Que prazer é essa confusão de não saber o que mais nos toca da maravilhosa obra de Chico Buarque.


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Kaká Reis

produtora cultural
(Rio de Janeiro/RJ)

"HELP! Chegou o momento mais temido da minha vida: escolher 10 musicas do Chico! Eu sei que vou me arrepender muito de alguma coisa, mas segue..."

1. "Tatuagem" ("Chicocanta" ou "Calabar", com Ruy Guerra, 1972)
2. "Bom Conselho" ("Quando o Carnaval Chegar", 1972)
3. "Pedro Pedreiro" ("Chico Buarque de Hollanda", 1966)
4. "Eu Te Amo" ("Vida" , com Tom Jobim, 1980)
5. "Biscate" ("Paratodos", 1993)
6. "As Caravanas" ("Caravanas", 2017)
7. "Bye Bye Brasil" ("Vida", com Roberto Menescau, 1980)
8. "Mil Perdões" ("Chico Buarque", 1984)
9. "Ode aos Ratos" ("Carioca", com Edu Lobo, 2006)
10. "Todo o Sentimento" ("Francisco", com Cristóvão Bastos, 1987)




Jana Lauxen

escritora e editora
(Carazinho/RS)

"Chico Buarque é patrimônio cultural brasileiro, lenda viva, meme, galã e puro suco da arte made in Brasil. Não bastasse, canta, compõe, escreve, interpreta, defende a democracia e já enfrentou, na trincheira, dois governos fascistas. Ele me representa de tantas maneiras, que um parágrafo é insuficiente para explicar. Obrigada, Chico!"

1. "Apesar de Você" ("Chico Buarque" ou "Disco da Samambaia", 1978)
2. "O Meu Guri" ("Almanaque", 1982)
3. "Geni e o Zeppelin"  (Trilha sonora da peça "Ópera do Malandro", 1977)
4. "Roda Viva" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 3", 1968)
5. "Jorge Maravilha" (aka Julinho da Adelaide, 1974)
6. "Cotidiano"  ("Construção", 1971)
7. "Cálice" ("Chico Buarque" ou "Disco da Samambaia", com Gilberto Gil, 1978, por Milton Nascimento e Chico Buarque)
8. "Construção" ("Construção", 1971)
9. "Hino da Repressão" (Trilha Sonora do filme "Ópera do Malandro", 1985)
10. "Meninos, Eu Vi" (Trilha Sonora do filme "Para Viver um Grande Amor", com Tom Jobim, 1983)




Leocádia Costa

publicitária, produtora cultural e locutora
(Porto Alegre/RS)

1. "Biscate" 
2. "Paratodos" ("Paratodos", 1993)
3. "Tua Cantiga" ("Caravanas", com Cristóvão Bastos, 2017)
4. "Imagina" ("Carioca", com Tom Jobim, 2006)
5. "Baioque" ("Quando o Carnaval Chegar", 1972, por Maria Bethânia)
6. "Minha Canção" ("Os Saltimbancos", com Sérgio Bardotti e Enriquez, 1977)
7. "Beatriz" ("O Grande Circo Místico", com Edu Lobo, 1983)
8. "Roda Viva" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 3", 1968)
9. "Samba e Amor"("Chico Buarque de Hollanda - vol. 4", 1970)
10. "Cotidiano" ("Caetano e Chico Juntos e Ao Vivo", 1972, com Caetano Veloso)




Clayton Reis

arquiteto, cartunista e blogueiro
(Rio de Janeiro/RJ)

"Que tarefa ingrata escolher só dez. Meu Deus! Vai indo 1, 2, 3 e vai se aproximando de 10 e a gente fica pensando, 'mas essa vai ficar de fora', 'e aquela...', 'e aquela outra...'. É uma obra incrível, muita coisa maravilhosa, letras incríveis, fases distintas, temas, motivações. Não tem nem o que falar. Só aplaudir um cara assim, agradecer por existir há 8 décadas e nos dar coisas como essas."

1. "Construção"  
2. "Rosa dos Ventos" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 4", 1970)
3. "O que Será? ((À flor da pele)"  ("Meus Caros Amigos", 1976)
4. "Vai Passar" ("Chico Buarque", com Francis Hime, 1984)
5. "Cotidiano" 
6. "Apesar de Você"
7. "Agora Falando Sério" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 4", 1970)
8. "Geni e o Zeppelin"  
9. "Samba do Grande Amor" ("Chico Buarque", 1984)
10. "Jorge Maravilha" 




Daniel Rodrigues

jornalista, escritor, radialista e blogueiro
(Porto Alegre/RS)

"'A gente se torna repetitivo falar que 10 músicas não são suficientes para dar conta da grandiosidade de Chico Buarque. Fazer o quê? Muito queria ter incluído aqui 'Mil Perdões', 'Samba e Amor', 'Leo', 'Pedro Pedreiro', 'Assentamento', 'Ciranda da Bailarina', 'Alumbramento', 'Rosa dos Ventos', 'Sinhá'... mas não cabem. Fico com o sintético depoimento do amigo Tom Jobim, que dizia, atribuindo sua genialidade aos deuses da religiosidade afro-brasileira, que Chico era 'um cavalo'".

1. "Construção"
2. "Vida" ("Vida", 1980)
3. "A Bela e a Fera" ("O Grande Circo Místico", com Edu Lobo, 1983, por Tim Maia)
4. "Futuros Amantes" ("Paratodos", 1993)
5. "Vai Passar"
6. "O Meu Guri" 
7. "Tua Cantiga"
8. "Beatriz"
9. "Amando sobre os Jornais" ("Mel", 1979, por Maria Bethânia)
10. "Estação Derradeira" ("Francisco", 1987)




Lívia Araújo

jornalista e ilustradora
(Porto Alegre/RS)

"Amo Chico e seu repertório pela sua amplidão de temas e estilos: tanto interpretando a realidade brasileira e seus personagens, quanto falando sobre os meandros íntimos de homens e mulheres nos mais variados contextos. A música do Chico, que dá o balanço perfeito entre melancolia e alegria, exaltação e introspecção, é a expressão perfeita de alguém que entende como o brasileiro, em suas próprias palavras na ocasião da entrega tardia do Prêmio Camões, traz nas veias "o sangue do açoitado e do açoitador. Bônus track. 'Samba de Orly'".

1. "Tanto Amar" ("Almanaque", 1982)
2. "Vai Passar"
3. "Feijoada Completa" ("Chico Buarque" ou "Disco da Samambaia", 1978)
4. "Joana Francesa" (Trilha sonora do filme "Joana Francesa", 1973)
5. "Geni e o Zeppelin"  
6. "João e Maria" ("Os Meus Amigos São Um Barato", com Sivuca, 1977, por Nara Leão)
7. "Roda Viva"
8. "Caçada" ("Quando o Carnaval Chegar", 1972)
9. "Acorda, Amor" (aka Julinho da Adelaide, "Sinal Fechado", 1974)
10. "Terezinha" (Trilha sonora da peça "Ópera do Malandro", 1977, por Gal Costa)




Thomas Pappon

músico
(Londres/Inglaterra)

1. "Samba e Amor"
2. "Cotidiano"
3. "Partido Alto" ("Quando o Carnaval Chegar", 1972, por MPB-4)
4. "Ana de Amsterdã" ("Chicocanta" ou "Calabar", com Ruy Guerra, 1972)
5. "Construção"  
6. "Gente Humilde" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 4", com Garoto e Vinícius de Moraes, 1970)
7. "Pois É" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 4", com Tom Jobim, 1970)
8. "Deus lhe Pague" ("Construção", 1971)
9. "Olha Maria" ("Construção", com Tom Jobim, 1971)
10. "Joana Francesa" 




Márcio Pinheiro

jornalista e escritor
(Porto Alegre/RS)

"Aí vai uma lista idiossincrática: 10 músicas de Chico Buarque em parcerias. A melhor do Chico em parceria com:"

1. Caetano Veloso: "Vai Levando" ("Chico Buarque & Maria Bethânia ao vivo", 1975)
2. Edu Lobo: "História de Lily Braun" ("O Grande Circo Místico", 1983, por Gal Costa)
3. Francis Hime: "A Noiva da Cidade" ("Meus Caros Amigos", 1974)
4. Gilberto Gil: "Cálice"
5. João Donato: "Cadê Você?"  ("Francisco", 1987)
6. Miltinho: "Angélica"  ("Almanaque", 1982)
7. Ruy Guerra: "Tatuagem"
8. Sivuca: "João e Maria"
9. Tom Jobim: "Retrato em Branco e Preto" ("Chico Buarque de Hollanda - vol. 3", 1968)
10. Toquinho: "Samba de Orly" ("Construção", 1971) e Vinicius de Moraes: "Valsinha" ("Construção", 1971)




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As mais votadas

"Construção", "Cotidiano" - 4 votos

"Roda Viva", "Geni e o Zeppelin", "Vai Passar" - 3 votos

"Biscate", "Beatriz", "Apesar de Você", "Cálice", "Tatuagem", "O Meu Guri", "Jorge Maravilha", "Tua Cantiga", "Samba e Amor", Joana Francesa", "João e Maria" - 2 votos

"Vai Levando", "História de Lily Braun", "A Noiva da Cidade", "Cadê Você?", "Angélica", "Retrato em Branco e Preto", "Samba de Orly", "Valsinha", "Partido Alto", "Ana de Amsterdã", "Gente Humilde", "Pois É", "Deus lhe Pague", "Olha Maria", "Tanto Amar", "Feijoada Completa", "Caçada", "Acorda, Amor", "Terezinha", "Vida", "A Bela e a Fera", "Futuros Amantes", "Amando sobre os Jornais", "Estação Derradeira", "Rosa dos Ventos", "O que Será? ((À flor da pele)", "Agora Falando Sério", "Samba do Grande Amor", "Paratodos", "Imagina", "Baioque", "Minha Canção", "Hino da Repressão", "Meninos, Eu Vi", "Bom Conselho", "Pedro Pedreiro", "Eu Te Amo", "As Caravanas", "Bye Bye Brasil", "Mil Perdões", "Ode aos Ratos" e "Todo o Sentimento" - 1 voto


Daniel Rodrigues