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domingo, 25 de dezembro de 2022

"De Olhos Bem Fechados", de Stanley Kubrick (1999)

 


Não é exatamente um filme de Natal mas "De Olhos Bem Fechados", último filme do saudoso Stanley Kubrick, se passa nos dias que antecedem a mais famosa data comemorativa de final de ano, com um clima meio natalino... só  que não. Um grilo, uma pulga atrás da orelha de um conceituado médico, fazem com que seus dias que antecedem o Natal, façam sua vida virar de cabeça para baixo.

Depois de ir, com sua atraente esposa a uma festa de um cliente, e serem assediados, ambos, por convivas do evento, ao voltar para casa, na cama, o não menos interessante Dr. William Harford, vivido por Tom Cruise, põe em dúvida o desejo e a capacidade de infidelidade das mulheres. Para sua surpresa, a esposa revela que não  o trará por muito, muito pouco e que tivera fantasias sexuais com um homem que conhecera em uma viagem. A revelação põe a cabeça do jovem médico em parafuso que, tendo que sai para atender um cliente, à  noite, desvia o caminho e, num clube encontra um pianista, ex-colega da faculdade da medicina que lhe revela, um tanto a contragosto, fazer um trabalho secreto onde toca em festas privadas com os olhos vendados de modo a não poder ver o que acontece, embora tenha conseguido espiar e saiba que tratam-se de orgias com belíssimas mulheres. Bill Harford, atormentado pela revelação e com um certo, íntimo, desejo de vingança pelo "pensamento" da esposa, praticamente obriga o pianista a lhe contar onde acontecerá a festa daquela noite. De posse da informação, o médico aluga uma fantasia para o propósito da festa, dirige-se ao local e lá, infiltra-se na reunião secreta. Fica fascinado pela beleza das mulheres, o mistério da cerimônia e pelo calor da orgia, entanto, estranho a tudo, deslocado, desentrosado, é facilmente descoberto como intruso. Exposto, é constrangido, humilhado, ameaçado e obrigado a deixar a festa sob fortes advertências de esquecer tudo o que virá naquela noite.

O Dr. Harford acuado, numa Nova York natalina,
(luzes ao fundo) mas nada festiva.

Bill não segue as orientações, faz perguntas, procura uma garota que o ajudara na festa, vai atrás do ex-colega, o pianista que lhe dera o endereço e a senha, e, decrescente sente-se acuado e vê sua vida e de sua família  em risco.

Último suspiro artístico de Stanley Kubrick, "De olhos bem fechados" é uma obra por vezes subestimada na qual o gênio do cinema parte de um drama conjugal, passeia pelo erótico, pelo mistério e culmina praticamente num suspense policial com possíveis assassinatos e uma ameaçadora organização onipresente disposta a qualquer coisa para manter seu sigilo. Tudo isso numa atmosfera sombria, intimista, numa Nova York invernal porém sem neve, escura, vista de baixo, vista de perto, com as tradicionais profundidades e perspectivas de Kubrick, e seus travelings longos e contínuos acompanhando os personagens.

Nessa estética muito própria e particular, Kubrick nos entregava mais algumas cenas e sequências memoráveis antes de seu adeus. A alternância de situações na festa, entre o médico sendo assediado por duas modelos e a esposa, por um coroa rico e charmoso, Bill sendo observado e perseguido pelas ruas de Nova York à noite, e, é claro, a já clássica cena da festa, desde o início quando chega na porta com a senha, os travelings pelos corredores e salas observando a suruba, o ritual erótico num macabro baile de máscaras emoldurado por uma música marcante e sinistra, o iminente risco, a tentativa de fuga coma modelo, o desmascaramento do disfarce e, por fim, a exposição diante de todos seguida das ameaças que, literalmente, viriam a tirar o sono do jovem médico.

"De Olhos Bem Fechados" - cena do ritual


A percepção de que o grupo, a organização com quem está lidando é muito mais perigosa e poderosa do que imaginava, também marca uma cena admirável do filme, quando Bill chega em casa, pela manhã e vê em sua cama, em seu travesseiro, a máscara que usara no culto sexual que presenciara. Ali percebe toda sua impotência diante daquelas pessoas e, num choro compulsivo, consolado pela esposa, renuncia a qualquer tipo de busca por explicações.

Já que estamos falando de Natal, na cena final, também uma das mais marcantes do filme e, por que não, da filmografia de Kubrick, devidamente conciliados, à salvo dos perseguidores, o casal vai às compras de Natal com a pequena filha e, entre luzinhas piscantes, enfeites e brinquedos, repassando brevemente os acontecimentos dos dias anteriores, Alice, interpretada pela ótima Nicole Kidman, se revela aliviada por terem passado por tudo aquilo e terem a oportunidade de dar novos significados à relação ("Acho que devemos ser gratos. Gratos por termos conseguido sobreviver a todas as nossas aventuras, sejam elas reais ou apenas um sonho. Certo como estou, a realidade de uma noite, quanto mais a de uma vida inteira, pode ser toda a verdade. E nenhum sonho é apenas um sonho. O importante é que agora estamos acordados e, com sorte, ainda por muito tempo.”). E, diante de tudo que passaram, sugere que façam algo, muito importante, imediatamente... "O que?" Pergunta ele. E ela reponde com uma única palavra: "Foder!"

Filme amplamente discutido, repleto se significados escondidos e elementos filosóficos, mas muitas vezes reduzido ao erotismo, à DR, ao impacto visual da cena do ritual ou a quase comicidade de sua fala final. Na verdade, "De Olhos Bem Fechados" foi o último ressente de Kubrick para nós fãs de cinema. Um presente de Natal. Mas um daqueles que a gente abre uma caixa e dentro encontra outra, depois outra, depois outra, e outra, e outra...

"Há uma coisa muito importante, que precisamos fazer, o mais rápido possível"
"O que?"
"Foder."



Cly Reis

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Aimee Mann – “Magnolia – Music from the Motion Picture” (1999)



Acima, a capa original, de 1999,
e, abaixo, com os sapos,
da reedição de 2018.

“Aimee Mann é uma cantora e compositora maravilhosa. Provavelmente devo a ela uma tonelada de dinheiro pela inspiração que ela teve neste filme.” 
Paul Thomas Anderson

Esta resenha bem que podia ser sobre o filme. De certa forma é, haja vista que é impossível dissociar, neste caso, filme e trilha. Embora comum a associação entre imagem e música no cinema, nem sempre um resultado tão afinado como este acontece. Tem, claro, as trilhas clássicas, aquelas que basta ouvir meio acorde para lembrar do filme, caso do que John Williams fez com “Tubarão” e a saga “Star Wars” ou Nino Rota para com a trilogia “Chefão”. Igualmente, “Koyaanisqatsi”, dirigido por Godfrey Reggio e musicado por Philip Glass, é assim, mas num nível diferente, haja vista que, para tal, a criação da imagem depende da música para tomar forma e vice-versa. Com “Magnolia”, cuja trilha é escrita pela cantora e compositora norte-americana Aimee Mann, entretanto, essa relação é diferente. A ligação da canção com as imagens do filme se dá num estágio mais sensível de entendimento, tornando-se, por esta via, parte essencial da obra de uma maneira bastante subjetiva e profunda.

Assisti “Magnolia” no ano de lançamento, 1999, cujos 20 anos decorridos só o engrandeceram. O então jovem diretor Paul Thomas Anderson, grande revelação do cinema alternativo dos Estados Unidos dos anos 90 junto com Quentin Tarantino, vinha do ótimo “Jogada de Risco” e da obra-prima “Boogie Nights”. O aguardado “Magnolia”, cujas notícias a respeito davam conta de que trazia um elenco estelar, como Tom Cruise numa atuação elogiadíssima, Juliane Moore, idem, Philip Seymour Hoffman afirmando-se como um dos maiores de sua geração, entre outros destaques, carregava a expectativa de que o cineasta se superasse. E foi o que aconteceu. A trama coral ao estilo Robert Altman, que amarra como sensibilidade a vida de vários personagens, nos deixava boquiabertos e cientes de que estávamos presenciando um novo marco do cinema.

Mas o que aumentava ainda mais essa sensação era a trilha sonora de Aimee, a qual concorreu ao Oscar daquele ano na categoria Canção Original. Responsável por pontuar toda a narrativa, a música composta por ela cumpre o papel de atar a história, contando-a através de sons e poesia. Mas isso não é tudo, visto que a música é tão presente e embrenhada com a história que acaba sendo mais um personagem. São nove preciosidades de um pop cristalino entre o folk e o indie que, além de cumprir a função de banda sonora, funciona perfeitamente como um disco independente do filme que o inspirou. Dá para ouvir “Magnolia” e se deliciar tão somente com a qualidade musical que contém. Contribui para isso também o fato de todas as músicas terem cada uma sua melodia e universo, sem valer-se da comum prática de trilhas sonoras de se desenvolverem variações sobre um ou dois temas musicais centrais para várias faixas.

Mesmo que a audição do disco possa ser aproveitada a qualquer momento, é impossível a apaixonados pelo filme como eu dissociar sua música da memória imagética, pois a trilha faz se transportar para as cenas a cada faixa. Exemplo disso é o tema de abertura tanto do disco quanto do filme: a precisamente intitulada “One”. A quem, como eu, não vem à mente a imagem da flor se abrindo em alta velocidade e os letterings do título aparecendo na tela com a voz de Aimee cantando: “One is the loneliest number/ that you'll ever do/ Two can be as bad as one/ it's the loneliest number/ since the number one”? (“Um é o mais solitário número/ Que você irá encontrar/ Dois pode ser pior que um/ É um número solitário/ depois do número um”).

Após o arrebatador começo, Aimee não dá trégua, emendando uma canção tocante atrás da outra. “Momentum” inicia desconcertada e dissonante para, em seguida, tomar a forma de um country-rock embalado e com um refrão comovente em que a voz de Aimee expressa docilidade mas, igualmente, a força do feminino – elemento narrativo que o filme traz de forma central em vários níveis e aspectos. “Build That Wall”, um pop delicado sobre a sofrida e viciada personagem Claudia (Melora Walters), traz um belo arranjo com flautas Piccolo e a capacidade da compositora de criar melodias e refrões tocantes (“How could anyone ever fight it/ Who could ever expect to fight it when she/ Builds that wall”: “Como alguém pode combatê-la/ Quem poderia esperar para combatê-la quando ela/ Constrói esta parede”).

Outra das mais emocionantes, “Deathly”, sobre suicídio, abre com a voz de Aimee rasgando em uma balada sofrida e realista: “Agora que te encontrei /Você se incomodaria/ Se não nos víssemos mais?/ Pois eu não posso me permitir/ Subir sobre você/ Ninguém tem tamanho ego a gastar“. A letra fala também da dificuldade emocional da personagem Claudia (um reflexo de vários outros personagens, como o arrogante Frank, de Cruise, e o abusador astro da TV Jimmy Gator, vivido por Phillip Baker Hall) de aceitar o amor do oficial Jim (John C. Reilly), que pelas coincidências da vida, encontrou-a e se apaixona: “Nem comece/ Pois eu já tenho problemas demais/ Não me importune/ Quando um simples ato de bondade pode ser/ Mortal/ Definitivamente”.

“Driving Sideways”, linda, repete a fineza comovida das composições, Já a instrumental “Nothing Is Good Enough” dá uma ligeira trégua para, na sequência, mandar outra bomba sentimental: “You Do”, em que novamente Aimee solta a voz com tamanho trato e verdade que é impossível ficar alheio ao ouvir. A também bela “Nothing Is Good Enough” toca num ponto basal do longa, que são as relações familiares: “Era uma vez/ Esta é a maneira como tudo começa/ Mas eu serei breve/ O que começou com tal excitação/ Agora eu felizmente termino com alívio/ No que agora se tornou um motivo familiar”.

Se a carga emotiva já era grande, Aimee, acompanhando o desenrolar do filme, também a intensifica mais para o final. “Wise Up”, tema que marca a sequência logo após a célebre cena da chuva de sapos sobre Los Angeles, revela uma série de tomadas de consciência dos personagens, todos com suas aflições, dificuldades, culpas e medos. O contexto de vícios, desentendimentos, suicídio, incesto, fugas emocionais e rancores, que os personagens trazem cada um a seu grau, ganha a redenção depois daquele fenômeno surreal, o que lhes oportuniza um momento de autoesclarecimento e arrependimentos. Isso, por sua vez, é brilhantemente desenhado pelos acordes de “Wise Up”, que inicia com um leve toque de piano simulando o som da batida de um coração. Figura nada mais adequada. Quando a voz de Aimee surge, é como se aquela vida ainda existisse. Ainda há esperança! Aimee, aliás, mais uma vez, esbanja sensibilidade na melodia e no canto. E o refrão, inesquecível, diz: ”It's not going to stop/ It's not going to stop/ Till you wise up” (“Isso não vai parar/ Isso não vai parar/ Até você se tocar”).

Um desavisado que estivesse escutando apenas o disco poderia achar “Wise...” um final falso. No entanto, quem conhece o filme sabe que, além desta, ainda vem outra para desmanchar em lágrimas de vez qualquer um: “Save Me”. Literalmente, a “salvação” final. Como se a redenção divina expressa naquela sequência de acontecimento recaísse sobre os homens. Misto de country e balada pop, num de seus trechos, diz assim: “Você me pareceu tão banal como radium/ Como Peter Pan ou como o Super-Homem/ Você aparecerá para me salvar/ Venha e me salve/ Se você puder, salve-me/ Deste bando de loucos/ Que suspeitam que nunca irão amar ninguém”. A música, além de marcar a cena de encerramento do filme, representa, na figura da personagem Claudia, a tentativa humana de superar suas dificuldades e dar espaço para o amor. É o arrebatamento final que Aimee dá ao genial filme de P.T. Anderson.

Duas músicas da Supertramp, uma de Gabrielle e um tema orquestrado por Jon Brion ainda desfecham o álbum, mas é evidente que a trilha de “Magnolia” é, de fato, a parte de Aimee Mann. Num momento muito inspirado da carreira, ela consegue imprimir personalidade ao filme através da música e, ao mesmo tempo, compor um disco de igual personalidade quando ouvido separadamente da obra cinematográfica. As músicas dela, através de uma sintonia muito profunda com o filme, se adéquam às cenas muito menos por sua representação narrativa do que por uma afinação que apenas o sentimento imagem/som proporciona. Talvez seja isso que distinga “Magnolia” de outros soundtracks, mesmo os mais clássicos: a música faz remeter ao sentimento que o filme traz, e não à obra a qual está ligada. Pode parecer um detalhe, mas faz toda a diferença. A música de "Magnolia" é como mais um personagem, mas onipresente, imbricado dentro de todos eles: homens e mulheres como nós.

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Lançado em 2018, a versão intitulada "Magnolia - Original Motion Picture Soundtrack" traz, além de um disco com as músicas de Aimee Mann, outros dois com o Original Score composto pelo maestro Jon Brion.


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FAIXAS:
1. “One” (Harry Nilsson) - 02:53
2. “Momentum” - 03:27
3.  “Build That Wall” (Jon Brion/Aimee Mann) - 04:25
4. “Deathly” - 05:28
5. “Driving Sideways” (Michael Lockwood/Aimee Mann) - 03:47
6. “You Do” - 03:41
7. “Nothing Is Good Enough” - 03:10
8. “Wise Up” - 03:31
9. “Save Me” (04:35)
10. “Goodbye Stranger” – Supertramp (Rick Davies/Roger Hodgson) - 05:50
11. “Logical Song” – Supertramp (Davies/Hodgson) - 04:07
12. “Dreams” - Gabrielle (James Bobchak/Tim Laws) - 03:43
13. “Magnolia” - Jon Brion (Brion/ Mann) - 02:12
Todas as composições de autoria de Aimee Mann, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO:

Daniel Rodrigues

terça-feira, 21 de agosto de 2018

"Missão: Impossível - Efeito Fallout", de Christopher McQuarrie (2018)



Missão Improvável
por Daniel Rodrigues

Não é por acaso que, em Hollywood, roteiristas sejam figuras míticas. Filmes clássicos e
cultuados abordaram isso: "Crepúsculo dos Deuses" (1950), “Barthon Fink” (1991) e "O Jogador" (1992) são exemplos. São esses autores das letras que dão a primeira e essencial forma a qualquer produto que venha a se tornar audiovisual. Por trás de um efeito especial há sempre alguma linha escrita. Porém, também não é novidade que, de tempos para cá, com o avanço abissal dos recursos de tecnologia, o cinemão norte-americano vem privilegiando cada vez mais a técnica e seu impacto sensorial no espectador do que o sentimento emocional ou a subjetividade da interpretação linguística. E o que acontece quando se supervaloriza o aparato técnico em detrimento do roteiro? Empobrecimento. Caso típico de “Missão Impossível: Efeito Fallout”, de Christopher McQuarrie. 
O sexto longa da franquia produzida e interpretada pelo astro Tom Cruise é mais um enlatado muito bem desenhado e trucado que pode dar-se ao luxo de desmerecer a inteligência do espectador. Na história, repleta de reviravoltas e referências a filmes anteriores da série, o agente secreto Ethan Hunt (Cruise), obrigado a unir forças com outro agente da CIA, August Walker (Henry Cavill) para mais uma missão impossível, vê-se novamente cara a cara com Solomon Lane (Sean Harris) e preso numa teia que envolve velhos conhecidos movidos por interesses misteriosos e contatos de moral duvidosa. Atormentado por decisões do passado que retornam para assombrá-lo, Hunt precisa impedir que uma catastrófica explosão ocorra, no que conta com a ajuda dos parceiros de IMF.
Como sempre, seguindo o modelo narrativo do programa televisivo dos anos 60 – que o diretor Brian De Palma magistralmente versou para o cinema no primeiro da franquia, de 1996, abrindo caminho para os subsequentes –, o diretor Christopher McQuarrie (“Missão Impossível: Nação Secreta”, 2015; “Jack Reacher: O Último Tiro”, 2013, “A Sangue Frio”, 2000) não consegue dar um equilíbrio ao filme enquanto obra, perdendo-se principalmente do meio para o final. Não por acaso, a coisa começa a descambar a partir do ponto em que o espectador, já amortecido pela avalanche de imagens, sons, luzes e movimentos em profusão, está devidamente receptivo a qualquer coisa que lhe apresentarem (e o quanto mais ralo, melhor). A proposta do argumento funciona até determinado ponto, mas, justamente pelo proposital desleixo com o roteiro, passa a precisar apelar para exageros, lugares-comuns e superficialidades.
Isso fica evidente quando comparadas as sequências em Paris e em Londres. A mais empolgante delas, haja vista que ainda na primeira metade do filme, é a da perseguição pelas ruas da Cidade-Luz. Ágil mas sabendo aproveitar a paisagem e as ruas parisienses como cenário, a fuga de Hunt da polícia e dos gângsters é ótima. A resolução da cena, melhor ainda, quando ele some em uma espécie de claraboia no meio da avenida, a qual vai dar justamente nas águas do subterrâneo da cidade, onde é resgatado pelos companheiros de IMF num barco. Tirada típica de “M:I”. O tiroteio nas docas e o uso das supermáscaras, também elemento tradicional da série, funcionam, igualmente, muito bem.
A perseguição em Paris, 
um dos melhores momentos do filme.
Em compensação, no que se progride mais na trama, o roteiro mostra que fraqueja. A corrida de Hunt pelas ruas londrinas para alcançar o agente Walker – então revelado vilão – sendo mal guiado remotamente pelo GPS do parceiro Benji Dunn (Simon Pegg) é embaraçosa. Jamais qualquer agente obrigatoriamente qualificado como Dunn cometeria tantos equívocos com tecnologia (o forte do próprio personagem, aliás) como se fosse uma vovó de 90 anos que nunca viu um computador. É a obrigação do elemento “gag”, da “comédia” em filmes de “não-comédia”, fator narrativo interessante, mas vulgarizado e, não raro, muito mal utilizado não só no cinema norte-americano. E o desfecho da sequência, então? Se na primeira parte o ápice da cena mantinha relação com as ideias originais de “M:I”, aqui, sucumbe-se ao clichê de qualquer filmeco de Domingo Maior da Globo: o bandido, com uma arma apontada para o mocinho, não apenas hesita em atirar como ainda desata a expor suas frustrações pueris – as quais só servem para que, mais adiante, ele, bandido, fique com aquela raiva incontida por não ter matado quando deveria.
Diferentemente do primeiro da saga ou de “Missão Impossível: Protocolo Fantasma” (Brad Bird, 2011), ambos bem escritos, o roteiro de “Fallout” o faz ser mais um entre milhares de filmes norte-americanos de alto orçamento e grande estrutura de marketing a serviço de uma obra fraca. Não é de se estranhar, pois não é para ser diferente, uma vez que o filme funciona para aquilo que se propõe, ou seja, reafirmar o status quo belicista e intransigente dos Estados Unidos. Para isso, as repetições ideológicas de sempre: idolatria à figura do mocinho macho, intrépido e sedutor, reafirmação do capitalismo e da supremacia yankee e alerta para a ameaça daquilo que difere desse sistema e ideologia. 
Isso tudo, claro, apresentado de forma competente tecnicamente e em cenas altamente ágeis, tanto no que se refere a movimentos de câmera, edição ou efeitos. Neste sentido, McQuarrie mostra-se muito hábil. Tudo muito bonito, mas vazio, vazio. Os diálogos vão caindo à medida que a história avança. E o aproveitamento excessivo dos elementos peculiares da série acaba por desgastá-los. Afinal, como acreditar em um filme em que dois helicópteros colidem no ar, não explodem e, ainda por cima, os tripulantes não morrem? E pior: mal se machucam?! Não se trata de missão impossível: é missão improvável. 
Afora isso, até Cruise, embora ainda bonito mas em irreversível fase de “embofamento”, parece ter perdido a naturalidade. Nada que comprometa o filme (afinal, não é a profundidade expressiva dos atores que mais conta aqui), mas ele, grande ator, mantém agora o rosto praticamente sem expressões, bem diferente do que normalmente fora enquanto tinha uma feição jovem e do próprio personagem Ethan Hunt, afeito a caras e bocas. Parece não querer desmanchar a figura do galã dos tempos áureos de “Top Gun” ou “Jerry Maguire” – o que, obviamente, já não o mais é. 
Chega a ser maldoso comparar o resultado de McQuarrie com o de um mestre do cinema como Brian de Palma. Porém, o “M:I” do diretor de “Dublê de Corpo” e "Scarface", em seu roteiro, além de privilegiar os artifícios da investigação, vai até o limite do aceitável nos arroubos. Como no primeiro "Duro de Matar" – outro bom exemplo de aventura em que se valoriza o “realismo” das ações de maneira a tornar a obra mais atraente e dialogável com o público –, o longa de De Palma também “estica a corda” do cabível tal como se usa em qualquer aventura hollywoodiana. Entretanto, nunca a ponto de perder a credibilidade pela tentação do efeito mimético que o absurdo gera ao valer-se da absorção do espectador para, justamente, mascarar-se por detrás do choque sensorial que a sétima arte é capaz de provocar com tanta eficiência.
Filmes como "Efeito Fallout" parecem dar vida ao que o célebre roteirista Jean-Claude Carrière sarcasticamente chamou de "filme-monstrengo", ou seja, um "filme bem dirigido, mas mal escrito".
Vale assistir “Efeito Fallout”? Despindo-se de entendimentos mais profundos e abstraindo-se as barbaridades que se irá presenciar, será divertido, principalmente numa sala de cinema. Mas que dá vontade de voltar pra casa e ver Ethan Hunt pendurado por um cabo em uma sala de sensores de movimento para roubar um simples disquete, ah, dá.


Haja fôlego
por Vágner Rodrigues

Vou ser sincero, eu gostei desse tiro.
Não sei dizer se a franquia continua com a mesma força, mas assim como Tom Cruise correndo, uma coisa é certa: ela não perdeu o fôlego.
Quando uma importante missão não sai como o planejado, Ethan Hunt (Tom Cruise) e o time do IMF unem forças em ação numa corrida contra o tempo para acertar as contas com os erros do passados.
Como a maioria dos filmes de ação modernos, "Missão: Impossível - Efeito Fallout" é uma bagunça no roteiro. Cheio de viradas e mudanças de lado entre os personagens, e vai e volta, não se sabe quem é amigo ou inimigo... É uma confusão! Devo confessar que cheguei mesmo a ficar perdido em determinado momento. O que compensa é a ação.
Tecnicamente o filme tem grandes acertos. O direto Christopher McQuarrie tem um ótimo controle de câmera, sabe filmar ação, suas sequências de perseguição seja de carro, moto ou helicóptero, são simplesmente espetaculares. A trilha também é algo que chama muito atenção no modo como dialoga bem com as cenas, fazendo realmente parte delas, o que é espetacular ainda mais que o tema da franquia aparece tocado várias vezes em ritmos diferentes.
Que Tom Cruise é louco não é nenhuma novidade, mas que é uma ótima loucura, isso é! O fato de ele fazer todas suas cenas de ação, sem dublês, faz com que o filme use menos efeitos e jogos de câmera nas seqüências de luta, tornando a ação mais frenética e também mais real. Fora Tom, que esta sempre bem nos filmes da franquia, o restante do elenco cumpre bem seus papeis, com destaque para  Henry Cavill que achei que não fosse gostar de seu personagem, mas até que acabou entregando algo; e Rebecca Ferguson, que consegue desenvolver um bom papel feminino de bastante força.
"M:I 6" é cheio de homenagens e referências aos filmes anteriores da franquia repetindo,  por exemplo, a cena da escalada na montanha. Se a historia está cada vez mais um fiapo, o que resta é se agarrar à ação e à adrenalina de “Missão Impossível” e às loucuras  de  Tom Cruise. Você não só não vai se arrepender, como ainda vai sair cansado de tanta ação.
Tem coisa mais linda e estranha que o Tom correndo?



sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

O Escobar do espanhol chiado



Wagner Moura no polêmico papel de Pablo Escobar.
A maioria dos críticos brasileiros tirou sarro do Wagner Moura há pouco tempo. Tudo por ele não ter sotaque espanhol para interpretar Pablo Escobar na série “Narcos”, sucesso do Netflix. Resultado: Wagner está concorrendo na categoria de Melhor Ator Drama ao Globo de Ouro, uma das premiações mais importantes da TV e cinema. Eu duvido que os mesmos críticos tenham capacidade de distinguir o sotaque ou o acento uruguaio de Montevidéu e o argentino de Buenos Aires por exemplo. Até mesmo o “portunhol”, que é falado nas fronteiras destes dois países. Ou o colombiano do venezuelano. Cito mais: o de Cartagena e o de Medellín para finalizar.

Vale lembrar que inúmeros atores, e digo dos grandes, como Anthony Quinn e Marlon Brando, dentre centenas, interpretaram personagens de diversas nacionalidades e em poucas vezes falaram um idioma diferente dos seus, o inglês. Recentemente, Tom Cruise viveu um alto oficial alemão que falava como um californiano, Ninguém reclamou. Viggo Mortersen, outro grande ator que morou anos na Argentina e fala até "boludo" e ainda toma mate, interpretou Alatriste, um militar espanhol de Madri com um sotaque que parecia alguém do meio oeste americano que morou tempos em Palermo Soho.

São poucos atores que podem se dar ao luxo de aventurar em outro idioma sem que os vestígios da língua materna não os denuncie. Atualmente são raros na profissão os que conseguem a façanha de se desdobrar em línguas distintas. Daniel Bruhl e Christoph Waltz são dois exemplos que atuam fluente em cinco idiomas. Curiosamente Bruhl foi o ator que viveu o oficial alemão em "Bastardos Inglórios" que desmascarou o espião inglês (Fassbender) disfarçado de alemão, exatamente por identificar um sotaque bávaro sem o acento correspondente. E sobre o baiano Waguinho, ele calou a boca de todos no seu espanhol com chiado carioca. Dimaisss!

trecho da série "Narcos"





sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Nossas Mãos Sinistras

Hoje é o Dia do Canhoto!
E não podiam ter-nos jogado em outro dia mesmo. Tinha que ser num 13 de agosto. Treze, dia dito aziago; agosto, mês renegado, maldito. Lógico; nunca fomos bem vistos. Aleijados, anormais, errados, esquisitos, estranhos... Atribuíram-nos tudo isso. Tanto que chamam a esquerda de SINISTRA. Mas não. Nada disso. Somos sim, diferentes. Talvez mais criativos que a maioria por causa da nossa perfeita ligação de membros ao lado direito do cérebro; talvez transmitamos melhor nossas emoções; talvez consigamos fazer isso transformando estas sensações em arte; talvez tenhamos uma visão diferente das coisas. Talvez...
Mas o fato é que durante toda a história da humanidade tentaram nos corrigir, punir-nos, amarrar nossas mãos, cortá-las por vezes, mas não adiantou; nossos membros sinistros, nossos pés e mãos, sempre estiveram de forma brilhante à serviço da cultura, da arte, da política, do esporte.

Abaixo uma pequena lista de canhotos célebres que emprestaram suas mãos (ou pés) esquerdos à História:
Alexandre Magno
Ramsés II
Leonardo da Vinci
Napoleão Bonaparte
Júlio César (o imperador romano)
Júlio César (o goleiro)
Rivelino
Tostão
Ludwig Van Beethoven
Machado de Assis
Benjamin Franklin
Albert Einstein
Michelangelo
Pablo Picasso
Jimi Hendrix
Charlie Chaplin
Robert Redford
Judy Garland
Marilyn Monroe
Winston Churchill
Harry Truman
Nelson Rockfeller
Ronald Reagan
George Bush - pai (bom, também temos estas más companhias)
Bill Clinton
Gandhi
Bob Dylan
Ringo Starr
Paul McCartney
Tom Cruise
Neil Armstrong
Diego Maradona
Jimmy Connors
John McEnroe
Ayrton Senna

e por aí vai...

Parabéns a nós!

Parabéns a todos os canhotos!

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Paul Newman





Em tempo, queria postar algo sobre o grande ator norte-americano Paul Newman.
Me marcou, principalmente o filme Butch Cassidy que vi numa época que começava a gostar mais de cinema e naquele momento foi um filme que me empolgou bastante. Aquele final fantástico com a foto congelada ficou muito tempo na minha retina.
Adorei também o Golpe de Mestre (que assim como Butch Cassidy, é com Robert Redford) com sua engenhosidade e surpresa, o ótimo O Indomado, e o melhor ainda Rebeldia Indomável, além de alguns outros que tive o prazer de ver.
Revi ontem, num desses especiais pela morte do ator, a Inferno na Torre. É bem legal mas a grande atuação neste caso é a do bombeiro Steve McQueen. Apesar de ter um papel destacado, a atuação de Newmann fica no normal.
Mas a que destaco mesmo é do filme A Cor do Dinheiro, de Martin Scorscese, que merecidamente lhe rendeu um Oscar e que tem uma das melhores frases de final de filme de todos os tempos. Depois de uma discussão com Tom Cruise, seu ex-pupilo nas mesas de jogo de sinuca, Paul pega seu taco se inclina sobre a mesa dá uma tacada forte e diz "Eu estou de volta!". Entra tela preta e o filme acaba.
Adoro usar esta frase pensando no filme, tipo, como se estivesse dando a nova tacada inicial em alguma coisa. O jogo recomeçou e eu estou dentro.


Cly Reis