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quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

10ª Bienal do Mercosul – Usina do Gasômetro (2ª parte)








Gershman, um dos meus preferidos.
Como mencionei no último post sobre a Bienal, as três exposições que dividiam espaço na Usina do Gasômetro com a fraca "Marginália da forma", eram ”Olfatória: O Cheiro na Arte”, “A Poeira e o Mundo dos Objetos” e “Aparatos do Corpo”. Além de trazerem mais diversidade e obras realmente impactantes. Tiveram maior intercomunicabilidade, inclusive com aspectos observados no Memorial do Rio Grande do Sul e Santander Cultural. A conexão se dá em grande parte ao substrato da obra enquanto técnica, fazendo da poeira o barro que acessa o olfato e com o qual o corpo interage para construir esse mundo artificial. Nesse aspecto, “Marginália da forma” pelo menos se liga a estas por conta da (pouco expressiva) variabilidade de técnica, como visto na originalidade de Karin Lambrecht, Brigida Baltar e outros.

Padecendo igualmente das mesmas inconsistências as quais mencionei anteriormente (muita repetição de um mesmo artista e/ou de séries), somando-se ainda a de haver muitos artistas gaúchos, as três mostras, entretanto, reuniram mais diversidade e aquilo que todo visitante de coletivas espera: boas surpresas. Foi o que tivemos Leocádia e eu ao nos depararmos, na ”Olfatória: O Cheiro na Arte”, com as bolas iluminadas pendulares, que até cheiro exalavam. Muito plástico e leve.

Instalação da 10ª Bienal do Mercosul

Ao lado, um Rubens Gerchman, dos artistas visuais que mais admiro: “Ar”, em metal fundido. Sempre criativo Gerchman. Crítica, a instalação do colombiano Oswaldo Maciá “Quien limpa a quien” traz, dentro de um suporte de acrílico transparente um sabonete feito de óleo concentrado de alho disposto em uma saboneteira Votoriana de cerâmica original. Dá pra imaginar o cheiro que exala pelo tubo com folículos, né?

Outra de chamar atenção é a tela (1,22 por 1,83 metros) é “Tierra y Libertad”, de 2013, do mexicano Rúben Ortiz-Torres, o qual fez um link bastante interessante com o crítico tema do Memorial da América Latina, “Biografia da Vida Urbana”.. O carioca Waltércio Caldas apresenta a interessante e sintética “Circunferência com Espelho a 30°” (ferro pintado e espelho), dos anos 70, década que, pela observação geral, demarcou fundamentalmente toda a Bienal, uma vez que o mote central (“Mensagens de Uma Nova América”) passa diretamente por esse período no que se refere à construção de uma consciência artística e política das artes na América Latina. Ainda, uma bela tela do gaúcho de Britto Velho (“Sem título”, 1946).

Mas Oticica é Oiticica, não adianta. Com a simplicidade até grosseira – e, por isso, altamente cáustica – da arte moderna, ele referencia numa só vez a arte transgressora do alemão Joseph Beuys e a poesia concreto-barroca de Haroldo de Campos com seu “Bólide Saco 2 Olf ático”, de 1967, feito em plástico, tubo de borracha e café. Por que digo que Oticica é Oiticica? Com uma peça, aparentemente banal e quase “não-artística” é capaz de sintetizar ideologicamente toda a comunicabilidade potencial do recorte em que está inserido. E olha que estamos falando apenas DESTA mostra.  No momento em que se interpõe, com propriedade e significância semiótica, no limite entre o sublime e o vulgar, eis a verdadeira arte contemporânea.

Terra e Liberdade, conexão como tema do Memorial.

Circunferência com Espelho, de 1976

A interessante instalação de Maciá.

Oiticica genial.




segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Exposição "Jean-Michel Basquiat - Obras da Coleção Mugrabi" - Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) - Rio de Janeiro/RJ



O bom senso jornalístico sugere que se use com muita parcimônia o termo “gênio” para classificar alguém. A explicação é bem lógica, como ironizou certa vez Ariano Suassuna: se for empregar o adjetivo a alguém como Chimbinha – tal como irresponsavelmente o fizeram para com o apenas esforçado guitarrista de brega music brasileiro –, o que resta para um Mozart ou Shakespeare? Raras são as personalidades na humanidade que atingiram esse status e que, por consenso, podem ser tidas de geniais. Caso de Jean-Michel Basquiat (1960-1988), o artista visual nova-iorquino que, em seus meteóricos 27 anos de vida, edificou uma obra gigantesca em quantidade e simbologias, assemelhando-se, a seu modo, a outros gênios das artes visuais como Michelangelo, Picasso ou Cézanne. Um pouco de sua extensa e marcante obra pude conferir, juntamente com Leocádia Costa e Cly Reis, na exposição de retrospectiva no CCBB do Rio de Janeiro.

Duas coisas me impressionaram sobremaneira na mostra, até pelas lógicas praticamente antagônicas de ambas, mas, justamente, oriundas da mesma natureza: a brutal naturalidade com que Basquiat criava sua arte, quase instintiva e sem travas, e, ao mesmo tempo, uma igualmente brutal força interna, esta, capaz de transformar o natural aparentemente banal em algo grandioso, acima da média. Motivações grandiosas, como a crítica à Igreja ou a condição do negro norte-americano, dividem espaço com temas aparentemente vulgares, como personagens de desenho animado, produtos descartáveis e “rabiscos” infantis “despretensiosos” (“Tiranossaurus”, “A House Build by Frank Lloyd Wright for his Son“), Mas que, de modo feroz, expressam a mais profunda intenção artística. Há, por exemplo, quadros inteiros com apenas o uma frase escrita, como em “A Shadow in his Space”. E é de encher os olhos.

A brutal simplicidade do traço da criança
Basquiat era muitos e ao mesmo tempo uno. Como outros gênios, incorporou as ondas e tensões de sua época e as traduziu em arte. Sua obra personifica o caráter de Nova York nos anos 1970/80, quando a mistura de empolgação e decadência criou um espaço importante de criatividade. Estava tudo no ar: a Guerra Fria, a questão dos negros e dos imigrantes, a cultura pop, as ditaduras sangrentas na África e América, a era Reagen/Tatcher,  o rap enquanto música de protesto e de reelaboração da cultura negra, a publicidade dos anos yuppie, a tradição da arte clássica e o desmonte desta pela arte moderna. Tudo estava em Basquiat, à flor da pele, a cada jato de spray, a cada pincelada, a cada borrão, a cada palavra escrita ou rasurada, a cada ironia ou protesto. A intensidade do traço, compulsão expressiva, a obsessiva reelaboração da ideia – peculiar de uma mente inquieta e criativa –, o uso instintivo da palheta cromática, as camadas ora de tinta, ora de colagens ou mesmo do suporte da tela, bem como os escritos poéticos e multilíngues e as figuras cadavéricas e não menos constrangidas pela vida.

A Mesquita, de 1982, multiplicidade de técnicas
e de signos
Tudo é de um impacto tamanho, que se demora a elaborar internamente.

Estou fazendo isso até agora. Não sei com que grau de maldade, discriminação ou simples ignorância veículos de imprensa noticiaram esta mesma mostra, quando ocorrida em São Paulo, no início do ano, classificando Basquiat como “grafiteiro”. Basta apreciar algumas das 80 quadros, desenhos e gravuras expostos para perceber o quão desrespeitoso se é ao reduzi-lo como se fosse um mero vândalo urbano. A quantidade de técnicas e suportes que se utilizava para montar uma obra eram extremante variados, indo das mais tradicionais, como a pintura a óleo ou acrílica, a outras mais pop e adequadas à sua realidade, como colagem, tinta spray, xerox ou serigrafia. “A Mesquita” (1982), “Coelho Vermelho” (1982) e “Bracco di Ferro” (1983).

Igualmente, impressiona o domínio de Basquiat do desenho. Mesmo sem uma formação tradicional, como se “exige” de artistas visuais para serem aceitos no metiê, Basquiat não apenas suplantou isso pela qualidade como, inovador, adicionou-lhe elementos estéticos e simbólicos ao que se convencionou chamar de neoexpressionismo. Há momentos em que na sua obsessão pela estrutura humana, vista nas repetições de esqueletos e ossos (dos negros como ele, segundo ressaltava o próprio) e nas figurações distorcidas, há traços tão elegantes quanto um Picasso de "As senhoritas de Avignon" ou dos cartazes publicitários de Tholouse-Lautrec, ambas as referências do início do século XX. Mais atual, porém anterior a Basquiat, o alemão Joseph Beuys, de quem comungava do mesmo sarcasmo e olhar crítico, e Andy Wahrol, também uma forte inspiração, tanto que motivou a ambos amigarem-se e a trabalharem juntos na segunda metade dos anos 80, produzindo quadros brilhantes – embora a crítica, ignorante, tenha virado a cara à época. Na sala especialmente reservada a esta fase, podem ser vistas obras em que o talento de um não se sobressai ao do outro, impulsionando-se mutuamente. A serigrafia e o traço elegante de Wahrol – algo que ele não fazia desde os anos 60 – convive com as intervenções espontâneas de Basquiat.

Rosto cujos traços lembram Picasso primitivo
A sensação que se sai de uma exposição tão rica e instigante como esta é que qualquer um pode expressar-se artisticamente – ainda mais a quem, como nós três, têm facilidade no traço .“Por que não nos aventuramos mais na pintura, no desenho?” Saímos nos questionando. Por outro lado, a percepção de que, independente do que fizermos, jamais atingiremos o que um Basquiat produziu, e essa é um sentimento de profunda admiração e gratidão. No caso dele, o fato de ter sido um totem de motivações histórico-sociais, que introjetou e reelaborou as tensões do seu tempo, não explicam na totalidade o porquê da qualidade daquilo que legou. Afinal, para se tornar um ícone não basta apenas a atribuição externa: tem que ser intimamente capaz disso. E Basquiat o foi, mesmo que inconscientemente. Mais do que isso, Basquiat foi aquilo que explica tudo o que se viu: um gênio. Assim mesmo, adjetivo superlativo.

Confira um apanhado de algumas das obras expostas de "Jean-Michel Basquiat - Obras da Coleção Mugrabi":

"Braccio di Ferro", impressionante e sua complexidade

"Elefante Rosa com Caminhão de Bombeiros", de 1984, das melhores

Peça com a assinatura estilística de Basquiat

Frank Lloyd Wright ficaria orgulhoso de seu filho

Foto de uma das intervenções assinadas como SAMO na NY do final dos 70

"Coelho Vermelho", das peças mais impactantes da mostra

A construção fragmentada dos quadrinhos e da televisão em "Old Cars", de 1981

Detalhe de "Old Cars"

Díptico de duas das principais referências de Basquiat, o negro e a músico dos negros

"Cantor", de 1980-85, lápis de cor e crayon sobre papel

Música da Cabeça versão Basquiat

"Moisés Jovem", outro soco tomado de sagacidade e bom-humor

Detalhe de "Quatro Grandes", de 1982, religiosidade, sexo e ídolos

Basquiat e Wahrol, união de talentos dialogando numa linguagem ultramoderna
"Ovos", de 1986, Wahrol, com seu inconfundível traço, voltando a pintar depois de 20 anos por causa do amigo

Precisa mais que isso para ser arte?

"Natchez", profusão e sobreposições que remetem à multitela, profetizando a era do mobile

Detalhe de "Natchez" com os escritos repetidamente obsessivos do artista

"Fifty Nine Cents" (1983), acrílico sobre tema, a influência da publicidade e a ironia ao capitalismo

Cly e eu tentando desvendar a lógica deste "Xadrez" tão fora dos padrões

Convivência da elegância do traço no rosto abaixo e da inquietude logo acima

Ironia metalinguística na era dos fakes: de Basquiat  falsificando a si próprio

As raízes africanas expostas em cores e símbolos na obra do final de carreira

Admiração e espanto de quem vê um Basquiat ao vivo que chega a dar um passo pra trás ("Sem Título", 1981)

As impressionantes cerâmicas desenhadas com caneta de tinta permanente
e
O coração jazzístico de Basquiat
Quem não enxerga aí crítica à Igreja e à condição do negro não entendeu nada

Obra que nos leva a questionar, por que não fazer a própria arte?

Cultura pop, religião, violência, ecologia e capitalismo: caldeirão ideológico

Mais uma vez a influência da publicidade e da sociedade de consumo

Pura genialidade em "Ciclista", de 1984, das mais poéticas da mostra

"Venus 2000 B.C.", de 1982, simplicidade genial que se conecta ao alemão Joseph Beuys

Colagem, spray, óleo, pintura: várias técnicas de Basquiat sobre suas figuras geralmente cadavéricas

Merece até um abraço por tamanho assombro que causa

A referência aos HQs e o universo dos super-heróis  de "Il Flash" (1984) atraiu a criançada presente no CCBB

Absorvendo a paulada desta obra até agora...

Das obras do final da carreira nos fez questionar: onde iria parar a arte Basquiat se vivo?

Os cabelos de Basquiat e meus

texto: Daniel Rodrigues
fotos: Leocádia Costa

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exposição "Jean-Michel Basquiat:
Obras da Coleção Mugrabi"
local: Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro
endereço:Rua Primeiro de Março, 66 - Centro
visitação: de quarta a segunda, das 9h às 21 horas.
período: até 7/01/2019
entrada: gratuita

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Exposição “Raiz Weiwei”, de Ai Weiwei - Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e Paço Imperial - Rio de Janeiro/RJ



A arte como resistência
por Daniel Rodrigues

"A arte não é um fim, mas um começo."
Ai Weiwei

O imaginário social criou a ideia do artista que se doa de corpo e alma para a sua arte e que, se não for assim, uma entrega total e desenfreada até chegar à moléstia, não vale. Os poetas românticos que morriam de amor no século XIX ou o alcoolismo da geração de 20 reforçam essa premissa um tanto questionável. Vendo a exposição “Raiz Weiwei”, do artista visual chinês Ai Weiwei, presentes no CCBB e no Paço Imperial, ambos no Rio de Janeiro, é possível compreender uma ressignificação deste conceito. O artista, mais do que ser a sua própria arte, é, tanto quanto, um vórtice transformador de sua realidade político-social. E a doença não é do artista, mas sim a do estado, a da sociedade de consumo, reelaborada nas entranhas do artista e exposta sob o caráter da crítica, da ironia, de resgate cultural, de empoderamento. Da arte.

A partir de uma visão profundamente humanista, Weiwei, que realizou uma residência no Brasil a convite do curador Marcello Dantas, põe-se abertamente do lado certo da história, o dos oprimidos. Filho de um literato perseguido pelo Regime Comunista de Mao, ele traz a sua carne para dentro da obra, chegando sempre no mesmo fim: a denúncia ao sistema. Seu objeto – e quando se materializa esse “objeto” chega-se a qualquer tipo de plataforma que comporte a mensagem: vídeo, porcelana, madeira, fotografia, lego, pedra, gesso, PVC, bambu – é a eterna tensão entre os que dominam e os que são dominados. Ou, no caso de pessoas como ele, os que lutam contra essa dominação.

Cabides: representação
da resistência da arte
Assim, tudo que se concebe da cabeça de Weiwei vem carregado de simbologia. Sem exceção. E não somente altamente simbólicas, como impactantes – pois belas desde e a partir de sua gênese, desde a raiz de Weiwei. É isso que faz um simples “Cabide” (madeira, aço e cristal, 2011, 2012 e 2013) se tornar um ato de resistência, haja vista que, durante a detenção arbitrária de Weiwei pelo autoritário regime chinês, cabides de plástico eram um dos poucos itens permitidos no espaço do cárcere privado. Qualquer semelhança com Ray, Beuys e Duchamp não é mera coincidência.

Mapa feito com a madeira recuperada:
preservação de identidade
A voz inquietante de Weiwei ecoa em questões do seu país natal, como nos vários mapas (“Mapa da China”, de 2015, feita com madeira recuperada de templos destruídos da Dinastia Qing, ou “Quebra-cabeça da liberdade de expressão”, 2015, porcelana, típica técnica chinesa); do Brasil, “He Xie”, 1000 caranguejos em porcelana, iguaria na China, abundância no país tropical, “Mutuofagia” (2018), gigantesca foto do próprio Weiwei e um menino abarrotando-se de frutas tropicais, ou as impressionantes telas de couro de vaca com escritos ao estilo do Alfabeto Armorial, a linguagem pluriartística idealizada por Ariano Suassuna, com ditos igualmente avassaladores como "Se pudessem, colocavam o negro de novo na escravidão" ou “A língua nunca é neutra”, citando Paulo Freire; e, sobretudo, do planeta, viste que toca nas mazelas universais de um mundo desigual e desequilibrado. Haja vista a preocupante questão dos refugiados (“5 910 fotos relacionadas a refugiados”, 2016-17, “Lei da viagem”, 2016, ou “Bicicletas Forever”, 2015).

Centenas de bicicletas em aço inundam de beleza a parte externa do CCBB
Weiwei nos mostra que, antes de ser artista, deve-se ser humano. E que arte e indignação caminham juntas, basta ter coragem de acessá-las. Talvez seja por isso que seja impossível ficar passivo diante da sua obra. Sobretudo Arte é arte da resistência – independe do formato em que se exprima. Quer maior ato de demonstração de resistência, internalização e comprometimento com a arte do que a selfie em que Weiwei sendo preso arbitrariamente pela polícia do governo do próprio país? Arte não se prende: se ilumina.

Papel de parede "Iluminação", de 2009: nome mais apropriado impossível

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Arte completa
por Cly Reis 

"Tudo é arte. Tudo é política."
Ai Weiwei

Eu já havia ouvido falar de Ai Weiwei, sabia de seu engajamento, de sua atuação política, conhecia superficialmente seus problemas com as autoridades chinesas, mas não tinha a verdadeira noção do quanto seu trabalho era comprometido e constantemente repleto de conteúdo. Nada nele é sem propósito, nada é por acaso. Uma cor, um material, um ângulo, uma pose, uma palavra, nada é sem motivo e sempre terá contido em si alguma mensagem ou contestação, pois, como ele mesmo afirma, os caminhos da arte são necessariamente indissociáveis aos da política.

A questão dos refugiados e a
urgência por um mundo mais humano
Ai Weiwei é a arte em estado puro. Desde uma notável sensibilidade estética e conceitual, à utilização do objeto mais banal e cotidiano como elemento artístico. É impressionante sua capacidade aplicar mais sentido, mais interpretações a uma obra que, por si só, já teria valor estético tornando-a ainda mais valorosa, então, pelo poder de sua sugestão. É o caso dos vasos de porcelana, já belíssimos se apreciados à distância, mas que, vistos em detalhe revelam recortes de situações de refugiados ao longo da história, aos quais o artista faz questão de lembrar sob um olhar crítico e corajoso, do impressionante papel de parede “egípcio” que ocupa uma parede inteira da exposição e que, de perto, revela também episódios de refugiados ao redor do mundo . E o que dizer das "Sementes de Girassol" (2010), milhares de réplicas cerâmicas, produzidas uma a uma, manualmente, obra repleta de simbologias remetendo ao mesmo tempo à vida das mulheres chinesas, aos direitos humanos e à época da Revolução Cultural.


Cerâmicas feitas manualmente: resistência e ancestralidade
“Raíz” é uma exposição daquelas que impressiona, perturba, alerta, encoraja, transforma, inspira e nos faz lembrar, tanto materialmente quanto conceitualmente, quais os verdadeiros objetivos da arte.

A impressionante arte de Weiwei: perturbação e alerta

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Manifesto
por Leocádia Costa

"Minha palavra favorita? É Agir!"
Ai Weiwei

Ai Weiwei reuniu a mim, Daniel e Cly numa incursão curiosa ao acervo que veríamos do ativista chinês no CCBB, que reúne lucidez e ação. À medida em que fomos entrando no processo de criação, misturado a trabalhos já realizados e outros mesclados ao solo brasileiro, fui me emocionando, porque somos parte do que ele faz.

Arte hoje é ativismo, mas não porque o artista de antes nunca tenha sido um interlocutor consciente do cenário onde vivia e da sua função mas, principalmente, porque hoje o artista possui uma conexão muito mais ágil, acessível e que em um único gesto é capaz de viralizar.


Selfie com os potes: riqueza no Ocidente,
sem valor no Oriente


A delicadeza da porcelana oriental e a contundência da palavra

Weiwei sabe disso.

Ele dá aquele grito derrubando muros de hipocrisia e medo. Ele coloca a verdade nua e crua dentro de um contexto histórico, afinal de contas, não somos meros personagens da vida, mas sim pessoas que fazem a história e, por isso, tem responsabilidade sobretudo com o que existe e acontece. Essa participação é viva, necessária, e se for artística fica ainda muito melhor. No caso dele é tudo isso de forma inspiradora.

"Panda a panda", bicho de pelúcia,
material impresso e cartão SD com
documentos confidenciais vazados
 por Edward Snowden
Em algumas fases da história da arte e, logicamente, da nossa civilização, manifestos foram impressos e levaram a linha de pensamento para fronteiras até então muito longínquas. Weiwei deixou de certa forma um manifesto impresso nas paredes e nos olhos que quem foi prestigiar essa exposição e que diz muito sobre o que ele faz e como ele percebe o seu lugar no mundo.

A partir das frases destacadas pela curadoria nos ambientes expositivos tomei a liberdade de montar esse manifesto, que com certeza elucidará sua mensagem aos ainda insensíveis e divergentes ao mesmo tempo em que inspira quem busca, como nós, agir.

"Eu não diria que me tornei mais radical: eu nasci radical. A história nos ensina que no início das maiores tragédias havia ignorância. Muitas vezes penso que o que estou dizendo é para as pessoas que nunca tiveram a chance de ser ouvidas. Eu quero que as pessoas enxerguem o seu próprio poder. Temos que lembrar que não temos escolha. Ou estamos do lado certo ou do lado errado. Minha palavra favorita? É Agir! Uma pequena ação vale um milhão de pensamentos. O meu mundo é uma esfera, não há Oriente nem Ocidente. A liberdade diz respeito ao nosso direito de questionar tudo. A arte não é um fim, mas um começo. Se você desviar o olhar você é conivente.”


O trio que comanda o Clyblog se esbaldando na exposição de Weiwei

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Confiram outras fotos das exposições:

A minúcia de Weiwei já na entrada da mostra:12 telas e centenas
de vídeos e imagens em sincronia

"Obras de Juazeiro do Norte" une a técnica ancestral do
artesanato em madeira do Brasil e da China

Ofertas votivas tradicionais que fiéis fazem a divindades
como sinal de gratidão e devoção. Entre estes, o "foda-se"

Visitantes no CCBB com o papel de parede "Iluminação" ao fundo

No piso, a bora "Florescer", símbolo da resistência do artista quando preso e,
ao fundo, a parede com a impressionante "5 910 fotos relacionadas a refugiados"

Sob os pés de Leocádia, "Máscara", em mármore (2013)

Detalhe de "5 910 fotos relacionadas a refugiados": ares da Guernica de Picasso

Detalhe de "Uvas", feito com 32 banquinhos da Dinastia Qing

Visitantes admirando a arte engajada de Weiwei no CCBB

Mulher atenta a um dos vários vídeos da mostra

As bikes de Wewei com a Candelária ao fundo

Olha eu lá interagindo com as luas de madeira, no Paço

Foto impressa em jogo de Lego: a criatividade sem limites de Weiwei

Uso do Alfabeto armorial em "Marca 11" (2018): citação de Seu Jorge,
Marcelo Yuka e Wilson Cappellette

A forte "Lei da Viagem", em PVC, no vão de entrada do Paço

Outra obra impactante, "Duas Figuras", feita em gesso

Uma das "Sete Raízes" extraídas de árvores nativas do Brasil

A violência policial no rico de detalhes da porcelana ao estilo chinês

Um "fuck" esculpido em bronze

As sementes de porcelana e, acima, "Taifeng" (2015), feita em bambu e seda

Metáfora à famosa cena da Praça da Paz Celestial, em Pequim

Outra parte de "Sete Raízes", que tem colaboração de artesãos do Brasil e da China

Caranguejos feitos em porcelana, animal que simboliza resistência
em diferentes dinastias chinesas ao longo da história

Tradicional arte em madeira para dizer... Recado dado

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Exposição "Raiz Weiwei", de Ai Weiwei
local: Centro Cultural Banco do Brasil - CCBB e Paço Imperial
endereços: Rua Primeiro de Março, 66 - Centro - Rio de Janeiro /RJ (CCBB) e Praça XV de Novembro, 48 - Centro (Paço)
horários: de quarta a segunda, das 9h às 21h (CCBB) e de terça a domingo, das 12 às 19h (Paço)
período: até 4/11/2019
ingresso: gratuito 


textos e fotos: Cly Reis, Daniel Rodrigues e Leocádia Costa