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quinta-feira, 24 de agosto de 2023

CLAQUETE ESPECIAL 15 ANOS DO CLYBLOG - Cinema Brasileiro: 110 anos, 110 filmes (parte 4)

 

Os clássicos absolutos chegaram, entre eles,
"O Beijo da Mulher Aranha", primeiro filme
brasileiro a vencer um Oscar
Demorou um pouco além do normal, mas voltamos com mais uma parte da nossa série especial “Cinema Brasileiro: 110 anos, 110 filmes”. E tem justificativa para esta demora. Isso porque reservamos este quarto e penúltimo recorte da lista para o mês de agosto, o de aniversário do Clyblog, uma vez que este Claquete Especial, iniciado em abril, é justamente em celebração dos 15 anos do blog.

Talvez somente esta justificativa não baste, entendemos. Então, já que vínhamos mês a mês postando uma nova listagem com 20 títulos cada, propositalmente falhamos em julho para que agora, no mês do aniversário, fizéssemos uma sequência não apenas de 20 filmes, mas de 40 de uma vez. E não se tratam de quaisquer quatro dezenas! Afinal, a seleção inteira é tão rica, que igualável em qualidade a qualquer cinematografia mundial. Mas, especialmente, porque estes novos compreendem as posições do 50º ao 11º. Ou seja: aqueles “top top” mesmo, quase chegando nos “finalmentes”.

Waltinho, um dos 6 com 2 filmes entre
os 40 melhores
E se o adensamento já vinha acontecendo fortemente, com a presença de grandes realizadores, títulos clássicos e premiados e escolas reconhecidas somadas às novas produções do furtivo século XXI, agora, então, esta confluência se faz ainda mais presente. Dá para se ter ideia pelos nomes de cineastas de primeira linha como Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Walter Salles Jr., Luis Sergio Person, Hector Babenco e Eduardo Coutinho, que já deram as caras com obras anteriormente e, desta feita, emplacam dois filmes cada entre os selecionados, até então os mais bem colocados. Somam-se a eles os altamente competentes João Moreira Salles, Jorge Furtado e Bruno Barreto, também com dois entre os 40.

Pode-se dizer que, agora, é quando de fato entram os clássicos incontestes, aqueles “divisores de águas” do cinema nacional (e, por que não, mundial), como “Ganga Bruta”, de Humberto Mauro, "O Beijo da Mulher Aranha", de Babenco, “São Paulo S/A”, de Person, e “Tropa de Elite”, de José Padilha. Mas também pedem passagem “novos clássicos”, tal o perturbador documentário “Estamira” e o premiado “Bacurau”, de 2019, quarto mais recente entre os 110 atrás apenas de “Três Verões” (63º), “Marte Um” (79º) e “Marighella” (106º).

Elas, as cineastas mulheres, se ainda em desigualdade na contagem geral, marcam forte presença nesta fatia mais qualificada até aqui. Estão entre elas Kátia Lund, Daniela Thomas e Anna Muylaert, esta última, responsável por um dos filmes mais tocantes e críticos do cinema brasileiro, “Que Horas Ela Volta?”. Então, pegando carona na expressão, para quem estava nos perguntando "que horas eles voltariam?”: voltamos. E voltamos abalando com 40 filmes imperdíveis, que dignificam o cinema brasileiro e latino-americano. Pensa bem: apenas 10 títulos os separam do melhor cinema do Brasil. Isso diz muito.

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50. "Estamira”, Marcos Prado (2004)

Dentre as dezenas de documentários realizados na década 00, um merece especial destaque por sua força expressiva incomum: "Estamira". Certamente o que colabora para esta pungência do filme do até então apenas produtor Marcos Prado, sócio de José Padilha à época, é a abordagem sem filtro e nem concessões da personagem central, uma mulher catadora de lixo com sério desequilíbrio mental, capaz de extravasar o mais colérico impulso e a mais profunda sabedoria filosófica. A própria presença da câmera, aliás, é bastantemente honesta, visto que por vezes perturba Estamira. Obra bela e inquietante. Melhor doc do FestRio, Mostra de SP, Karlovy Vary e Marselha, além de prêmios em Belém, Miami e Nuremberg.




49. “Tropa de Elite”, de José Padilha (2007)
48. “Batismo de Sangue”, de Helvécio Ratón (2007)
47. “Terra Estrangeira”, Walter Salles Jr. e Daniela Thomas (1996) 
46. “O Dia em que Dorival Encarou a Guarda”, Jorge Furtado e José Pedro Goulart (1986)
45. “Amarelo Manga”, de Cláudio Assis (2002)



44. “Nunca Fomos Tão Felizes”, Murilo Salles (1984) 
43. “Edifício Master”, de Eduardo Coutinho (2002)
42. “O Homem da Capa Preta”, Sérgio Rezende (1986)
41. “O Beijo da Mulher Aranha”, Hector Babenco (1985)


40. 
“São Bernardo”, Leon Hirszman (1971) 

Adaptação do livro do Graciliano Ramos, que transporta para a tela não só a história, mas a secura das relações e a incomunicabilidade numa grande fazenda do início do século XX, escorada na desigualdade dos latifúndios. Não há diálogo: a vida é assim e pronto. Daqueles filmes impecáveis em narrativa e concepção. E Leon, comunista como era, não deixa de, num deslocamento temporal, dar seu recado quanto à reforma agrária. A trilha, vanguarda e folk, algo varèsiana e smetakiana, é de Caetano Veloso, que acompanha a secura da narrativa e cria uma "música" totalmente vocal em cima de melismas lamentosos e desconcertados. Recebeu vários prêmios em festivais, entre eles o de melhor ator para Othon Bastos no Festival de Gramado, o Prêmio Air France de melhor filme, diretor, ator e atriz (Isabel Ribeiro), além do Coruja de Ouro de melhor diretor e atriz coadjuvante (Vanda Lacerda). 



39. “Carandiru”, de Hector Babenco (2002)
38. “O Som do Redor”, Kleber Mendonça Filho (2012)
37. “Que Horas Ela Volta?”, Anna Muylaert (2015) 
36. “Notícias de uma Guerra Particular”, Kátia Lund e João Moreira Salles (1999)
35. “Ganga Bruta”, Humberto Mauro (1933)



34. “Lavoura Arcaica”, Luiz Fernando Carvalho (2001)
33. “Bar Esperança, O Último que Fecha”, Hugo Carvana (1982) 
32. “Couro de Gato”, Joaquim Pedro de Andrade (1962)
31. “Os Fuzis”, Ruy Guerra (1964)


30. “O Bandido da Luz Vermelha”, Rogério Sganzerla (1968) 

Se existe cinema marginal, esta classificação se deve a “O Bandido...”. Transgressor, louco, efervescente, non-sense, crítico, revolucionário. Adjetivos são pouco pra definir a obra inaugural de Sganzerla, que trilharia pela "marginalidade" até o final da coerente carreira. Um filme de manifesto, questionamento de ordem política, de uma estética diferente e bela (apesar do baixo orçamento) e a vontade de avacalhar com tudo. "Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha e se esculhamba". Grande vencedor do Festival de Brasília de 1968. O filme que fez o “terceiro mundo explodir” de criatividade.


29. "Santiago", de João Moreira Salles (2007)
28. “Jogo de Cena”, Eduardo Coutinho (2007)
27. “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”, Glauber Rocha (1968)
26. “Noite Vazia”, Walter Hugo Khouri (1964)
25. “São Paulo S/A”, Luis Sérgio Person (1965) 



24. "Terra em Transe", Glauber Rocha (1967) 
23. "Sargento Getúlio”, Hermano Penna (1981) 
22. “O Caso dos Irmãos Naves”, Luis Sergio Person (1967) 
21. “Memórias do Cárcere”, Nelson Pereira dos Santos (1984) 

20. 
 “Ilha das Flores”, Jorge Furtado (1989)

É incontestável a importância de "Ilha das Flores" para a cinematografia gaúcha e nacional. O filme que, em plenos anos 80 ainda de fim do período de Ditadura, expôs ao mundo uma realidade muito pouco enxergada, o fez de forma absolutamente criativa e impactante. Ao acompanhar o percurso de um mero tomate da horta até o lixão a céu aberto onde vive uma fatia da população em total miséria e descaso social, Furtado virou de cabeça para baixo a narrativa do audiovisual brasileiro, influenciado diretamente as produções de TV dos anos 80 e 90 e o cinema pós-retomada nos anos 2000. Urso de Prata para curta-metragem no 40° Festival de Berlim, Prêmio Especial do Júri e Melhor Filme do Júri Popular no 3° Festival de Clermont-Ferrand, França, entre outras premiações na Alemanha, Estados Unidos e Brasil. Um clássico ainda hoje perturbador.



19. “O Beijo no Asfalto”, Bruno Barreto (1980) 
18. “Central do Brasil”, de Walter Salles Jr. (1998) 
17. “Dnª Flor e seus Dois Maridos”, Bruno Barreto (1976)
16. “Garrincha, A Alegria do Povo”, Joaquim Pedro de Andrade (1962)
15. “Barravento”, Glauber Rocha (1962)


14. “Rio 40 Graus”, Nelson Pereira dos Santos (1955)
13. “Bacurau”, Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles (2019)
12. “Assalto ao Trem Pagador”, Roberto Faria (1962) 
11. “Bye Bye Brasil”, Cacá Diegues (1979) 



Daniel Rodrigues


segunda-feira, 19 de junho de 2023

CLAQUETE ESPECIAL 15 ANOS DO CLYBLOG - Cinema Brasileiro: 110 anos, 110 filmes (parte 3)


Grande Otelo em "Rio, Zona Norte" com o seu realizador, 
Nelson Pereira dos Santos, que chega para ficar
Chegamos à terceira parte de nossa lista dos 110 melhores filmes brasileiros, em comemoração aos 110 anos do primeiro filme realizado no Brasil, “Os Óculos do Vovô”. E justo naquele em que é celebrado o Dia do Cinema Brasileiro! E podemos dizer que a coisa está ficando cada vez mais séria. Não que os primeiros-últimos da ordem já não garantissem uma qualidade excepcional. Afinal, separar APENAS 110 títulos entre tantos memoráveis foi tarefa não só difícil como incompleta. Porém, é óbvio que, à medida que vai se avançando na classificação, também se intensifica a importância das obras.

É bem o caso do nosso novo recorte, que vai do 70º ao 51º posto. E em verdade vos digo: só tem filmão! Se nos 40 títulos anteriores já figuravam grandes realizadores, como Eduardo Coutinho, Glauber Rocha, Hector Babenco e Humberto Mauro, agora entram no páreo outras referências indeléveis do cinema nacional, como Leon Hirzsman, Nelson Pereira dos Santos e Kleber Mendonça Filho com seus primeiros listados. Por que, claro, todos eles voltarão mais pra frente com mais obras. Mesmo caso de Cláudio Assis, aqui com “A Febre do Rato”, e Ruy Guerra, já mencionado com seu "Os Cafajestes" (102º) e agora representado por um dos raros musicais de toda a seleção: “Ópera do Malandro”. Como Guerra, Walter Avancini, Julio Bressane, Joaquim Pedro de Andrade, Walter Lima Jr. e Rogério Sganzerla, já presentes, voltam à carga com todo merecimento. 

Entre as mulheres, se até então apareceram apenas filmes de Suzana Amaral, Laís Bodanzky e Tatiana Issa, Sandra Kogut amplia a representatividade feminina trazendo uma obra-prima da recente cinematografia brasileira: “Três Verões”. Por falar em época, ao contrário do recorte imediatamente anterior, onde calhou de não haver nenhuma produção dos anos 80, nesta, pelo contrário, elas são maioria entre as décadas, com 8 títulos, 4 a mais que a segunda com mais filmes, os anos 60. Este é um dos retratos de momentos importantes do audiovisual brasileiro que uma lista de teor histórico como esta pode suscitar. A constatação é uma mostra (à exceção de “Morte e Vida Severina”, teledrama da TV Globo) do quanto a Embrafilme, bem estruturada nos anos 80, rendeu ao cinema brasileiro frutos muito qualificados e duradouros. A mesma Embrafilme desmontada nos anos 90 por Collor... Mas isso é outra história.

Confiram, então, mais uma parte da lista destes filmes que, se não são necessariamente todos os melhores, infalivelmente guardam qualidades que os credenciam a estarem aqui.

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70.
“O Homem que Virou Suco”, João Batista de Andrade (1981) 

A forte e memorável atuação de José Dumond (Melhor ator em Gramado, Brasília e Huelva), mais uma vez espetacular como em “A Hora da Estrela” e “Morte e Vida Severina”, leva o filme, que conta a história do poeta popular nordestino Deraldo. Ele quer tenta viver em São Paulo de sua arte mas é irresponsavelmente confundido com um assassino. Suas raízes e verdades, então, viram “suco” na grande cidade. Melhor Filme em Moscou e Nevers, é daquelas corajosas realizações  ficcionais, mas abertamente realista que quase documental, e de extrema importância para o período de abertura política no Brasil após os Anos de Chumbo da Ditadura Militar.



69. “Sem Essa Aranha”, Rogério Sganzerla (1970) 
68. “Pra Frente, Brasil”, Roberto Faria (1982) 
67. “Tropa de Elite 2 - O Inimigo Agora é Outro”, José Padilha (2010)
66. “Ópera do Malandro”, Ruy Guerra (1986) 
65. “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”, José Mojica Marins (1968)



64. “O Padre e a Moça”, Joaquim Pedro de Andrade (1966)
63. “Três Verões”, Sandra Kogut (2020)
62. “Ele, O Boto”, Walter Lima Jr. (1987) 
61. “A Pedreira de São Diogo”, Leon Hirzsman (1962) 

 
60.
“Os 7 Gatinhos”, Neville D’Almeida (1980) 


Neville é daqueles cineastas da “elite intelectual carioca” que produz coisas às vezes intragáveis, mas esse é um acerto inconteste. Baseado em Nelson Rodrigues, tem o dedo do próprio no roteiro e, além de trilha com músicas de Roberto e Erasmo, é uma tragicomédia crítica e consistente à hipocrisia e depravação da sociedade brasileira. Interpretações (Thelma Reston, Melhor Coadjuvante em Gramado) e cenas inesquecíveis como a dos “caralhinhos voadores” e “me chama de contínuo” estão neste longa referencial.





59. “O Mandarim”, de Julio Bressane (1995)
58. “Morte e Vida Severina”, Walter Avancini (1981)
57. “Casa Grande”, Fellipe Gamarano Barbosa (2014)
56. “A Febre do Rato”, Cláudio Assis (2011)
55. “O Romance da Empregada”, Bruno Barreto (1888)



54. “Faca de Dois Gumes”, Murilo Salles (1989)
53. “Rio, Zona Norte”, Nelson Pereira dos Santos (1957)
52. “Aquarius”, Kleber Mendonça Filho (2016)
51. “Blá Blá Blá”, Andrea Tognacci (1968)


Daniel Rodrigues

quinta-feira, 13 de abril de 2023

15 anos da Accirs - Cinemateca Paulo Amorim - Casa de Cultura Mário Quintana - Porto Alegre/RS (05/04/2023)

 


Desde a primeira reunião, numa final de tarde outonal de 2008, estava lá eu, juntamente com um punhado de outros amantes de cinema num apartamento à Av. Cristóvão Colombo, em Porto Alegre, residência de uma das fundadoras. Eu, que havia recém iniciado um projeto de um blog de cinema, O Estado das Coisas (hoje desativado), ainda nem havia me tornado colaborador do Clyblog, onde de fato expandi meu exercício de crítica, e já me fazia presente ali, meio assustado ao lado de gente que admirava e admiro. Jornalistas a quem eu lia, assistia, ouvia. Profissionais da Academia já referenciais para a cinefilia gaúcha. Críticos de cinema com experiência em veículos, festivais, júris, curadorias. Mesmo intimidado com o desafio, fui dos que deram o aval para o começo de uma entidade congregadora de críticos de cinema em nossos pagos que promovesse este fazer crítico por meio de diversas vias: a realização de seminários sobre crítica, a formação de grupos de estudo sobre a linguagem audiovisual, a programação de sessões de cinema com debates, a geração de conteúdos em diversas plataformas, a composição de júris da crítica, entre outros. Estava criada, a 29 daquele mês, a Associação de Críticos do Cinema do Rio Grande do Sul, a Accirs

Relembrar os movimentos primordiais da associação teve um gosto ainda mais agradável no encontro que promovemos no último dia 5, marcado exatamente para celebrar o aniversário da Accirs. Com a presença de convidados, familiares e amigos, nós nos reencontramos para a ocasião festiva orgulhosos da bagagem pessoal e coletiva que agregamos nestes 15 anos, mas também contentes pela novidade, seja pelos membros não tão antigos como eu (ou Ivonete Pinto, Fatimarlei Lunardelli, Marcos Santuário, Roger Lerina, Adriana Androvandi, minha “madrinha” na Accirs, e outros), seja pela recepção aos novos integrantes, os sete entrantes. A mim, enxergar ao longe aquele Daniel bem mais inseguro mas já capaz de unir-se àqueles pares, é bastante gratificante. Além do crescimento que os anos naturalmente trazem, é-me fácil perceber o quanto a Accirs, na qual hoje sou Secretário, me proporcionou (proporciona) em termos de desenvolvimento enquanto crítico e ente social pensante para tudo aquilo que o cinema propicia.

Os 15 anos de atividades da Accirs contaram também com uma exibição especial: a pré-estreia do longa-metragem brasileiro “O pastor e o guerrilheiro”, novo filme do diretor José Eduardo Belmonte, exibido no 50º Festival de Cinema de Gramado. Na mesma ocasião, foram entregues por nosso presidente, Danilo Fantinel, e nossa vice-presidente, Mônica Kanitz, os certificados para os vencedores do Prêmio Accirs para os Melhores do Ano em 2022. Por “5 Casas”, de Bruno Gularte Barreto, foi entregue ao roteirista do filme, o cineasta e professor Vicente Moreno. Já por “Sinal de Alerta: Lory F.”, o diretor Fredericco Restori, juntamente com a irmã da biografada, a atriz Débora Finochiaro, recebeu o certificado de melhor curta gaúcho. Outro curta, “Madrugada”, dividiu o prêmio de com “Sinal...”, alcançando-se a seus realizadores Leonardo da Rosa e Gianluca Cozza a homenagem. Ainda, Ivonete e Marcus Mello receberam o Prêmio Luiz César Cozzatti, concedido a destaques da cena audiovisual do RS, pela revista Teorema, publicação impressa dedicada à crítica cinematográfica que completou 20 anos de existência.

Foi, por todos estes dois motivos, mas principalmente, pelo encontro de uma história já percorrida com o sopro da renovação, que o brinde pela Accirs foi especialmente bonito. Sorrisos, papos, reencontros, carinho, apresentações, abraços. Uma noite de sair com o peito preenchido – de afeto e de cinema.

Confira algumas fotos tiradas por diversos de nós membros.

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Coquetel rolando, papos sobre cinema e tudo mais

Momento de entregar os certificados aos melhores de 2022

Danilo e Mônica falando para a plateia na Sala Paulo Amorim

Ivonete e Marcos, agraciados com o destaque do ano pela Teorema

Os jovens diretores do curta "Madrugada"

Restori falando por seu "Sinal de Alerta Lory F."

A galera toda para a foto oficial: membros e convidados
numa noite especial para o cinema gaúcho


texto: Daniel Rodrigues
fotos: Daniel Rodrigues e membros Accirs

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Milton Nascimento - "Geraes" (1976)

 

"Esses gerais são sem tamanho."
Guimarães Rosa, "Grande Sertão: Veredas"

"Sou o mundo, sou Minas Gerais."
Da letra de "Para Lennon e McCartney", de Lô Borges, Marcio Borges e Fernando Brant


Tom Jobim e o desenho sinuoso e sensual da Rio de Janeiro. 

Dorival Caymmi e a Bahia dos pescadores e santos do candomblé. 

Moondog e as pradarias inóspitas do Wyoming. 

Robert Johnson e as infinitas plantações de algodão do Mississipi. 

Violeta Parra e a imensidão das cordilheiras andinas. 

É sublime quando um músico consegue atingir tamanha simbiose entre ele e seu espaço, a ponto de passar a representar, através de sua arte, uma paisagem física. É como se ele fosse, por intermédio dos sons, não originário deste lugar, mas, sim, o próprio lugar.

Milton Nascimento é um destes seres que, como o próprio nome indica, nasce e gera a própria terra, Minas Gerais. O homem que integra a seu próprio nome um estado inteiro, o seu mundo. E não digam que Mi(lton) Nas(cimento) é mera coincidência linguística! Mais correto é afirmar que os Deuses - os do candomblé, da Igreja, muçulmanos, indígenas, todos aqueles que perfazem a cultura mineira - assim quiseram a este carioca desgarrado abraçado como um filho pelos morros de cor ferrosa das Gerais, os quais, junto à lúdica maria fumaça, ele mesmo representa na icônica capa em desenho a próprio punho. Como um ser pertencente àquela terra a qual se homogeiniza. 

Em meados dos anos 70, Milton já havia percorrido muita estrada de terra na boleia de um caminhão. Na faixa dos 35 anos, pai, casado, consagrado no Brasil e no exterior, idolatrado e gravado por Elis Regina, mentor do movimento musical mais cult da modernidade brasileira, autor de algumas das obras mais icônicas do cancioneiro MPB. O reconhecido talento como compositor, cantor, arranjador e agente catalisador misturava-se, agora, com a sabedoria da maturidade - como se ainda coubesse mais sabedoria a este ser nascido gênio. Quase que naturalmente a quem já havia ganhado o centro do País e desbravado o principal mercado fonográfico do mundo, o norte-americano, Milton, então, volta-se à sua própria essência: a terra que lhe é e a qual pertence. 

Mas Milton, carinhosamente chamado de Bituca por quem o ama, não faz isso sozinho, visto que convoca seu talentoso Clube da Esquina, reforçando o time de amigos, inclusive. Se "Minas", a primeira parte deste duo de álbuns gêmeos, explora a grandiosidade das geraes Guimarães Rosa de Drummond, seja em sons e letras, "Geraes" solidifica essa ideia quase que como um milagre: um homem torna-se seu próprio som. Ou melhor: transforma-se em montanha para, do alto de topografia, emitir a sonoridade da natureza. Samba, rock, soul, folk, jazz, toada, sertanejo, candombe, trova, oratório... world music, não só por acepção, mas por intuição, é o termo mais adequado para classificar.

A ligação entre uma palavra e outra, entre um título e outro, entre um disco e outro, se dá pelo mesmo acorde que desfecha “Simples”, última faixa de "Minas", e abre, em ritmo de toada mineira, a linda "Fazenda" (“Água de beber/ Bica no quintal/ Sede de viver tudo/ E o esquecer/ Era tão normal que o tempo parava"). A religiosidade católica do povo, traço cabal da cultura mineira, transborda tanto em "Cálix Bento", com a marca do violão universal de Milton e o emocionante arranjo de Tavinho Moura sobre tema da Folia de Reis do norte de Minas, quanto em "Lua Girou", outro tema do folclore popular – este da região de Beira-Rio, na Bahia – vertida para o repertório pela habilidosa mão do próprio Bituca. 

O lado político, claro, está presente. Milton, consciente da situação do País e jamais acovardado, não havia esquecido das recentes retaliações da censura que quase prejudicaram seu "Milagre dos Peixes", de 3 anos antes, um verdadeiro milagre de ter sido gestado com tamanha qualidade. O parceiro e produtor Ronaldo Bastos, além da concepção da capa, é quem pega junto em "O Menino", escrita anos antes pelos dois em homenagem ao estudante Edson Luís, assassinado em 1968 em um confronto com a polícia no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, episódio que uniu a sociedade em protestos que culminaram com a famosa Passeata dos Cem Mil contra a Ditadura Militar. E que luxo a banda que o acompanha: João Donato (órgão), Nelson Angelo (guitarra), Toninho Horta (guitarra), Novelli (baixo), e Robertinho Silva (bateria). Com a mira militares a outros artistas naquele momento, como Chico Buarque, Milton pode, enfim, lançar a música e não se calar diante da barbárie. 

Quem também garante o grito de resistência é um recente e igualmente genial amigo, com quem tanto e tão bem Milton produziria a partir de então. Justamente o então visado Chico Buarque. É com ele que Milton canta a canção-tema do filme "Dona Flor e Seus Dois Maridos", de Bruno Barreto, um sucesso de bilheteria no Brasil à época, "O que Será (À Flor da Pele)". Fortemente política, a letra, cantada com melancolia e até tristeza, reflete os tempos de iniquidade humana: "O que será que será/ Que dá dentro da gente que não devia/ Que desacata a gente, que é revelia/ Que é feito uma aguardente que não sacia/ Que é feito estar doente duma folia/ Que nem dez mandamentos vão conciliar/ Nem todos os unguentos vão aliviar/ Nem todos os quebrantos, toda alquimia/ Que nem todos os santos, será que será...". Gêmea de "O que Será (À Flor da Terra)", Milton retribui o convite e divide com Chico os microfones desta última no álbum dele naquele mesmo ano, o não coincidentemente intitulado “Meus Caros Amigos”


Milton e Chico: encontro mágico promovido à época
de "Geraes" e que deu maravilha à música brasileira

A maturidade filosófico-artística de Milton era tão grande, que as dimensões do que é grande ou pequeno, do que é parte ou geral, se reconfiguram numa consciência elevada de humanidade. A ligação universal de Milton com sua terra passa a significar o ligar-se a América Latina. Afinal, sua Minas é, como toda a latinoamérica, dos povos originários. “San Vicente” e "Dos Cruces", de "Clube da Esquina”, já traziam essa semente que “Geraes”, mais do que “Minas”, solidificaria, que é essa visão ampla do território, dos povos. Primeiro, na realização do sonho de cantar Violeta Parra com Mercedes Sosa. Apresentada a Milton por Vinícius de Moraes, La Negra divide com Milton os microfones da clássica “Volver a los 17”. Igualmente, vê-se o encontro dos rios do Prata e São Francisco, que não poderiam deixar de fazer brotar aquilo que os perfaz e lhes dá sentido: água. É com o conjunto de jovens chilenos deste nome, amigos recém conhecidos, que Milton instaura de vez, na acachapante “Caldera”, a alma castelhana dos hermanos na música popular brasileira – convenhamos, muito mais do que os músicos da MPG, cuja proximidade regional do Rio Grande do Sul propiciaria tal fusão mais naturalmente. É o canto dos Andes – mas também de Minas – sem filtro. 

As amizades, aliás, estão presentes em todos os momentos, e o território de Milton é como uma grande aldeia onde ele, consciente de seu papel de pajé, mantém a egrégora sob a força do amor. Fernando Brant, parceiro desde os primeiros tempos, coassina aquela que talvez seja a música mais sintética de todo o disco: “Promessas De Sol”. A sonoridade latina das flautas andinas, a percussão marcada pelo tambor leguero, o violão sincrético de Milton e os coros constantes e tensos dão à canção a atmosfera perfeita para um os mais fortes discursos políticos que a Ditadura presenciou em música. “Você me quer belo/ E eu não sou belo mais/ Me levaram tudo que um homem precisa ter”. Épica, como uma ópera guarani, a melodia vai escalando de um tom baixo para, ao final, se encerrar com intensos vocais de Milton bradando, denunciativo: “Que tragédia é essa que cai sobre todos nós?” 

Parece que não cabe mais emoção num álbum como este. Mas cabe. A brejeira “Carro De Boi”, de Cacaso e Maurício Tapajós (“Que vontade eu tenho de sair/ Num carro de boi ir por aí/ Estrada de terra que/ Só me leva, só me leva/ Nunca mais me traz”) casa-se com a inicial “Fazenda” seja na ludicidade ou na sonoridade ao estilo de cantiga sertaneja. Mas tem também a jazzística e comovente “Viver de Amor”, em que novamente Ronaldo, desta vez em parceria com o excepcional Toninho Horta, compõem para a voz cristalina de Milton uma das canções românticas mais marcantes de toda a discografia brasileira. Ronaldo, múltiplo, também tira da cartola mais uma vez com Milton outra joia do disco, que é o samba-jongo “Circo Marimbondo”. Assim como Milton, de ouvido tão absoluto quanto sensível, fizera ao contar com a voz de Alaíde Costa para cantar com ele "Me Deixa em Paz" em “Clube da Esquina”, aqui ele vai na fonte mais inequívoca para este tipo de proposta musical que une África e Brasil: Clementina de Jesus. Na percussão, além de Robertinho no tamborim e surdo, também outros craques da “cozinha”: Chico Batera, no agogô; Mestre Marçal, cuíca; Elizeu e Lima, repique; e Georgiana de Moraes, afochê. E que delícia ouvir o canto anasalado e potente da deusa Quelé acompanhada pelo coro de Tavinho, Miúcha, Chico, Georgiana, Cafi, Fernando, Bebel, Ronaldo, Bituca, Vitória, Toninho e toda a patota! 

Para encerrar? A música que conjuga o primeiro e o segundo disco, o corpo e o espírito: “Minas Geraes”. O violão carregado de traços étnico-culturais de Milton, sua voz que escapa do peito emoldurando-se ao vento, a docilidade das madeiras, a singeleza do toque do bandolim. Clementina, em melismas, embeleza ainda mais a canção, lindamente orquestrada por Francis Hime – outro novo amigo cooptado por Milton da turma de Chico. Tudo converge para um final emocionante, que, como os próprios versos dizem, saem do “coração aberto em vento”: “Por toda a eternidade/ Com o coração doendo/ De tanta felicidade/ Todas as canções inutilmente/ Todas as canções eternamente/ Jogos de criar sorte e azar”. 

Ouvindo-se “Minas” e “Gerais”, duas obras não somente maduras como altamente densas, simbólicas e encarnadas, é impossível não ser fisgado pelo mistério da música de Milton Nascimento. Encantamento que remete ao mistério da criação, o mistério da vida. Wayne Shorter, parceiro de Milton e mutuamente admirador, quando perguntado sobre esta esfinge que é a obra do amigo, diz: “Bem, ouça você mesmo, pois não há palavras para descrever. Apenas sinta”. Milton, que completa 80 anos de vida sobre o mundo, o seu mundo, é tudo isso: uma força da natureza. Ele é mais do que música: é som em estado puro. É mais que tempo: é a harmonia do espaço. 

Milton é mais do que homem: é pedra. Eterna.

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É impressionante perceber hoje, em retrospectiva, que o encontro de dois gênios da música brasileira se deu exatamente na época deste trabalho. Depois de aberta a porteira da fazenda de Milton para Chico, só vieram coisas lindas. Além de parcerias nos anos subsequentes - inclusive no célebre "Clube da Esquina 2", de 1978 - naquele mesmo ano de 1976 os dois se reuniriam para gravar o compacto "Milton & Chico", lançado oficialmente um ano depois. Incluído em "Geraes" na versão para CD, esta gravação clássica dos dois traz duas faixas: a melancólica "Primeiro de Maio", que denuncia a vida oprimida do trabalhador brasileiro no feriado dedicado a ele, e "O Cio da Terra", também combativa e ligada ao trabalhador, mas do campo, que se tornaria uma das canções emblemáticas do repertório tanto de Chico quanto de Milton.

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FAIXAS:
1. "Fazenda" (Nelson Angelo) - 2:40
2. "Calix Bento"(Folclore popular - Adap.: Tavinho Moura) - 3:30
3. "Volver a los 17" - com Mercedes Sosa (Violeta Parra) - 5:10
4. "Menino" (Milton Nascimento/ Ronaldo Bastos) - 2:47
5. "O Que Será (À Flor da Pele)" - com Chico Buarque (Chico Buarque) - 4:10
6. "Carro de Boi" (Maurício Tapajós/ Cacaso) - 3:40
7. "Caldera (instrumental)" - com Grupo Agua (Nelson Araya) - 4:25
8. "Promessas do Sol" - com Grupo Agua (Milton Nascimento/ Fernando Brant) - 5:00
9. "Viver de Amor" (Toninho Horta/ Ronaldo Bastos) - 2:34
10. "A Lua Girou" (Milton Nascimento) - 3:42
11. "Circo Marimbondo" - com Clementina de Jesus (Milton Nascimento/ Ronaldo Bastos) - 2:55
12. "Minas Geraes" com Grupo Agua e Clementina de Jesus (Novelli/ Ronaldo Bastos) - 5:13

Faixas bônus da versão em CD:
13. "Primeiro De Maio" - com Chico Buarque (Milton Nascimento/ Chico Buarque) - 4:46
14. "O Cio Da Terra" - com Chico Buarque (Milton Nascimento/ Chico Buarque) - 3:48


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OUÇA O DISCO
Milton Nascimento - "Geraes" 


Daniel Rodrigues

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

50º Festival de Cinema de Gramado - Bastidores e Premiados

 

Muito se fala sobre cinema e arte cinematográfica em razão do Festival de Cinema de Granado. Por óbvio. Porém, após ter participado como jurado na edição de 2021, realizada ainda de forma online em virtude da pandemia da Covid-19, motivei-me a, finalmente, fazer algo que nunca tinha conseguido: estar presencialmente no festival. Motivos pra isso, não faltavam: este ano, realizou-se a histórica 50ª edição do festival mais longevo ininterruptamente do Brasil e por ter me tornado este ano secretário da Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (ACCIRS), apoiadora institucional do festival e responsável por algumas das curadorias, juris e premiações. Outra motivação não menos substancial era o lançamento do livro “50 Olhares da Crítica Sobre o Cinema Gaúcho”, ao qual participo como um dos autores e que era importante marcarmos esse momento dentro do principal festival de cinema do nosso Estado. Afora isso, queria saber como era a emoção de viver o Festival de Gramado, ainda mais assim, no auge do inverno, em que tanta gente visita a cidade, que é a mais procurada pelos turistas no Brasil esta época.

Nós da ACCIRS, no espaço
Elizabeth Rosenfeld, lançando
o livro em Gramado

Com o socorro do amigo José Carlos Sousa, o querido Zeca, que nos ofereceu transporte de ida e um ótimo pouso, fomos Leocádia e eu. Cheios de incertezas de como seriam as movimentações por lá, partimos, na cara e na coragem, para conferir o primeiro final de semana do festival. Mesmo não sendo possível assistir à maioria dos filmes, principalmente os longas-metragens brasileiros e internacionais que rodariam diariamente até a semana seguinte, os pouco mais de dois dias a que nos programamos nos oportunizaria ver pelo menos duas das estreias de longas brasileiros, curtas-metragens nacionais e os curtas-metragens gaúchos, que passam na seção vespertina no segundo e terceiros dias. Igualmente, podemos pegar também a tão badalada abertura do festival, o que, convenhamos, embora menos apoteótico, é quase tão emocionante quanto estar no encerramento.



A emoção de pisar pela primeira vez no 
tapete vermelho do
Festival de Gramado

Se coube a nós apenas o começo do festival, no entanto, nosso batismo foi com a devida graça dos deuses do cinema. Na sala de imprensa, logo após termos tirado nossas credenciais para podermos pisar o tão famoso “tapete vermelho” que dá acesso ao Palácio dos Festivais – ou seja, logo que conseguimos confirmar que poderíamos, sim, participar efetivamente do festival, o que haviam nos dito que talvez não fosse possível por ainda não termos credenciais até então – conversávamos com o colega de ACCIRS Paulo Casanova e somos surpreendidos pela atriz Marcélia Cartaxo, que veio em nossa direção como se nos conhecesse. “Será que ela se enganou?”, pensamos. Mas acho que não. Ao que disseram, é muito o modo de ela ser, assim, despachada e extrovertida, e prefiro acreditar que aquela foi uma bênção de Macabea ou de Pacarrete que recebemos por estarmos estreando no festival. Após o choque de ter sido procurado por Marcélia (que, aliás, ganhou mais uma vez o Kikito de Melhor Atriz, como já o havia feito por "Pacarrete", em 2018) para ganhar um abraço, atentado por Leocádia, fui atrás dela novamente para fazermos um registro daquele momento – afinal, todo mundo deve ter uma foto de seu batizado. Ao lhe abordar, agradeci por sua existência em nossos corações como personagens tão memoráveis. Ela retribuiu, generosamente, agradecendo também.

Leocádia e eu recebendo a bênção do festival de Gramado da divina Marcélia

O talentoso Palmeira recebendo
uma das principais honrarias do
cinema brasileiro, o Oscarito
Após o batismo inicial, assistimos filmes, conhecemos outros artistas, vimos Marcos Palmeira receber o Troféu Oscarito – e passar por nós, a questão de metro, e olhar-nos no olho em agradecimento às palmas. Os filmes que mais conseguimos ver foram os curtas gaúchos, com coisas bem boas, como o tenso e tecnicamente perfeito “O Abraço”, prenunciando um dos próximos realizadores de longas no Rio Grande do Sul como recentemente alçaram nomes como Davi Pretto e Felipe Matzembacher; o curto mas tocante “A Diferença entre Mongóis e Mongoloides”, de Jonatas Rubert, documentário pessoal de animação sobre a relação do diretor com seu irmão e seu tio, ambos portadores de TEA (transtorno do espectro autista); e o grande premiado do Prêmio Assembleia Legislativa — Mostra Gaúcha de Curtas: “Sinal de Alerta: Lory F”, de Fredericco Restori, que conta a meteórica vida da artista que lhe dá título, uma lenda do rock gaúcho. Mais uma das magias que Gramado nos proporcionou: na fila para entrar para a seção do primeiro dia de curtas gaúchos, conversávamos com dois jovens atrás de nós que logo revelaram serem os responsáveis pelo filme. Leocádia, sagaz, providenciou de que eu tirasse uma foto com eles, uma vez que tanto ela quanto eu temos relação com personagens do filme: o filho de Lory, meu ex-colega e amigo Ricardo, e o ex-marido dela, Ricky Bols, artista visual já falecido com quem Leocádia trabalhou e também nutria amizade. E não é que justo eles ganhariam, no dia seguinte, o principal prêmio entre os curtas gaúchos?

Ao lado de Natália Pimentel e Restori, de "Lory F..." - antes de ganharem o prêmio!

Sem se estender muito, cabe comentar que os dois longas brasileiros, que passam na programação noturna, agradaram. O triste e revoltante “A Mãe”, de Cristiano Burlan, que traz Marcélia como uma mãe em busca do filho desaparecido na periferia de São Paulo; e o cômico “O Clube dos Anjos”, de Angelo Defanti, adaptação e Luis Fernando Verissimo. A difícil tarefa de adaptar o autor do Analista de Bagé foi bem executada pelo diretor, embora o filme perca um pouco do ritmo do meio para o fim, mas consiga terminar bem. O grande trunfo de “O Clube...” é, porém, seu elenco. Nada mais nada menos que Otávio Muller, Matheus Nachtergaele, Paulo Miklos, Marco Ricca, Augusto Madeira, César Melo, Ângelo Antônio, Samuel de Assis, António Capelo e André Abujamra

Este último, aliás, merece um aparte, pois tornou-se um novo amigo. Ao ver Abujamra no tapete vermelho (aliás, corrijo: Leocádia que o avistou e me avisou) abordei-o e, fã, quis entrevistá-lo para meu programa, Música da Cabeça. Fizemos ali mesmo, em meio à algazarra do público, mas deu tudo certo e a entrevista foi curta mas ótima. Justifiquei a Abujamra que se eu já tinha entrevistado Maurício Pereira e Pena Schmidt, os outros dois responsáveis pela lendária Os Mulheres Negras, não poderia perder a oportunidade de fazer o mesmo com ele.

Abu e eu: sintonia e entrevista em pleno tapete vermelho

Tudo isso para confirmar o que disse no início: muito se fala em cinema no Festival de Gramado, mas estar lá, poder conviver ao menos um pouco com artistas, realizadores, colegas críticos, jornalistas, organizadores do evento e toda aquela turba de pessoas que lotam a cidade nesta época, caminhar pelas ruas, observar as reações, frequentar o comércio em alto movimento; prova que o festival é muito mais do que as sessões de cinema. É, sim, essa atmosfera, essa egrégora misto de encanto, excitação, surpresa, expectativa – e até certa afetação, confesse-se. O que tiro é que a experiência foi linda, a ponto de nos programamos para, em próximas edições, talvez voltarmos não só para a abertura, mas esticar um pouco mais e até cobrir todos os sete dias de evento. 

O Kikitão e eu em pleno tapete vermelho

O consagrado "Noites...",
o grande vencedor 

A solenidade de premiação ocorreu no dia 20 e pude assistir pela televisão. O grande vencedor foi o amazonense “Noites Alienígenas”, de Sérgio de Carvalho, que não pudemos ver mas fiquei curiosíssimo desde que soube da existência. Outra produção que também se destacou dos longas foi “Marte Um”, de Gabriel Martins (MG), que se mostrou muito querido do público por, assim como o lindo “O Novelo”, que concorreu no ano passado na mesma categoria, traz a vida de uma família de negros, mas sem recorrer aos chavões de submundo, pobreza, violência, etc. Também não vi, mas o bom é que este estreia em circuito nacional esta semana. Louco pra ver.

Por ora, segue aqui a lista de premiados com os Kikitos desta histórica edição de meio século de Festival de Gramado. Quem sabe, ano que vem não esteja lá mandando just in time essa lista?

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LONGA-METRAGEM BRASILEIRO

Melhor Filme – “Noites Alienígenas”, de Sérgio de Carvalho
Melhor Direção – Cristiano Burlan, por “A Mãe”
Melhor Ator – Gabriel Knoxx, de “Noites Alienígenas”
Melhor Atriz – Marcélia Cartaxo, de “A Mãe”
Melhor Roteiro – Gabriel Martins, de “Marte Um”
Melhor Fotografia -Rui Poças, de “Tinnitus”
Melhor Montagem – Eduardo Serrano, de “Tinnitus”
Melhor Trilha Musical – Daniel Simitan, de “Marte Um”
Melhor Direção de Arte – Carol Ozzi, de “Tinnitus”
Melhor Atriz Coadjuvante – Joana Gatis, de “Noites Alienígenas”
Melhor Ator Coadjuvante – Chico Diaz, de “Noites Alienígenas”
Melhor Desenho de Som – Ricardo Zollmer, de “A Mãe”
Júri da Crítica – “Noites Alienígenas”, de Sérgio de Carvalho
Júri Popular – “Marte Um”, de Gabriel Martins
Prêmio Especial do Júri – “Marte Um”, de Gabriel Martins, que nos trouxe o afeto para a tela.
Menção Honrosa a Adanilo, por “Noites Alienígenas”, pela excelência da construção da linha do personagem e interpretação.

CURTA-METRAGEM BRASILEIRO

Melhor Filme – “Fantasma Neon”, de Leonardo Martinelli
Melhor Direção – Leonardo Martinelli, por “Fantasma Neon”
Melhor Ator – Dennis Pinheiro, de “Fantasma Neon”
Melhor Atriz – Jéssica Ellen, de “Último Domingo”
Melhor Roteiro – Fernando Domingos, de “O Pato”
Melhor Fotografia – Fernando Macedo, de “Último Domingo”
Melhor Montagem – Danilo Arenas e Luiz Maudonnet, de “O Elemento Tinta”
Melhor Trilha Musical – “Nhanderekoa Ka´aguy Porã” Coral Araí Ovy e Conjunto Musical La Digna Rabia, por “Um Tempo pra Mim”
Melhor Direção de Arte – Joana Claude, de “Último Domingo”
Melhor Desenho de Som – Alexandre Rogoski, de “O Fim da Imagem”
Júri da Crítica – “Fantasma Neon”, de Leonardo Martinelli
Júri Popular – “O Elemento Tinta”, de Luiz Maudonnet e Iuri Salles.
Menção Honrosa – “Imã de Geladeira”, de Carolen Meneses e Sidjonathas Araújo, por catapultar a urgente discussão sobre o racismo estrutural através do horror cósmico
Prêmio Especial do Júri – “Serrão”, de Marcelo Lin. Pelo frescor da narrativa a partir de um olhar ressignificado, emergente e com o coração no lugar certo
Prêmio Canal Brasil de Curtas – “Fantasma Neon” Leonardo Martinelli

LONGA-METRAGEM ESTRANGEIRO 

Melhor Filme – “9”, de Martín Barrenechea e Nicolás Branca
Melhor Direção – Néstor Mazzini, de “Cuando Oscurece”
Melhor Ator – Enzo Vogrincinc, de “9”
Melhor Atriz – Anajosé Aldrete, de “El Camino de Sol”
Melhor Roteiro – Agustin Toscano, Moisés Sepúlveda e Nicolás Postiglione, de “Inmersión”
Melhor Fotografia -Sergio Asmstrong, de “Inmersión”
Júri da Crítica – “9”, de Martín Barrenechea e Nicolás Branca
Júri Popular – “La Pampa”, de Dorian Fernández Moris
Prêmio Especial do Júri a Direção de Arte de Jeff Calmet, de “La Pampa”

LONGA-METRAGEM GAÚCHO

Melhor Filme – “5 Casas”, de Bruno Gularte Barreto
Melhor Direção – Bruno Gularte Barreto, por “5 Casas”
Melhor Ator – Hugo Noguera, de “Casa Vazia”
Melhor Atriz – Anaís Grala Wegner, de “Despedida”
Melhor Roteiro – Giovani Borba, de “Casa Vazia”
Melhor Fotografia – Ivo Lopes Araújo, de “Casa Vazia”
Melhor Direção de Arte – Gabriela Burk, de “Despedida”
Melhor Montagem – Vicente Moreno, de “5 Casas”
Melhor Desenho de Som – Marcos Lopes e Tiago Bello, de “Casa Vazia”
Melhor Trilha Musical – Renan Franzen, de “Casa Vazia”
Júri Popular – “5 Casas”, de Bruno Gularte Barreto
Menção Honrosa – Clemente Vizcaíno, por “Despedida”, pela presença destacada no filme e por sua importância na história do cinema gaúcho
Menção Honrosa – “Campo Grande é o Céu”, de Bruna Giuliatti, Jhonatan Gomes e Sérgio Guidoux, pelo resgate da tradição de cantorias e da importância das comunidades quilombolas daquela região do Rio Grande do Sul

CURTA-METRAGEM GAÚCHO - PRÊMIO ASSEMBLEIA LEGISLATIVA — MOSTRA GAÚCHA DE CURTAS

Melhor filme: "Sinal de Alerta Lory F"
Melhor direção: Jonatas Rubert - "Diferença entre Mongóis e Mongoloides"
Melhor ator: Victor Di Marco - "Possa Poder"
Melhor atriz: Valéria Barcellos - "Possa Poder"
Melhor roteiro: Jonatas Rubert, - "Diferença entre Mongóis e Mongoloides"
Melhor fotografia: Flora Fecske - "O Abraço"
Melhor montagem: Frederico Restori - "Sinal de Alerta Lory F"
Melhor direção de arte: Gabriela Burck - "Diferença entre Mongóis e Mongoloides"
Melhor trilha sonora: Gutcha Ramil, Andressa Ferreira e Ian Gonçalves Kuaray - "Mby Á Nhendu - O Som do Espírito Guarani"
Melhor desenho de som: Andrez Machado - "Fagulha"
Melhor produção executiva: Henrique Lahude - "Drapo A" 
Menção honrosa: "Drapo A" 
Prêmio da crítica (ACCIRS): "Apenas para Registro"

LONGA-METRAGEM DOCUMENTAL

Melhor Filme – “Um Par Pra Chamar de Meu”, de Kelly Cristina Spinelli.                 
Menção Honrosa – “Elton Medeiros – O Sol Nascerá”, de Pedro Murad, pela valorização do compositor, parceiro dos grandes nomes da música popular brasileira, e também pelo rigor formal e criativo na recriação visual da vida e das grandes composições de Elton Medeiros, que faleceu em 2019. Parabéns ao diretor Pedro Murad e equipe.



texto: Daniel Rodrigues
fotos: Daniel Rodrigues, Leocádia Costa e ACCIRS