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sábado, 4 de abril de 2015

"Melancolia", de Lars Von Trier (2011)



Lars Von Trier é na minha opinião, provavelmente, o maior realizador do cinema atual, e quando digo realizador o faço para ser bastante amplo e não me restringir à direção. Falo de concepção, estética, autonomia, intenção, autoralidade, versatilidade, influência, tudo isso junto e, nisso tudo, no momento, ele mostra-se à frente de seus contemporâneos. É verdade que acabou metendo os pés pelas mãos por declarações infelizes no Festival de Cannes de 2011 e por conta disso ganhou a antipatia de muita gente mas por outro lado parece também que a crítica e o público acabou confundindo as supostas preferências do diretor com o julgamento de sua obra, passando a tratá-lo com extrema má vontade a partir do ocorrido.
“Melancolia”, filme que então estava sendo exibido naquele Festival de Cannes, acabou sendo um dos mais prejudicados com a polêmica, já sofrendo as consequências no próprio evento com algumas vaias e zombarias, vendo em seguida sua reprovação estender-se em forma de desconfiança por parte do público nos cinemas e locadoras. Mas o fato é que a qualidade falou mais alto e, aos poucos, “Melancolia” foi conseguindo apaziguar os ânimos e ocupar seu devido lugar como um dos grandes filmes dos últimos tempos.
O belíssimo prólogo, com imagens em câmera lenta que
antecipam a catástrofe de maneira incrivelmente plástica e poética
Uma fantasia sobre o fim do mundo filmada com extrema sensibilidade estética e humana, captando já na introdução, em câmera super lenta ao som de Wagner, imagens de uma beleza quase hipnótica onde, de uma forma incrivelmente plástica, já se anuncia a inevitável catástrofe do choque de um planeta contra a Terra. Logo em seguida numa festa de casamento ânimos, humores e vão se alterando, mostrando as verdadeiras faces das pessoas envolvidas na cerimônia, inclusive da própria noiva, vivida por Kirten Dunst, cuja personagem dá nome à primeira metade do filme: "Justine".
Justine chega à festa do próprio casamento na luxuosa casa do cunhado exibindo alguma animação, mas é uma alegria que parece imposta a si mesma diante do fato de estar casando e TER que mostrar-se feliz.  Aos poucos, no entanto, a artificialidade do ambiente, a falsidade dos convidados, as discussões dos pais, a pressão do patrão, a inexpressividade suplicante do futuro esposo, a fazem ir ao extremo oposto da alegria, estragando com a festa, com o casamento, com o emprego e, como vemos na segunda parte, que leva o nome da irmã, "Claire", com a própria vida.
O jogo de poses e aparências 
no frustrado casamento
Na segunda parte, vivendo na casa da irmã, interpretada por Charlotte Gainsbourg, quase catatônica depois dos acontecimentos de seu casamento não acontecido, Justine parece sem ânimo nem reação a nada. Assim, sob a expectativa da passagem muito próxima à Terra de um planeta, o Melancolia, Justine convive com a irmã, muito solícita, interessada, mas impotente em relação à irmã, o egoísta e materialista cunhado vivido por Kiefer Suterland e o sobrinho uma criança que vive a expectativa do fenômeno astrológico com a curiosidade de quem desconhece o risco que a proximidade dos planetas pode oferecer.
A proximidade do Melancolia vai, desde a noite do casamento quando já pode ser notado muito discretamente brilhante no céu, de alguma forma operando gradualmente no comportamento das pessoas, especialmente no de Justine que, na segunda metade, depois da festa, que funcionara nela como uma espécie de revelação, parece ter desistido da humanidade e vê a iminência da catástrofe quase que como um juízo final, um final merecido para uma raça humana que já está moralmente destruída.
Com a irmã frágil e cada vez mais desesperada pelo fim do mundo e com o insuportável cunhado tentando o tempo todo enganar-se de que o impacto não ocorrerá, o último último laço afetivo de Justine com a humanidade parece ser seu sobrinho Leo, um garoto por quem guarda grande carinho e que, por sua vez, vê com curiosidade e tristeza a "Tia Invencível", apelido originado em momentos mais corajosos da protagonista, em estado lamentável, depressiva, indiferente, desinteressada e à parte do mundo.
O diretor  sabidamente cético, descrente, amargo, demonstra o tempo todo seus sentimentos pessimistas em relação ao homem, como o desprezo, a decepção, a desesperança, mas no final, com a inevitável colisão entre os planetas, sinaliza com uma ponta de esperança no ser humano, com uma derradeira demonstração de piedade e amor, quando a Tia Invencível coloca a irmã apavorada e o sobrinho em uma suposta "Caverna Mágica", uma espécie de cabana montada com galhos onde segundo ela estariam "invulneráveis" a qualquer efeito do impacto, numa das cenas mais lindas e marcantes que o cinema produziu nos últimos tempos.
"Melancolia" me lembra muito um outro filme do qual sou grande admirador, que é "O Sacrifício", de Andrei Tarkovsky. O filme do cineasta russo também traz uma situação de uma família praticamente isolada em algum lugar remoro enquanto o mundo, por outro motivo na verdade, também se encaminha para o fim de seus dias. De maneira menos amarga que na obra de Trier, "O Sacrifício" de Tarkovsky também traz o componente do exame da natureza humana, a observação da reação do indivíduo diante do pânico e elementos como a renúncia, o desespero e a compaixão que também aparecem em "Melancolia". E talvez não na mesma dimensão que "O Sacrifício", mas "Melancolia" é uma dessas novas obras-primas do cinema.
Trier pode ser controverso, um chato, pode às vezes se arriscar demais, pode errar a mão de vez em quando, mas é um dos poucos diretores que ainda conseguem propor um cinema autoral de qualidade resultando em obras inegavelmente singulares e relevantes. "Melancolia" é mais uma destas obras, um filme que faz refletir sobre a condição humana e se a maior catástrofe talvez não seja no que se tornou a civilização. Não que o Melancolia, o planeta, seja proposto pelo diretor como uma punição ao Homem, um castigo, mas faz pensar que diante de tudo o que acontece no planeta Terra, talvez um enorme planeta em rota de colisão seja o menor dos nosso problemas.

Os três na cabana "à prova de tudo" e o Melancolia aproximando-se inexorável e ameaçadoramente.
Cena lindíssima.




Cly Reis


domingo, 29 de maio de 2022

75º Festival de Cinema de Cannes - Os Vencedores

 


Foram anunciados, ontem, os premiados na 75º edição do Festival de Cinema de Cannes e o vencedor da cobiçada Palma de Ouro foi o filme "Triangle of Sadness", do diretor sueco Ruben Östlund. O diretor já havia sido premiado no festival, em 2017, por 'The Square: A Arte da Discórdia" e dessa vez apresenta uma espécie de comédia bizarra que se passa em um cruzeiro de magnatas, no qual os acontecimentos vão tomando rumos inusitados. 

Destaque também para o prêmio de melhor direção, dado a Park Chan-wook, do lendário "Oldboy" e para o fato de, no ano seguinte à Palma de Ouro ter sido entregue a uma mulher, Julia Ducournau, o Grand Prix, outro dos principais prêmios do festival, ter ido para as mãos de outra, Claire Denis, por "Stars at Neon", mesmo dividindo a honra com Lukas Dhont, do filme "Close".

Confira abaixo, todos os vencedores nas demais categorias:


*****************


  • Palma de Ouro: 'Triangle of Sadness', de Ruben Ostlund
  • Grand Prix: 'Stars at Noon', de Claire Denis e 'Close', de Lukas Dhont
  • A tripulação, com seus percalços,
    no filme vencedor do prêmio principal.
    Prêmio do júri: 'The Eight Mountains', dirigido por Felix van Groeningen, Charlotte Vandermeersch e EO, de Jerzy Skolimowski
  • Melhor atriz: Zar Amir Ebrahimi, Holy Spider
  • Melhor ator: Song Kang-ho, por 'Broker'
  • Melhor diretor: Park Chan-wook, por 'Decision to Leave'
  • Melhor roteiro: 'Boy From Heaven', de Tarik Saleh.
  • Melhor Curta-metragem:  'The Water Murmurs'
  • Prêmio especial do 75º ano de festival: 'Tori And Lokita', de Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne




C.R.

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Meus melhores filmes de Rock


Um dia 13 do mês 7. Dois números considerados demoníacos por alguns. Só poderia mesmo ser o Dia do Rock! Afinal, como muito assertivamente diz Raul Seixas em sua música em parceria com Paulo Coelho: “o diabo é o pai do rock”. Pois o estilo musical mais popular do mundo é e sempre será relacionado ao obscuro, ao que nos tira do chão, nos faz pirar a cabeça. Impossível seria se toda essa força não se entranhasse no cinema. Seja em títulos que abordam o tema, seja na difusão da “linguagem videoclípica” ou até dos milhares de filmes que se valem de seu ritmo e potência em trilhas sonoras, o rock ‘n’ roll desde que os Beatles se aventuraram nas telas com “A Hard Days Night”, de Richard Lester, em 1964, passou a fazer parte do universo do cinema, sendo-lhe fundamental hoje na construção de estéticas, dramaticidade e conceitos. Para saudar o estilo musical mais frenético e rebelde da história da arte, elencamos 6 filmes que trazem o rock em seu coração, seja na trama, argumento ou mesmo como um elemento fílmico de destaque. Por que 6? Ora, bebê: 13 menos 7…

Coração Selvagem (1990) – Premiado longa de David Lynch com Nicholas Cage e Laura Dern, "Wild at Heart" (Palma de Ouro em Cannes) que entre seus diversos elementos simbólicos típicos do cineasta, como as referências a “Mágico de Oz”, aos road-movies dos anos 70 e aos suspenses psicológicos de John Frankenheimer, um se destaca: Elvis Presley. A figura do Rei do Rock é fundamental na trama, funcionando simbolicamente para o amor verdadeiro mas combatido dos personagens centrais. Na história, Marietta (Diane Ladd, ótima) é uma sulista rica e louca que não aceita que sua filha, Lula (Laura, jamais tão sexy como neste filme) namore Sailor Ripley (Cage) por ciúmes dela. Marietta manda um capanga matar Sailor, que reage e ele, sim, o mata e vai preso. Dois anos depois, ele é solto e foge para a Califórnia com Lula. Passam a ser perseguidos por Marcello Santos (J.E. Freeman), um assassino contratado por Marietta, e conhecem diversos tipos bizarros, como Bobby Peru (Willem Dafoe, incrível), que convence Sailor a participar de um assalto a banco. Claro que a ideia não dá em boa coisa! Além das músicas incidentais brilhantemente bem selecionadas por Angelo Badalamenti, autor de trilha, como “Be-Bop-a-Lu-La”, Gene Vincent, o clássico blues “Baby Please Don’t Go”, com a Them, e o heavy-metal avassalador “Slaughter House”, da Powermad, é em Elvis que o rock aparece com força. Além de cantar “Love Me” durante o filme, no final, Sailor entoa “Love me Tender” para Lula, cena de tirar lágrimas de qualquer espectador. “Coração Selvagem” é puro rock ‘n’ roll, onde não faltam sexo, drogas e muito som. 



Pulp Fiction – Tempo de Violência (1994) – Quando Quentin Tarantino trouxe ao mundo do cinema o divisor-de-águas “Pulp Fiction”, com seu turbilhão de referências pop, entre elas do rock ‘n’roll, o mesmo já havia mostrado seu apreço pelo rock no antecessor “Cães de Aluguel” (1992) e no por ele roteirizado “Amor à Queima-Roupa”, de Tony Scott (1993). Mas é em “Pulp Fiction” que sua alma rocker se expõe definitivamente através do rock dos anos 50 e 60, bastante presente na trilha, selecionada a dedo pelo próprio Tarantino. Desde a abertura com a avassaladora surf-music “Misirlou”, com Dick Dale, até o hit “Girl, You’ll Be A Woman Soon”, da Urge Overkill, “Pulp Fiction”, este marco da história do cinema, reverencia o rock na sua forma mais inteligente e sacada, trazendo à tona (como é de praxe a Tarantino) nomes e artistas já esquecidos do grande público. Quem não conhece a famosa cena em que, no encantador pub Jackrabbit Slim, Vincent Vega (John Travolta) e Mia Wallace (Uma Thurman) dançam “You Never Can Tell” de Chuck Berry? Delicioso e divertido, é outro que abocanhou a Palma de Ouro em Cannes.



Contra a Parede (2004) – Tocante e apaixonante filme alemão do diretor Fatih Akin, um pequeno clássico contemporâneo. Romance moderno, se passa entre a cosmopolita e suburbana Berlim e a exótica e sensual Istambul e narra a história de Sibel (Sibel Kekilli), uma linda muçulmana que conhece em uma clínica de recuperação, após uma tentativa de suicídio, Cahit (Birol Ünel), um rapaz que também tem raízes turcas. Ambos decidem se casar formalmente como fachada para que Sibel escape das regras estritas de sua família conservadora. Embora ela tenha uma vida sexual independente, eles resolvem dividir um apartamento. O junkie Cahit, roqueiro amante de Sisters of Mercy, Siouxsie and the Banshees e Nick Cave, aceita a situação no início, mas se apaixona e, num acesso de ciúmes, mata um dos amantes da companheira. Depois de cumprir pena, Cahit reencontra Sibel, ainda acreditando que eles podem ter um futuro em comum. Duas cenas roqueiras são impagáveis. A primeira é a em que os protagonistas dançam ao som de "Temple of Love", do Sisters of Mercy. A outra é a cena em que o médico da clínica psiquiátrica cita para Cahit “Lonely Planet”, da banda de rock inglesa The The, é engraçada e, ao mesmo tempo, simbólica para a trama, pois diz: “Se você não pode mudar o mundo, mude a si mesmo”.



Os Bons Companheiros (1990) – Clássico do genial Martin Scorsese, “Goodfellas” é o melhor filme de gângster de sua carreira (para muitos, o seu melhor entre todos) e, embora o tema não se relacione diretamente com o rock, a vida junkie de seu protagonista (Henry Hill, vivido por Ray Liotta) e, principalmente, a trilha sonora, fazem com que este estilo musical desenhe o filme de ponta a ponta. A história conta a saga de um trio de golpistas desde os anos 50 ao início dos 80, e a trilha acompanha esta trajetória, pontuando período por período com joias muito bem pinçadas por Scorsese – o maior roqueiro por trás das câmeras ainda vivo. Duas cenas em que músicas do cancioneiro rock marcam o filme são inesquecíveis. Uma delas, a da “limpa” que a gangue pratica, executando diversos adversários e cúmplices, quando os acordes da maravilhosa parte com piano de “Layla”, de Eric Clapton, acompanham o movimento da câmera, que percorre vários lugares mostrando os corpos assassinados. A outra finaliza a fita, quando, já no final dos anos 70, época do estouro do punk-rock, Liotta quebra a "quarta parede" e olha desanimado para a câmera ao som de “My Way” com o Sex Pistols



Blow-Up – Depois Daquele Beijo (1966) – Um dos maiores filmes da história do cinema, esta pérola de Michelangelo Antonioni, se não aborda diretamente a vida sem sentido de jovens da contracultura norte-americana dos anos 60 como “Vanishing Point”, de cinco anos depois, é, talvez mais do que este, um marco deste período por sua trilha, de ninguém menos que o mestre do jazz moderno Herbie Hancock. Escrevi mais substancialmente sobre “Blow-Up” em 2010, quando tive oportunidade de assistir a uma aula que dissecou o roteiro e concepção desta obra-prima do cinema mundial. Um dos pontos que destaquei é, justamente, a famosa cena do show dos Yardbirds em um clube em que Jeff Beck, detonando um hard-rock de tirar o fôlego, quebra a guitarra no palco e atira o braço todo despedaçado para o público. O protagonista, o cético e desmotivado fotógrafo Cummings (David Hemmings) briga para ficar com o toco de guitarra, sai do clube para que não o tirem dele e, já na rua… joga fora. Atitude que reflete o descrédito e ceticismo da lisérgica geração Swingin’ London. A abertura, com os créditos ao som de um charmoso rock de Hancock, é clássica: simbólica e esteticamente estupenda.



The Wall (1982) – Alan Parker, não sei se por esvaziamento ou preguiça, há muito não filma algo que o valha. Porém, antes de realizar obras-primas como “Coração Satânico” (1987), “Mississipi em Chamas” (1988) e “Asas da Liberdade” (1984), o inglês já havia feito o épico “The Wall”, em que cria, a partir da magistral música de Roger Waters, um musical conceitual e arrojado para o disco homônimo do Pink Floyd, lançado três anos antes. Em imagens muito bem fotografadas por Peter Biziou, cuja estética remete ao pós-guerra, mostra as fantasias delirantes do superstar do rock Pink, um homem que enlouquece lentamente em um quarto de hotel em Los Angeles. Queimado no mundo da música, ele só consegue se apresentar no palco com a ajuda de drogas. O filme acompanha o cantor desde sua juventude, mostrando como ele se escondeu do mundo exterior. Ainda, as intervenções de desenhos animados, trazidos pela habilidosa mão do desenhista Gerald Scarfe, são bastante pioneiras em termos de arte pop no cinema, antecipando, por exemplo, filmes como "Kill Bill" e "Sin City".




por Daniel Rodrigues

terça-feira, 10 de agosto de 2021

74º Festival de Cinema de Cannes - Os Premiados



O bizarro "Titane" ficou com o prêmio principal.
As Olimpíadas estavam começando, a gente meio que se perdeu, deixou passar mas, no último dia 17 de julho, se deu a divulgação dos vencedores do Festival de Cannes, uma dos mais respeitados e tradicionais mostras competitivas de cinema do planeta. Mesmo com algum atraso, mesmo tendo dado mole, marcado bobeira, pela importância do evento e porque a gente adora cinema, não dava pra deixar passar.
A vencedora foi uma mulher, a francesa Julia Ducournau, pelo intenso "Titane", filme em que uma menina que sofrera um acidente automobilístico na infância e tem implantada uma placa de titânio na cabeça, anos mais tarde passa a sentir atração sexual por carros e a cometer assassinatos de maneira compulsiva. A francesa de 37 anos já havia se notabilizado pelo excelente "Raw", um terror canibalístico incomum e impactante, que já causara alvoroço no Festival em 2016. Agora Julia se junta a Jane Campion, diretora de "O Piano", como, apenas, a segunda mulher a vencer o badalado prêmio francês, 28 anos depois do, até então, inédito feito, e decreta, definitivamente, que 2021 é o das mulheres nos cinema mundial!


Pra quem se perdeu, como nós, e não conhece ainda todos os premiados, segue abaixo, a lista com os vencedores em todas as categorias:

  • Palma de Ouro: "Titane", da francesa Julia Ducournau
  • Grande Prêmio: "A Hero", do iraniano Asghar Farhadi e "Compartment N. 6", do finlandês Juho Kuosmanen
  • Prêmio do Júri: "Ahed's knee", do israelense Nadav Lapid e "Memoria", do tailandês Apichatpong Weerasethakul
  • Melhor Direção: o francês Leos Carax por "Annette"
  • Melhor Roteiro: os japoneses Ryusuke Hamaguchi e Takamasa Oe por "Drive my car"
  • Melhor Atriz: a norueguesa Renate Reinsve por "The worst person in the world"
  • Melhor Ator: o americano Caleb Landry Jones por "Nitran"
  • Palma de Ouro de Honra: a atriz e diretora americana Jodie Foster e o diretor italiano Marco Bellochio
  • Câmera de Ouro: "Murina", da croata Antoneta Alamat Kusijanovic
  • Palma de Ouro de curta-metragem: "All the crows in the world", da honconguesa Tang Yi
  • Menção Especial de curta-metragem: "Céu de Agosto", da brasileira Jasmin Tenucci


C.R.

sábado, 14 de julho de 2018

"O Estranho Que Nós Amamos", de Don Siegel (1971) vs. "O Estranho Que Nós Amamos", de Sofia Copolla (2017)


É interessante, nos dias de hoje, uma obra cuja refilmagem, atual, seja mais "comportada" do que uma versão original antiga. Limitada por todo o comportamento e padrões morais de sua época, "O Estranho que nós amamos" de Don Siegel, de 1971, é muito mais contundente que a morna versão de Sofia Copolla, de 2017. A sensação que passa é a de que, propondo-se a filmar a novela de Thomas Cullinan, de 1966, e rever o clássico dos anos '70, a diretora encontrou-se diante de algo que não tinha muito a acrescentar e assim, acabou optando pela sutileza. Só que essa pretensa simplicidade acaba, em sua obra, traduzindo-se quase como pobreza diante da imponente filmagem de Don Siegel, que curiosamente não era dado a esse tipo de drama mas que foi extremamente bem-sucedido em sua incursão.
Ambos saem do mesmo ponto de partida: durante a guerra civil americana, em algum lugar no estado do Mississipi, no sul dos Estados Unidos, um soldado yankee, John McBurney, é encontrado por uma menina em um bosque e é levado ao internato do qual ela faz parte, com outras cinco garotas, uma professora e a diretora. Todas se mostram um tanto receosas em acolher um inimigo mas, de certa forma atraídas pelo sujeito, entendem que devem socorrê-lo e não entregá-lo aos regimentos locais até que se recupere de seus ferimentos. No entanto, nesse meio tempo, de convalescênça, os sentimentos das mulheres da casa vão se manifestando de maneiras diferentes em relação ao estranho e, acho que é aí que as leituras dos diretores se diferenciam.
Enquanto o original toca, de maneira direta, em temas como sexualidade, pedofilia, religião, racismo e feminismo, o último restringe-se quase que a um exame comportamental das mulheres do internato e a uma investigação de suas sensações e impressões pessoais acerca de um "corpo estranho" dentro daquele ambiente exclusivamente feminino, escondendo-se atrás de uma suposta "sutileza" para assegurar suas qualidades. Se o filme de Siegel não se furta a colocar seu personagem, Clint Eastwood, como um grande filho-da-puta, Sofia Copolla, por incrível que pareça, alivia o sujeito, quase fazendo-o uma vítima e por pouco não levando-nos mesmo a ter pena dele, condicionado, seduzido, submetido por aquelas perversas mulheres. Sim, o filme da garota Copolla parece um pequeno filme de terror em que um conciliábulo de bruxas dominam uma pobre vítima que tem o azar de ir par ali. Já o surpreendentemente ousado filme de Siegel, traz mulheres que não se intimidam mesmo diante de um canalha que está pronto para mentir para elas, comer quantas conseguir, se estabelecer, tomar o que puder e, em último caso, se nada der certo, sair com alguma vantagem. Qual é o mais feminista?
O filme de Sofia Copolla é bom! Não se engane. Minhas impressões não pretendem desvalorizá-lo. "O Estranho que Nós Amamos" de 2017 ganhou o  prêmio de melhor direção no Festival de Cannes de 2018 e isso não é pouca coisa. O problema é que o outro, o antigo, é muito melhor.

trailer "O Estranho Que Nós Amamos" (1971)



trailer "O Estranho Que Nós Amamos" (2017)

A abordagem é muito melhor (1x0). As interpretações são melhores (2x0). Clint Eastwood por Colin Farrel... (3x0). As intensidades das cenas chave são, no geral, muito mais impactantes (4x0). A fotografia é um muito superior, um show O que dizer da entrada do soldado na casa carregado pelas garotas? De McBurney observando a garota pelas venezianas? E tem a queda da escada, McBurney sendo levado para fora no final (ih, foi spoiler?) (5x0... já virou goleada!). Mas a favor do filme atual pesa que não é um filme ruim, muito longe disso e tem, sim, sues méritos e suas qualidades. Nicole Kidmann, embora não superior à ótima Geraldine Page no papel da diretora Martha, está muito bem  e isso conta a favor do filme. Além de, é claro, o prêmio em Cannes, que não é pra qualquer um e dá mais um golzinho na conta do filme de Sofia Copolla. Assim, o placar de 5x3 fica de bom tamanho e traduz melhor o que foi o jogo entre estas duas boas equipes.
A cena do jantar, momento crucial em ambas as versões.

Nós até gostamos do estranho da Sofia, mas o estranho que nós amamos mesmo é Clint Eastwood.



Cly Reis

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Festival de Cannes 2011 - Vencedores



Depois de muita exibição de glamour, estreias, flashes e polêmicas chega ao fim a edição 2011 de um dos mais importantes festivais de cinema do mundo, o Festival Internacional de cinema de Cannes.
O júri, presidido por Robert De Niro, depois de decretar a indesejabilidade da presença do suposto nazista Lars Von Trier, acabou premiando com o prêmio principal, a cobiçada Palma de Ouro, a produção norte-americana "A Árvore da Vida" de Terrence Melick ("Além da Linha Vermelha"); já o prêmio do Júri foi para o francês "Polisse" de Maiween Le Besc e a direção para Nicolas Winding Refn, pela produção americana "Drive". A Palma de ator foi para Jean Dujardin e a de atriz para Kirsten Dunst pelo polêmico "Melancolia", que aliás deveu grande parte do alvoroço ao seu redor às declarações infelizes de seu diretor, mais do que o brilho do próprio filme, pelo visto. Veja abaixo todos os vencedores da premiação francesa:

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  • Palma de Ouro: "A árvore da vida", de Terrence Malick (EUA)
  • Atriz: Kirsten Dunst, por "Melancolia
  • (Dinamarca/Suécia/França/Alemanha)
  • Ator: Jean Dujardin, por "The artist" (França)
  • Diretor: Nicolas Winding Refn, por "Drive" (EUA)
  • Roteiro: "Footnote", de Joseph Cedar (Israel)
  • Grande prêmio: empate entre "O garoto de bicicleta" (Bélgica/França), de Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne, e "Once upon a time in anatolia" (Turquia), de Nuri Bilge Ceylan
  • Curta-metragem: "Cross country" (Inglaterra), de Marina Vroda
  • Prêmio Câmera de Ouro (para diretor estreante): "Las acacias" (Argentina/Espanha), de Pablo Giorgelli
  • Prêmio de Júri: "Polisse", de Maiwenn Le Besc (França)


C.R.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

"Ataque dos Cães" , de Jane Campion (2021)

 

Deu pra ti, John Wayne
por Daniel Rodrigues

Jane Campion é uma cineasta que, mais do que somente pela qualidade de seus filmes, é por si só uma figura marcante para a história do cinema. Além de ser a segunda entre cinco mulheres nomeadas para o Oscar de Melhor Direção, foi a primeira cineasta feminina da história a receber a Palma de Ouro do Festival de Cinema de Cannes por seu marcante “O Piano”, em 1993. Mas é fato também que, guardada sua importância representativa, a talentosa diretora neozelandesa acumula bons feitos e outros nem tanto. Porém, invariavelmente voltados à visão da mulher no cinema. Desde seu primeiro e referencial “Um Anjo em Minha Mesa” (1990), que retrata a sofrida vida real da escritora Janet Frame, passando pelo inconsistente “Em Carne Viva” (2003) ou em seu celebrado “O Piano”, um dos melhores filmes dos anos 90, a figura feminina é sempre desafiada a situações as quais só mesmo uma mulher para expressar. Em “Ataque dos Cães”, seu novo filme, curiosamente, no entanto, este “lugar de fala” se desloca, visto que não é a personagem feminina quem o protagoniza. Aliás, não há um único protagonista, e isso talvez seja justamente o grande trunfo da produção, que põe Campion novamente na mira do Oscar com o filme com mais indicações em 2022, doze. Mas o longa a leva a se destacar mais uma vez, porém agora por um outro mérito, que é o de inscrever a obra numa importante ressignificação do tão simbólico - e questionável - gênero faroeste.

“Ataque...” se passa numa rústica Montana dos anos 20 em que os irmãos Phil (Benedict Cumberbatch) e George (Jesse Plemons) possuem uma das maiores fazendas da região. Quando George se casa em segredo com a viúva Rose (Kirsten Dunst), dona de uma pequena pensão em que vive com o sensível filho Peter (Kodi Smit-McPhee), a cumplicidade familiar entra em jogo. Phil, de postura rígida e sedutora, faz o possível para atrapalhar a vida de Rose e de Peter, a quem ele cria certa obsessão. Apoiado pelos vaqueiros em suas zombarias, ele não pretende parar até criar conflitos maiores. No entanto, a investida do caubói leva a rumos inesperados – principalmente, para ele próprio.

A trama, construída em capítulos – o que dá ao filme um caráter autoral a exemplo do que fizeram com propriedade Kubrick, Godard e Tarantino – vale-se dos conceitos não só da feminilidade, mas também de masculinidade e da homossexualidade para dissolver mitologias e criticar estereótipos. Em uma sociedade bruta como a do Velho Oeste dos Estados Unidos, em que os instintos se sobrepõem, principalmente a tudo que for de natureza sensível e “feminina”, Campion põe em xeque a macheza do famoso homem “durão”, bem como subjetiva a fraqueza do homossexual e, realista, não inventa nenhuma falsa imagem de uma mulher forte e corajosa diante de uma condição social irrespirável. Tempos antigos, inspirações atuais.

trailer de "Ataque dos Cães"

O longa, embora não seja genial, é muito bem engendrado, uma vez que sabe dispor os elementos narrativos econômica e gradativamente, o que mantém a atenção do espectador que venceu os primeiros 20 minutos de história e diálogos naturalmente (e propositalmente) ainda vagos. Alguns méritos são evidentes. Faroeste sem um disparo de pistola sequer, o filme consegue manter a sensação de tensão quase permanentemente – seja pelo temperamento explosivo de Phil, pela iminência da doença dos animais ou pelo mistério que as montanhas do extremo Norte dos Estados Unidos guardam. O elemento sonoro-musical é outro ponto bem tratado, quase uma chave que liga dois mundos, o selvagem e o desenvolvido, isso tanto na trilha sonora invariavelmente dissonante, assinada pelo Radiohead Jonny Greenwood, quanto nas músicas incidentais. 

Fica claro que não é por acaso que Jane escolheu o faroeste como metáfora para refletir ideologicamente a sociedade atual. Embora não seja novidade a tentativa de Hollywood de mostrar que os brutos também amam, é inegável que o gênero mais yankee do cinema representa em boa medida a ideologia que os Estados Unidos vendem ao mundo, arraigado em boa parte em concepções machistas e patriarcais. Isso explica porque o western, enquanto símbolo cultural e hipérbole dessa ideologia, tenha perdido o passo ao galopar paralela e anacronicamente com o desenvolvimento sociocultural de sua nação. Neste processo, sofreu um considerável desgaste ao longo das décadas até quase sumir das telas nos anos 80-90, salvo por um clássico temporão, "Os Imperdoáveis", de Clint Eastwood (1992) . Hoje, sua revitalização só poderia vir em forma de crítica. O protagonismo de um caubói negro na refilmagem de "Sete Homens e Um Destino" (Fuqua, 2016), a descrença na natureza humana de “A Balada de Buster Scruggs” (irmãos Coen, 2018) e a feminização do herói valentão de “Cry Macho” (Eastwood, 2021) juntam-se a “Ataque...” nessa tendência de um olhar racional e reflexivo sobre a sociedade e seus padrões. O rei está nu e não se fazem mais John Wayne como antigamente. Ainda bem.

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Cão que ladra forte
por Cly Reis

Tenho que admitir que tinha um certo preconceito quanto a filmes dirigidos por mulheres. Jane Campion era uma exceção. Desde o primeiro momento, com seu brilhante "O Piano", vencedor da Palma de Ouro em Cannes, em 1995, a diretora neozelandesa conquistou meu respeito e admiração. Agora, quando soube que seu novo filme, "Ataque dos Cães" era um faroeste fiquei bastante intrigado sobre como funcionaria um gênero tão rústico e pesado nas tão delicadas e talentosas mãos desta diretora. Certamente não poderia se tratar de um western convencional. E, efetivamente, não o é. Além de não ser exatamente um faroeste dentro dos moldes tradicionais, nem a época é exatamente a dos conflitos mais brutais e ignóbeis do oeste americano como duelos, assaltos a diligências ou corrida por ouro. "Ataque dos Cães" se passa no final dessa era sem lei, é o início da "civilização", onde há vaqueiros, há revolveres, há cavalos, mas também há  homens de terno que administram as fazendas, a caneta muitas vezes resolve mais do que a bala e o automóvel começa a dividir espaço  com as montarias, sinalizando um novo tempo.

Essa situação histórica não é em vão, não é por acaso. O faroeste de Jane Campion, adaptado do romance do escritor Tomas Savage, é estrategicamente situado nesse recorte histórico de modo a sinalizar para um novo momento no qual não há mais espaço para homens que resolvem tudo na bala. Um novo homem aparece. Na verdade sempre esteve lá, mas agora quer sair. Esse é o conflito que se estabelece em um dos protagonistas, Phil Burbank (Benedict Cumberbatch), um típico vaqueiro, rústico de maus modos e pose de machão, que, além de desaprovar a civilidade do irmão, George, homem do campo como ele, porém mais adaptado aos novos tempos e administrador dos negócio da família, briga contra si mesmo por sentimentos íntimos que, contra sua vontade, o tornam frágil, vulnerável e fazem aflorar coisas que reluta em assumir. O conflito interior se acentua quando Phil tem contato com Peter
Cumberbatch e Smth-McPhee: faroeste com requintes
de um drama sensível e perspicaz
(Kodi Smth-McPhee), filho de uma estalajadeira, Rose (Kirsten Dunst), que, para seu desgosto, cai nas graças do irmão que a pede em casamento. O jovem é sensível, talentoso, emotivo e a percepção dessas qualidades por parte do cowboy fazem com que, incapaz de lidar com sua sexualidade, nutra pelo rapaz uma séria antipatia. Por extensão à repulsa pelo garoto, e também por "roubar" seu irmão e pelo fato de, na sua visão, enfraquecer os valores de homem do campo, Phil rejeita a nova cunhada destratando-a, a fazendo sentir-se uma estranha mesmo dentro da própria casa. O filho, o jovem Peter, que não havia ido morar com o casal, num primeiro momento, aproveita o recesso das aulas para passar uma temporada em companhia da mãe em seu novo lar, dando a ela um pouco de conforto naquele território hostil. No entanto, o que era para ser algo positivo acaba sendo mais uma dor de cabeça  para Rose quando o cunhado, seu desafeto, por incrível  que pareça, acaba se aproximando de seu filho, em parte por implicância, por provocação, mas em parte, também, por ver no rapaz algo parecido consigo e, nessa proximidade, a possibilidade de se libertar e de, minimamente, ser quem desejaria ser. E é nesse quadrilátero que a diretora desenvolve seu filme com engenhosidade e sabedoria para captar e transmitir o perfil psicológico e emocional de cada um de seus personagens principais, com rara sutileza e sensibilidade.

O título em português, embora justificável, de certa maneira, é um tanto infeliz e acaba insinuando uma violência que o filme não possui, o que acaba mais repelindo do que conquistando potenciais espectadores. Sei de gente que não quis ver ainda por conta da sugestão de atrocidade que o nome carrega. Mas não precisa ter medo dos cães. O filme passa longe de ser um bang-bang, um faroeste spaghetti e muito menos um desfile de atrocidades. "Ataque dos Cães" é, na verdade, um drama familiar de quatro pontas, um exame sobre a masculinidade que, no fim das contas, acaba por nos revelar que nem sempre o cão que late mais alto é o mais perigoso. 


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Ataque psicológico
por Vagner Rodrigues


Uma certa lentidão, uma narrativa arrastada, tudo isso é muito bem compensado com um terceiro ato magnífico. Que filme, senhoras e senhores!
"Ataque dos Cães" acompanha os irmãos Phil (Benedict Cumberbatch) e George (Jesse Plemons), que são ricos proprietários da maior fazenda de Montana. Enquanto o primeiro é brilhante, mas cruel, o segundo é a gentileza em pessoa. Quando George secretamente se casa com a viúva local Rose (Kirsten Dunst), o invejoso Phil faz tudo para atrapalhá-los.
O fato do andamento ser mais arrastado e parado foi proposital, mas entendo aqueles que aproveitaram o filme em streaming para dar uma pausa, ir ao banheiro, fazer um lanche, pois realmente fica um pouco cansativo. Um dos aspectos que me tirava um pouco do filme era o modo como o personagem de Jesse Plemons foi utilizado, entrando e sando da história a todo instante. Seus momentos de interação são ótimos, mas ele acaba aparecendo bem pouco, e fiquei com a impressão de que poderia ter sido melhor aproveitado.
Já que estamos falando dos personagens, é simplesmente impossível falar do filme e não citar as grandes atuações. O elenco como um todo está inspirado. Começando pelo próprio, já citado Jesse Plemons (George) que, se por um lado é o que tem menos tempo de tela, por outro, quando aparece é cirúrgico. Poucas falas, mas muito é dito com seu olhar. Kirsten Dunst (Rose) fazia tempo que não via atuar tão bem. A dor, a confusão mental que essa mulher passa, você sente tudo. Kodi Smit-McPhee (Peter), é o segundo personagem mais importante da trama e a forma como ele muda o filme e também como cria os elos das pessoas é o que nos leva às surpresas finais. E ele, Benedict Cumberbatch, tem uma das melhores atuações de sua vida, (se bem que, para mim, ele esta sempre bem). A forma intensa que ele atua, como ela passa aquele ar do cowboy bruto, sujo, quieto, tudo muito natural em um personagem com uma presença enorme, interpretado em uma atuação magnifica.
A construção narrativa feita pelo longa é espetacular, desde como os personagens são apresentados passando por como eles vão interagindo entre eles, sendo essas interações repletas de detalhes muito bem colocados.
A fotografia exuberante de "Ataque dos Cães"

E a fotografia, se não for a melhor do ano, certamente é uma das melhores! O jeito como o cenário é construído, os enquadramentos em planos abertos, os detalhes nas composições de cena... Um esplendor.
Temos um bom trabalho na construção e desconstrução do cowboy, a forma como longa brinca com nossas expectativas nos induzindo a pensamentos, conduzindo nossa mente para um lado para o outro. Na sequência em que Phill e Peter terminam juntos de construir uma corda de laçar, por exemplo, Jane Campion cria toda uma situação cheia simbolismos e possíveis interpretações (eu tive a minha, depois me conta a sua) que nos prendem  a ela de uma maneira incrível, tal qual a tensão criada por um filme de terror psicológico.
“Ataque dos Cães” não brinca somente com o psicológico dos personagens porque, sim temos ataques psicológicos fortes no longa que são muito mais agressivos que os físicos. Não vá pensando em ver um “bang-bang”. "Ataque dos Cães" é um filme que não mexe apenas com o psicológico dos personagens, mas com o seu também.

sábado, 14 de dezembro de 2019

"A Vida Invisível", de Karim Aïnouz (2019)



Que coisa boa ver um filme desses! Ainda enquanto estava na sessão, o filme nem havia terminado ainda, e eu já estava gratificado por estar assistindo àquilo, independentemente do final que viesse a ter. "A Vida Invisível", longa-metragem do cearense Karim Aïnouz, é merecedor de todo o reconhecimento, elogios e premiações que vem recebendo. Bem dirigido, bem estruturado, de escolhas artística e estéticas acertadíssimas e roteiro extremamente bem amarrado que mantém o espectador interessado e envolvido o tempo inteiro, o filme traça os caminhos de duas irmãs extremamente ligadas uma à outra, Guida e Eurídice, que são separadas, num primeiro momento, por uma aventura amorosa inconsequente de Guida, mas sobretudo, são afastadas definitivamente pela intolerância, pela ignorância e pelo machismo. A atitude covarde do pai das garotas ao não aceitar a filha aventureira de volta, grávida, e mentir sobre o destino da outra que ficara em casa, casara e tocara sua vida em frente, faz com que, cada uma, separada da outra e ignorante da verdade, passe a imaginar a vida da outra a partir do último momento que viveram juntas e do conhecimento dos projetos que a outra tinha. Eurídice imaginando que a irmã, que fugira com um marinheiro grego, era feliz na Grécia; e Guida, que Eurídice fazia sucesso na Áustria com seu enorme talento musical ao piano. Nada disso! a verdade era bem diferente. Guida, depois de colocada na rua pelo pai, comeu o pão que o diabo amassou, se virou como deu, criou o filho e por vias avessas, acabou encontrando uma família com a bondosa Filó, com quem fora morar e criara uma amizade inabalável. Eurídice, por sua vez, casada e relegada à vida de dona de casa, é frustrada pela renúncia a seu dom artístico e, mesmo passados anos da partida da irmã, trava uma busca incansável para encontrá-la, tendo como única pista o fato de que aquela embarcara para a Europa no início dos anos 50.
As irmãs, Guida (esq.) e Eurídice (dir.),
pouco antes da fuga que começou a separá-las.
O fato do filme ser tão saboroso enquanto obra de arte, como referi no início, não faz dele, no entanto, algo leve. "A Vida Invisível" é duro, é triste, é revoltante, é forte. O filme aborda o tema da mulher na sociedade e do machismo que permeia as relações familiares desde sempre, de forma pungente sem, contudo, se tornar cansativo ou panfletário, escancarando, de maneira muito clara, o quanto o apego a velhos valores preservados em nome da família, de tradições, de costumes, de orgulho, honra, etc., podem destruir vidas, especialmente de mulheres, e mostra como esses tais "valores" eram capazes disso nos anos 50, quando se passa a trama, e deixa a reflexão para o quanto são perigosos ainda hoje.
Não há como deixar de dedicar algumas linhas à breve mas não menos importante e significativa participação de Fernanda Montenegro, na parte final do filme, interpretando Eurídice já idosa. É uma aparição relativamente curta, não são muitas falas, mas a presença dela na tela e sua interpretação, sempre precisa, abrilhantam aqueles momentos e agregam ainda mais qualidade ao filme.
"A Vida Invisível", assim como o já comentado aqui "Bacurau", é outro daqueles casos de reposta à negação à cultura que o país vem promovendo, especialmente nos últimos meses. Quanto mais a cultura apanha, mais ela responde, e em grande estilo. Depois de ser reconhecido no último Festival de Cannes com o prêmio Un Certain Regard, o filme de Karim Aïnouz é o inscrito brasileiro para a pré-seleção do Oscar de Filme Estrangeiro e, sinceramente, não acharia nenhum absurdo se entrasse entre os cinco candidatos e levasse o tão perseguido prêmio. Aí sim, com um filme feminista, vetado para exibição pelo próprio governo em órgãos públicos, seria o mais lindo tapa na cara do atual governo poderia levar. Se bem que..., provavelmente eles diriam que esse pessoal da Academia de Hollywood é tudo um bando de comunista e viado.

"A Vida Invisível" - trailer


Cly Reis


quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Oscar 2024 - Os Indicados




Pronto! Chega de especulações. Depois do Globo de Ouro, Sindicato, Critics Choice, etc., premiações que balizam e meio que alimentam as hipóteses e aumentam as apostas em relação aos indicados ao Oscar, finalmente os temos, oficialmente, os nominados pela Academia. Como era de se esperar, "Oppenheimer", de Christopher Nolan leva um caminhão de indicações (treze); "Barbie", a outra sensação da temporada, também tem bastantes indicações (oito) mas menos do que eu particularmente esperava; por mais que se reclamasse da duração, não tinha como se ignorar "Assassinos da Lua das Flores" que ficou com dez indicações; e o azarão, diante das superproduções badaladas, mas que vem ganhando reconhecimento e força, "Pobres Criaturas", do sempre intenso Yargos Lanthimos, corre por fora concorrendo também para onze categorias.

Devo admitir que, ao contrário da maioria das pessoas, não me surpreendi com a não indicação de Margot Robbie para melhor atriz por "Barbie", um papel meramente competente na minha opinião, mas não estranharia nada se a diretora Greta Gerwig tivesse seu nome entre os indicados para direção. A propósito de diretoras, Justine Triet, vencedora da Palma de Ouro em Cannes, por "Anatomia de uma Queda", é nome forte e também pode surpreender no prêmio principal, quem sabe igualando o recente "Parasita" com uma dobradinha das duas principais premiações do mundo do cinema.
No mais, imaginava que o "Napoleão" de Ridley Scott tivesse mais e melhores indicações, já prevejo histeria e gritaria das/dos leonardetes pelo fato de Leonardo DiCaprio não ter entrado para melhor ator, e celebro a indicação de Lily Gladstone para melhor atriz, a primeira indígena norte-americana a ser indicada para um Oscar.

Fique, abaixo, com todos os indicados ao Oscar 2024:

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MELHOR FILME

• American Fiction

• Anatomia de uma Queda

• Barbie

• Os Rejeitados

• Assassinos da Lua das Flores

• Maestro

• Oppenheimer

• Vidas Passadas

• Pobres Criaturas

• A Zona de Interesse


MELHOR DIREÇÃO


• Justine Triet, por Anatomia de uma Queda

• Martin Scorsese, por Assassinos da Lua das Flores

• Christopher Nolan, por Oppenheimer

• Yorgos Lanthimos, por Pobres Criaturas

• Jonathan Glazer, por A Zona de Interesse


MELHOR ATOR


• Bradley Cooper, por Maestro

• Colman Domingo, por Rustin

• Paul Giamatti, por Os Rejeitados

• Cillian Murphy, por Oppenheimer

• Jeffrey Wright, por American Fiction



MELHOR ATRIZ

• Annette Bening, por NYAD

• Lily Gladstone, por Assassinos da Lua das Flores

• Sandra Hüller, por Anatomia de uma Queda

• Carey Mulligan, por Maestro

• Emma Stone, por Pobres Criaturas


MELHOR ATOR COADJUVANTE

• Sterling K. Brown, por American Fiction

• Robert De Niro, por Assassinos da Lua das Flores

• Robert Downey Jr., por Oppenheimer

• Ryan Gosling, por Barbie

• Mark Ruffalo, por Pobres Criaturas


MELHOR ATRIZ COADJUVANTE

• Emily Blunt, por Oppenheimer

• Danielle Brooks, por A Cor Púrpura

• America Ferrera, por Barbie

• Jodie Foster, por NYAD

• Da'Vine Joy Randolph, por Os Rejeitados


MELHOR ROTEIRO ORIGINAL

• Justine Triet & Arthur Harari, por Anatomia de uma Queda

• David Hemingson, por Os Rejeitados

• Bradley Cooper & Josh Singer, por Maestro

• Sammy Burch, por Segredos de um Escândalo

• Celine Song, por Vidas Passadas


MELHOR ROTEIRO ADAPTADO

• Cord Jefferson, por American Fiction

• Greta Gerwig & Noah Baumbach, por Barbie

• Christopher Nolan, por Oppenheimer

• Tony McNamara, por Pobres Criaturas

• Jonathan Glazer, por A Zona de Interesse


MELHOR ANIMAÇÃO

• O Menino e a Garça

• Elementos

• Nimona

• Meu Amigo Robô

• Homem-Aranha: Através do Aranhaverso



MELHOR FILME INTERNACIONAL


Io Capitano (Itália)

• Perfect Days (Japão)

• A Sociedade da Neve (Espanha)

• The Teacher's Lounge (Alemanha)

• A Zona de Interesse (Reino Unido)


MELHOR DOCUMENTÁRIO


• Bobi Wine: The People's President

• The Eternal Memory

• Four Daughters

• To Kill a Tiger

• 20 Days in Mariupol


MELHOR DOCUMENTÁRIO EM CURTA-METRAGEM


• The ABCs of Book Banning

• The Barber of Little Rock

• Island in Between

• The Last Repair Shop

• Nai Nai & Wai Po


MELHOR CURTA-METRAGEM


• The After

• Invincible

• Knight of Fortune

• Red, White & Blue

• The Wonderful Story of Henry Sugar


MELHOR CURTA-METRAGEM DE ANIMAÇÃO

• Letter to a Pig

• 95 Senses

• Our Uniform

• Pachyderme

• War is Over (inspired by the music of John & Yoko)


MELHOR TRILHA SONORA


• Laura Karpman, por American Fiction

• John Williams, Indiana Jones e a Relíquia do Destino

• Robbie Robertson, por Assassinos da Lua das Flores

• Ludwig Göransson, por Oppenheimer

• Jerskin Fendrix, por Pobres Criaturas


MELHOR CANÇÃO ORIGINAL

• "The Fire Inside" (Flamin' Hot)

• "I'm Just Ken" (Barbie)

• "It Never Went Away" (American Symphony)

• "Wahzhazhe (A Song for My People)" (Assassinos da Lua das Flores)

• "What Was I Made For?" (Barbie)


MELHOR SOM


• Resistência

• Maestro

• Missão: Impossível - Acerto de Contas

• Oppenheimer

• A Zona de Interesse



MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO

• Sarah Greenwood, por Barbie

• Jack Fisk, por Assassinos da Lua das Flores

• Arthur Max, por Napoleão

• Ruth De Jong, por Oppenheimer

• Shona Heath, por Pobres Criaturas


MELHOR FOTOGRAFIA

• Edward Lachman, por El Conde

• Rodrigo Prieto, por Assassinos da Lua das Flores

• Matthew Libatique, por Maestro

• Hoyte van Hoytema, por Oppenheimer

• Robbie Ryan, por Pobres Criaturas


MELHOR CABELO E MAQUIAGEM


• Golda

• Maestro

• Oppenheimer

• Pobres Criaturas

• A Sociedade da Neve


MELHOR FIGURINO


• Jacqueline Durran, por Barbie

• Jacqueline West, por Assassinos da Lua das Flores

• Janty Yates, por Napoleão

• Ellen Mirojnick, por Oppenheimer

• Holly Waddington, por Pobres Criaturas


MELHOR MONTAGEM


• Laurent Sénéchal, por Anatomia de uma Queda

• Kevin Tent, por Os Rejeitados

• Thelma Schoonmaker, por Assassinos da Lua das Flores

• Jennifer Lame, por Oppenheimer

• Yorgos Mavropsaridis, por Pobres Criaturas


• MELHORES EFEITOS VISUAIS

• Resistência

• Godzilla Minus One

• Guardiões da Galáxia Vol. 3

• Missão: Impossível - Acerto de Contas

• Napoleão


C.R.