"Podem estar certos que os Kinks não lançarão nada a menos que gostem."
Brian Sommerville,
do texto da contracapa do disco de 1964.
Outro daqueles casos dos que não vieram com a mudança.
Meu irmão tinha o "Kinks" (1964) em cassete em Porto Alegre, aí quando vim pro Rio, eu trouxe o que podia mas sem desfalcar muito a discoteca dele. Chegando aqui tive que refazer boa parte da minha coleção e foi uma longa recontrução. Mas como eram muitas coisas que tinha deixado tive que eleger prioridades e nessas o Kinks acabou ficando pra trás. Me contentava em ter "You Really Got Me" no MP3 e era isso... Cara! Onde é que eu tava com a cabeça?
Acabei de readquirí-lo e sua nova audição, depois de alguns anos sem ele, só me fizeram admirá-lo mais ainda. Álbum genial e extremamente influente pro rock contemporâneo.
Além do já mencionado clássico, pesado e sujo, "You Realy Got Me" que dava nome à edição americana do álbum, também são incríveis as versões pra Chuck Berry, "Beautifull Delilah" e "Too Much Monkey Business"; a cover enloquecida de Bo Diddley, "Cadillac"; o gospel cáustico de "Bald Headed Woman"; o blues selvagem "Got Love if You Want It" com aquela bateria alta e uma condução notável da harmônica de Davies; e a ótima "I'm a Lover not a Fighter", a minha predileta depois de "You Really Got Me".
Como foi que eu pude ficar tanto tempo sem esse disco?
****************************** FAIXAS: 1."Beautiful Delilah" – 2:06 2."So Mystifying" – 2:55 3."Just Can't Go to Sleep" – 1:57 4."Long Tall Shorty" – 2:51 5."I Took My Baby Home" – 1:47 6."I'm a Lover Not a Fighter" – 2:05 7."You Really Got Me" – 2:14 8."Cadillac" – 2:44 9."Bald Headed Woman" – 2:42 10."Revenge" – 1:30 11."Too Much Monkey Business" – 2:15 12."I've Been Driving On Bald Mountain" – 2:07 13."Stop Your Sobbing" – 2:05 14."Got Love If You Want It" – 3:45
É pura mentira, mas se um dia Elvis Presley refletisse sobre o seu legado para o futuro do rock ‘n’ roll,
ele almejaria que se criasse um som de raiz, usando instrumentações e timbres
típicos do rock genuíno, porém que se evoluísse naquilo que fizeram precursores
como ele, Little Richard, Jerry Lee Lewis, Johnny Cash, Chuck Berry e cia.. A música ambicionada pelo Rei haveria de conter, além desses predicados, melodias
belas e bem elaboradas, referenciando não apenas a ele e seus companheiros de primeiros
anos, mas a outras vertentes que o rock ganharia a partir de então – o country-rock, o punk, o hard-rock, a new wave, o folk-rock, o shoegaze.
Ah! E também não abriria mão de ser uma música bem tocada e bem cantada, com um
vocal afinado e de timbre apreciável (consciente, dispensaria que fosse
necessariamente o vozeirão dele).
Até que, 40 anos depois de inaugurar o estilo mais subversivo, popular
e eletrizante da história da música, Elvis, do auge do seu trono em que se
senta lá em cima, veria os rapazes da Grant
Lee Buffalo lançarem seu primeiro disco: “Fuzzy”. Estava ali o que ele esperava! Pondo o vinil pra tocar em seu toca-discos
celeste, os primeiros sons que Elvis ouviria são de uma introdução ligeira da
bateria na caixa com escovinhas, herdada do jazz
swing e ao estilo do rock que ele inventara. “Que beleza! É isso aí, rapaziada!”, vibrou. Ele está escutando “The
Shining Hour”, um rockabilly matador em
que a banda de Los Angeles liderada por Grant Lee Phillips – juntamente com Paul
Kimble, baixo, e Joey Peters, nas baquetas – apresenta de cara as qualidades
que fazem de “Fuzzy” o disco que é: a influência direta do blues, a prevalência
da sonoridade acústica, simplicidade nos arranjos (não há nenhum sopro ou
cordas de orquestra) e o espírito desafiador do bom e velho rock ‘n’ roll. Embalada, “The Shining
Hour” conta ainda com um piano, como a letra diz, saído de um “salão de
bilhar azul de Monterey”, que sola lá pelo meio e ainda a desfecha numa
nota grave e impositiva.
Em “Jupiter and Teardrop”, balada lindíssima em que Phillips, se já
tinha mostrado suas habilidades vocais na primeira faixa, aqui, ele
impressiona. Principalmente nos momentos de maior emotividade, a qual a canção
vai ganhando à medida que se desenrola. Esse clima é ampliado pelas guitarras
que, rosnantes, aparecem pela primeira vez no disco para comporem junto com a
base do violão 12 cordas um clima carregado e melancólico. A letra acompanha a
sonoridade, contando a triste história de um casal cujo rapaz, Teardrop, encrencado
com a polícia, está prestes a ser preso novamente, forçando a distanciar-se de
sua Jupter. ”Apenas uma garota que não
pode dizer não/ E seu namorado em liberdade condicional/ Seus pais lhe deram o
nome de Jupiter/ Para abençoá-la com uma alma de sorte/ Ele é um garoto que
nunca chorou/ Quando eles o prenderam lá dentro/ E ela o apelidou de ‘Lágrima’/
Para fazer uma tatuagem de seu olho.” Ela sonha com filhos e casamento, mas
teme que o pior aconteça antes do esperado: “O
telefone toca/ É para ela/ ‘Tenho que ver você, Jupiter’/ ‘Estou com problemas
com a lei’/ ‘Traga minha calibre 38’.” Uma crônica urbana romântica e de
final trágico.
Talvez a melhor da banda, se não, seu maior sucesso – o que para um
grupo alternativo como eles é algo considerável –, a faixa-título é outra
balada com estrutura semelhante à anterior (base no violão, guitarras
intensificando o clima semiacústico, tom tristonho), visto que ganha
emotividade conforme avança. “Fuzzy”, no entanto, traz um refrão absolutamente
tocante, em que Phillips, mais uma vez explorando suas qualidades de canto,
lança falsetes para dizer com sentimento: “I've
been lied to/ Now I'm fuzzy” (“Eu tenho mentido/ Agora estou confuso”). Em
seguida, “Wish You Well”, com uma base de guitarra bem interessante, é mais
pesada mas sem deixar de ser bastante melodiosa. Realce para a interessante
linha de bateria, forjada em pequenos rolos no surdo com a caixa.
“The Hook”, totalmente acústica, é uma bela canção em que tudo funciona
com perfeição: violão de cordas de aço, baixo acústico, bateria nas escovinhas
e a voz ora deslizante ora impregnada de Phillips. Outro destaque do disco é “Soft
Wolf Tread”, que inicia só na voz e frases do violão para, em seguida, explodir
em peso e fúria. Assim é também “America Snoring”: melodiosa mas permeada pela
distorção das guitarras e por uma bateria alta, pericialmente amplificada na
produção assinada pelo próprio Kimble.
O piano estilo country volta
na excelente “Dixie Drug Store” em que, por óbvio, homenageia o bluesman Willie Dixon mas, igualmente,
referencia a ligação intrínseca que o blues tem com a música folk, tal como outro bluesman, Muddy Waters, fizera no
clássico “Folk Singer”, de 1959 – disco em que, não coincidentemente, Dixon
produz e toca. Aqui, Phillips manda ver mais uma vez nos falsetes, os quais
incorpora de forma muito natural ao próprio timbre. Com essa, Elvis deve ter
ficado arrepiado. “Stars n' Stripes”, delicada, é talvez a mais fraca do álbum,
o que nem de longe tira a graça do trabalho como um todo.
E é justamente essa característica que desfecha “Fuzzy”: graça. Afinal,
“Grace”, penúltima faixa, seguindo o mesmo conceito de “The Hook”, que revela a
leveza d’”a rocha”, contrariamente, traz agora a densidade da “clemência”. Imagino
que para alguém que morava numa mansão chamada Graceland deve ter sido uma
feliz surpresa ouvir esse tema. “You Just Have to be Crazy”, baixando novamente
os ânimos, finaliza o álbum com a mesma pegada acústica e doce já apresentada
em vários momentos. A bela letra que diz: “Você
apenas tem que ser louco, não você/ Você apenas tem que estar fora de sua
mente/ Você apenas tem que ser louco, não você/ Você apenas tem que ser/
Verdade ou não/ Verdade ou não.”
Com todo respeito que tem a seus súditos Neil Young, Bob Dylan, John Lennon, Raul Seixas, Robbie Robertson, Jimmy Page, Elton John, Renato Russo, Elvis Costello, Johnny Thunders e mais centenas e centenas de roqueiros e
não-roqueiros mundo afora, Elvis Presley – na minha invencionice apaixonada –,
deu seu troféu para a Grant Lee Buffalo por “Fuzzy”. Foi neste disco que ele
identificou aquilo que imaginava que sua música um dia chegaria a ser:
sofisticada mas popular e pungente. Dá pra enxergar Elvis tirando dos ouvidos
seu fone dourado, recostando-se no trono e dizendo emocionado: “Muito bem, rapazes! Aprenderam direitinho. Obrigado”.
Dia desses, arrumando minha coleçãozinha de blues e topando com meus CD's de Muddy Waters e Howlin' Wolf acabei lembrando de um filme muito legal e que nenhum fã de blues pode deixar de assistir. Trata-se de "Cadillac Records, filme da diretora norte-americana Darnell Martin, que de forma apaixonante apresenta a formação do blues de Chicago nos anos 50 e a criação da Chess Records, selo que foi berço de grandes nomes do gênero contribuindo para a divulgação e popularização do estilo e de seus praticantes pelos Estados Unidos.
O filme centra-se mais na figura de Muddy Warters, sua descoberta, sua ascensão, seu sucesso e seus conflitos amorosos e musicais, mas também destaca Howlin' Wolf e sua rivalidade com Muddy; um neguinho chamado Chuck Berry que misturava blues com "música de brancos", o alcoolismo do gaitista Little Walter e seu estilo inovador no instrumento e no estúdio; o talento e o affair de Etta James, com o chefe, Leonard Chess; e até um certo grupo inglês chamado Rolling Stones.
"Cadillac Records tem momentos tristes, alegres, divertidos, emocionantes, trágicos e conta com interpretações extremamente competentes como a de Jeffrey Wright como Muddy, intensas como a de Eammon Walker na pele de Wolf, e surpreendentes como a de Beyoncé (olha só!) vivendo Etta James. Adrien Brody é que está meio insosso como Leonard Chess mas nada que seja suficiente para fazer alguém não gostar do filme por causa disso.
Mas e o Cadillac? O que é que o Cadillac tem a ver com tudo isso? Foi o presente de Chess para Muddy, seu primeiro contratado, assim que alcançaram o primeiro grande sucesso. Depois disso todos que emplacavam um grande hit passaram a querer o seu. Tornara-se uma tradição na gravadora e aí só dava "crioulo" transitando de Cadillac nas barbas da sociedade racista dos anos 50. Teriam que engolir a "negrada". Ah, teriam. E aquilo era só o início.
Os irlandeses da U2, no topo da lista, em foto de Anton Corbjin da época de "Bad"
Sabe aquela música de um artista pop que você escuta e se
assombra? E o assombro ainda só aumenta a cada nova audição? “Caramba, que som
é esse?!”, você se diz. Pois bem: todas as décadas do rock – principalmente a
partir dos anos 60, quando as variações melódico-harmônicas se multiplicaram na
reelaboração do rock seminal de Chuck Berry, Little Richard e contemporâneos – são
repletas de músicas assim: clássicos imediatos. Mas por uma questão de autorreconhecimento, aquelas
produzidas nos anos 80 me chamam bastante a atenção. É desta década que mais
facilmente consigo enumerar obras desta característica, as que deixam o ouvinte
boquiaberto ou, se não tanto, admirado.
Conseguiu entender de que tipo de música estou falando?
Creio que talvez precise de maior elucidação. Bem, vamos pela didática das duas
maiores bandas rock de todos os tempos: sabe “You Can´t Always Get What You
Want”, dos Rolling Stones, ou “A Day in the Life”, dos Beatles? É esta
espécie a que me refiro: podem não ser necessariamente as músicas mais consagradas
de seus artistas, nem grandes hits, mas são, inegavelmente, temas grandiosos, emocionantes,
que elevam. Você pode dizer: “mas têm outras músicas de Stones ou Beatles que
também emocionam, também são grandes, também provocam elevação”. Sim, concordo.
Porém, estas, além de terem essa característica, parecem conter em sua gênese a
ideia de uma “grande obra”. Dá pra imaginar Jagger e Richards ou Lennon e
McCartney – pra ficar no exemplo da tabelinha Beatles/Stones – dizendo-se um
para o outro quando compunham igual Aldo, O Apache em "Bastardos Inglórios": “Olha, acho que fizemos nossa obra-prima!”
Quer mais exemplos? “Lola”, da The Kinks; “Heroin”, da Velvet Underground; “Marquee Moon”, da Television; "We Are Not Helpless", do Stephen Stills; "Kashmir", da Led Zeppelin. Sacou? Todas elas têm uma integridade especial, uma alma mágica, algo de circunspectas, quase que um selo de "clássica".
Pois bem: para ficar claro de vez, selecionamos, mais ou menos em ordem de preferência/relevância, as 30 músicas do pop-rock internacional dos anos 80 as quais reconhecemos esse caráter. Para modo de poder abarcar o maior número de artistas, achamos por bem não os repeti, contemplando uma música de cada - embora alguns, evidentemente, merecessem mais do que apenas uma única indicada, como The Cure, U2 e The Smiths. Haverá as que são mais conhecidas ou mais obscuras; as que, justamente por conterem certo tom épico, se estendem mais que o normal e fogem do padrão de tempo de uma "música de trabalho"; artistas de maior sucesso e outros de menor alcance popular; músicas que inspiraram outros artistas e outras que, simplesmente, são belas.
E desculpe aos fãs, mas, claro, muita gente ficou de fora, inclusive figurões que emplacaram superbem nos anos 80, como Michael Jackson, Elton John, Bruce Springsteen e Queen. Até coisas que adoraria incluir não couberam, como “Hollow Hills”, da Bauhaus, “Hymn (for America)”, da The Mission, "51st State", da New Model Army, "Time Ater Time", da Cyndi Lauper, "Byko", do Peter Gabriel, "Up the Beach", da Jane's Addiction, "Pandora", da Cocteau Twins, "I Wanna Be Adored", da Stone Roses... Mas não se ofendam: tendo em vista a despretensão dessa listagem, a ideia é mais propositiva do que definidora. Mas uma coisa une todos eles: criaram ao menos uma música diferenciada, daquelas que, quando se ouve, são admiradas de pronto. Aquelas músicas que se diz: “cara, que musicão! Respeitei”.
"Éramos apenas garotos, mas éramos sérios no nosso trabalho.
O ponto é que quando lhe é dada a chance,
você faz o seu melhor (...)
Eu não gostava de vocais de segunda categoria.
Era o melhor ou nada, na minha opinião.
Os garotos pegaram a ideia."
Brian Wilson
A maioria das pessoas prefere os Beach Boys mais elaborados e eruditos que chegaram a rivalizar com os Beatles em refinamento compositivo, mas particularmente, embora reconheça todo o valor de obras como "Smiley Smile" e da obra-prima "Pet Sounds", mesmo sob o risco de ser rotulado de ignorante, ainda sou mais a pureza quase juvenil da fase surf. E poucos discos podem representar tão bem esta fase quanto "Surfin' USA", álbum que traz um dos hinos da turma das ondas e um dos maiores clássicos do rock de todos os tempos, a música que lhe dá o nome. É verdade que a canção é uma bela duma cópia de "Sweet Little Sixteen", o que, por sinal, rendeu um belo processo contra a banda e a obrigação de creditar posteriormente o velho Chuck Berry na composição, mas podemos interpretar que, na verdade, "Surfin' USA" talvez tenha sido a oportunidade divina que fora concedida para que pudesse ocorrrer a combinação entre o pai do rock e uma das mentes mais geniais e criativas do mundo da música.
"Surfin' USA" é mais primário, mais cru, é verdade mas traz consigo uma espécie de tradução de um espírito de juventude e aventura que o surf carrega naturalmente e uma sonoridade e postura mais efetivamente roqueira do que adotada por eles mais adiante. Mas não se engane achando que essa crueza reflete em pouca qualidade. Brian Wilson desde sempre já demonstrava sua qualidade de arranjador e instrumentista e o disco já revela grandes virtudes compositivas e técnicas.
Cinco das faixas de "Surfin' USA" são instrumentais, algo muito característico nas bandas de surf music da época, todas elas naquele estilo bem característico, com aquela tradicional guitarra vibrante dobrada e trêmula. Destaque para a notável "Misirlou" de Dick Dale que viria a ser definitivamente imortalizada mais tarde por sua inclusão na tilha do filme "Pulp Fiction", mas dentre estas também merecem destaque a excelente "Stoked" um pouco mais cadenciada, e "Surf Jam", simplesmente selvagem. Das demais gosto muito da balada "The Lonely Sea", de vocal incrível de Brian Wilson; da ótima "Shut Down" que narra um tíico racha automobilístico entre jovens; e de "Finders Keepers" de arranjos vocais interessantíssimos que já prenunciavam que aqueles garotos da praia não estavam destinados a ficar apenas por alí pegando onda.
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Em mais uma destas tantas listas que aparecem por aí, o site Music Radar, promoveu uma eleição entre os leitores sobre o Melhor riff de guitarra de todos os tempos. Pra quem não sabe, o riff é praticamente como se fosse a assinatura da música. Aquela melodia básica que quando toca você já identifica a música, a banda ou uma época.
Os leitores da Musica Radar botaram "Voodoo Child" do Hendrix no topo. Na minha opinião não diria que é "O RIFF" mais marcante. Do prórpio Hendrix eu escolheria por exmplo "Purple Haze" que aparece lá atrás na 22° posição. Mas verdadeiramente, a minha preferida no quesito é "Smoke on the Water" que para mim é quase um sinônimo de rock'nroll e que qualquer um cantarola entre os dentes imitando a distorção.
Destaco também na lista deles a inclusão justa, mas para mim inesperada pela atualidade, de "Seven Nation Army" dos White Stripes, provavelmente um dos riffs mais marcantes dos últimos tempos.
Eis aí os 25 melhores da Music Radar:
1 - "Voodoo child", Jimi Hendrix 2 - "Sweet child o' mine", Guns N' Roses
3 - "Whole lotta love", Led Zeppelin
4 - "Smoke on the water", Deep Purple
5 - "Layla", Derek and the Dominos
6 - "Back in black", AC/DC
7 - "Enter sandman", Metallica
8 - "Day tripper", The Beatles
9 - "Smells like Teen Spirit", Nirvana
10 - "(I can't get no) satisfaction", The Rolling Stones
11 - "Paranoid", Black Sabbath
12 - "Plug in baby", Muse
13 - "Ain't talkin' 'bout love", Van Halen
14 - "You really got me", The Kinks
15 - "Seven nation army", The White Stripes 16 - "Highway to hell", AC/DC
17 - "Heartbreaker", Led Zeppelin
18 - "Iron man", Black Sabbath
19 - "Black dog", Led Zeppelin
20 - "Beat it", Michael Jackson
21 - "Paperback writer", The Beatles
22 - "Purple haze", Jimi Hendrix
23 - "Whole lotta Rosie", AC/DC
24 - "Johnny B Goode", Chuck Berry
25 - "Sad but true", Metallica
"Poucos compositores deste século souberam expressar a profunda dor da solidão e da saudade por causa do amor tão sombria e docemente como Hank Williams"
Matt Johnson, The The
Conheci Hank Wiliams através do The The. Seu líder e homem-banda, Matt Johnson, resolveu homenagear o lendário cantor country com a gravação de um álbum só com versões e releituras das músicas de Hank, chamado "Hanky Panky". Matt já havia feito um música numa linha mais country para a trilha do filme "O Juiz" e me deixara uma boa impressão, despertando alguma curiosidade quanto ao que poderia na matéria que se propunha então. Ouvi o "Hanky Panky" do The The, gostei bastante e fiquei bastante curioso a partir disso para ouvir, então, o verdadeiro, o original, uma vez que ouvira muito falar a respeito dele mas nunca havia escutado suas músicas interpretadas por ele mesmo. Até porque o astro country dos anos 40 e 50, tinha a fama de ser maldito, marginal e muito rock'n roll antes mesmo do termo ser efetivamente abençoado por Chuck Berry.
O disco que destaco aqui é um dos poucos dos quais falo nesta seção que não tenho. Ouvi e tenho, na verdade uma coletânea com todos os grandes sucessos do cantor chamada "Hank Willliamms 40 Greatest Hits", mas como o legal aqui é destacar sempre uma obra concebida, seu contexto histórico, suas circunstâncias de produção, etc., aponto como Fundamental o "Memorial Album", terceiro disco de Williams e contentor de alguns de seus grandes sucessos como "Move it on Over e "Your Cheatin' Heart".
"Move it on Over" é uma canção descontraída, alegre, conduzida por um violino e cantada naquela voz anasalada de Williams com uns propositais falseamentos de 'rouquidão' que já eram tradicionais nas suas interpretações; divertida também é a grande "Hey, Good Lookin'", fronteira entre o country, o blues e o rock; "Your Cheatin' Heart" ainda, até hoje, persiste como uma das mais belas baladas já feitas e ganhou posteriormente versão de Elvis Presley; e "You Win Again", brilhante, teve versão gravada pelos Stones presente nos extras do álbum "Some Girls" .
"Cold, Cold Heart", outra balada, tem outra interpretação marcante ; "Half as Much" e "I Could Never Be Ashamed of You", também lentas, de dor-de-cotovelo, fazem o estilo bem campeiro característico; e "a ótima "Kaw-Liga", bem rock'n roll no conceito, tem uma batida indígena forte e marcada acompanhada por um violino.
Influência evidente para artistas como os já citados Elvis e Rolling Stones , além de outros como Bob Dylan, Neil Young, Johnny Cash, The Smiths entre tantos outros, Hank Williams, ali por aquele final de anos 40 representava mais um passinho que a música dava em direção ao que seria o rock'n roll.
"John Lee Hooker é um daqueles caras que sabe o que é ter o blues, e como mostrá-lo. A prova de que ele pode fazer isso com estilo individual, força dramática e balanço crescente pode ser comprovado nesta coletânea, que deve ser considerada como um dos grandes álbuns de blues dos últimos anos."
nota da contracapa do LP origianl de 1959
A voz rouca, o estilo quase falado de cantar, a marcação com o pé, um blues ao mesmo tempo primário e sofisticado, todas estas são marcas registradas de John Lee Hooker, uma das maiores lendas do blues e um dos músicos mais influentes de todos os tempos. Em 1959 esse cara lançava seu primeiro álbum, "House of the Blues", na verdade, uma coletânea de gravações avulsas realizadas de 1951 a 1955, com algumas faixas impressionantemente muito bem produzido e mixadas para os recursos da época, o que, de forma alguma, pelo bom aparato técnico, fazia perder a característica bem 'raiz', da música do cantor.
Como cartão de visitas, o disco abre com "Walkin' the Boogie ", um blues elétrico, experimental, que um ouvinte menos avisado poderia tranquilamente confundir com Jimmi Hendrix, e que revela bem essa ambiguidade entreo apro técnico e crueza. Também é exemplo de boa produção, a ótima "It's My Fault" com seus efeitos na voz e na guitarra e acompanhamento de piano ao fundo.
"Union State Blues", com seu solo insistente de guitarra; a belíssima "Sugar Mama" e a ótima "Louise" fazem a linha mais tradicional do cantor, em canções mais básicas, mais cruas, no modelo voz, guitarra, e marcação.
Ainda valem destaque a boa "Rumblin' by Myself" que inicia já com aquele 'mugido' característico de Hooker; o show do violão no blues acústico "Grounfd Hog Blues"; o bles/rock embalado "High Priced Woman"; e o rock'n roll de beira de estrada, quase à Chuck Berry, "Women and Money", que fecha a conta.
Grande disco de blues/rock que sempre tive vontade de ter e que, dia desses, passando pelos usados de uma loja que frenquento, dou de cara. "Ôpa! Só se for agora". Mais um ÁLBUNS FUNDAMENTAIS para a prateleira. Tá lá.
“Gozação com alegria e contemplação particular. A The Sonics capturou o espírito dessas duas atmosferas na contribuição para o álbum”.
“Em ‘Christmas Album’, eles [The Wailers] capturaram o clima que desejavam: a sensação de Natal em um novo estilo”.
“A The Galaxies expressa sons frescos e velozes como a neve do Natal”
Textos da contracapa do disco
Convenhamos: não é todo mundo que gosta de Natal. Talvez até mais pessoas que se suspeite, porque tem um monte das que verbalizam não gostarem e aquelas que se entristecem nessa época, resgatando tudo de ruim que aconteceu na vida inteira assim que dezembro entra. Quem não tem um parente ou amigo assim, que jogue a primeira pedra. Pois foi celebrando essa desconformidade, esse descompasso com as festas natalinas que o selo alternativo norte-americano Etiquette Records lançou, em 1965, “Merry Christimas”, o qual reúne faixas de três grupos de seu cast: The Sonics, The Wailers e The Galaxies.
No álbum “descomemorativo” está a raiz daquilo que se fortaleceria a partir de então nos EUA e na Inglaterra: as garage bands. Psicodélicas e arraigadas no rock e no blues, elas passariam a ser chamadas de proto-punk anos mais tarde por terem aberto caminho – mesmo sem saberem que estavam fazendo isso – para que Sex Pistols, Ramones, The Clash, Dead Boys, Buzzcocks e outras reivindicassem de vez a anarquia punk. Pois as três bandas de “Merry...”, juntamente com contemporâneas como The Chocolate Watchband, The Seeds, Deviants, The Troggs, Monks e outras, já criavam, quase uma década antes da onda punk explodir em Nova York e Londres, um som inconformado, agressivo e fora dos padrões da grande indústria. O pop-rock eles deixavam para os astros Beatles, Rolling Stones, Byrds e cia. Eles queriam mesmo era dar sua mensagem de contrariedade e fazer barulho. Muito barulho. Filhos dos mesmos traumas e transformações sociais do pós-Guerra, cabia a eles escancarar o grito contra o establishment. Nada mais apropriado para se criticar, então, do que um dos símbolos do capitalismo: o Natal.
Nessa, sobrou, claro, para o Papai Noel. A desavença com o Bom Velhinho fica clara na primeira faixa: “Santa Claus”, dos Sonics. Na letra, o jovem roqueiro cheio de ilusões pergunta: “Papai Noel, onde você tem andado?/ Eu estive esperando aqui apenas para deixá-lo entrar/ Sim, Papai Noel, o que você tem nas suas costas?/ Existe algo para mim que dentro de saco?/ Eu quero um carro novo, uma guitarra twangy/ uma pequena bonita e muito dinheiro/ Papai Noel, você não vai me dizer, por favor?/ O que você vai colocar debaixo da minha árvore de Natal?”. A resposta não poderia ser mais insensível e decepcionante. “E ele simplesmente disse:/ "Nada, nada, nada, nada.” Suficiente para suscitar a fúria juvenil. A guitarra fuzz rosnando, o riff básico quase "pogueante" e o jeito indolente de cantar do vocalista Gerry Rosie mostram o quanto a batata (ou o peru) do Papai Noel assou.
Num tom de rock embalado e romântico, a The Wailers vem com sua primeira do disco: “She's Comin' Home", em que o rapaz está implorando à garota para que volte para casa no Natal. A The Galaxies, por sua vez, abre a participação numa versão apimentada de "Rudolph the Red Nosed Reindeer", clássico do cancioneiro infanto-natalino, dando-lhe um ritmo entre a surf e o country rock.
A The Wailers não só retoma o country ao estilo Bob Dylan na batida de violão encorpada e na sonoridade “rancheira”, como também a contrariedade ao “espírito natalino”. É "Christmas Spirit??", assim mesmo, com DUAS interrogações. O órgão mantém-se permanente, enquanto a letra critica, já naquela época, o consumismo da sociedade moderna que engole a todos no Natal: “Entre numa fila/ Compre uma grande bola de barbante/ Qualquer coisa que você possa colocar em suas mãos/ Não importa o que você dá/ Só tenho que pegar um presente/ Não sabe o que você está dando/ A única coisa que conta é a marca e o valor/ Que vem de uma loja cara”.
Irascíveis, os Sonics voltam à carga contra o Papai Noel. Lembram do desaforo que ele fez deixando o cara na mão na música de abertura? Pois “The Village Idiot” é diretamente em homenagem a ele, o “Idiota da Aldeia”. Irônicos, dizem: “Como é divertido rir e cantar/ A canção hoje à noite num trenó”. A famosa melodia de “Jingle Bells” é totalmente avacalhada pela debochada turma. Gritos e alaridos de chacota acompanham o órgão, que desenha os acordes enquanto a bateria castiga as caixas e o bumbo. Tudo com doces sininhos tinindo ao fundo. Um desavisado poderia dizer tranquilamente que se trata de uma faixa de “The Great Rock ‘n’ Roll Swindle”, dos Sex Pistols, de 1979, haja vista a semelhança, inclusive, da galhofa de “Friggin’ in the Riggin’”. Subversiva ao extremo.
Cabe aos Sonics dar sequência, ou seja, uma nova pedrada: “Don't Believe in Christmas". Precisa dizer mais alguma coisa? Precisa. Olha a letra: “Bem, mamãe e papai disseram que podíamos/ Então eu fiz o que deveria/ Eu pendurei minha meia em uma parede/ Eu não entendi nada/ Porque eu não recebi nada no ano passado/ Bem, ficando acordado até tarde/ Para ver Santa Claus voar/ Bem, com certeza você não sabe/ O gordo não apareceu”. Como se vê, o velho furão frustrou a Noite Feliz da galera mais uma vez. Com refrão pegajoso e ritmo alucinante, daqueles que dá vontade de entrar numa roda punk, lembra a versão de “Too Much Monkey Business”, de Chuck Berry, feita pelos pais das garage bands, a The Kinks.
Depois disso, Wailers e Galaxies intercalam as quatro últimas faixas: as baladas "Please Come Home for Christmas" e “Christmas Eve”, ambas da Galaxies; e "Maybe This Year" e "The Christmas Song", da Wailers, que também apostam em duas canções açucaradas para terminar a coletânea. Afinal, a mensagem já estava dada. Entendem agora quando os Garotos Podres cantam: “Papai Noel, velho batuta/ Aquele porco capitalista”? Pois é, a primeira pedra estava lançada lá, em 1965, por estes heróis da contracultura. Nada mais rock ‘n’ roll do que um Natal de contestação.
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FAIXAS: 1 – "Santa Claus"- The Sonics (Gerald Roslie) - 2:49 2 - "She's Coming Home" – The Wailers (K. Morrill/R. Gardner) - 2:55 3 - "Rudolph The Red Nosed Reindeer" - The Galaxies (Johnny Marks) - 2:31 4 - "Christmas Spirit??" - The Wailers (K. Morrill/R. Gardner) - 3:05 5 - "The Village Idiot" ("Jingle Bells") - The Sonics (J. Pierpont) - 2:35 6 - "Don't Believe In Christmas" - The Sonics (Gerald Roslie) - 1:41 7 - "Please Come Home For Christmas" - The Galaxies (C. Brown/G. Redd) - 3:04 8 - "Maybe This Year" - The Wailers (K. Morrill/N. Anderson/R. Gardner) - 3:15 9 - "Christmas Eve" - The Galaxies (R. Gardner) - 4:05 10 - "The Christmas Song" ("Chestnuts Roasting On An Open Fire") - The Wailers (M. Torme/R. Wells) - 3:09
Quando assisti ao ótimo bluesmanKenny Neal em São Paulo mês passado pensei que aquele breve mas impecável show
fosse uma compensação por não poder ir ao Mississipi
Delta Blues Festival, que ocorreria dali a semanas na cidade gaúcha de
Caxias do Sul. Mas era, na verdade, um bom presságio. Tal sentimento se dava
por um misto de falta de disponibilidade e a possibilidade de se fazer outra
boa programação mais próxima – e mais fácil. É que teria também o festival Som
de Peso, que ocorreria em Porto Alegre justamente no mesmo dia e hora e onde
tocariam bandas célebres do punk nacional, como Cólera e Olho Seco, e, além
destas, a Vômitos & Náuseas, a grande banda de hardcore do meu primo Lucio Agacê. Dúvida cruel. Depois de muita
combinação, tive que suplantar a vontade de ir ao Som de Peso, pois conseguimos Leocádia e eu nos organizar para subir a Serra e conferir pela primeira vez o
MDBF, vontade alimentada há anos.
Stroger, comandando o grupo no baixo.
E o esforço não poderia ter sido mais bem recompensado. Com uma
programação cuidadosa e qualificada, tanto no que se refere a atrações
internacionais quanto nacionais, além de uma estrutura planejada e eficiente, o
MDBF, em sua 8ª edição, provou (pelo menos a nós, que ainda não o conhecíamos)
que é o melhor festival de música do Rio Grande do Sul do momento. Prova disso
é que o dia em que fomos, o terceiro e último da edição de 2015, não por isso
ficou devendo. Dividido em sete palcos, o festival apronta um rodízio de
apresentações dos artistas por vários destes durante os três dias de evento,
fazendo com que se possa assisti-los em mais de uma oportunidade. Igualmente, o
local não poderia ser mais adequado: a antiga estação férrea de Caxias, prato
cheio para Leocádia fazer várias fotos pois empresta uma atmosfera onírica àquela
sonoridade melancólica, antiga e sensual típica do blues. A chuva que caía
ajudou a aumentar o clima cinematográfico.
Bob Stroger posando para as lentes.
O blues rolava por todos os cantos, dos alto-falantes, dos palcos, das
pessoas cantando, assobiando, dançando. Chegava a emanar de algumas figuras que
ali estavam. Um desses seres iluminados era Bob Stroger, o incrível baixista californiano de (acredite-se) 85
anos. Stroger, que havia estado em Porto Alegre na semana anterior – e que, novamente
por agenda e correria, não pudera assistir –, foi um dos principais motivos de
irmos ao MDBF. Artista “residente” do festival, participou de todas as edições
deste até agora, o que certamente continuará fazendo até não poder mais, haja
vista seu prazer em estar ali. Ele dizia, faceiro: “This is my house”. Um dos primeiros a se apresentar naquele dia, ele
referia-se não somente a Caxias e ao festival como ao Front Porch Stage, um
caracterizado palco que reproduzia o ambiente de uma sacada de um rancho do Sul
norte-americano, aquelas que a gente vê em filmes sobre negros pobres e
trabalhadores de fazendas de algodão de antigamente. Para alguém como ele, do
início do século passado, certamente aquilo era bem familiar. Estava se
sentindo em casa mesmo, acarinhado e admirado pelo público.
Cokeyne, à direita, e sua banda de ilustres convidados.
Na verdade, Stroger fazia o ambiente se tornar real, visto que ele em
si é uma entidade em pleno palco. De terno risca de giz escuro, sapatos e
chapéu, é a encarnação daquilo que o mundo conheceu no início do século XX chamado
blues, o gênero musical afro-americano que coloca, em ritmo sincopado,
repetitivo e simples, os sofrimentos e tristezas dos negros escravos e
apartados de sua terra. Blues, com suas raízes religiosas, de trabalho ou de protesto.
Um estado de espírito. E Bob Stroger é a representação viva disso. Ele mesmo,
orgulhoso, diz várias vezes: “I’m the
blues”. Quem há de contrariá-lo? Entre as maravilhas que escutamos de sua
voz sôfrega, mas com o aveludado que somente os negros de lá conseguem ter,
“Just a Sad Boy”, “Talk to me Mamma”, “Don't You Lie to Me” e uma canção que,
além de fantástica, se tornaria especial naquela noite: “Blind Man Blues”,
autoria do próprio Stroger. Um bluesão embalado num riff de baixo contínuo e cheio de groove, que lhe põe naquele limiar entre o blues e o rock. Esta, comporia
outro episódio importante horas depois...
"Don't You Lie To Me" - Bob Stroger - Mississipi Delta Blues Festival 2015
Sherman Lee Dillon, pura energia.
Tinham mais coisas a se aproveitar ainda. Noutro palco, o Bus Stage,
iriamos conferir o nosso amigo Cokeyne Bluesman (Beto Petinelli,
ex-Cascavelletes), que havia reunido uma galera especial para uma das
apresentações. E olha: que apresentação! Disparado a mais empolgante da noite e
que, mesmo não estando num dos palcos principais, ensandeceu o público que
assistia. Que energia que saída dali, a ponto de as pessoas serem tomadas por
ondas de euforia, respondidas pelos músicos e vice-versa. A química foi precisa:
Cokeyne, referencial na guitarra solo e slide
guitar; Lucas Chini, no baixo, um cabeludo psicodélico e tomado pela música
que parecia ter se congelado no tempo, pois era tal um integrante de banda de
rock-blues dos anos 60, uma Canned Heat ou The Band; e o norte-americano
Sherman Lee Dillon, de quem se pode dizer apenas uma coisa: nossa! Aquele
velhinho branco de camisa, calça social e quepe poderia ser, como bem Leocádia
observou, o vendedor da banca da esquina ou o dono da tabacaria. Só que quando
empunha a guitarra, sai de perto! É um furação em forma de blues.
Na bateria, Gutto Goffi.
Melhor amigo do saudoso B.B. King, Dillon, natural do Mississipi, mostrou
ser um genuíno seguidor de Muddy Waters e Bo Diddley. Com sua harmônica e sua
guitarra de metal, parecido com um banjo elétrico, ele incendiou o pequeno
palco, pondo todo mundo pra se mexer. Uma das mais quentes foi a versão de
“Maybelline”, clássico de Chuck Berry, que tocaram numa versão tão eletrizante
quanto. Além disso, quem completava a banda na bateria era Guto Goffi, o
baterista do Barão Vermelho, que estava ali animadíssimo tocando o que gosta e
sem todo o aparato e multidões de que é acostumado. Cokeyne, o anfitrião,
também não deixou por menos. Com solos arrebatadores, levantou a galera várias
vezes, mesmo sem cantar como Dillon. Ainda teve a palhinha do músico gaúcho Andy
Serrano, na gaita, o mesmo da banda de rockabilly que vimos anos atrás no Clube de Jazz Take Five, em Porto Alegre. Um empolgante e surpreendente show.
'Super Chikan' no palco principal do MDBF.
Entre uma programação e uma paradinha para comer, deu tempo de ver, no
Moon Stage, palco principal, um bom pedaço da apresentação de outra das também principais
atrações do MDBF desse ano: o norte-americano James "Super Chikan"
Johnson, mais um filho do Mississipi. Outro arraso. O cara, que ganhou esse
apelido na infância, quando ainda era jovem demais para trabalhar no campo e
passava o seu tempo conversando com as galinhas, começou tocando o diddley bow, instrumento muito
rudimentar que o ajudou a desenvolver sua capacidade de extrair sons de uma só
corda. Essa forma de tocar é evidente em seu estilo, que aproveita ao limite
uma sequência de notas, sempre com muito groove.
Isso sem falar do característico grito que lança entre uma execução e outra
imitando o cocoricó das galinhas com quem tanto conversava quando criança.
Eu com Rip Lee Pryor.
Voltando ao Front Porch Stage, pena que não deu tempo de assistir um
pouquinho de outra lenda: o harmonicista Rip Lee Pryor (filho de Snooky Pryor),
que ainda estava passando som e o pito na equipe técnica, que não acertava o
que ele pedia. Na mesma hora – essas coincidências são inevitáveis, ainda mais
para que foi em apenas um dos dias como nós – subiria no Magnolia Stage outra
das que nos motivaram bastante a escolher por essa e não outra programação: a
cantora Zora Young. Igualmente produto do Delta do Mississipi, é daqueles
vários artistas de blues cujas famílias, depois da 2ª Guerra, migraram para
Chicago em busca de novas oportunidades. Criada dentro das igrejas gospel, foi
tomando com o passar do tempo gosto pelo Rhythym
n' Blues a ponto de não o largar mais. A explicação talvez esteja no
sangue: Zora tem em sua árvore genealógica uma das lendas do blues, Howlin' Wolf. No festival, ela mandou ver num show pulsante e dançante, com sua
poderosa voz rouca muito trabalhada nos corais religiosos e nos pubs de blues. Interagindo com a
plateia, Zora e sua banda fizeram um espetáculo daqueles que não dá vontade de
sair mais (tanto que, quando vimos, já tinha acabado o de Pryor), com
repertório de primeiríssima qualidade, solos afiadíssimos e, claro, a
excelência da voz de Zora.
A divina cantora de raízes gospel e rythm'n blues,
Zora Young e o privilégio de ter na banda Stroger, ao fundo.
Mas por falar na banda de Zora Young, aqui vai aquela parte que havia
ficado faltando sobre “Blind Man Blues”, de Bob Stroger. Aconteceu que, com
receio de que sobrasse para nós algum daqueles esporros de Rip Lee Pryor com a
equipe, saímos logo do Front Porch Stage e chegamos minutos antes para assistir
Zora. Porém, para nossa surpresa quem sobre no palco são três músicos mais...
Bob Stroger! ”Ué, será que mudaram o lugar
do show dela?”, pensamos. Fomos perguntar a um rapaz do staff e ele nos confirmou que era ali,
sim, o show da cantora. Pois não é que Stroger, nos seus já mencionados (mas
que não custa relembrar) 85 anos foi, horas depois de ter aberto o festival, formar
a banda de Zora Young? Na maior simplicidade e humildade. Coisa de músico de
verdade. Já no final da noite, ele abriu com a mesma música que já tinha tocado
no outro palco para depois tocar, como apenas mais um integrante, mais uma hora
e meia – sem se sentar nem pedir água. Pelo contrário: no centro do palco,
estava lá ele postado, elegante em seu terno risca de giz e chapéu,
abrilhantando ainda mais o show da companheira de blues.
"The Thrill Is Gone"/ "I'm Freee" - Zora Young - Mississipi Delta Blues Festival 2015
Foi o próprio Bob Stroger que disse se sentir em casa. Sentimento
compartilhado com muita gente ali, entre músicos e espectadores, que fazem o
MDBF crescer a cada ano, sempre com a expectativa pela edição seguinte. Eu
mesmo já estou me vendo, lá em novembro de 2016, cantando para convencer
Leocádia: “Oh, baby, don't you want to
go? Back to the land of Caxias do Sul/ To my sweet
home, festival?”