terça-feira, 30 de dezembro de 2014
Suzanne Vega - "Nine Objects of Desire" (1996)
quinta-feira, 21 de novembro de 2013
Joy Division - "Closer" (1980)
- Dã, tu que sempre gostou de Joy Division, desde que os descobriu num programa do saudoso Clube do Ouvinte, da Ipanema FM, no início dos anos 90, já percebeu que eles são superinfluentes num monte de coisa?
- Que eles inspiraram o próprio New Order, embora o som seja majoritariamente diferente (um, deprê; o outro, “pra cima”), disso todo mundo sabe. E que tiveram também um papel importante na formação do pós-punk, ao lado do Public Image Ltd., Gang of Four e Pop Group, e do gothic punk, junto com The Cure, Echo and the Bunnymen, Siouxsie and the Banshees e outros. Mas tem mais alguma coisa que eu não saiba?
- Tem, tem mais coisa aí, sim. Andei percebendo isso reouvindo-os como sempre fiz desde que os conheci junto contigo, mas, sei lá porque, agora que me dei conta de uma série de outras percepções que nunca tinha atinado. A gente sabe que eles são muito mais do que um grupo do hit clássico “Love Will Tear Us Apart” ou aquela banda pré-história do New Order do vocalista que se matou. Mas afora isso tudo e o que tu citaste, noto hoje mais claramente que o Joy abriu as portas para uma série de influências que seriam sentidas dos anos 80 adiante na música pop em geral.
- Tipo o quê?
- Vejamos o “Closer”, de 1980. Embora minha admiração pelo "Unknown Pleasures" (e a idolatria que o mesmo tem mundo afora), é no segundo e último disco que o Joy Division cristaliza essa confluência de referências. Comecemos pelo exemplo da faixa inicial, “Atrocity Exhibitions”. Numa expressão: rock industrial.
- Quê? Tu... quer dizer, eu... enfim: estás louco? Rock industrial é pesado, sujo, ruidoso, cheio de efeitos eletrônicos. Rock industrial é Ministry, Pigface, Foetus, Alien Sex Fiend, essas coisas!
- E tu já prestou atenção em como é “Atrocity Exhibitions” de fato? Por acaso ela não é, justamente, pesada, suja, ruidosa e cheia de efeitos? Mais do que isso, veja a estrutura dela. Comparando com Ministry, banda exemplo máximo de rock industrial: a linha de bateria é intricada, quase específica dentro da harmonia. Em “Atrocity...”, a combinação caixa-tom tom-bumbo parece separada do chipô que, por sua vez, é separada dos toques no tarol, como se fossem três ilhas de percussão distintas. Fora que, além de não usar pratos, por uma questão de conceito harmônico, a percussão é toda sequencial, podendo tranquilamente se passar por uma programação de ritmo eletrônica combinada com bateria. Não é totalmente as melodias do Martin Atkins pro Ministry, Pigface ou PIL?
- É, neste sentido, tens razão.
- E o riff: muito rock industrial. Linha de baixo pesada em constante levada e guitarra distorcidíssima e corrosiva dando corpo, criando um clima caótico de era pós-industrial. A sacada do Joy, que ainda não tinha todo o aparato eletrônico que o mundo pop iria democratizar poucos anos à frente, foi criar um efeito de sequenciador na própria guitarra. A distorção, de uma clareza sonora incomum para as gravações da época (que não conseguiam dá-la por limitações de estúdio, fora num Hansa ou Abbey Road), parece, propositadamente, sair de uma motosserra ou de uma britadeira. Sobrepõe-se ao restante na medida certa, mas sem abafar os outros sons.
- É verdade!... Muito rock industrial isso, né? Lembra a estrutura melódica do Ministry em, por exemplo, “Breathe” e “Faith Collapsing”, até pelo ritmo meio tribal, pra citar apenas duas. Neste sentido, põe “no chinelo” o Pere Übu, que, embora eu goste, é o que chamam de início desse estilo. Que nada!
- E fora o vocal sempre espetacular do Ian Curtis, naquele timbre grave que transmite seriedade e melancolia, além de ser uma voz que não se consegue precisar a idade. Pode ter 24, como ele tinha, ou 70 anos. É bonita e perturbadora ao mesmo tempo.
- Bá, sempre achei o máximo o vocal do Ian.
- Pois então avancemos em nossa análise. “Isolation” não tem nem o que dizer: é MUITO New Order. E, mais do que isso, o pop dançável que tomaria as pistas anos 80 e adiante. The Cure, que é The Cure, só foi descobrir essa fórmula (riff no baixo, teclados cumprindo a função melódica da guitarra e bateria um misto de acústico e eletrônico) três anos depois, com “The Walk”. O Depeche Mode ainda engatinhava em direção à sua sonoridade própria quando o Joy lançou “Closer”.
- Ah, aí eu concordo contigo. Essa é a música que “inventou” o New Order.
- É, aí tu te enganas, mr. Daniel. Não exatamente.
- Ué? Por quê?
- Mais do que “Isolation”, “Heart and Soul”. Esta, sim, menos lembrada, carrega todos os predicados da linha que o New Order escolheria para seguir depois da morte do Ian. É só prestar atenção: primeiro, bateria/programação que reelabora a ritmação da disco, o que viria a dar depois em toda a cena tecno-house de Erasure, Tecnotronic, OMD da vida. É o mesmíssimo estilo de bateria que o PIL criou, principalmente no "Metal Box", de 1980 (“Swan Lake”, “Bad Baby”) e “This Is What You Want... This Is What You Get”, de 1984 (“This Is Not a Love Song”, “Bad Life”). Depois, o baixo marcado, constante, dub, a la Jah Wobble, remetendo a uma sonoridade eletrônica. David Bowie e Brian Eno já haviam feito isso em “Breaking Glass”, do "Low", de três anos antes – afinal, Bowie é quase sempre pioneiro no que se refere a pop-rock. Mas o Joy reelaborou e deu a forma definitiva daquilo que o próprio New Order assumiria. Basta ver os teclados e sintetizadores, que têm papel essencial na melodia e no arranjo. Mas o principal desta música: a voz do Ian. Mais leve e melodiosa que em qualquer outra que ele cantou em toda sua curta trajetória. É exatamente o estilo vocal que o Bernard Summer se sentiu à vontade em usar quando tomou os microfones – claro, tirando as gravações do defasado “Movement” – que é, parafraseando, um “movement ago”! hahahaha Endenteu, “movement”, “ago”! hahahaha
- Entendi, entendi. Meio sem graça, mas tudo bem.
- Com tu é sem graça, Dã... Tá, só complementando a ideia: o “Movement” é um luto do New Order em que eles ainda não conseguiam se desprender do Joy e da figura do Ian, grande poeta e líder. Por isso, New Order mesmo vale a partir do “Power, Corruption and Lies”, de 1982. Não só o Barney Summer pegou esse estilo de cantar do Ian em “Heart and Soul”, mas de toda a geração da acid house. Os caras do Erasure e Pet Shop Boys cantam exatamente assim até hoje!
- Concordo. Mas “Passover” e “24 Hours”, darks e densas, onde ficam?
- Tem que se entender que o Joy Division tinha o seu estilo já formado desde o “Unknown...”, e a banda, por mais que tenha incutido elementos e texturas eletrônicas, nunca deixou de compor suas canções nos instrumentos-base: baixo-guitarra-bateria . E se tu fores ver, eles próprios no New Order, festeiro e alegre muitas vezes, nunca abandonaram a composição à “moda antiga”, o que talvez seja o grande diferencial por eles estarem anos-luz à frente de outros grupos/artistas do eletro-punk dos anos 80, como o próprio Pet Shop Boys, o Ultravox ou o Durutti Culumn. No New Order, o Joy sempre esteve presente, às vezes até suprimindo ou relegando a segundo plano os teclados da Gilliam Gilbert, como em “Leave me Alone”, “Dream Attack” ou “Love Less”.
- Tá, mas voltando ao “Closer”, então, que mais tu me diz?
- Quanto a essas duas que citei, “Passover” é como uma continuação de “Isolation” com aquela “colagem” entre as faixas: o final de uma tem aquele som que parece estar sendo sugado, enquanto que o início da seguinte traz o mesmo som, só que invertido, dando a impressão de trazê-lo de volta, mas em outra abordagem. É isso que “Passover” é: uma “Isolation” obscura. No lugar do ritmo em tom elevado, tom menor de tristeza. Ambas as letras retratam as dificuldades psicológicas de Ian para com sua criação materna. Enquanto a letra de “Isolation” diz: “Mother I tried please believe me/ I'm doing the best that I can/ I'm ashamed of the things I've been put through/ I'm ashamed of the person I am” (“Mãe, eu tentei, por favor, acredite em mim/ Estou fazendo o melhor que posso/ Me envergonha as coisas que tenho feito/ Me envergonha a pessoa que sou”), “Passover” responde: “Is this the role that you wanted to live/ I was foolish to ask for so much/ Without the protection and infancy's guard/ It all falls apart at the first touch” (“É este o papel que você quis viver?/ Eu fui um tolo por pedir tanto/ Sem a proteção e guarda da infância/ Tudo se despedaça ao primeiro toque”). Até a batida, num compasso mais lento em “Passover”, é igual. Pode perceber. Quanto a “24 Hours”, acho das melhores da banda, com aquela intensidade que explode no refrão num ritmo punk junto da inabalavelmente tristonha voz de Ian, que não se altera da parte mais lenta para esta, mais agitada. E a linha de baixo do Peter Hook?! O que é aquilo? Inteligente, executa arpejos crescentes e decrescentes, que imprime um ar sério e contemplativo pra música. A bateria é outro ponto especial. Como no pós-punk e no industrial, não é óbvia. Aliás, o Stephen Morris dá um show à parte em todo o disco, cumprindo com precisão nas baquetas e na programação rítmica sempre que acionado, e olha que tem cifras difíceis de tocar no “Closer”!
- É verdade. “Colony” é um espetáculo a bateria.
- Pois ia falar justamente desta. Classifico-a como um “blues hermético”. É outra muito rock industrial, estilo que, por sua vez, como fica claro em “Heart and Soul”, é filho do pós-punk. Enquanto no “Unknown...” a veia punk desses ex-Warshaw ainda estava latente (basta ver “Interzone” e “Disorder”, punk-rocks secos), no “Closer” Ian & Cia aperfeiçoam isso. A bateria é sequencial e quebrada, como uma "Tomorrow Never Knows" em tempos fin de siècle, a guitarra solta urros como de “um vento cruel que uiva em nossa demência” e o baixo encaixa-se na batida, formando um ritmo marcial-militar, dando a ideia de prisão de uma opressora colônia para doentes mentais (ou seria a sociedade moderna que ele estava falando?). Nesse mesmo compasso rítmico, “A Means To an End” é outra brilhante do disco.
- E, novamente, uma letra e performance incríveis do Ian Curtis. É fantástico quando ele sai do seu tom contidamente tenso pra esbravejar, desiludido: “I put my trust in you” (“Eu depositei minhas esperanças em você”). Demais.
- Pois é. Agora, pensando pela lógica que expus desde o início, tanto “The Eternal” quanto “Decades” são bem a ponte entre o dark do Joy e o avanço técnico e melódico trazido pelo New Order e sua geração tempo depois. O compasso de “The Eternal” vem de uma bateria eletrônica, que lhe dá um clima de funeral, semelhante a de um coração deprimido que pulsa com sofreguidão. Os sintetizadores, também, mais parecem camadas de neblina cobrindo um cemitério. Elementos “artificiais” para um efeito orgânico. E é muito legal ainda a voz quase desfalecida de Ian, que a canta com profundo sentimento. Aí vem o final do disco com “Decades”!
- Esta é das melhores. “Decades” parece-me ser uma paixão especial por parte dos fãs de Joy Division.
- Concordo. Seguindo a linha de raciocínio, como “The Eternal”, em “Decades” a banda avança na ideia de sofisticar sua sonoridade. Ao invés da secura sem maiores efeitos de mesa de uma “New Down Fades” (também excelente, deixe-se registrado), que também fecha um dos lados de "Unknown..." e tem clima igualmente sombrio e construção melódica que cresce para um final épico e carregado, o riff de “Decades” já sai do próprio teclado. Nela, se adensa a atmosfera litúrgica sentida na faixa anterior, principalmente pelo som de órgão de Igreja. A letra, belíssima, não pode ser mais poética e decadentista.
- Total desesperança desse cara, né? Tava na cara que o suicídio dele se anunciava, e foi acontecer justamente dois meses antes do disco ser lançado, o que o tornou ironicamente póstumo. Mas tu me responde uma coisa: o que um ser em sã consciência faria assistindo “Stroszek”, do Werner Herzog, e ouvindo o "The Idiot" do Iggy Pop, ao mesmo tempo? Ambas as obras excelentes, mas, juntas, é piração total, um coquetel molotov pra um suicida!
- É verdade. Além de toda essa lenda em torno da morte do Ian, aumenta ainda mais a carga mitológica do “Closer” o fato de ter sido gravado sob uma abóbada de estuque especialmente construída esse fim de modo a captar a ressonância de uma capela. Era o Ian já preparando seu jazigo.
- Não sabia disso. Mas é fato que a peculiaridade de não ter indicação dos lados, seja no selo, seja no encarte, gera, conceitualmente, uma relação ao mesmo tempo aleatória e concisa entre as faixas, pois todas “dizem a mesma coisa”.
- Ah, mas mais do que isso, a arte da capa (assinada por Peter Saville), com aquela foto pictórica ritualística, mostra a foto de uma lápide tirada no Cemitério Staglieno, em Gênova, foi concebida antes da morte de Ian Curtis. Sabia disso? Uma infeliz coincidência?
- Sabe-se lá, né? De repente, o cara já tava intuindo, queria deixar seu “testamento musical”, como dizem que Coltrane fez em “A Love Supreme” ou Kurt Cobain teria dado a entender ao tocar a debochada e tristemente autosugestiva “Where Did You Sleep Last Night?” (“Onde Você Dormiu a Noite Passada”), com todas aquelas velas fúnebres no palco, como último número do "MTV Unplugged in New York", canto-do-cisne do Nirvana. Enfim: mitos que se criam em torno de um disco clássico como “Closer”.
- Pois é... pós-punk, gothic-punk, rock industrial, acid house, tecno, dub... puxa, são muitas referências que partiram deles!
- É, Dã: clássicos são reveladores a cada audição até mesmo para fãs de Joy Division como nós, que nunca deixaram seus discos esquecidos na prateleira. É o caso do “Closer”, que escutamos e reescutamos seguidamente. Mas grandes artistas têm disso, né: nos surpreendem mesmo depois de acharmos que os conhecemos bem. Eu pelo menos me surpreendi, e tu, Daniel?
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FAIXAS:
1. "Atrocity Exhibition" - 6:06
2. "Isolation" - 2:53
3. "Passover" - 4:46
4. "Colony" - 3:55
5. "A Means to an End" - 4:07
6. "Heart and Soul" - 5:51
7. "Twenty Four Hours" - 4:26
8. "The Eternal" - 6:07
9. "Decades" - 6:10
vídeo de "Decades" - Joy Divsion
quinta-feira, 7 de julho de 2022
John Cale - "HoboSapiens" (2003)
Tamanha multiplicidade é tão difícil de se absorver que o próprio Cale só as conseguiu reunir todas a gosto depois de 50 anos de carreira. Após trabalhos das mais diferentes linhas – "Vintage Violence" (1969), pop barroco; "The Academy in Peril" (1972), modern classical; "Slow-Dazzle" (1975), proto-punk; “Church of Anthrax” (com Terry Riley, 1971), minimalismo; “Songs for Drella” (1989, com Lou Reed), art rock; “N'oublie Pas que Tu Vas Mourir” (1995), sonata –, "HoboSapiens", seu 13º da carreira solo, pode ser considerado o da síntese. O conceito está no próprio título: a ideia de ciência, de criação ("robô"), atrelada à uma consciência originária, aquilo que determina o saber da espécie ("sapiens"). Mas a sonoridade de “HoboSapiens” vai ainda além, visto que se vale de todas estas e outras referências anteriores e ainda as amalgama com o synth-pop e o experimental da modernidade.
A brilhante "Zen" abre com a qualidade sintética que é comum às primeiras faixas dos discos de Cale, que articula com habilidade a difícil química entre atonalismo e música pop para impactar de saída assim como fez com "Fear Is A Man's Best Friend" ("Fear"), "Child's Christmas In Wales" ("Paris 1919"), "My Maria" ("Helen of Troy") ou "Lay My Love" ("Wrong Way Up", com Brian Eno). O conceito "HoboSapiens", assim, é acertado no alvo: de cara, ouvem-se ruídos que parecem saídos da natureza. Porém, em seguida percebe-se que este som é manipulado por instrumentos eletrônicos, ou seja, não-natural. Este, por sua vez, transforma-se numa base, que mantém o clima denso e suspenso para entrar uma batida programada de acordes mínimos, suficientes para formar um ritmo funkeado.
Pop-rock de alto nível vem na sequência com "Reading My Mind" e “Things”, esta última, aliás, que Cale espelhará na segunda parte do disco com a sua versão B, “Things X”, mostrando que é incontrolável sua tendência velvetiano de “sujar’ a melodia. União de opostos. "Look Horizon", no entanto, volta a “problematizar”, injetando um clima soturno com uma percussão abafada e o tanger de seu instrumento-base, a viola, que acompanha a elegante voz do galês. Mas a criatividade transgressora de Cale não fica somente nisso. Lá pelas tantas, a música dá uma virada para um funk contagiante com lances egípcios, que dialogam com a letra: “Atravessando o Nilo/ A Terra do Faraó está desenterrando seu passado/ Os amuletos quebrados da história/ Espalhados em nosso caminho”. Assim como “Zen”, das matadoras do álbum.
O caleidoscópico Cale, que chegou aos 80 anos em março |
Cale não para, provando para os que desconfiavam à época do lançamento que o velho músico vinha com tudo após 7 anos sem um trabalho autoral. Com muita cara de Depeche Mode e da Smashing Pumpkins de “Adore”, "Twilight Zone" é um exemplo maduro do synth pop. "Letter from Abroad", a subsequente, contudo, é outra das destruidoras. Uma sonoridade típica árabe dá os primeiros acordes como que sampleados, visto que repetidos em trechos simétricos. Isso, para entrar um ritmo funkeado. Percussões, rosnados de guitarra, acordes soltos de piano, vozes que rasgam e se cruzam, coro em contracanto. Letrista de mão cheia, em “Letter...” Cale experimenta sua veia literata: “É uma pequena cidade esquálida com uma beleza tênue/ As molhadas frias manhãs são tão atraente/ Pessoas acordar de repente no meio da noite/ Muito desapontado”.
Para acabar, uma daquelas músicas que já saem grandiosas do forno: "Over Her Head". Com a amplitude sonora de outras de sua autoria, “Forever Changed”, de “Songs for Drella”, ou "Half Past France" ("Paris 1919"), prossegue com um piano bastante clássico e efeitos de guitarras até quase o final para, então, entrar a banda com tudo e terminar lá em cima sob os acordes os dissonantes da inseparável viola dos tempos de The Theatre of Eternal Music e Velvet Underground. Junção radical e inequívoca do rock com a vanguarda.
Tão versáteis como Cale? Poucos. Bowie, Byrne... Ryuichi Sakamoto talvez seja um caso, porém quase nunca como cantor front man. Quincy Jones é outro, senhor de todos os estilos da música negra norte-americana mas que, no entanto, também passa muito mais pela figura do compositor e produtor e, ademais, bem longe do indie. Os brasileiros Gilberto Gil e Caetano Veloso, idem: trânsito pelos mais diferentes gêneros, só que distantes da cena rock propriamente dita. Isso faz com que Cale seja, por todos estes motivos, único. Ele chega aos 80 anos de vida e quase 60 de carreira com uma obra tão vasta como a sua importância e seu cabedal. Como todo bom roqueiro, mantém acesa a chama do inconformismo. Por outro lado, acumula conhecimentos que circulam somente pela nobreza. Mas o que o diferencia é, justamente, a veia rocker: ao invés de harmonizar as inúmeras referências que absorve, ele as digladia, choca-as, embate-as, como que para provocar o estranhamento entre o orgânico e o instrumento, a consciência e a tecnologia, o inato e a ciência, o saber e a criação. Sua música, assim, encontra uma zona de perturbação que a torna improvável e seus métodos para evidenciar essa tese são os mais originais e transgressores. Por isso tudo, ele – e somente ele – pode ser chamado de um clacissista selvagem. Ou vice-versa.
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2. "Reading My Mind" - 4:11
3. "Things"- 3:36
4. "Look Horizon" - 5:40
5. "Magritte" - 4:58
6. "Archimedes" - 4:40
7. "Caravan" - 6:43
8. "Bicycle" - 5:05
9. "Twilight Zone" - 3:49
10. "Letter from Abroad" - 5:10
11. "Things X" - 4:50
12. "Over Her Head" - 5:22
Faixa bônus da versão em CD:
Daniel Rodrigues
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022
PJ Harvey - "To Bring You my Love" (1995)
Pode-se dizer que os anos 90 foram os anos das "minas do rock", principalmente o alternativo. Sinal de alguma evolução comportamental na indústria cultural, o século que viu o gênero nascer obscurecendo Sister Rosetta Tharpe para evidenciar apenas roqueiros homens guardou para a sua última década um bom bocado de talentosas cantoras e compositoras senhoras de seus narizes. Afora as band girls The Breeders, Baby's in Toyland e L7 ou as líderes de bandas Dolores O'Riordan (The Cranberries), Shirley Manson (Garbage) e Courtney Love (Hole), pelo menos três dessas vozes transformaram a cena rock injetando-lhe um novo sopro de fúria e beleza, mas claro, carregado de feminilidade: Liz Phair, Björk e Fiona Apple. Ninguém, no entanto, foi tão a fundo neste empoderamento feito de riffs e vociferações como a britânica Polly Jean Harvey.
Nascida na mesma Dorset da King Crimson, região sudoeste da Inglaterra, PJ Harvey surgiu como um furacão em 1992 com o corrosivo “Dry”. Como os ícones que carregam em si todos os atributos de sua arte e seu tempo, PJ provava de pronto ser dessas figuras, fosse na forma quanto no conteúdo: postura feminista, ótima cantora, compositora ímpar, domínio de vários instrumentos e dona de uma imagem sensual e dasafiadora ao mesmo tempo. A cara da nova mulher do rock.
“Rido of Me”, de 1993, avança nesta proposta, mas o desaguar vem completo, como um orgasmo desinibido, em “To Bring You my Love”, de dois anos depois. Questões feministas são trazidas com graça e força, seja nas letras como nas sonoridades. A capa, assim como no clipe da música de trabalho, "Down by the Water", sintetiza este conceito: uma sereia moderna, trajando um decotado vestido de uma lascivo vermelho-sangue sob águas revoltas e bastante simbólicas. Uterina e genital. O som, sobre um riff grave e intenso, o canto carregado e por vezes sensualmente cochichado, as frases pontuais das cordas, a letra confessional: tudo respira sexo e dor. “Oh ajude-me, Jesus/ Venha por entre essa tempestade/ Eu tive de perdê-la/ Para machucá-la/ Eu a ouvi gritar/ Eu a ouvi gemer/ Minha linda filha/ Eu a levei pra casa”, diz referindo-se à menina inocente que deixou de ser.
Construído narrativamente, “To Bring...” explora com perfeição os detalhes de sons e os andamentos, como no repertório sabiamente encadeado. Cada faixa é um universo, mas PJ faz, no todo, que não destoem uma da outra. O tema-título começa o álbum numa lentidão quase fúnebre. A música é forjada sobre um riff de guitarra contínuo, marcado, repetido, marcial, incompleto, num blues dissonante e circunspecto. A voz rasga os alto-falantes em exasperação, assim como a pronúncia dramática, que abre os fonemas e altera pronúncias. "To bring you my 'lova'" (“Para trazer-te meu amor”), suplica. Coisa genial – e quem ouvir aqui Lady Gaga cantando não está errado.
Sobe o ritmo: rockasso tribal, “Meet Ze Monsta” exagera propositalmente na distorção da guitarra, mas mais para sujar o arranjo do que fazer barulho. PJ, selvagem, surge da mata do inconsciente feminino e puxa do instinto primário a voz para dizer que não tem essa de "sexo frágil": “Veja-o vir/ em minha cabeça/ Não estou correndo/ Não estou com medo [...] Eu não estou tremendo/ Eu não vou me esconder/ Sim, estou pronta [...] Que monstro/ Que noite/ Que amante/ Que briga”.
De um modo ou de outro, tudo fala sobre a mulher, emancipada e questionadora de sua existência. “Working for the Man”, retraz a temática sobre uma arquitetura sonora de garage band estilizada: som abafado e em volume reduzido, predominância dos graves e protagonismo da bateria e do baixo – este último, aliás, quase estourando o woofer das caixas de som. A voz de PJ, em overdub, é invariavelmente sussurrada, o que contrabalanceia o clima selvagem imediatamente anterior.
Pausa na crueza, mas não na dramaticidade. Balada sangrenta, “C’mon Billy” convida o homem a voltar para casa para viver com ela e o filho. “Venha Billy/ Vem para mim/ Você sabe que eu estou te esperando/ Eu te amo infinitamente”. Poxa, Billy, vai amarelar com essa baita mulher?! Canto fenomenal, carregado, cheio de sentimento, o qual é intensificado pela linda linha de cordas arranjada por Pete Thomas. Perfect pop como poucos sabem fazer, dos mais perfeitas (sic) dos anos 90. “Teclo” , por sua vez, volta à aparente simplicidade na reelaboração do núcleo blueser num tema misto de Nico e Captain Beefheart. Mas simplicidade, que nada: síntese e atonalismo. PJ, então, não faz concessões e manda de novo um rock intenso: “Long Snake Moon”, a seu melhor estilo, com sua pegada pós-punk. Sem, contudo, perder o drama e a ira. Já "I Think I'm a Mother", tribal como “Meet...”, convoca a tribo para um alucinado pogo no meio da aldeia.
Tudo em “To Bring...” é detalhadamente pensado, o que faz com que os arranjos nunca sejam simples mesmo no mais aparentemente seminal rock 'n' roll. Uma das principais qualidades do álbum, aliás, tem a ver com isso: a produção, assinada pela própria PJ junto com o parceiro Joe Parish e Flood, este último, um dos grandes produtores da música pop. A expertise de Flood com o manejo das texturas sonoras, o qual ele empregara com maestria junto a bandas como Depeche Mode, Nine Inch Nails, Nitzer Ebb e Smashing Pumpkins, são somadas à concepção harmônico-melódica criativa de PJ, resultando nesta sonoridade peculiar. Impossível dissociar a melodia de seu invólucro, tamanha a unidade de ideias.
Surpreendente mais uma vez, Miss PJ traz outra de suas obras-primas para encaminhar o final: puxada num violão de nylon de toque amplo e dedilhado, numa toada flamenca, "Send His Love to Me", andaluza, é não menos dramática do que todo o restante. Outro show dela aos vocais, outra vez a orquestração intensa, outra vez a produção irretocável. Poderia acabar aqui tranquilamente, mas como é comum ao roteiro de grandes álbuns, ainda há um gran finale. “The Dancer”, arrastada, melancólica, sofrida. E o que são aqueles gritinhos ao final, meu Deus?! Gemidos de prazer repetidos, seis deles, que parecem que vão levá-la ao êxtase, mas que, quando quase chegam ao clímax, resolvem-se em forma de canto. Dona Polly Jean, assim você mata seus ouvintes! Um êxtase tanto quanto.
O que faz uma mulher mignon, magra e de rosto assimétrico se transformar num mulherão radiante e cheio de sex appeal? PJ Harvey é a mais bem acabada resposta. Símbolo da mulher moderna, ele é a união da “pre-millenium tension” com a consciência da emancipação feminina que passaria a vigorar com maior afirmação a partir de então no showbiz e na sociedade ocidental. Em “To Bring...” ela mostra que é possível ser dama e puta, santa e profana, fada e bruxa, carnal e existencial, sensível e intensa, feminina e masculina. Desvencilhada das amarras que por séculos prenderam as mulheres no mundo da arte, PJ, parafraseando uma de suas próprias letras, foi abandonada pelo paraíso, amaldiçoou Deus e dormiu com o diabo para cunhar uma obra rock tão autoral e verdadeira. Respeita a mina.
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A versão de luxo traz B Sides tão bons que renderiam um outro disco.
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1. "To Bring You My Love" - 5:32
2. "Meet Ze Monsta" - 3:29
3. "Working for the Man" - 4:45
4. "C'mon Billy" - 2:47
5. "Teclo" - 4:57
6. "Long Snake Moan" - 5:17
7. "Down by the Water" - 3:14
8. "I Think I'm a Mother" - 4:00
9. "Send His Love to Me" - 4:20
10. “The Dancer" - 4:06
1. "Reeling" (demo version) - 3:00
2. "Daddy" - 3:16
3. "Lying In The Sun" - 4:30
4. "Somebody's Down, Somebody's Name" - 3:40
5. "Darling Be There" - 3:46
6. "Maniac" - 4:01
7. "One Time Too Many" - 2:52
8. "Harder” - 2:05
9. "Goodnight" - 4:17
quinta-feira, 9 de março de 2017
Brian Eno - “Before and After Science” (1977)
Parece estranho, mas à medida que vai se conhecendo mais a música de artistas do mundo pop, mais se conhece não as obras deles, mas sim a de Brian Eno. Profundamente influente sobre uma importante parcela de nomes referenciais do pop-rock nas últimas quase cinco décadas, Eno tem traços visíveis do seu trabalho refletidos nos de ícones como David Bowie, U2, Robert Wyatt, David Byrne, Massive Attack, Björk, Beck, entre outros. Seja na Roxy Music, nos discos solo precursores do pop anos 80 (“Taking Tiger Mountain” e “Here Comes the Warm Jets”) ou nos de ambient music, sua linguagem, que une num só tempo música a artes visuais e cênicas, formando um espectro sonoro-sensorial único, está presente em quase tudo que se ouviu em termos de música pop dos anos 70 em diante por influência direta ou indireta. Eno, mais que um músico, um “cientista”, como se autoclassifica, ditou o que é moderno ou não até hoje. Pois a grande síntese de todas essas pontas – da vanguarda ao folk, passando pelo blues, rock, progressivo, jazz e eletrônica – está em “Before and After Science”, disco que completa 40 anos em 2017.
O álbum, produzido pelo próprio autor em conjunto com Rhett Davies, antecipa e/ou reafirma uma série de conceitos utilizados por ele em produções a outros artistas e trabalhos solo. A concepção dos dois “movimentos” da obra é uma delas. A exemplo do que fizera em “Low” e “Heroes”, de Bowie (naquele mesmo 1977) e, três anos depois, em “Remain in Light”, do Talking Heads, “Before...” tem uma narrativa muito clara: um “lado A” agitado, num tom acima, e um “B” onde desacelera o ritmo e vai gradativamente baixando a tonalidade. Como uma sinfonia iniciada em alegro, o disco começa com o embalo afro-pop da estupenda “No One Receiving”. Eno comanda tudo tocando piano e cantando, além de fazer os efeitos de guitarra e manipular os sintetizadores e a programação de ritmo – as batidas que reverberam de tempos em tempos. Junto com ele está nada mais nada menos que Phil Collins na bateria, marcando o ritmo com maestria, e Paul Rudolph, que se esmera no baixo e na rhythm guitar, ao estilo Nile Rodgers. Para fechar o time, Davies no agogô e o exótico stick. Com seu tradicional canto tribal no refrão, que inspirou diretamente muita gente, é muito parecida em conceito e sonoridade com o que Eno dirigiria pouco tempo depois junto aos Heads (“I Zimbra” e “Born Under Punches”, ambas também faixas de abertura em discos produzidos por ele para a banda). Um começo arrasador.
Como é de sua especialidade, a segunda, “Backwater”, é um rock estilo anos 50 tomado de texturas eletrônicas, o que lhe confere certo precursionismo da new wave. E mais interessante: feita só com sintetizadores da época, todos ainda muito por evoluir, a sonoridade de “Backwater” jamais datou mesmo com a evidente defasagem tecnológica em relação à hoje, em que se pode fazer isso com menor risco de soar artificial. Afora isso, Eno está cantando muito bem, com voz inteira e potente. O próprio repetiria essa fórmula de canção em seu disco duo com John Cale (“Wrong Way Up”, 1989) na faixa “Crime in the Desert” e daria o “caminho das pedras” para o U2 em "The Wanderer”, cantada por Johnny Cash em “Zooropa” (1993).
A veia africana aparece noutro formato agora, mais brasileiro e “sambístico”. Trata-se de "Kurt's Rejoinder", um proto-samba eletrônico que traz novamente a profusão de estilos como essência. O amigo Wyatt aparece para fazer soar o timbal, que se soma, na percussão, com a bateria de Dave Mattacks. Pois este é um dos detalhes de “Kurt’s...”: parece um samba muito percussivo, mas a maior parte de sua timbrística está nos teclados de Eno e no baixo com delay de Percy Jones. Outro fator interessante da faixa são suas incursões de gravações e interferências, as mesmas que Eno exploraria com os Heads em “Remain...” numa das canções precursoras do sample na música pop, “Once in a Lifetime” – expediente, aliás que Eno e David Byrne usariam bastante no álbum dos dois, “My Life in the Bush of Ghosts de 1981, servindo de exemplo para outros vários artistas, como Malcom McLaren em seu aclamado “Duck Rock”.
Quebrando o ritmo quase de carnaval, a linda e introspectiva instrumental "Energy Fools the Magician" traz uma atmosfera de jazz fusion, lembrando bastante Miles Davis de “In a Silent Way” e “Bitches Brew”. Phil Collins está mais uma vez muito bem na bateria, marcando o tempo no prato mas sem deixar de executar viradas inteligentes. "Energy…” funciona como uma breve passagem para outra seção agitada, a que fecha o “1º movimento” do disco. Mas desta vez o ritmo não é de batucada e nem de new wave, mas sim o pop-rock exemplar de "King's Lead Hat". Primorosa em produção e mixagem, é daqueles exemplos de rock escrito na guitarra, ao melhor estilo hard rock. Eno e o craque Phil Manzanera dividem a rhythm guitar, mas é outro mestre do instrumento, Robert Fripp, quem comanda o solo. Com efeitos de teclados e de mesa, “King’s...”, em sua união de eletrônico e pós-punk, afina-se com o que ele e Bowie faziam naquele mesmo fatídico ano em temas referenciais como “Heroes”, “Beauty and the Beast”, “Funtime” e “Be my Wife”, influenciado grupos como Joy Division, The Cure e Bauhaus (estes últimos, que gravariam em 1982 “Third Uncle”, de Eno). Além disso, antecipa outro estilo musical que ganharia o mainstream anos mais tarde com as bandas New Order, Depeche Mode, Eurythmics, Ultarvox e outros: o synthpop.
Se a vigorosa “King’s...” termina a primeira parte de “Before...” lá no alto, o segundo ato já inicia mais leve com a melodiosa "Here He Comes". Com a bela voz de Eno cantando em overdub desde que os acordes da guitarra de Manzanera anunciam a largada, embora a melodia guarde certo embalo, já dá mostras que a rotação foi alterada para menos. O moog e o sintetizador de Eno conferem-lhe o clima espacial que se adensará na sequência em "Julie With...", esta, sim, totalmente ambient. Enquanto canta os belos versos com suavidade (“Estou em mar aberto/ Apenas vagando à medida que as horas andam lentamente/ Julie com sua blusa aberta/ Está olhando para o céu vazio...”), os teclados e sintetizadores desenham uma melodia cristalina como o céu limpo a que se refere na letra. Afora do baixo de Rudolph, Eno toca todos os outros instrumentos, inclusive a guitarra do curto mas belo solo, fazendo lembrar Fripp.
Mais uma especial (e espacial) do disco é "By This River", parceria dele com os krautrocks Moebius e Rodelius, mais conhecidos como a banda Cluster. O trio, que naquele ano havia gravado um trabalho em conjunto, o clássico “Cluster & Eno”, deixou guardada essa outra joia. De riff espiral marcado no piano, é sem dúvida a mais clássica do repertório, remetendo às bagatelas românticas, mas também à síntese formal do minimalismo. Nova instrumental, a ambient "Through Hollow Lands" é uma homenagem ao amigo e parceiro Harold Budd, com quem Eno fez diversos trabalhos desde aquela época. Não à toa, a música traz o clima introspectivo e contemplativo de Budd que tanto confere com este lado da musicalidade de Eno, neoclássico e new age.
Se como numa obra clássica “Before...” inicia com o allegro de “No One...”, prossegue variando allegretto e presto e em "Julie With..."/"By This River"/"Through...” encontra características de lento e de adagietto, "Spider and I", de ares litúrgicos e caráter emotivo, é o finale desta grande peça num andamento adagio. E se “No One...” começa arrasando, “ “Spider...” é um desfecho digno.
O crítico musical da Rolling Stone Joe Fernbacher diz que “Before...” é o álbum perfeito da carreira de Eno. Faz sentido, pois, ativamente participante do que estava sendo produzindo de inovador naquele momento, como “The Idiot”, de Iggy Pop, “Vernal Equinox”, de Jon Hassell, e os já citados “Low” e “Heroes”, de Bowie – todas obras de 1977 e responsáveis por alguma sonoridade que ditaria as mentes musicais nas décadas seguintes –, Eno resumiu a sua contribuição para uma nova cara da música pop em “Before...”. "Apesar do formato pop do álbum”, disse outro crítico, David Ross Smith, “o som deste álbum é único e distante do mainstream". Compreendendo todas as suas vertentes musicais e artísticas, Eno compõe um trabalho que alia o agradável e o denso, o popular e o complexo, a vanguarda e o pop. Ao ouvir o disco, pode-se dizer sem erro que a música pop divide-se, literalmente, em “antes e depois da ciência”, a ciência inventada por este alquimista dos sons chamado Brian Eno.
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quinta-feira, 27 de janeiro de 2022
30 grandes músicas dos anos 80 (não necessariamente as melhores)
Os irlandeses da U2, no topo da lista, em foto de Anton Corbjin da época de "Bad" |
Conseguiu entender de que tipo de música estou falando?
Creio que talvez precise de maior elucidação. Bem, vamos pela didática das duas
maiores bandas rock de todos os tempos: sabe “You Can´t Always Get What You
Want”, dos Rolling Stones, ou “A Day in the Life”, dos Beatles? É esta
espécie a que me refiro: podem não ser necessariamente as músicas mais consagradas
de seus artistas, nem grandes hits, mas são, inegavelmente, temas grandiosos, emocionantes,
que elevam. Você pode dizer: “mas têm outras músicas de Stones ou Beatles que
também emocionam, também são grandes, também provocam elevação”. Sim, concordo.
Porém, estas, além de terem essa característica, parecem conter em sua gênese a
ideia de uma “grande obra”. Dá pra imaginar Jagger e Richards ou Lennon e
McCartney – pra ficar no exemplo da tabelinha Beatles/Stones – dizendo-se um
para o outro quando compunham igual Aldo, O Apache em "Bastardos Inglórios": “Olha, acho que fizemos nossa obra-prima!”
Quer mais exemplos? “Lola”, da The Kinks; “Heroin”, da Velvet Underground; “Marquee Moon”, da Television; "We Are Not Helpless", do Stephen Stills; "Kashmir", da Led Zeppelin. Sacou? Todas elas têm uma integridade especial, uma alma mágica, algo de circunspectas, quase que um selo de "clássica".
Pois bem: para ficar claro de vez, selecionamos, mais ou menos em ordem de preferência/relevância, as 30 músicas do pop-rock internacional dos anos 80 as quais reconhecemos esse caráter. Para modo de poder abarcar o maior número de artistas, achamos por bem não os repeti, contemplando uma música de cada - embora alguns, evidentemente, merecessem mais do que apenas uma única indicada, como The Cure, U2 e The Smiths. Haverá as que são mais conhecidas ou mais obscuras; as que, justamente por conterem certo tom épico, se estendem mais que o normal e fogem do padrão de tempo de uma "música de trabalho"; artistas de maior sucesso e outros de menor alcance popular; músicas que inspiraram outros artistas e outras que, simplesmente, são belas.
E desculpe aos fãs, mas, claro, muita gente ficou de fora, inclusive figurões que emplacaram superbem nos anos 80, como Michael Jackson, Elton John, Bruce Springsteen e Queen. Até coisas que adoraria incluir não couberam, como “Hollow Hills”, da Bauhaus, “Hymn (for America)”, da The Mission, "51st State", da New Model Army, "Time Ater Time", da Cyndi Lauper, "Byko", do Peter Gabriel, "Up the Beach", da Jane's Addiction, "Pandora", da Cocteau Twins, "I Wanna Be Adored", da Stone Roses... Mas não se ofendam: tendo em vista a despretensão dessa listagem, a ideia é mais propositiva do que definidora. Mas uma coisa une todos eles: criaram ao menos uma música diferenciada, daquelas que, quando se ouve, são admiradas de pronto. Aquelas músicas que se diz: “cara, que musicão! Respeitei”.
Capa do compacto de "How...", dos Smiths |
Os pouco afamados Alternative Radio emplacam a fantástica "Valley..." |