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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Djavan - "Alumbramento" (1980)




“Embora ele defina grande parte de seu estilo através do chamativo 'pop' dos Estados Unidos, sua música mantém raízes nas correntes cruzadas dos ritmos africanos, ritmos extraídos de maneira incomum e com efeitos de acordes assombrosos, que são tão autenticamente brasileiros quanto os sons suaves e oscilantes que muitos fãs do gênero tradicional esperam”. 
George W. Goodman, para o New York Times, em 1984

“Djavan é foda!”
Caetano Veloso

Brasileiro é, definitivamente, um bicho torto. A subserviência ao que vem de fora e a famigerada “síndrome de vira-latas” prejudicam sobremaneira a aceitação de uma identidade brasileira. Isso, é claro, recai sobre a cultura. Na música, por exemplo, quantas vezes já seu viu um músico brasileiro ser ignorado no próprio país e só passar a ser valorizado quando os gringos, livres dessas amarras psicológicas, dão o seu aval? Outro fator determinante vem também se aglutinar a isso: a abundância de talentos. São tantos, mas tantos talentos, que o brasileiro, mal-aceito consigo mesmo, nem acredita. Não acredita que seus pares são capazes, então prefere achar que o bom mesmo vem de fora. É mais fácil. Talvez por isso artistas incríveis como Djavan, um monstro sagrado em qualquer país em que tivesse nascido, não recebam a idolatria que mereçam dentro de casa. Se Djavan fosse, digamos, natural da Dinamarca, ele viveria num trono. Não precisa nem ir ao Velho Mundo, haja vista que deuses da música como Quincy Jones e Stevie Wonder são dois dos que se renderam a Djavan imediatamente ao escutá-lo.

Este alagoano, aliás, tem musicalidade já no nome: apenas uma vogal, a letra “A”, a mais latina de todas, repetida duas vezes, que se entremeia a quatro consoantes, formando uma marca altamente artística, forte e de fácil assimilação: Djavan. Mas a sua originalidade não é só na teoria. Dono de uma alma que transpira suingue e hábil em criar inusitadas divisões rítmicas, carrega igualmente a precisão e a complexidade dos acordes certos da linhagem jobiniana. Músico completo desde sempre, veio a público pelas mãos do midas da MPB Aloysio de Oliveira, que lhe produziu o primeiro disco, em 1976, “A Voz, o Violão, a Música de Djavan”. O canto de timbre macio e anasalado denota profundo trabalho vocal, o qual se alia à assombrosa capacidade compositiva. Igualmente, seu toque do violão supera a tradição do samba e o dedilhado da bossa nova para lhe adicionar o jazz, o blues e a soul norte-americanas, além dos ritmos latinos. E, claro, um punhado de tonalidades brasileiras: o baião, o samba de roda, a toada, o batuque.

Em seu terceiro álbum, “Alumbramento”, que completa 40 anos de lançamento, Djavan está mais aperfeiçoado musical e mercadologicamente, visto que incrementa parcerias que se tornariam algumas das mais celebradas da história da música braseira. Produzido por Mariozinho Rocha, o disco tem a participação ainda de mestres como Aldir Blanc, Cacaso e Chico Buarque, três dos mais importantes letristas da música brasileira, que se rendem às quebradas rítmicas do autor de “Meu bem querer”. Esta, aliás, letra e música dele que, se hoje é um clássico, à época foi o grande sucesso do álbum, entrando imediatamente para o rol de clássicos do cancioneiro brasileiro.

Quanto às parcerias, Djavan se vale da saborosa pegada carioca de Aldir em “Tem Boi Na Linha”, que abre o disco num samba suingado irresistível e com a linguagem barroco-suburbana típica de Aldir (“Café com pão no Vera Cruz/ Jejum limão em Japeri/ A bolsa e a vida dançam nesse trem/ Te cuida!/ Sacola, cabaço, futuro, tutu/ Tem boi na linha, seu Honório Gurgel”). Das ruas do Rio de Janeiro para o coração de Minas Gerais. Assim é “Lambada De Serpente”, esta, escrita com Cacaso. Reflexiva, interiorana, muito mineira: “Cuidar do pé de milho/ Que demora na semente/ Meu pai disse: ‘meu filho/ Noite fria, tempo quente’/ Lambada de serpente/ A traição me enfeitiçou/ Quem tem amor ausente/ Já viveu a minha dor”.

É com Chico, no entanto, que o diálogo entre músicos parece ir ainda mais fundo. Primeiro, pela coautoria da faixa que dá título ao disco e na qual o autor de “Olhos nos Olhos” parece querer mergulhar no universo de Djavan. “Curioso é como a canção conta a história do alumbramento do próprio Djavan: a descoberta da verdadeira relação de amor, que é a parceria de trabalho, e a descoberta de uma relação mais aberta com a música brasileira, para além do seu próprio universo poético musical”, escreveu o crítico musical e autor da biografia de Djavan Hugo Sukman. É, de fato, uma canção especial onde cada um dispõe um pouco de si, numa verdadeira comunhão. Djavan tira do violão uma bossa nova vagarosa, sensual, que se esgueira em acordes de uma preguiça satisfeita. Chico, por sua vez, lança as palavras exatas para esse universo onírico e amoroso do tema: ”Deve ser bem morna/ Deve ser maternal/ Sentar num colchão e sorrir e zangar/ Tapear tua mão/ Isso sim, isso não/ Deve ser bem louca/ Deve ser animal”.

Tamanha conexão não poderia ficar em apenas uma faixa, e é aí que entra o delicioso samba “A Rosa”. Tradução da nova e empodeirada figura feminina a qual Chico já percebia àquela época, ambos cantam em versos hilários (mas não menos cronistas) o encantamento incondicional de um homem por sua musa, esta, por sua vez, totalmente independizada e emancipada das amarras sociais que recaem sobre as mulheres. Rosa é amoral, não deve satisfação pra ninguém e comprometida consigo mesma antes de mais nada: carinhosa, mas muda de humor e de opinião sem constrangimento e explicação;  gosta de sexo, mas não necessariamente só com o parceiro; é “do lar” quando quer, mas não titubeia em pegar as coisas e sair de casa sem aviso prévio. O homem, por seu turno, totalmente desarmado, é incapaz de enxergar defeitos nela e a admira cada vez mais. Os engraçados versos iniciais comprovam: “Arrasa o meu projeto de vida/ Querida, estrela do meu caminho/ Espinho cravado em minha garganta/ Garganta/ A santa às vezes troca meu nome/ E some/ E some/ Nas altas da madrugada”. Somente de Chico, a música tem tanta cara de Djavan, que é normal confundirem se tratar de uma coautoria.

Mas quem é mestre como Djavan sabe se virar muito bem sozinho. Sé dele são o delicado samba-canção “Sim e Não” e a lúdica “Dor e Prata”, assim como o samba sincopado de alta maturidade melódica “Sururu de Capote”, esta última, tão emblemática do estilo de Djavan que se tornou, a partir de então, o nome da banda que o acompanharia nos palcos. Haveria lugar ainda para mais um samba em parceria com Aldir,“Aquele Um”, e para a influência do Clube da Esquina com "Triste Baía de Guanabara", de Casaso e Novelli.

Já no trabalho seguinte a “Alumbramento”, “Seduzir”, de um ano adiante, Djavan seria gravado por Roberto Carlos, o que o tornaria, definitivamente, popular em terras brasileiras. Dois anos depois, em “Luz”, gravado em Los Angeles, Quincy Jones o produz e o mundo do jazz norte-americano se rende a seu talento. Mas parece pouco. Mesmo com o sucesso internacional e empilhando hits anos 80 afora, como “Samurai”, “Açaí”, “Flor de Lis”, “Lilás”, “Capim”, “Oceano” e outros, até hoje parece haver um descompasso. É tão normal no Brasil uma obra gigantesca em qualidade como a de Djavan considerando a existência de vários monstros sagrados da MPB como Chico, Caetano, Gil, Tom Jobim, Milton Nascimento e outros, que ocorre uma espécie de amortecimento. Sabe-se da qualidade, mas não se tem condições para se admirar suficientemente. Pelo contrário: parte do público brasileiro, incapaz de apreciar com um pouco de profundidade, ainda imputa-lhe a pecha de inventor de letras “sem sentido”. Para piorar a situação, o próprio Djavan recentemente veio a público manifestar-se a favor do atual Governo, desgostando muitos fãs e contrariando toda uma ideologia de respeito aos direitos humanos que alguém que escreveu músicas como “Soweto” e popularizou as tranças rastafari no Brasil parecia acreditar. Mesmo assim, nada atinge a excelência de sua música. Se fosse na Dinamarca, seu trono estaria garantido.


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FAIXAS:
1. "Tem Boi Na Linha" (Djavan/Aldir Blanc/Paulo Emílio) - 2:39
2. "Sim ou Não" - 3:16
3. "Lambada de Serpente" (Djavan/Cacaso) - 3:27
4. "A Rosa" - com Chico Buarque (Chico Buarque) - 4:24
5. "Dor e Prata" - 2:54
6. "Meu Bem Querer" - 3:26
7. "Aquele Um" (Djavan/Aldir Blanc) - 3:07
8. "Alumbramento" (Djavan/Chico Buarque) - 3:32
9. "Triste Baía de Guanabara" - (Novelli/Cacaso) - 2:59
10. "Sururu de Capote" - 2:54
Música de autoria de Djavan, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO:
Djavan - "Alumbramento"


Daniel Rodrigues

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Os 20 melhores discos brasileiros da década de 2010

Macalé: um dos expoentes da geração dos 60
da MPB marcando também a década de 2010
Passou rápido essa última década, hein? Tanto que só fui notar que isso estava ocorrendo quando, próximo do Ano Novo, ouvi dizerem que uma nova estava por iniciar. Tá, eu sei que vão dizer que a década mesmo só termina quando chegar 2021. Mas, convenhamos, todo mundo começa a contar a partir de um novo “zero” no calendário. Foi o que fiz. Automaticamente, meu cérebro começou a resgatar acontecimentos importantes no campo da cultura, entre estes, de discos da música brasileira que dessem conta desse ciclo que se fechava. E avaliando os trabalhos lançados entre 2010 e 2019, o saldo, aliás, é bem positivo.

Pode-se notar desde a entrada de uma nova turma de compositores/produtores no cenário musical até a reafirmação dos que já haviam conquistado espaço. Igualmente, a estabilização da geração de vozes femininas (como Tulipa Ruiz, Céu, Xênia França, Anelis Assumpção, Karina Buhr, entre outras), vindas em enxurradas sem critérios na década passada, é outro fenômeno percebido nesses dez últimos anos. Também viu-se um passo adiante dado pelo rap nacional (seja em São Paulo, Rio, Bahia ou outros estados) e na música instrumental mais “cabeça”, bem como a confirmação de que os velhos deuses da nossa música - Caetano, JardsGil, Chico, Djavan e outros -, ainda são bússola para todo mundo. Mas uma peculiaridade se percebeu fortemente: o encontro de gerações. Músicos jovens, além de conduzirem seus projetos próprios, passam a servir de base para moldar os mais antigos na modernidade que a produção musical da atualidade, digital e pós-moderna, exige.

Kiko Dinucci, da Metá Metá: a cabeça da nova geração
por trás de discos de outros artistas
Para representar essa década inspirada, então, selecionamos, em ordem cronológica, já que estamos falando da entrada da década de 20, duas dezenas de discos essenciais da música no Brasil daquilo que, transcorridos mais de 90% de sua totalidade, podemos já chamar de anos 2010. Semelhanças com outras listas sobre o mesmo tema haverá, pois alguns destaques são bastante evidentes. Uma boa parte, por exemplo, figurou no seleto grupo de ÁLBUNS FUNDAMENTAIS do blog e outros, merecedores, estão em tempo de, nalgum momento, serem alçados a tal. Mas diferenças também se notarão, e é aí que reside o legal da formação de listas: poder compará-las, concordar, discordar e, quem sabe, motivar que novas sejam compostas.

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1. “Recanto” Gal Costa (2011)

O brilhante disco que marcou o retorno de Gal ao nível de qualidade do qual ela nunca deveria ter se afastado. Álbum irmão de “Cantar”, de 1974, "Recanto" tem, igualmente àquele, a curadoria de Caetano Veloso. O disco, no entanto, vai além: é todo de autoria do mano Caetano, com a assinatura de Kassin e Moreno Veloso na produção e arranjos. Disco que revolucionaria não apenas a carreira da cantora, mas ditaria conceito e sonoridade pra quem não quisesse ficar de fora dessa evolução em termos de música no Brasil. Do krautrock tropicalista ao baião renascentista, da industrial-bossa ao funk-maculelê: uma obra-prima da MPB moderna.

1. Recanto Escuro
2. Cara do Mundo 
3. Autotune Autoerótico 
4. Tudo Dói 
5. Neguinho 
6. O Menino
7. Madre Deus 
8. Mansidão 
9. Sexo e Dinheiro 
10. Miami Maculelê 
11. Segunda



2. “Chico” Chico Buarque (2011)

Como seus livros, os discos de Chico têm sido cada vez mais espaçados. Porém, quando acontecem, são de uma síntese tremenda. Este, seu único trabalho musical da década além de “Caravanas”, de seis anos adiante, é o retrato de um artista maduro para com sua música e de um homem consciente para com sua história. Haja vista a autoavaliativa “Querido Diário” ou a romântico-realista “Essa Pequena”. A mais afinada parceria dele com o maestro Luis Cláudio Ramos, “Chico” ainda tem pelo menos outras duas obras-primas: “Tipo um Baião” e “Sinhá”, esta última, parceria com João Bosco, Melhor Canção daquele ano no Prêmio da Música Brasileira.


1. Querido Diário
2. Rubato
3. Essa pequena
4. Tipo um baião
5. Se eu soubesse
6. Sem você nº 2
7. Sou eu
8. Nina
9. Barafunda
10. Sinhá


3. “Nó na Orelha” Criolo (2011)

O ano de 2011 foi marcante não apenas pela alta qualidade de trabalhos de artistas tarimbados como Chico  e Gal, mas também por conta da chegada de uma figura que revolucionaria a música brasileira a partir de então: o paulista Criolo. E ele não o fez repetindo os mesmos passos dos mestres. Fez, sim, pela via do rap. Dono de uma musicalidade assombrosa e de versos imagináveis somente numa cabeça como a dele, Criolo, com o auxílio luxuoso de Daniel Ganjaman, cunhou um dos melhores discos da história da música brasileira e abriu caminho para uma renovação no rap nacional: um rap brasileiríssimo em cores, rimas e sons.


1. Bogotá
2. Subirusdoistiozin
3. Não Existe Amor em SP
4. Mariô
5. Freguês da Meia-Noite
6. Grajauex
7. Samba Sambei
8. Sucrilhos
9. Lion Man
10. Linha de Frente



4. “MetaL MetaL” Metá Metá (2012)

Quando a Metá Metá (Juçara Marçal, voz; Kiko Dinucci, guitarras; e Thiago França, sax) foram convidados, em 2017, para compor a trilha sonora do balé “Gira”, do Grupo Corpo, aquele grande trabalho tinha um evidente precedente: o abundante “MetaL MetaL”, segundo disco da banda paulistana dona do jazz-rock mais afro-brasileiro que já se viu. Uma explosão de sensações, musicalidade, timbres, sonoridades. Basta ouvir “Oyá”, “Logun” ou “Cobra Rasteira” para entender o que se está dizendo. “Incrível” é o mínimo do que se pode descrever.


1. Exu
2. Orunmila
3. Man Feriman
4. Cobra Rasteira
5. São Jorge
6. Oya
7. São Paulo No Shaking
8. Logun
9. Rainha Das Cabeças
10. Alakorô
11. Tristeza Não



5. “Abraçaço” Caetano Veloso (2012)

Não é de se estranhar que o sempre criativo e produtivo, mas também aberto e inovador Caetano tirasse proveito da parceria com os novos músicos. Mas para a sua mente tropicalista essa química foi ainda mais contributiva quando, em 2006, se deparou com a Banda Cê (Pedro Sá; Ricardo Dias Gomes e Marcello Callado). A formação/sonoridade rocker de baixo-guitarra-bateria deu condições ao baiano não apenas de compor uma elogiada trilogia (“Cê”, “Zii e Zie” e este) como, mais que isso, criar um quase subgênero: o transrock. “A Bossa Nova É Foda” (Grammy Latino de Melhor Canção Brasileira) e a faixa-título são apenas duas que confirmam ser este um dos grandes momentos da longa carreira de Caê.

1. A Bossa Nova é Foda
2. Um Abraçaço
3. Estou Triste
4. Império da Lei
5. Quero ser Justo
6. Um Comunista
7. Funk Melódico
8. Vinco
9. Quando o Galo Cantou
10. Parabéns
11. Gayana



6. “Não Tente Compreender” Mart’nália (2012)

Não dá pra dizer que Mart’nália, que já soma mais de 30 anos de carreira, pertença à nova geração. Mas que foi nos anos 2010 que ela se superou, isso sim, é possível afirmar. A filha mais famosa do mestre Martinho da Vila convoca ninguém menos que outro craque, Djavan, para produzir seu álbum, o que resulta no trabalho mais bem acabado dela. O mais legal é que é um disco fácil de se ouvir: suingado, melodioso, charmoso. Além de composições suas, Mart’nália grava figuras carimbadas da MPB, como Marisa Monte, Adriana Calcanhoto, Gil, Caetano, Ivan Lins, Nando Reis e outros. E, claro: não poderia faltar Martinho.

1. Namora Comigo
2. Surpresa
3. Daquele Jeito
4. Depois Cura
5. Que Pena, Que Pena...
6. Não Tente Compreender
7. Itinerário
8. Reverses Da Vida
9. Serei Eu?
10. Eu Te Ofereço
11. Os Sinais
12. Demorou
13. Zero Muito
14. Vai Saber



7. “Aquário” Tono (2013)

Se na década de 2000 foi a turma de Kassin, Domenico e Moreno quem ditou os padrões de “inteligentsia” da música no Brasil, Bem Gil e sua trupe deram um passo adiante nos 2010. Sonoridade moderna e ao mesmo tempo doméstica; melodias complexas que soam fáceis de ouvir; perfeição de timbres e execução que faz parecer algo simples de se fazer. Tamanha completude funcionou tão bem, que foi posta a serviço do genial pré-tropicalista Jorge Mautner em seu mais recente álbum “Não Há Abismo Em Que o Brasil Caiba”, do ano passado, produzido pela banda. Eis os novos caciques da MPB.

1. Murmúrios
2. Sonho com Som
3. Como Vês
4. Tu Cá Tu Lá
5. Chora Coração
6. Leve
7. Do Futuro (Dom)
8. UFO
9. Pistas de Luz
10. Da Bahia
11. A Cada Segundo



8. “Sambadi” Lucas Arruda (2013)

Certamente Marcos Valle, a Azymuth e a turma remanescente da primeira fase do jazz-soul-AOR brasileiro vibrou quanto, em 2013, viram o Espírito Santo operar um milagre: o nascimento de um músico multi-instrumentista e multitalentoso, o capixaba Lucas Arruda. O semi-instrumental “Sambadi”, seu disco de estreia, é um alento de resistência de uma música que o Brasil por muito tempo importara, mas que também há muito não se via representada. Foi Ed Motta quem disse: “Para mim, Lucas Arruda salva esse cenário supermedíocre de hoje”. Talvez nem tanto assim, mas dá a dimensão do acontecimento que foi a sua chegada.


1. Physis 
2. Tamba, Pt. 1 
3. Batuque 
4. Who's That Lady
5. Rio Afternoon 
6. Na Feira 
7. Sambadi 
8. Carnival 
9. Alma Nov
10. Tamba, Pt. 2



9. “Vira Lata na Via Láctea”Tom Zé (2014)

Mais do que os colegas tropicalistas Gal, Caetano e Gil, o que talvez seja o de espírito mais jovem e inquieto é Tom Zé. O baiano de Irará entra na roda da gurizada e produz seu mais poderoso disco da década. Criolo, Dinucci, Tim Bernardes, Trupe Chá De Boldo e Filarmônica de Pasárgada revigoram o sarcasmo poético-erudito do autor de “Brasil Ano 2000”. Mas também tem espaço para os contemporâneos Milton Nascimento (“Pour Elis”), Fernando Faro e uma inédita coautoria com Caetano na faixa que encerra o álbum: “A Pequena Suburbana”.

1. Geração Y
2. A Quantas Anda Você?
3. Banca de Jornal
4. Cabeça de Aluguel
5. Pour Elis
6. Esquerda, Grana e Direita
7. Mamon
8. Salva a Humanidade
9. Guga na Lavagem
10. Irará Irá Lá
11. Papa Perdoa Tom Zé
12. Retrato na Praça da Sé
13. A Boca da Cabeça
14. A Pequena Suburbana



10. “Passado de Glória: Monarco 80 Anos” Monarco (2014)

Último remanescente da Velha Guarda (sim, com letra maiúscula!) do samba brasileiro, Monarco gravou, desde os anos 70, quando já era um bamba da Portela, praticamente um disco por década. Já octogenário, o mestre, com seu barítono inconfundível e suas melodias e letras marcantes, desfila canções irreparáveis de seu vasto cancioneiro. Desde composições dos anos 40 (o gracioso maxixe “Crioulinho Sabu”, escrito quando tinha apenas 8 anos) até parcerias com sambistas célebres, como Mário Lago (“Poeta Apaixonado”), Ratinho (“Verifica-se De Fato”, “Pobre Passarinho”) e Mijunha (“Meu Criador”). Sabe aquele disco que tem caráter de registro histórico-antropológico? Pois é.

1. Poeta Apaixonado
2. Verifica-se De Fato
3. Não Reclame Pastorinha
4. Tristonha Saudade
5. Insensata E Rude
6.  Estação Primaveril
7. A Grande Vitória
8. Pobre Passarinho
9. Momentos Emocionais
10. Fingida
11. Meu Criador
12. Horas de Meditção
13. Crioulinho Sabu



11. “Mulher do Fim do Mundo” - Elza Soares (2015)

A deusa negra Elza Soares já vinha de um ótimo trabalho com músicos de São Paulo por meio do craque Zé Miguel Wisnik, “Do Cóccix Até O Pescoço”, de 2012. E foi dessa proximidade com a turma paulista que a grande cantora viva de sua geração e símbolo do empoderamento feminino chegou a Guilherme Kastrup. Deu liga. Ele arrumou o campo pra que Elza entrasse em campo com o que sabe fazer melhor do que ninguém: cantar. Clássico imediato, “Mulher. do Fim do Mundo” conta com joias como a faixa-título, “Maria de Vila Matilde” e “Pra Fuder”.

1. Coração do Mar
2. A Mulher do Fim do Mundo
3. Maria da Vila Matilde
4. Luz Vermelha 
5. Pra Fuder
6. Benedita
7. Firmeza?!
8. Dança
9. O Canal
10. Solto
11. Comigo



12. “Sangue Negro” Amaro Freitas (2016)

Justo na década em que o Hermeto Pascoal começa a dar sinais de cansaço, eis que surge, também do Nordeste, um novo talento do jazz brasileiro com domínio do piano, da composição, da harmonia e, claro, do improviso: o pernambucano Amaro Freitas. Seu disco de estreia, “Sangue Negro”, é uma ode ao caminho aberto pelo Bruxo e seus cultuadores de magias sonoras. Ora modal, ora hard-bop, ora vanguarda. Ora sertão e barracão. Sintonia perfeita entre ele e seus músicos, Jean Elton (baixo), Hugo Medeiros (bateria) e os sopros de Fabinho Costa e Elíudo Souza.



1. Encruzilhada
2. Norte
3. Subindo O Morro
4. Samba De Cesar
5. Estudo 0
6. Sangue Negro





13. “No Voo do Urubu” Arthur Verocai (2016)

Só o fato de ser um dos quatro discos do maestro e compositor mais cults da música brasileira e o único na década de 2010 já seria suficiente para ser considerado importante. Mas “No Voo do Urubu” alça mais alto que isso: vai aos céus. Essencial desde seu lançamento, como bem percebeu Ruy Castro, traz desde o primor das melodias jobinianas (“Oh! Juliana”, “O Tempo e o Vento”) ao contagiante suingue funk-soul nas parcerias com Vinícius Cantuária (“A Outra”), Mano Brown (“Cigana”) e Criolo (“O Tambor”). Claro, Verocai não deixa de lado também os arranjos de cordas mozartianos e o dedilhado erudito-popular do violão.

1. No Voo do Urubu 
2. O Tempo e o Vento
3. Oh! Juliana (
4. Minha Terra Tem Palmeiras 
5. A Outra 
6. Cigana 
7. O Tambor
8. Snake Eyes 
9. Na Malandragem 
10. Desabrochando 



14. “Duas Cidades” BaianaSystem (2016)

A Bahia de Todos os Santos é um dos polos da música brasileira desde que o samba é samba. Por isso, não é de se estranhar que tenha seus representantes nesta nova geração da música brasileira. É aí que entra o BaianaSystem. Misto de reggae, dub, samba, afro-beat, rap, axé e rock, eles trazem não só a Salvador idílica como também a urbana, como suas questões sociais, raciais e políticas à flor do asfalto. “Jah Jah Revolta – parte 2” abre o disco dizendo a que veio. Isso sem falar nas excelentes “Mercado”, “Dia da Caça” e “Panela”. Mais um pra conta de Daniel Ganjaman, aliás.

1. Jah Jah Revolta - Parte 2
2. Bala na Agulha
3. Lucro (Descomprimindo)
4. Mercado
5. Duas Cidades
6. Playsom
7. Dia da Caça
8. Cigano
9. Calamatraca
10. Panela
11. Barra Avenida Parte 2
12. Azul



15. “Tribalistas 2”Tribalistas (2017)

Ainda bem que não se confirmaram os versos ditos por eles mesmos em 2002 de que “o tribalismo” iria “se desintegrar no próximo momento”. Para sorte dos fãs e da música brasileira, 15 anos depois, Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes se reúnem novamente e, novamente, produzem um disco impecável de cabo a rabo. Das composições às execuções, das interpretações à produção. Que beleza infindável que são, por exemplo, "Diáspora", "Baião do Mundo" e "Fora da Memória"!

1. Diáspora
2. Um só
3. Fora da memória
4. Aliança
5. Trabalivre
6. Baião do mundo
7. Ânima
8. Feliz e saudável
9. Lutar e vencer
10. Os peixinhos




16. “Besta Fera”Jards Macalé (2018)

O “maldito” voltou com tudo, a se ver já pelo título. Com o aporte de um dos cabeças desta nova geração, o “Metá Metá” Kiko Dinucci, juntamente com outro talento eminente, Thomas Harres, Macao traz desde temas com esses jovens parceiros e outros, como Tim Bernardes e Rodrigo Campos, até o velho companheiro de estrada Capinam (em “Pacto de Sangue”) e a filha do amigo Glauber Rocha, Ava Rocha, com quem compôs “Limite”. Impossível ficar alheio à faixa de abertura, “Vampiro de Copacabana”, homenagem a Torquato Neto.

1. Vampiro de Copacabana
2. Besta Fera
3. Trevas
4. Buraco da Consolação
5. Pacto de Sangue
6. Obstáculos
7. Meu Amor e Meu Cansaço
8. Tempo e Contratempo
9. Peixe
10. Longo Caminho do Sol
11. Limite



17. “Abaixo de Zero: Hello Hell”Black Alien (2018)

Falando novamente em rap, não só a nova geração surpreendeu, mas também um velho militante do hip-hop brasileiro: o ex-Planet Hemp Black Alien. Após um período sabático, Gus ressignificou sua vida e sua música, lançando um disco curto, pungente e genial. Letras afiadíssimas sobre a sua realidade e vivência e também sobre sociedade, política e sistema, ganham a roupagem perfeita dada pelo produtor e parceiro Papatinho, outro “ás” da nova geração. Versos como “Quem me viu, mentiu, país das fake news/ Entre milhões de views e milhões de ninguém viu” dão a ideia do quanto o negócio é quente.


1. Área 51
2. Carta Pra Amy
3. Vai Baby
4. Que Nem O Meu Cachorro
5. Take Ten
6. Au Revoir
7. Aniversário De Sobriedade
8. Jamais Serão
9. Capítulo Zero





18. “Taurina”Anelis Assumpção (2018)

A responsabilidade de representar a tradição dos Assumpção na música não é tarefa fácil. Não para Anelis Assumpção. Após a perda do pai, o genial Itamar Assumpção, no início dos 2000, viu-se, em 2016, também sem a irmã mais velha, a igualmente musicista Serena. Toda essa hereditariedade e tradição, unidas à sua criatividade própria, resultaram no brilhante “Taurina”, terceiro disco dela. Sensibilidade feminina, empoderamento, Lira Paulistana, poesia maldita, ecos do Nego Dito: elementos musicais e conceituais não faltam, o que se pode notar em “Mergulho Interior”, “Chá de Jasmin”, “Paint my Dreams” e outras. 

1. Mergulho Interior
2. Chá De Jasmim
3. Segunda à Sexta
4.  Gosto Serena
5.  Pastel De Vento
6. Caroço
7. Mortal À Toa
8. Paint My Dreams
9.  Moela
10.  Escalafobética
11. Receita Rápida




19. "Bluesman" - Baco Exu do Blues (2018)

Na Bahia tem cururu, vatapá e... rap! Baco Exu do Blues, esse jovem talento vindo da terra de Caymmi, balançou a cena musical brasileira em 2017 com o marcante "Esu" e, logo em seguida, surpreendeu ainda mais com o premiado "Bluesman". Trap, gangsta, blues e funk se homogeinizam às mais profundas raízes da música afro-brasileira. Samples inteligentes e letras poderosas, viscerais, críticas e improváveis, como as de “Queima Minha Pele”, “Me Desculpa Jay Z” e Flamingos” e “Girassóis De Van Gogh”.


1. Bluesman
2. Queima Minha Pele
3. Me Desculpa Jay Z
4. Minotauro De Borges
5. Kanye West Da Bahia
6. Flamingos
7. Girassóis De Van Gogh
8. Preto E Prata
9. BB King




20. “Gil” Gilberto Gil (2019)

Se o autor de “Aquele Abraço” não tinha produzido nenhum disco à altura de seus grandes álbuns na década de 2010, ao apagar desta o mestre baiano tira da cartola a trilha sonora para a peça que o Grupo Corpo encenaria lindamente nos palcos. Mas, como acontece sempre com as trilhas da companhia de dança, o disco pode ser apreciado separadamente da coreografia com tranquilidade. E que maravilha Gil compôs! Espécie de réquiem em ritmos e cores brasileiras, Gil, de mãos dadas com o filho e igualmente talentoso Bem Gil, desfila suas inúmeras referências, tendo uma como principal: a própria obra. 

1. Intro Choro nº 1
2. Choro nº 1
3. Improviso Choro nº 1
4. Intro Seraphimu
5. seraphimu
6. Improviso Seraphimu
7. Intro Fragmento Lírico
8. Fragmento Lírico
9. Improviso Fragmento Lírico
10. Círculo
11. Triângulo
12. Quadrado
13. Retângulo
14. Pentágono
15. Gil


Daniel Rodrigues

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Chico Buarque - Show "Caravanas" - Auditório Araújo Vianna - Porto Alegre/RS (17/08/2018)


Muito já se disse sobre os três dias de shows de Chico Buarque de Hollanda em Porto Alegre nos dias 17, 18 e 19 de agosto. Meu amigo Juarez Fonseca fez um texto com muita propriedade sobre o que ele – e eu – vimos num dos dias, mas tenho algumas impressões pessoais a registrar.  Chamou-me a atenção que Chico não se utiliza da linguagem pop da MPB em nenhum momento. Cheguei a comentar com o Raul Ellwanger no final do show que Chico é dos poucos cantores/compositores que ainda pratica os gêneros de canção brasileira anteriores à bossa-nova: bolero, fox-trot, sambas em todos os andamentos, chorinho, etc. Ao contrário de seus contemporâneos Caetano e Gil e dos representantes da geração seguinte, Djavan e os nordestinos Alceu Valença, Zé Ramalho e Lenine, Chico não se deixa seduzir pelos sons das guitarras e bloops-blips da modernidade. O baixo elétrico no seu espetáculo é discreto, assim como os timbres de teclados de Bia Paes Leme. Já o pianista João Rebouças chega a tocar um bandolim em vários momentos.

Chamou também a atenção que as famosas músicas de “dor-de-cotovelo” ("Trocando em Miúdos" e "Olhos nos Olhos", por exemplo) não estivessem presentes no roteiro. Uma das poucas canções que entram neste rol e que estava no show é a lírica "Todo o Sentimento", parceria com o pianista Cristóvão Bastos. Como bem disse o Juarez, o discurso é outro e não está nos intervalos entre as músicas. Está nas letras das canções. Artista maduro, Chico não atendeu os anseios dos seus detratores, que desejavam um discurso defendendo suas posições políticas para se refestelar nos gritos de "comunista", "vermelho" e outras sandices. Isso tem hora e lugar, como fez ao visitar Lula em Curitiba.

Chico com sua banda: fiel à música
brasileira em suas diversas vertentes
No palco, a história é outra e os "comentários" vem embalados em belas melodias com o auxílio luxuoso de sua banda. Destaque especial para o percussionista Chico Batera, que tocou marimba e vibrafone, instrumentos não usuais em espetáculos de MPB. Vi o show ao lado do empresário musical João Mário Linhares, que confirmou que o roteiro foi totalmente criado e montado pelo compositor. Ao contrário do que queria um colunista da praça, que acha que o artista não deve evoluir, a base do espetáculo foi o disco "Caravanas" com incursões pontuais ao passado ("Homenagem ao Malandro", "Partido Alto", Sabiá", "Geni e o Zeppelin", "Retrato em Branco e Preto" e "Gota D'Água"). Em mais de duas horas e 30 músicas, Chico Buarque calou a boca de seus "inimigos de Facebook" com a cabal demonstração de que continua sendo o maior compositor brasileiro vivo.




Texto: Paulo Moreira
Fotos: Guilherme Ricacheski