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sexta-feira, 26 de junho de 2020

Fausto Fawcett e Falange Moulin Rouge - Bar Opinião - Porto Alegre (1993)



foto de show em Baurú, em 1993 
créditos: canal DJ Teruo (You tube)
Quando foi anunciado que Fausto Fawcett faria um show em Porto Alegre acompanhado, além de músicos, por um grupo de belas louras, me pareceu que se tratava de uma grande forçação. Eu curtia Fausto Fawcett, mais do que a maioria das pessoas que só lembram dele pela calcinha da Kátia Flávia, mas aquilo me soava como uma apelação de um artista em baixa tentando, de maneira um tanto vulgar, reconquistar uma certa popularidade. Por outro lado, não era possível que se prestasse a reunir um belo time de músicos para aquela turnê, como Dado Villa-Lobos, da Legião Urbana, na guitarra, Dé, ex-Barão Vermelho no baixo, João Barone, dos Paralamas, na bateria, só para representar um teatrinho musical numa grande putaria caça-níqueis. Fiquei curioso pela parte musical da coisa, mas não a ponto de me prestar a ir ao show e deste modo, pelo menos dei uma chance para a proposta de Fausto Fawcett ouvindo o concerto musical performático pela rádio Ipanema FM, numa iniciativa que eles costumavam ter de transmitir shows ao vivo, sempre que possível, de auditórios, bares, teatros ou qualquer tipo de casa de espetáculo da cidade.

E fui eu então ouvir o show no rádio... e para minha surpresa o negócio era bom! Bem bom!!! Uma mistura suingada de rock, soul, funk carioca, samba, incrementado por scatches, samples e uma percussão sempre bem oportuna, tudo com aquele vocal característico, quase narrado, e refrões improváveis e pegajosos de Fausto Fawcett. Quanto mais escutava, mais eu tinha vontade de estar lá vendo aquele show que além de passar, mesmo pelas ondas do rádio, uma vibração de entusiasmo e energia, era constantemente elogiado durante a trasnmissão pela comunicadora Katia Suman.

"Por que que eu não estou lá? Por que que eu não estou lá?"... Bom, eu não estaria lá naquela noite mas poderia estar na noite seguinte. Sim!!! Estavam previstas duas apresentações na cidade e diante daquela agradável surpresa sonora que o show me proporcionara pelo rádio, eu tinha oportunidade de presenciá-lo, in loco, no dia seguinte .

Aí então, eu e irmão Daniel, que também havia escutado o show pelo rádio e tivera a mesma sensação de boa surpresa, nos tocamos para o Bar Opinião, casa de espetáculos no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre e fomos ver o tal do show. Não vou negar que procurei um lugar interessante de onde pudesse apreciar os atributos físicos das louras pois, afinal de contas, por mais que tivesse posto em julgamento as verdadeiros propósitos daquele projeto, uma vez estando lá, queria, além de curtir a parte musical que havia me impressionado na noite anterior, me deliciar visualmente com o que o rádio não teve como me mostrar.

Inegavelmente o espetáculo tinha um apelo sensual, uma provocação dos instintos masculinos, uma vulgaridade medida, mas mesmo as apresentações das meninas não se limitavam a um bundalelê gratuito. Além das referências a clássicos mestres-de-cerimônia brasileiros como Chacrinha e Sargentelli, que utilizaram a figura da mulher bonita e sensual como suporte e alavanca para suas performances, algumas das garotas eram verdadeiramente talentosas e davam boa contribuição ao espetáculo, como é o caso da loura Luzia, que se destacava sobremaneira no tocante à dança, e da cacheadinha Kátia, sem dúvida a melhor cantora dentre todas elas. Outras como Regininha Poltergeist, claramente uma péssima cantora, davam sua contribuição, além de física e estética, é claro, pelo seu carisma e presença de palco; ou como a badalada Marinara, ex-esposa do jornalista e apresentador esportivo Fernando Vanucci, que havia ficado famosa por seu uma policial que havia posado nua para a revista Playboy, e que emprestava ao show a possibilidade de ter uma espécie de superstar brasileira do momento.

Além de criar versões para antigas composições suas, como para "Drops de Istambul", uma música menor do primeiro disco que, com inserções e recortes arábicos do DJ, que ficou bem mais interessante, Fausto, teve a perspicácia de criar um tema musical para cada garota explorando o melhor do personagem de cada uma delas. Regininha, cujo tema trazia algo de sincrético, místico, sobrenatural, e que carrega até hoje o apelido Poltergeist por conta da canção "Santa Clara Poltergeist", do próprio Fausto, do segundo disco, recriada para quela turnê, entrava no palco vestindo um hábito de freira e, com o desenvolvimento do número, se libertava do mesmo para deixar-se levar pelas forças que a tornavam aquela mulher sensual e irresistível que tomava conta do palco para a louvação daquele macharedo babão que, a reverenciando, repetia o refrão, "Amém, Regininha, amém!" (e, sim, eu participei da louvação). Gisele, descrita na letra como " a loura luz do fogo da inspiração", foi a mais "impressionante" fisicamente entre elas (entendedores entenderão) ganhando para si um sambinha gostoso, sem dúvida o tema individual e a performance mais sensuais da noite. Luzia, ilustrava um rock funkeado cheio de swing com menção a felinas selvagens; um soul bem embalado fazia Kátia, não a famosa Flávia, mas a apelidada "Talismã", mostrar porque era a melhor cantora do grupo; e a música de Marinara, como o compositor não poderia deixar passar, fazia menção à função de policial, sendo definida por ele como a "loira Majestade do lado da lei", num tema musical que aludia a escolas de samba cariocas e sambas de enredo, especialmente ao clássico "Peguei um Ita no Norte", do Salgueiro, associando seu famoso verso ao nome da loira e criando mais um de seu refrões inesquecíveis: "É Marinara, explode coração".

Mas não foram só as homenagens individuais para cada loira: Fausto Fawcett ainda usaria time inteiro em duas ótimas músicas, "Básico Instinto", um funk pesado com ótimas performances dos guitarristas, sample de Ennio Morricone e que fazia referência direta ao filme "Instinto Selvagem" trazendo à luz o excelente refrão "Sharon Stone, stone Me"; e a que fechou o show "KLGR"*, uma pedrada com um riffzaço poderoso, samples de Public Enemy, e que exaltava no refrão as quatro louras originais, uma vez que Marinara, além de ser a "estrela convidada", juntara-se à equipe durante a turnê. "Kátia, Luzia, Gisele, Regininha"*, cantava Fausto Fawcett encarnando o papel do "cafetão" e definindo aquele espetáculo todo de forma precisa como um grande "teatro de revista samba funk" para encerrar o show e fechar as cortinas.

Para quem achava que seria só um monte de bundas rebolando, o show de Fausto Fawcett com sua Falange Moulin Rouge acabou sendo uma agradabilíssima surpresa artística e musical. Uma ótima banda, qualidade musical, muito ritmo, provocações inteligentes sobre cultura e comportamento e,... bom, teve também um monte de bundas rebolando. E estaria mentindo se dissesse que não gostei.


* Ainda durante aquela turnê, Luzia foi substituída pela cantora e dançarina Luciana e Marinara foi efetivada como integrante fixa do grupo.  Assim, esta música que naquela ocasião ainda contava com as iniciais das quatro integrantes originais, passou a se chamar "KGLRM" (Kátia, Luciana, Gisele, Regininha e Marinara), que foi a versão definitiva que entrou para o álbum "Básico Instinto".

Fausto Fawcett e Falange Moulin Rouge - Bar Opinião - Porto Alegre (1993)
áudio do show

Cly Reis

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

"O Vingador do Futuro", de Paul Verhoeven (1990) vs. "O Vingador do Futuro", de Len Wiseman (2012)



Paul Verhoeven pode não ser dos diretores mais elegantes no que diz respeito à sua obra, com algumas coisas bem toscas e sua tradicional violência exacerbada, mas não há como negar que, entre erros e acertos, o diretor holandês já colocou alguns de seus filmes na galeria de clássicos do cinema como é o caso do icônico "Robocop", do polêmico "Instinto Selvagem" e do frenético "O Vingador do Futuro", eletrizante ficção científica de ação que, encorajada por sua dinâmica e potencial, ganhou há alguns anos atrás uma nova versão cinematográfica. O problema principal do remake de "O Vingador do Futuro", de 2012, é que ele tenta se levar a sério demais. Quer tomar um viés político, social, até ecológico. O instigante argumento, baseado no conto de Philip K. Dick ("Blade Runner" e "Minority Report"), é mais bem aproveitado na versão original que é muito mais descontraída que a última, sem chegar a cair exatamente na comédia. A leveza, mesmo entre tiros, explosões e naquele momento o recorde de mortos em filmes de ação, se deve em grande parte à figura do carismático Arnold Shwarzenegger que, mesmo com suas inegáveis limitações de atuação, mesclava como poucos, especialmente naquele momento da cerreira, a capacidade de encarnar o brutamontes durão ao mesmo tempo que fazia o bobão cômico. Já no novo, a estrela principal é Colin Farrell, de quem já não gosto muito mas que, independentemente da minha opinião pessoal, não há como negar que não chega perto do carisma de Shwarzenegger. Ele até se esforça, faz lá uma gracinha que outra mas, notoriamente, está concentrado em sua missão, está compenetrado, está preocupado e isso torna seu personagem chato e distante.
Douglas Quaid (Shwarzie no original e Farrel no remake) é um operário de mineração que, cansado de sua vidinha rotineira é seduzido por um anúncio da empresa Rekall que promete implantes de memória que serão como férias realmente vividas em sua vida com a opção de incrementar a aventura e assumir outra identidade, outra atividade. Quaid escolhe ser agente secreto mas no momento do implante de memória algo dá errado (ou parece dar) e nos é revelado que aquele cliente já tinha um implante anterior e que não seria quem achava que era. Com a diferença que o primeiro Quaid queria férias em Marte e o segundo na União da Bretanha, o centro urbano e administrativo de um planeta Terra semidestruído por uma guerra química, a ação se desenrola em ambos, desenfreadamente, a partir do momento que Quaid sai da Recall. Tudo é muito parecido mas no de 1990 tudo é mais charmoso e cativante, até mesmo os defeitos como, por exemplo, os cenários de Venusville, a zona do meretrício de Marte, bem primários mas... o que seria de "O Vingador do Futuro" sem eles?
A refilmagem tem a vantagem do avanço dos recursos tecnológicos mas os efeitos visuais do original não ficam devendo em nada mantendo-se até hoje como referência no quesito. A cabeça-bomba da "mulher das duas semanas" e o raio-X no terminal de passageiros, os rostos inchando até os olhos quase saltarem das órbitas quando Quaid e Melina ficam expostos à atmosfera de Marte, a própria reprodução da superfície do planeta baseada em imagens obtidas pelas sondas da NASA são impactos visuais que não serão esquecidos facilmente.

"O Vingador do Futuro" (1990)
cena do disfarce no terminal de passageiros em Marte 

"O Vingador do Futuro' (2012)
cena do disfarce no terminal de passageiros da UFB
(referência à cena do original)

Além disso tem os personagens periféricos, muito mais cativantes, cada um a seu modo na versão primeira: Lori, a esposa, está muito melhor na pele de Sharon Stone do que da "soldadona" Kate Beckinsale, embora a disputa seja acirrada no quesito beleza; Melina, a agente do original (Rachel Ticotin) é muito mais simpática do que a do remake, Jessica Biel, feminina e carinhosa quando é pra ser mas durona na medida certa, e até por isso, mais carismática; Cohaagen na nova versão é quase um ninja, enfrentando no braço, de igual para igual o agente Houser (Quaid) numa das cenas decisivas do novo filme, ao passo que no anterior era somente, e muito apropriadamente, só mais um empresário bundinha bem filha-da-puta.
E tinha o Benny do táxi que tinha sete filhos pra criar; tinha o capanga, o cara que explode a cabeça de outro no "Scanners" do Cronenberg (Michael Ironside), e que sempre fazia bons vilões; e tinha o Kuato que ficava na barriga de um cara nos subterrâneos de Marte... e na refilmagem sequer tem um Kuato! Onde já se viu? O remake até faz algumas referências ao velho como à gorda na estação de embarque, à mutante de três seios, mas soam tão jocosas que, se foram homenagem, soaram mais como um injustificável escárnio.
"O Vingador do Futuro" 1990, de Paul Verhoeven ganha com facilidade. Não goleia, mas faz aquele 2x0 clássico, sem esforço. Tem melhores jogadores, melhor técnico e mais conjunto. O filme de Len Wiseman até é esforçado, tem suas qualidades, joga alguma bola, é verdade, mas, me desculpe..., Clássico é Clássico!

O momento em que as memórias são implantadas em Quaid, na Recall, em cada uma das versões.
Ambas os filmes deixam a dúvida se tudo o que acontece a partir dali foi real ou não.

Num jogo corrido, Paul Verhoeven confirma que no mata-mata, ele é o cara e não tem pra ninguém.



quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

"O Regresso", de Alejandro González Iñárritu (2016)



Deve ter sido delicioso aos que, pelo menos por algum período, puderam acompanhar just-in-time a filmografia de algum grande diretor do passado. No caso de Alfred Hitchcock, por exemplo: o mestre do suspense superava-se a cada produção que lançava, reelaborando às vezes a mesma ideia ao longo do tempo, desde a fase inglesa (anos 20 e 30), passando pelos primeiros anos nos Estados Unidos (década de 40) até chegar às obras-primas definitivas (50 e 60). É perceptível que a confusão no teatro lotado de “Os 39 Degraus” (1935) se repetira em “Cortina Rasgada” (1962), ou o mesmo tenha ocorrido com a cena da escada de “Suspeita” (1941) e, depois, na clássica de “Psicose” (1960), a que Norman Bates mata o detetive. Dois exemplos de um realizador que soube como poucos reciclar suas próprias ideias e progredir constantemente.

Dadas as devidas dimensões, os espectadores e cinéfilos de hoje podem gozar dessa sensação quanto ao cinema de Alejandro González Iñárritu. Ele, que começara em alto nível com a trilogia “Amores Perros” (2000), “21 Gramas” (2003) e “Babel” (2006), resvalou um pouco no hiperbólico “Biutiful” (2010) mas logo retomou-se com o labiríntico "Birdman" (2014), Oscar de melhor filme do ano passado. Agora, o cineasta mexicano, aproveitando com parcimônia elementos de todas as suas realizações anteriores, avança em estilo e estética e lança o filme que certamente é sua obra-prima até então: “O Regresso”. Dos favoritos para levar o mesmo prêmio que “Birdman”, é a produção de mais indicações este ano, 11 no total, tendo ainda grandes chances à estatueta em Melhor Ator, com Leonardo DiCaprio, e em Direção, com o próprio Iñárritu.

O filme, baseado numa história verídica (sobre o romance de Michael Punke) situa-se na primeira metade do século XIX e conta a história de Hugh Glass (DiCaprio), um forasteiro que parte com seu filho para o oeste americano disposto a ganhar dinheiro caçando. Atacado por um urso na floresta, fica seriamente ferido e é abandonado à própria sorte por um dos parceiros, John Fitzgerald (Tom Hardy, digno de Oscar também), o qual ainda mata seu filho. Entretanto, mesmo com toda adversidade, Glass consegue sobreviver e inicia uma árdua jornada em busca de vingança. Dado a personagens fortes, o talentoso DiCaprio, provavelmente o melhor ator de sua geração, se esbalda no papel. É impressionante vê-lo na pele de Glass nas cenas de solidão desafiando a natureza opressiva e ainda doente, com dor, fome e dilacerado por dentro pela brutal perda do filho.

Com a ajuda de um elenco afinado e de uma fotografia acachapante (de Emmanuel Lubezki, impecável tanto nos grandes planos quanto nos fechados), Iñárritu compõe um filme extremamente intenso, porém rigoroso. Nada está fora do lugar, nem mesmo a intensidade. Do roteiro (Iñarritu e Mark L. Smith) ao figurino, da cenografia à edição de som, da trilha sonora – do mestre Ruiychi Sakamoto – à montagem (Stephen Mirrione). Tudo é muito exato, porém, sem recair no artificial, comum ao tecnicista cinema norte-americano. Afinal, está se falando de um esteta do cinema da atualidade. Estão preservados vários elementos estilísticos que já se tornaram marcas de Iñárritu: sua câmara andante, contemplativa e participativa, o estreitamento entre civilização e barbárie, o limite entre vida e morte, o contato com o etéreo e, mais do que tudo, o animalesco instinto de sobrevivência do bicho homem.

Com esse suco, o diretor cria um western estilizado em que a carga emocional é permanente, mas muito bem conduzida. Diferentemente de outros filmes seus, em “O Regresso” Iñárritu, tão louvado pela linguagem inovadora, vale-se sem embaraço de uma narrativa clássica. E não poderia ter sido a melhor escolha, pois o enredo se presta a isso. Neste caso, a estrutura tradicional do cinema preenche o enredo, prescindindo da dificultação intrínseca à linguagem moderna. Com uma trama em que os personagens são apresentados de início e partindo de um problema, gera-se uma “crise” na história que faz com que os caminhos se diluam e se dificultem. Esse problema de resolução complicada é vencido pouco a pouco pelo personagem principal, gerando tensão à história, até que este chegue a seu objetivo. Não muito diferente de milhares de filmes nesta linha, o clímax é uma vingança. A construção dos personagens também respeita isso: há o herói com mais qualidades que defeitos e que, embora bruto, é movido por sentimentos genuínos. Em contrapartida, o vilão é tomado de inveja e maldade, enquanto há aqueles que, por não penderem nem a um nem a outro, cumprem a função de dar o contrapeso. Como na vida. Entretanto, até nisso é dado um teor diferenciado. Seguindo a abordagem realista que permeia toda a história, os índios não são nem os perversos dos bang-bangs enlatados nem idiotas indefesos. São, sim, mostrados como a História os deve ver: um bravo povo dizimado pela gananciosa civilização do homem branco.

É interessante notar a maturidade adquirida por Iñárritu no transcorrer de sua filmografia. Este começou com três filmes de tramas corais, quase novelas, bastante alicerçadas no roteiro do conterrâneo Guillermo Arriaga. Em “Biutiful”, quando tenta emancipar-se do parceiro de escrita, escorrega principalmente neste quesito, exagerando na dose de dramaticidade. Não repete o erro e, ainda por cima, realiza o inesperado e ousado “Birdman”, em que apresenta uma narrativa totalmente contemporânea e igualmente distinta da utilizada em seus primeiros filmes. Assim, em “O Regresso” Iñárritu pinça com inteligência feições de todas as suas obras anteriores, porém, sem deixar com que este perca personalidade. De “Biutiful”, está o aspecto espiritual do protagonista, que mantém contato constante com a esposa morta e, depois, com o filho. Até o enquadramento e o conceito fotográfico da tomada da copa de pinheiros altos com fumaça e cinzar no ar sob a neve é parecida. De “Birdman”, mesmo sendo o que mais se difere de “O Regresso” entre suas obras, é visível que a câmera na mão, ligeira mas firme e de ritmo humano, é novamente um personagem a mais na trama.  Da trilogia inicial, também: no segundo quadrante do filme criam-se quatro histórias paralelas: Glass tentando voltar; os companheiros já chegados ao forte; Fitzgerald e um comparsa a caminho; e o grupo de franceses trapaceando os índios. De “Amores Perros”, em especial, a equiparação bicho x homem é ainda mais clara. Um pouco de cada um dos cinco anteriores, mas principalmente do próprio “O Regresso”.

A impactante e real cena do ataque do urso.
Outro fator-base da história, também largamente usado no cinema clássico – mas de fácil ocorrência de erros –, são os elementos da natureza simbolizando os narrativos. A atmosfera selvagem não é apenas mostrada permanentemente através da fotografia, inóspita e desafiadora, mas num conceito amplo em que o homem é apenas mais um componente dentro daquele universo, assim como os animais e as intensas intempéries. Os sentidos estão todos despertos. Do tato, a umidade, o frio, o calor, a dor. Da audição, o zumbido do vento, o ofego do respirar, o estrondo das quedas d’água, os ruídos da mata. Tudo se mistura e se integra com muita propriedade à edição de som e à trilha sonora, igualmente inserida com lucidez e sem excessos. Tudo é vivo, o que faz com que tudo seja também morte. Dessa forma, Iñárritu se utiliza do ambiente natural e dos sentidos não como adereço, mas numa constante construção dos personagens e da narrativa. Glass, por exemplo, durante o seu regresso e ainda tentando se recuperar da surra do urso, põe sobre os ombros uma pele justamente deste grande mamífero, como se assumisse o papel do bicho. Antes mesmo, quando, muito debilitado, assiste a Fitzgerald matar seu filho sem poder fazer nada e espuma saliva pela boca, a mesma que o próprio urso deixa escorrer sobre seu rosto quando o ataca, pois o fazia pelo mesmo motivo que movia Glass: proteger sua cria. Homem e animal: nenhuma diferença.

DiCaprio, atuação para Oscar novamente.
Essa cena, aliás, é altamente impactante e merece destaque. Feita com um urso de verdade, o mais impressionante é que o ator também é de verdade. Sim, não é um dublê: é o próprio DiCaprio, inteiro dentro do personagem. Mesmo contracenando com um animal adestrado, ele saiu bem machucado pelo que se tem notícia. Valeu o esforço. Certamente é das cenas mais célebres dos últimos 20 anos, junto com a chuva de sapos de “Magnólia” ou o acidente no ringue com a lutadora de “Menina de Ouro”. Daquelas que entra para a seleta lista de cenas inesquecíveis do cinema mundial. Mas não apenas essa: o filme é uma sucessão de grandes momentos e sequências, várias daqueles de tirar o espectador da poltrona, como o ataque indígena do início, a fuga de Glass sobre o cavalo e, obviamente, o duelo final, cujo requinte da montagem remete ao tempo fílmico de Sergio Leone e John Ford. Chega a ter parecença com o tradicional ritmo de Quentin Tarantino, que o próprio muito se valeu no seu último longa, "Os Oito Odiados", também um western e que guarda-lhe também semelhanças estéticas. Diferentemente do filme de Tarantino, cujo proveito do máximo das sequências e dos diálogos o tornam de fato por vezes arrastado, em “O Regresso”, por conta da conjunção do tom realístico e da estrutura clássica da narrativa, os tempos de tensão e distensão estão perfeitos. Simbolizam, em última instância, a luta eterna entre o calor e o frio, entre o fogo e a água, entre o som e o silêncio, entre o bem e o mal. Entre o espaço e o tempo.

É o próprio tempo que, já fora da tela, poderá aligeirar-se no que tange a premiar Iñárritu dando-lhe a primazia jamais alcançada por ícones como William Wyler, Elia Kazan e Billy Wilder: o de levar o Oscar de Diretor em dois anos seguidos – feito obtido por apenas dois craques desde 1929: John Ford e Joseph L. Mankiewicz. Ou, contrariamente, o mesmo tempo venha a reconhecer com atraso DiCaprio, merecedor da estatueta há bastante tempo, seja em filmes que concorreu (“O Aviador”, “Diamante de Sangue”, "O Lobo de Wall Street") ou não (“Django Livre”, “J. Edgar”). Além destes, “O Regresso” desponta como favorito para levar ainda Filme, Ator Coadjuvante, Fotografia e Edição de Som. O reconhecimento no prêmio Bafta anteviu isso. Afinal, não se trata apenas da melhor produção de 2016: é, sim, um dos grandes dos últimos 10 ou 15 anos. Pode-se colocá-lo tranquilamente ao lado de títulos como “A Vida dos Outros”, "Guerra aoTerror" e “Ida”. Daqueles que vem para entrar para a lista dos essenciais do cinema, porque o tempo (novamente ele) é quem o dignificará para a eternidade. Ganhe o Oscar ou não.


trailer "O Regresso"






sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

"Os Matadores Mais Cruéis que Conheci", volume II - Promoção OMMCQC





"Está aberto o reino da morte!"
Chegou às nossas mãos, autores participantes, e em breve deve estar pintando nas livrarias, a antologia "OMMCQC II" (Os Matadores Mais Cruéis que Conheci, vol. II) que traz 37 contos que exploram exatamente esse lado tão misterioso, sórdido, selvagem, primitivo e inutilmente reprimido do homem: seu lado assassino.
Pois se você quer ter o mórbido prazer de folhear essas páginas empapadas de sangue antes que elas sujem as prateleiras das livrarias, compartilhe a nossa promoção na página do clyblog no Facebook e fique esperando a morte chegar, ou melhor... o livro chegar... na sua casa.
O sangue é da melhor qualidade e quem garante isso, somos nós, os 'matadores' que criaram esse universo de instinto selvagem. Tem matadores jovens, maduros, mulheres, homens, há as que matam com um salto-alto, há os que matam com machados, os que matam em porões imundos, há os que matam em motéis, há os sofisticados, há os afoitos, há os que mataram por acidente e os que matam por vocação... Variedade é o que não falta, e estes, abaixo são os criadores desse universo tão provocante e assustador, com suas histórias sangrentas:

HOJE EU VOU COMER SUA BUNDA -  Cly Reis

A ESCRITORA - William Schmahl Barros

A FACE DO EXTREMO - Eliane Verica

A LENDA DE MIGUEL JUAREZ - Edinaldo Garcia

“A ÚLTIMA CEIA” Juliana Pitta

A ÚLTIMA OFERTA - Valdison S. Barbosa

A VINGANÇA DO LOBO - Eduardo Colucci de Castro

AMOR DE MÃE - Graziela Fusco Ramos

AS MÃOS QUE CONTROLAM A MARIONETE - Maristela Abreu

BÁRBARA - Bruna Leôncio

CARONTE - Ricardo Esteves

A TESTEMUNHA - César Costa

DE JOVEM PROMISSOR, À SERIAL KILLER - Gustavo Demarchi

A ENFERMEIRA - Thiago Vilard

ACEITA UMA BEBIDA? - Gui Barreto

O PASSEIO - Heliton Queiroz

CORAÇÕES FRIOS - W.G. Souza

IGOR - Fábio Baptista

MELISSA - Davi M. Gonzales

MENINA ASSASSINA - Michele Mourão

MENTES INSANAS - Debora Gimenes

O ASSASSINO DO BOTIJÃO - Márcio Lobo

O COLECIONADOR DE ÓRGÃOS - Marcio Milton de Souza

O DONO DO ANTIQUÁRIO - Zulmênia Pereira do Vale

O VARAL - Luciana Rodrigues

O FOSSO - César Bravo

LOUCO OU CRUEL? - Ana Angélica Ferrazi

PACIÊNCIA - Henrique Seben

PAI NOSSO - Guilherme Matos

PRATO FRIO - Jowilton Amaral da Costa

RESPEITEM A MINHA NATUREZA - André Albuquerque

TRÊS PORQUINHOS - Narjara Oliveira

UM FURO DE REPORTAGEM - Leônidas Grego

SANGUE FEDE - Fábio Gonçalves

UMA NOITE COMO OUTRA QUALQUER - Ramon Bacelar

VERDADES - Beto Canales

WILLY PANCAS - Afobório



Compartilhe. Boa sorte, luz e sangue, sempre.


Cly Reis

quinta-feira, 31 de março de 2011

cotidianas #74 - Hoje eu vou comer sua bunda


"A bunda é cara da alma do sexo."
Charles Bukowski



D esde aquela noite percebeu que as coisas não seriam tão simples quanto tinham lhe parecido antes. Para satisfazer seu mais novo hábito não poderia simplesmente vestir-se, virar as costas e ir embora. Não, aquilo sempre exigiria alguma medida mais séria. Só que agora que tinha gostado e sabia que ia querer fazer aquilo de novo.
Tudo começou com uma raspadinha de dentes, com um mordiscada no traseiro do rapaz. Adorava bundas, bundas masculinas, as admirava, as desejava, verdadeiramente as cobiçava. Não como a maioria das mulheres com aquela admiração pouco palpável, ou melhor, até palpável porém pouco objetiva. Sim, porque há de se admitir que a fixação do homem pelo traseiro do sexo oposto tem a objetividade da posição, do domínio, do instinto, da voluptosidade da mulher, e de uma eventual e afortunada penetração por trás, ao passo que a da mulher costumeiramente é mais visual, mais contemplativa e, se tanto, se limita no mais das vezes, a não ser em casos mais extremos de taras, sadomasoquismos ou fetiches específicos, a beliscões, tapinhas, circustanciais lambidas e para as mais ousadas ou íntimas, leves dentadinhas às vezes.
Mas ela era diferente. Esta tinha a motivação daquele objeto e normalmente ansiava por um contato mais forte: uma enterrada de unhas nas carnes suculentas, um dedo mais abusado, uma inversão do cachorrinho mesmo sem ter pênis. Ah, se tivesse pênis de vez em quando! O que não faria com aquele macho, ali, de quatro...
Não era insatisfeita com sua condição de fêmea. Adorava ser mulher, adorava ser penetrada, possuída pela frente e por trás, como fosse. Submetida conforme sua vontade, é claro, mas a mera perspectiva de proveito prático daquela posição a seduzia. Suas tentativas de ousadias com dedos quase sempre eram repelidas, salvo raras exceções; tapinhas costumavam ser bem entendidos e correspondidos, tirando uma vez que um desses aí interpretou mal, achou que ela gostava de apanhar, abusou um pouco da força o que a obrigou a chamar por socorro, que por sorte veio logo antes que ele conseguisse lhe aplicar outro soco; mas via de regra sua postura propositiva não era muito bem encarada e costumava intimidar alguns parceiros e até mesmo afastar namorados. Por isso ultimamente resolvera maneirar. Limitava-se mesmo aos beliscos e leves abocanhadas até ver em que terreno estava pisando.
Foi assim com o rapaz que conhecera naquela noite. Danceteria-beijos-mãos-carro-motel e lá estavam os dois nus começando aquele ritual preliminar longo e molhado. Mamilos-nucas-coxas-barrigas-costas e ela consegue deixá-lo deitado de bruços na cama. De joelhos na cama, leva a cabeça até a altura da bunda do rapaz, abre lentamente a boca soltando um bafo quente e ameaçador que ele não vê, só sente o quente da respiração. Dá então uma raspadinha com os dentes de baixo para cima e uma mordiscada de leve na parte mais rechonchuda daquela bela bunda, à que ele parece reagir com um arrepio.
Sem levantar muito a cabeça, ofegante como uma onça, com um aspecto selvagem e mirando o rosto dele pelo espelho, ela então anuncia:
- Hoje eu vou comer a sua bunda!
Ele sem se abalar, sem abrir os olhos, acha graça da exclamação de desejo tipicamente masculina. Ri da piada. Mas a risada é interrompida por um assustador grito de dor. Salta para o lado levando a mão à nádega esquerda. Olha atônito para a mão: sangue!
- Tu é maluca? Tu é maluca? Eu vou te matar, sua vaca! Eu vou te matar! - e em meio à fúria, ainda consegue ficar surpreso ao perceber que ela, inacreditavelmente, está mastigando com prazer e satisfação. Mastigando um pedaço dele. Um naco da sua bunda!
- Sua desgraçada! Ó o que tu fez comigo? – e grita, grita mais alto enquanto ela acaba de engolir o pedaço que tirara daquele corpo delicioso.
Ela, com a cara praticamente toda suja de sangue, continua olhando para ele com um olhar fixo, parado, felino e ameaçador, como quem já sabe que depois de um ato como este não poderá simplesmente vestir-se virar as costas e ir embora. Então sai da cama, abaixa-se tranquilamente, pega um pé do seu scarpin preto, dá dois passos em direção a ele, que diante daquele avanço ameaçador vê trocar sua fúria matadora de segundos atrás pelo acuamento tal qual o de uma criança indefesa, e crava-lhe o salto do sapato entre o pescoço e o ombro.
Ele fica indeciso por um instante entre tentar estender os braços até ela para tentar agarrá-la, ou atender ao sangue que jorra abundante e impiedosamente. Opta, por fim, pela segunda alternativa mas sem efeito. É muito sangue. Perde sangue demais e em pouco tempo lhe faltam totalmente as forças e se esvai o último fio de vida.
Ela então respira fundo, pensa com calma, planeja: aquilo ali é um motel, centenas de pessoas vão lá por dia, se fossem procurar digitais, encontrariam milhares; na boate, no escuro passariam por mais um casal qualquer na noite, na saída não chamariam mais atenção que quaisquer outros; na entrada do motel provavelmente a moça prestara mais atenção ao motorista do que nela. Com sorte não teria chamado muita atenção em nenhuma destas situações. Tratou de recolher qualquer coisa que a identificasse, que pudesse comprometê-la e agora só restava sair dali.

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“HOMEM MORTO EM MOTEL COM MUTILAÇÕES"; ou

“SEXO E BRUTALIDADE EM MOTEL DA CAPITAL”; e ainda,

“HOMEM ENCONTRADO MORTO EM MOTEL SEM PEDAÇO DA NÁDEGA”.

Eram as manchetes principais das páginas policiais dos jornais no dia seguinte. Tudo vago. Em nenhum deles alguma menção mais objetiva à acompanhante. Um dizia “moça bem apresentável”, outro, “mulher não identificada”, outro “garota de programa”, sempre com informações desencontradas quanto ao tipo físico. Parecia que safara-se. O leão-de-chácara da boate dizia ter visto uma morena saindo com o rapaz, a moça da portaria do motel vira uma loira no banco do carona; o flanelinha dizia que era meio coroa; um amigo do rapaz afirmava que não tinha mais de 25; o barman da boate dizia que era bem alta, uma transeunte da madrugada teria visto uma baixinha. A que poderia ser a melhor testemunha, a garçonete do motel que fora chamada no quarto para limpar alguma coisa não conseguira ver ninguém porque a mulher, ou quem quer que fosse, provavelmente estava atrás da porta uma vez que assim que entrara no quarto com a vassoura e o balde, fora golpeada na cabeça e só lembrava de ter acordado horas depois nua. Tinha também um mendigo que a teria visto abandonar um avental e um gorro na rua, estava muito bêbado para se dar crédito para qualquer coisa que dissesse. Bingo! Estava limpa.
Agora aliviada pela impunidade praticamente garantida daquele ato terrível, finalmente conseguia saborear as sensações da noite anterior. O tamanho da sua ousadia, do seu atrevimento, a excitação que aquilo causara. E aquela mordida, daquele jeito, nunca tinha ido tão longe, uma dentadinha vá lá mas cravou-lhe os dentes, tirara um pedaço, e o pior, tinha gostado daquele ato. E a carne, o sangue... E o sabor? Até que não era ruim. Não, não, era bom mesmo. Tinha gostado e sabia que ia querer fazer aquilo de novo.
Sucedeu que começaram a ser encontrados corpos de homens em lugares variados; motéis, casas de praia, de campo, apartamentos, barracos, terrenos baldios; todos eles com um traço em comum: a ausência de pedaço substancioso de nádega. Peritos garantiam que tinham sido arrancados por dentes. Dentes humanos!
A polícia começava a ter pistas daquela curiosa serial-killer e o cerco contra ela se fechava, afinal de contas não era uma profissional, nunca sonhara em ser uma assassina em série - as circunstâncias a fizeram assim - e desta maneira, neófita na prática criminosa cada vez mais cometia erros, deixava traços e tornava-se então uma presa possível e cada vez mais próxima da justiça. Mas não estava exatamente preocupada com isso. Sabia que mais cedo ou mais tarde seria apanhada mas enquanto isso aproveitava o máximo para desenvolver sua tara que agora agregara este caráter assassino.
As autoridades policiais tinham pistas quentes de possíveis locais que frequentava: shopping centers, barzinhos, museus, etc. Tinham a informação de que naquela noite possivelmente estivesse naquela boate badalada da zona sul. Havia pelo menos três detetives à paisana atentos circulando pela boate. Um deles se aproxima do balcão e pergunta ao barman por uma descrição de uma moça, mais ou menos 27 anos, altura média, olhos castanhos, bonita...
- Passa um monte dessas por aqui toda noite, cara! Como é que eu vou saber!
O policial então, meio desapontado, afasta-se do bar e dirige-se ao banheiro meio conformado. Vai dar uma mijada pra planejar uma melhor maneira de encontrar a canibal filha-da-puta.
Enquanto ele se afasta, uma moça bonita de cabelos e olhos castanhos, não muito alta, aproxima-se do bar e dirige-se a um rapaz que está ali parado sozinho tomando uma cerveja:
- Me paga uma bebida?

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domingo, 21 de fevereiro de 2010

"O Último Grande Herói", de John McTiernan (1993)


Acabo de assitir pela enésima vez um filme que curto de montão e que considero injustiçado pelo fato de não ter recebido a devida atenção, elogios nem reconhecimento que é "O Último Grande Herói", de John McTiernan. Pode-se subestimar inicialmente esta película pelo fato de ser estrelada pelo grandalhão monossilábico (mas carismático) Arnold Shwarzenegger mas no fundo, o filme cheio de ação e de "mentiras" típicas de cinema, é uma grande declaração de amor à Sétima Arte com todas as suas referências a clássicos, homenagens, ridicularizações de clichês, brincadeiras com a própria indústria cinematográfica, e participações especiais.
Além de manter um bom ritmo de ação e interesse, pelas mãos do diretor que já havia nos tirado o fôlego em "Duro de Matar 2", "O Último Grande Herói" ainda nos  põe frente-a-frente com a tela e faz questão de nos lembrar que vida real é uma coisa e cinema é outra, reforçando seus argumentos pelos exageros do mundo da ficção (durante o tempo em que o filme se passa lá) e pela impotência dos personagens ficcionais no mundo real, onde, aliás, respinga até uma crítica à nossa sociedade quando se sugere que aqui, na realidade, os vilões podem vencer.
O negócio todo deste trânsito entre real e irreal é que um garoto, aficcionado por filmes, ganha de um velho porteiro e projetista do cinema que freqüenta, um suposto ingresso mágico, e por incrível que pareça o tal bilhete funciona e dá passagem da relaidade para um mundo paralelo. O lance é que o guri está dentro do cinema e acaba caindo exatamente no filme do seu grande ídolo, Jack Slater, interpretado por Shwarzenegger. Lá, do outro lado da tela, o garoto, Danny, tenta argumentar de todas as formas com o herói que tudo aquilo é um filme e por isso as coisdas sempre dão certo, carros explodem com um tiro, vidros são quebrados com socos sem que se sinta dor, e as mulheres são todas perfeitas; além do fato, é claro, de tentar convencê-lo que é apenas um personagem interpretado pelo astro Arnold Shwarzenegger que o herói, é claro, nunca ouvira falar.
As homenagens ao mundo do cinema vão desde uma passadinha rápida por Catherine Trammel de "Instinto Selvagem"entrando na delegacia, uma visita à locadora à procura de "O Exterminador do Futuro II" (ali estrelado por Stallone), passando pela menção a "Amadeus" de Milos Forman no qual o personagem de F. Murray Abraham é lembrado por ter matado Mozart; mas é mais bacana ainda principalmente quando A Morte de "O Sétimo Selo", clássico de Ingmar Bergmann, sai da tela e diz a Danny que Jack Slater não está na sua lista pois não trata com ficção.
Outro barato é na festa de lançamento do filme dentro do filme, "Jack Slater IV", as pontas de Jean-Claude Van Damme, MC Hammer, James Belushi e Little Richard no tapete vermelho da premiére.
Não é um clássico absoluto, não é um cult-movie - com boa vontade, na minha concepção um candidato a cult - mas com certeza figura, ali, junto com filmes como "Ed Wood", "Cinema Paradiso" e mais recentemente "Bastardos Inglórios, como um destes filmes de ode ao cinema. Filme de apaixonados pela arte.


Cly Reis

domingo, 7 de setembro de 2008

"A Espiã", de Paul Verhoeven (2006)




Perdi no cinema, mas locamos ontem para ver "A Espiã" do holandês Paul Verhoeven, que havia sido muito elogiado quando do seu lançamento.

Muito bom filme. Muito bom, mesmo.

Envolvente, tenso, mantém o clima, mantém a a tensão e o interesse.

Me parece a reabilitação do diretor depois de uma jornada americana de altos e baixos, com filmes interessantes como Robocop e Vingador do Futuro e o ótimo Instinto Selvagem e horríveis como Tropas Estrelares e o lixo-cult Showgirls.

Trata da história de uma judia que depois de perder a família numa emboscada dos nazistas, trabalha para a resistência holandesa infiltrada no escritório alemão após seduzir e se envolver com um dos oficiais.

Tem todos os elementos de Verhoeven americano mas com o toque de Verhoeven europeu: violência, sensualidade, ação e um roteiro envolvente. O curioso é que tem uma surpresa que se espera que aconteça, mas que não acontece como se poderia prever, o que valoriza o suspense.

Bem legal. Ótima sessão do meu sábado à noite.


Cly Reis