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quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Música da Cabeça - Programa #48


E o Oscar vai para... Bem, a gente merece a estatueta em Trilha Sonora Original. Na semana do Oscar, o Música da Cabeça estende o tapete vermelho para Barão Vermelho (banda), The Beatles, Gene Kelly, Tim Maia e outros fortes indicados em suas categorias. E tem também "Palavra, Lê", "Música de Fato" e um "Sete-List" com o tema do Oscar. Então, prepara a pipoca, te ajeita no sofá e escuta o programa hoje, às 21h, pela Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues.

terça-feira, 14 de abril de 2015

Cazuza - "O Tempo Não Pára* " (1988)





"Dias sim, dias não
Eu vou sobrevivendo sem um arranhão
Da caridade de quem me detesta

A tua piscina tá cheia de ratos,
Tuas ideias não correspondem aos fatos
O tempo não para."
Cazuza
("O Tempo Não Para")




O testamento musical de um dos maiores poetas da música brasileira. Em “O Tempo Não Pára”*, Cazuza, deixa seus últimos legados, recados, mensagens e desejos num dos grandes álbuns ao vivo da discografia nacional. Vitimado pela AIDS e já bastante debilitado, Cazuza, em 1988, ainda subia ao palco para shows e durante a turnê, em shows realizados no Canecão, no Rio de Janeiro, fazia o registro definitivo de sua obra musical e sua passagem pelo mundo.
O repertório, considerando-se as circunstâncias e condições de saúde do artista, é irrepreensivel e muito oportuno, assumindo a iminente morte mas, diante dela, tentando transmitir o máximo de 'lições de vida”, por assim dizer. “Vida Louca Vida”, de Lobão, ganha, na excepcional interpretação de Cazuza, muito mais significado do que jamais teve até então, soando quase que como uma despedida ácida e ao mesmo tempo "leve, leve, leve", como o cantor faz no final da música, jogando com a leveza e o verbo levar; “Boas Novas”, que a segue, convoca à vida, encara a morte e a chama pra briga “Senhoras e senhores/ Trago boas-novas/ Eu vi a cara da morte e ela estava viva/ Viva!”. O pessimismo de “Ideologia” faz mais sentido do que nunca naquele momento, mas chega a emocionar quando Cazuza dá ênfase à palavra “viver”, repetindo como se a saboreasse ao final do verso.
O tom de despedida dá lugar a um clima mais romântico com duas baladas: “Todo Amor que Houver Nessa Vida”, canção ainda do tempo do Barão Vermelho consagrada por Caetano Veloso no álbum ao vivo “Totalmente Demais”, e que ganha um tratamento mais blues na versão do próprio compositor; e “Codinome Beija-Flor”, uma das mais representativas do estilo letrístico de Cazuza.
Intensa, forte, dramática e impactante, a faixa que tem o nome do disco parece ansiar por poder conter todos os últimos recados urgentes do artista. Como diz na letra, como uma “metralhadora cheia de mágoas”, ele dispara para contra hipocrisia, preconceito, ganância, estagnação, conformismo, e em mais uma das 'despedidas' do disco, se eterniza definitivamente no panteão de grandes artistas brasileiros. “O Tempo Não Para” ao mesmo tempo que destila uma inevitável decepção e descrença pelo mundo, pela arte, pelas pessoas, carrega consigo uma ponta de esperança e otimismo que é indesmentível seu próprio nome que nos encoraja e convoca a tomar alguma atitude.
No blues “Só As Mães São Felizes”, com sua incestuosa sugestão à The Doors, Cazuza também parece nos convidar a viver intensamente até o limite, ter experiências ruins e notar nas coisas que nunca olhamos antes enquanto ainda está em tempo.
As boas “O Nosso Amor a Gente Inventa” e “Exagerado” encaminham o final de maneira agradável com dois hits pop, e o disco encerra com o clássico "meio bossa-nova e rock'n roll", “Faz Parte do Meu Show”, escolha não menos feliz porque, no fim das contas, não somente aquelas canções ali fizeram parte daquele espetáculo, mas tudo aquilo, todo o repertório, toda a poesia, foi o que fizeram a vida de Cazuza e, se ele teve um vida louca, decepções ideológicas, desilusões amorosas, exageros, tudo isso fazia parte do show.
Cazuza ainda lançaria, no ano seguinte, mais um álbum, "Burguesia", bastante irregular, em parte pelas limitações físicas e vocais que apresentava, já num estágio bastante avançado da doença, mas, mesmo já enfraquecido, abatido, desfigurado, em “O Tempo Não Pára” talvez tenha conseguido produzir seu álbum definitivo, um daqueles discos que transcendem a mera condição de registro fonográfico e transforma-se quase em lenda. No seu caso específico, além do significativo fato de ser o último documento do artista diante do público e ainda na condição em que se apresentava, por tudo o que tenta comunicar e transmitir, pode ser considerado o mais perfeito epitáfio que o próprio artista poderia ter escrito para si próprio. 
***********************

FAIXAS:
1. "Vida Louca Vida" - Vilhena, Lobão (4:19)
2. "Boas Novas" - Cazuza (2:46)
3. "Ideologia" - Frejat, Cazuza (4:12)
4. "Todo Amor que Houver Nessa Vida" - Frejat, Cazuza (2:49)
5. "Codinome Beija-Flor" - Reinaldo Arias, Cazuza, Ezequiel Neves (2:55)
6. "O Tempo não Para" - Arnaldo Brandão, Cazuza (4:37)
7. "Só as Mães São Felizes" - Cazuza, Frejat  (3:48)
8. "O Nosso Amor a Gente Inventa" - Meanda, Cazuza, Rebouças (3:35)
9. "Exagerado" - Cazuza, Neves, Leoni (4:29)
10. "Faz Parte do Meu Show" - Ladeira, Cazuza (3:50)


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Ouça;

* O álbum foi lançado antes da nova reforma ortográfica que exclui o acento de "pára" , no entanto
mantivemos a grafia antiga na publicaçãode modo a preservar o título original.


Cly Reis   



quarta-feira, 14 de julho de 2021

Música da Cabeça - Programa #223

 

A vida não tá fácil nem aqui e nem em Cuba, né minha filha? Para facilitar um pouquinho as coisas, a gente só traz coisa boa no MDC desta semana. Saca só: Cibo Matto, Electronic, Jorge Ben Jor, Miles Davis, MF DOOM, Barão Vermelho e mais. Tem também notícia e letra de música homenageando os 7.5 de João Bosco. Então, ouve o programa hoje, às 21h. É fácil: só sintonizar na Rádio Elétrica. Produção, apresentação e una cuba libre bem gelada (que ninguém é de ferro): Daniel Rodrigues

Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/


sexta-feira, 26 de junho de 2020

Fausto Fawcett e Falange Moulin Rouge - Bar Opinião - Porto Alegre (1993)



foto de show em Baurú, em 1993 
créditos: canal DJ Teruo (You tube)
Quando foi anunciado que Fausto Fawcett faria um show em Porto Alegre acompanhado, além de músicos, por um grupo de belas louras, me pareceu que se tratava de uma grande forçação. Eu curtia Fausto Fawcett, mais do que a maioria das pessoas que só lembram dele pela calcinha da Kátia Flávia, mas aquilo me soava como uma apelação de um artista em baixa tentando, de maneira um tanto vulgar, reconquistar uma certa popularidade. Por outro lado, não era possível que se prestasse a reunir um belo time de músicos para aquela turnê, como Dado Villa-Lobos, da Legião Urbana, na guitarra, Dé, ex-Barão Vermelho no baixo, João Barone, dos Paralamas, na bateria, só para representar um teatrinho musical numa grande putaria caça-níqueis. Fiquei curioso pela parte musical da coisa, mas não a ponto de me prestar a ir ao show e deste modo, pelo menos dei uma chance para a proposta de Fausto Fawcett ouvindo o concerto musical performático pela rádio Ipanema FM, numa iniciativa que eles costumavam ter de transmitir shows ao vivo, sempre que possível, de auditórios, bares, teatros ou qualquer tipo de casa de espetáculo da cidade.

E fui eu então ouvir o show no rádio... e para minha surpresa o negócio era bom! Bem bom!!! Uma mistura suingada de rock, soul, funk carioca, samba, incrementado por scatches, samples e uma percussão sempre bem oportuna, tudo com aquele vocal característico, quase narrado, e refrões improváveis e pegajosos de Fausto Fawcett. Quanto mais escutava, mais eu tinha vontade de estar lá vendo aquele show que além de passar, mesmo pelas ondas do rádio, uma vibração de entusiasmo e energia, era constantemente elogiado durante a trasnmissão pela comunicadora Katia Suman.

"Por que que eu não estou lá? Por que que eu não estou lá?"... Bom, eu não estaria lá naquela noite mas poderia estar na noite seguinte. Sim!!! Estavam previstas duas apresentações na cidade e diante daquela agradável surpresa sonora que o show me proporcionara pelo rádio, eu tinha oportunidade de presenciá-lo, in loco, no dia seguinte .

Aí então, eu e irmão Daniel, que também havia escutado o show pelo rádio e tivera a mesma sensação de boa surpresa, nos tocamos para o Bar Opinião, casa de espetáculos no bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre e fomos ver o tal do show. Não vou negar que procurei um lugar interessante de onde pudesse apreciar os atributos físicos das louras pois, afinal de contas, por mais que tivesse posto em julgamento as verdadeiros propósitos daquele projeto, uma vez estando lá, queria, além de curtir a parte musical que havia me impressionado na noite anterior, me deliciar visualmente com o que o rádio não teve como me mostrar.

Inegavelmente o espetáculo tinha um apelo sensual, uma provocação dos instintos masculinos, uma vulgaridade medida, mas mesmo as apresentações das meninas não se limitavam a um bundalelê gratuito. Além das referências a clássicos mestres-de-cerimônia brasileiros como Chacrinha e Sargentelli, que utilizaram a figura da mulher bonita e sensual como suporte e alavanca para suas performances, algumas das garotas eram verdadeiramente talentosas e davam boa contribuição ao espetáculo, como é o caso da loura Luzia, que se destacava sobremaneira no tocante à dança, e da cacheadinha Kátia, sem dúvida a melhor cantora dentre todas elas. Outras como Regininha Poltergeist, claramente uma péssima cantora, davam sua contribuição, além de física e estética, é claro, pelo seu carisma e presença de palco; ou como a badalada Marinara, ex-esposa do jornalista e apresentador esportivo Fernando Vanucci, que havia ficado famosa por seu uma policial que havia posado nua para a revista Playboy, e que emprestava ao show a possibilidade de ter uma espécie de superstar brasileira do momento.

Além de criar versões para antigas composições suas, como para "Drops de Istambul", uma música menor do primeiro disco que, com inserções e recortes arábicos do DJ, que ficou bem mais interessante, Fausto, teve a perspicácia de criar um tema musical para cada garota explorando o melhor do personagem de cada uma delas. Regininha, cujo tema trazia algo de sincrético, místico, sobrenatural, e que carrega até hoje o apelido Poltergeist por conta da canção "Santa Clara Poltergeist", do próprio Fausto, do segundo disco, recriada para quela turnê, entrava no palco vestindo um hábito de freira e, com o desenvolvimento do número, se libertava do mesmo para deixar-se levar pelas forças que a tornavam aquela mulher sensual e irresistível que tomava conta do palco para a louvação daquele macharedo babão que, a reverenciando, repetia o refrão, "Amém, Regininha, amém!" (e, sim, eu participei da louvação). Gisele, descrita na letra como " a loura luz do fogo da inspiração", foi a mais "impressionante" fisicamente entre elas (entendedores entenderão) ganhando para si um sambinha gostoso, sem dúvida o tema individual e a performance mais sensuais da noite. Luzia, ilustrava um rock funkeado cheio de swing com menção a felinas selvagens; um soul bem embalado fazia Kátia, não a famosa Flávia, mas a apelidada "Talismã", mostrar porque era a melhor cantora do grupo; e a música de Marinara, como o compositor não poderia deixar passar, fazia menção à função de policial, sendo definida por ele como a "loira Majestade do lado da lei", num tema musical que aludia a escolas de samba cariocas e sambas de enredo, especialmente ao clássico "Peguei um Ita no Norte", do Salgueiro, associando seu famoso verso ao nome da loira e criando mais um de seu refrões inesquecíveis: "É Marinara, explode coração".

Mas não foram só as homenagens individuais para cada loira: Fausto Fawcett ainda usaria time inteiro em duas ótimas músicas, "Básico Instinto", um funk pesado com ótimas performances dos guitarristas, sample de Ennio Morricone e que fazia referência direta ao filme "Instinto Selvagem" trazendo à luz o excelente refrão "Sharon Stone, stone Me"; e a que fechou o show "KLGR"*, uma pedrada com um riffzaço poderoso, samples de Public Enemy, e que exaltava no refrão as quatro louras originais, uma vez que Marinara, além de ser a "estrela convidada", juntara-se à equipe durante a turnê. "Kátia, Luzia, Gisele, Regininha"*, cantava Fausto Fawcett encarnando o papel do "cafetão" e definindo aquele espetáculo todo de forma precisa como um grande "teatro de revista samba funk" para encerrar o show e fechar as cortinas.

Para quem achava que seria só um monte de bundas rebolando, o show de Fausto Fawcett com sua Falange Moulin Rouge acabou sendo uma agradabilíssima surpresa artística e musical. Uma ótima banda, qualidade musical, muito ritmo, provocações inteligentes sobre cultura e comportamento e,... bom, teve também um monte de bundas rebolando. E estaria mentindo se dissesse que não gostei.


* Ainda durante aquela turnê, Luzia foi substituída pela cantora e dançarina Luciana e Marinara foi efetivada como integrante fixa do grupo.  Assim, esta música que naquela ocasião ainda contava com as iniciais das quatro integrantes originais, passou a se chamar "KGLRM" (Kátia, Luciana, Gisele, Regininha e Marinara), que foi a versão definitiva que entrou para o álbum "Básico Instinto".

Fausto Fawcett e Falange Moulin Rouge - Bar Opinião - Porto Alegre (1993)
áudio do show

Cly Reis

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Gilberto Gil - "Dia Dorim Noite Neon" (1985)

 


"Só quem não amar os filhos/ Vai querer dinamitar os trilhos da estrada/ Onde passou passarada/ Passa agora a garotada, destino ao futuro".
Da letra de "Roque Santeiro, O Rock"

Os anos 80 foram de instabilidade na carreira de Gilberto Gil. Assim como com seus companheiros de Tropicalismo Caetano Veloso e, ainda mais, Tom Zé – este, relegado a um ostracismo graças a Deus interrompido tempo depois – a década com a pecha de "perdida" parece ter influenciado com seu mau agouro os consagrados músicos da MPB. O BRock de Legião Urbana, Barão Vermelho, Blitz, Titãs, Lobão, RPM e outras bandas da época ocupavam as rádios, o que, somado com o que vinha de fora, quase não deixava espaço para o "produto nacional". 

Gil, exímio compositor que é, até emplacou sucessos no começo da década de 80. "Andar com Fé" e "Vamos Fugir" tocaram bastante, é bem verdade. Em compensação, seus álbuns passavam longe de terem a mesma regularidade e reconhecimento de crítica e público frente a seus clássicos dos anos 60 e 70, como o disco de 1968, "Expresso 2222", de 1972, ou a revolucionária trilogia "Re" ("Refazenda"/"Refavela"/"Realce", 1975, 1977 e 1979 respectivamente). Também, o baiano tentara, por duas vezes quase sequentes, entrar no mercado norte-americano. Ao contrário de alguns de seus pares, como Djavan, Ivan Lins, Tânia Maria e Milton Nascimento, ele não obteve o êxito esperado e se recolheu ao nicho já conquistado: o Brasil. O destino, no entanto, reservaria mais um abalo ainda maior a Gil naquele final de década de 80: o filho Pedro, baterista de sua banda desde 1984, se acidentaria de carro no Rio de Janeiro e morreria em janeiro de 1990. Aos 19 anos.

Mas os tropicalistas têm uma vantagem sobre outros artistas da música brasileira, mesmo para com os da mesma estirpe: eles ditam tendência. E se nos anos 80 a tendência estava posta pela indústria, então o negócio era passar a ratificá-la. Como já vinha ocorrendo desde os Mutantes, Gil e Caetano tornaram-se totens de certificação a toda a geração mais jovem, de A Cor do Som a Chico Science & Nação Zumbi. "Dia Dorim Noite Neon", lançado por Gil em 1985 para comemorar os 20 anos de carreira e que completa 40 em 2025, além de trazer excelentes composições, estabelece essa consciência quase benta do velho artista para com os súditos. Porque, sim: o rock brasileiro deve muito a MPB, ao contrário do que já se tentou negar ou esconder. Um privilégio que só o Brasil tem, mas algo desqualificado pela imprensa por muito tempo.

A bela vinheta de abertura e encerramento, "Minha Ideologia, Minha Religião", traz o violão dedilhado de Gil e seu vocal acompanhando as vozes infantis em coro, que cantam uma prece universal de pureza aos deuses para iniciar a jornada – e, lá na última faixa, agradecer pela mesma. Logo na sequência, vem o hit do disco, o reggae "Nos Barracos da Cidade", um canto de contestação social de um Brasil recém saído da ditadura. “Barracos”, seu subtítulo, abriria também portas a outra música com características parecidas e de ainda maior sucesso, que é "Alagados", marco do pop rock brasileiro, gravada pelos Paralamas do Sucesso com Gil um ano depois no mesmo estúdio, Nas Nuvens.

Sem muito respiro, Gil emenda o rockasso "Roque Santeiro, o Rock", um hard rock enfezado de dar inveja a muita bandinha poser que esteve no Rock in Rio naquele ano. Gil que, aliás, havia feito uma apresentação histórica no festival meses antes com a mesma banda mas ainda com o repertório do disco anterior, "Raça Humana". Na música em questão, a excelente produção do mutante Liminha dá protagonismo à bateria potente de Pedro Gil e à guitarra de outro e original mutante, Sérgio Dias, sintonizado com a sonoridade que o vanguardista produtor norte-americano Bill Laswell estava se apropriando e que cristalizaria no referencial "Album", da Public Image Ltd., de um ano depois. Ou seja: era o auge do rock'n’roll na mídia dos anos 80.

Gil e o filhão Pedro, falecido anos depois, mas 
fundamental para a atmosfera rocker de "Dia Dorim..."
Captando todas essas pulsões, inclusive o sucesso popular da novela de Dias Gomes de mesmo nome que rodava à época na Globo, Gil se vale de sua experiência e visão tropicalista para escrever uma música altamente simbólica para aquele período. Ele sintoniza, com olhar sábio, generoso e até paternal aquilo que a juventude ansiava, do esporte radical a uma nova compreensão da religiosidade. ”Deixa ele tocar o rock/ Deixa o choque da guitarra tocar o santeiro/ Do barro do motocross/ Quem sabe ele molde um novo santo padroeiro", diz a letra. Tudo isso, claro, simbolizado na potência do rock. O filho Pedro, aliás, é fundamental neste processo. Rapaz cheio de vitalidade, foi ele quem motivou o pai a entrar na onda roqueira. Gil identificava nele um representante daquela geração a qual faz referência na música, como os Paralamas, Ultraje a Rigor, Titãs e Lobão. Era como se dissesse: "Meus filhos musicais, eu abri caminho pra vocês lá atrás. Agora, é com vocês, mas eu estarei aqui, sempre perto".

Atentando também à cena pop do momento de nomes como Marina, Zizi Possi e Vinícius Cantuária, Gil diminui a rotação e traz a bela 'Seu Olhar", que conta com a guitarra do "Paralama" Herbert Vianna antes deste se tornar seu parceiro em "A Novidade", o que ocorreria meses depois no celebrado "Selvagem?", terceiro disco da banda. A faixa antecede a bossa-nova introspectiva "Febril", das melhores e mais desconhecidas canções do repertório gilbertiano. Espécie de reverso de 'Palco", que exorciza os males do mundo no instante sagrado do encontro do músico com o público, "Febril", ao contrário, revela o lado solitário da existência do artista, a qual pode imperar mesmo diante de uma vasta plateia. "Tanta gente, e estava tudo vazio/Tanta gente, e o meu cantar tão sozinho". Gil e sua profundidade capaz de revelar o avesso das coisas.

A próxima faixa vem noutra sintonia, mas sem perder coerência com a atmosfera pop do álbum: o french-afoxé "Touches Pas A Mon Pote". Noutra excelente produção de Liminha, Gil, dono de um francês impecável, ressignifica, nos ritmos essencialmente afro-brasileiros, a África francófona, ou seja, Senegal, Benin, Costa do Marfim, de onde parte dos escravos vieram para o Brasil e a sua Bahia séculos antes. Esta primeira aproximação simbólico-sonora Brasil-França de Gil, vista em uma série de canções dele a partir de então, o próprio redimensionaria 23 anos depois em outra música igualmente cantada na língua de Hugo (mas também de Mbougar Sarr): "La Renaissance Africaine", originalmente do disco “Banda Larga Cordel”.

O lado B do vinil começa com mais uma agitada, mas desta vez sob a batida do funk: "Logos Versus Logo". Sob inspiração da sonoridade típica do pop soul da época de Prince, Marcus Miller, Patti LaBelle e outros artistas – bateria eletrônica, baixo em slaps, guitarra suingada e ritmo soul –, Gil aborda o papel de resistência do poeta no mundo capitalista, problematizando a questão com poesia e lucidez. Outra música que, assim como “Febril”, é de suas melhores mas também das mais esquecidas. E que bela letra: "E o bom poeta, sólido afinal/ Apossa-se da foice ou do martelo/ Para investir do aqui e agora o capital/ No produzir real de um mundo justo e belo". Só que Gil não se presta a simplesmente copiar o som da moda tocado nos Estados Unidos: ele o enriquece. Como poucos ousavam fazer naqueles idos de embate "rock x MPB", o baiano, do meio para o fim da faixa, adiciona-lhe percussões de samba, fundindo de forma empolgante o ritmo mais brasileiro de todos ao groove do funk. Pouco tempo depois, Lobão, Os Engenheiros do Hawaii e The Ambitious Lovers fariam semelhante. 

Com a autoridade de um dos pioneiros do reggae no Brasil, Gil traz um outro ainda mais raiz do que “Barracos”: “Oração Pela Libertação da África Do Sul”. Mais uma de teor espiritualista mas que, desta vez, clama por outro problema social que o mundo vivia naquele então, que era o Apartheid na África do Sul, o regime de segregação que retirou os direitos da população negra do país. Valendo-se da força de resistência e denúncia que o ritmo do ídolo Bob Marley carrega, Gil torna a atuar politicamente através da música, unindo-se, neste caso, ao movimento global de solidariedade com a luta anti-Apartheid, que aumentou a conscientização sobre a injustiça dessa política e ajudou a impulsionar a mudança 5 anos depois com a queda do regime.

Voltando ao pop, na sofisticada “Clichê Do Clichê” Gil conta com a parceria do já mencionado amazonense Vinícius Cantuária, à época estourado nas rádios com o hit “Só Você”. Ligações com “Touches...” nas diversas referências à cultura francesa, como Brigitte Bardot, Jean-Paul Belmondo e o cinema francês. Quase fechando o disco, a música que justifica a referência à personagem Diadorim do título: “Casinha Feliz”. Esse doce xote sertanejo (visivelmente uma inspiração para “Madalena”, gravada com sucesso por Gil em “Parabolicamará”, de 1992) contém os versos motivados pelo universo de Guimarães Rosa: “Onde resiste o sertão/ Toda casinha feliz/ Ainda é vizinha de um riacho/ Ainda tem seu pé de caramanchão”. E completa: “De dia, Diadorim/ De noite, estrela sem fim”.

Encerrando, outra belíssima composição, esta, do amigo Jorge Mautner. “Duas Luas” fecha com a poesia lírica e estelar própria do “maldito” num ijexá moderno, a se ver pelo elegante sax solo de Zé Luis. ”Estou adorando andar pelas ruas/ Como quem não quer nada/ Debaixo do sol/ Debaixo das luas/ Que são mais de duas”, numa referência às luzes de neon que também compõe o título deste disco precioso.

Num período em que vinha um tanto inconstante, “Dia Dorim Noite Neon” ajustou a rota e elevou novamente a régua de Gil diante da própria obra. E muito se deve ao vigor contagiante de Pedro Gil, que deixou este plano bem cedo, mas não antes de reenergizar seu próprio pai com o espírito do rock. Vieram, na sequência, “O Eterno Deus Mu Dança”, de 1989, álbum de estúdio em que aproveita algumas receitas do antecessor, a trilha do filme “Um Trem para as Estrelas”, em inédita parceria com Cazuza, e dois ótimos discos ao vivo: “Live in Tokyo” e “Gilberto Gil em Concerto”, todos os três de 1987. Mas “Dia Dorim...” pode tranquilamente ser considerado seu melhor trabalho em toda aquela década. Antenado com seu momento histórico em letras, melodias, atmosfera e sonoridade, mas sem soar datado como muita coisa dos anos 80 – a começar pelo próprio álbum anterior, “Raça Humana” –, o disco serviu, inclusive, para ajudar a quebrar preconceitos entre música popular e o então fortalecido rock, como se o primeiro fosse coisa de velho e o segundo de jovens. Sem divisar. O Rappa, Planet Hemp e Skank são fruto dessa mentalidade arejada nos anos 90. 

Gil provou que, como diz na vinheta do disco, sua forma de pensar/ser é aceitar a impermanência das coisas e conectar-se à espiritualidade. No caso, a igreja do rock. "Outrora, o reino do Pai/ Agora, o tempo do Filho com seu novo canto." Esse tal de rock'n'roll pode até ser coisa do diabo, mas também sabe muito bem ser divino.

🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵

FAIXAS:
1. “Abertura: Minha Ideologia, Minha Religião” – 0:26
2. “Nos Barracos Da Cidade (Barracos)” (Gilberto Gil, Liminha) - 4:11
3. “Roque Santeiro, O Rock” - 4:25
4. “Seu Olhar” - 4:02
5. “Febril” - 3:41
6. “Touches Pas A Mon Pote” - 3:45
7. “Logos Versus Logo” - 3:05
8. “Oração Pela Libertação Da África Do Sul” - 3:28
9. “Clichê Do Clichê” (Gil, Vinicius Cantuária) - 4:20
10. “Casinha Feliz” - 3:14
11. “Duas Luas” (Jorge Mautner) - 3:32
12. “Final: Minha Ideologia, Minha Religião” – 0:25
Todas as composições de autoria de Gilberto Gil, exceto indicadas


🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵🎵

OUÇA O DISCO:
Gilberto Gil - "Dia Dorim Noite Neon" 


Daniel Rodrigues

terça-feira, 17 de maio de 2016

João Bosco - "Acústico" (1992)


“Na direção de programação da MTV,
participei da implantação de novos programas,
entre [estes] o Acústico.
Fiz a direção geral com Rogério Gallo
e a direção do programa ficou a cargo do Adriano Goldman.
Na véspera sentamos como João Bosco no hotel
para decidir o repertório.
Ele pegou o violão e disse ‘vai ser assim’.
E nós ‘então tá bom’.”
Marcelo Machado,
cineasta e um dos responsáveis
por lançar a MTV Brasil em 1990.


Quem assiste hoje a MTV Brasil talvez não acredite que aquele canal acéfalo foi um dia a coisa mais interessante da época da televisão brasileira pré-canais por assinatura. No início dos anos 90, aquela nova e arejada emissora de sinal UHF, mesmo que a precária aparelhagem dos televisores de então gerasse uma sintonia com imagem chuviscada para desafortunados como eu, trazia um sopro de modernidade e até de vanguarda diante das poucas alternativas de TV aberta que se tinha, fosse pela estética dos videoclipes, pelas novidades musicais e plásticas, pela concepção descomplicada de apresentação e do Jornalismo ou mesmo pela programação.

Uma das atrações advindas foi o Acústico MTV, reprodução do projeto também recente na MTV norte-americana, o MTV Unplugged, cuja ideia era trazer releituras do repertório de artistas que rodavam na emissora através de clipes em especiais de meia hora. Isso tinha tudo para dar certo também no Brasil, país em que o canal vivia uma fase de crescimento de audiência e cujo estilo musical tradicionalmente valoriza a composição sem eletrificação. Depois de estrear com dois nomes do rock brazuca, Barão Vermelho e, em seguida, Legião Urbana, o terceiro escolhido foi um verdadeiro representante da MPB: João Bosco. O que naquela época podia soar estranho a um canal jovem, visto que música popular era ainda muito vista como “música para velhos”, se justificou plenamente, o que se confere no excelente álbum “Acústico”.  Virtuose do violão e dono de estilos de tocar e cantar muito próprios e apurados, João Bosco presenteou o público com um apanhado cirurgicamente bem pinçado de seu extenso cancioneiro, criando aquele que é talvez o melhor unplugged realizado nesses pagos tropicais.

O êxito começa na concepção: ao contrário de todos os outros acústicos, por mais incrível isso pareça em se tratando de um formato de apresentação no qual se propõe justamente uma sonoridade intimista, João Bosco o fez sozinho no palco, apenas voz e violão. Como seus mestres Baden Powell e João Gilberto. É que com um violão em punho, João Bosco faz chover! Se para outros fariam falta percussão e acompanhamentos, ao autor de “O Bêbado e a Equilibrista” não há nenhuma necessidade. Recuperando canções de várias fases, desde os clássicos dos anos 70 imortalizados por Elis Regina até sucessos recentes à época do lançamento, o cantor e compositor, repetindo o conceito de arranjo que já acertara em “100ª Apresentação”, de 1983, juntou isso a temas escritos com parceiros de peso. Um destes é “Odilê Odilá”, feita com Martinho da Vila. Após uma introdução solo ao violão impressionante em que já diz a que veio – onde dobra o som do instrumento, dando a nítida impressão de terem dois violonistas tocando –, Bosco abre o show com este samba no qual recupera, bem a seu estilo e ao de Martinho, referências da africanidade e dos ritmos brasileiros de raiz, engendrando um maxixe de cores modernas. Esta se emenda com “Zona de Fronteira”, parceria com os poetas Antônio Cícero e Waly Salomão do então recém-lançado álbum homônimo que, por outra via, também toca na temática africana: ”Rei/ Eu sei que sou/ Sempre fui/ Sempre serei/ Obá/ De um continente por se descobrir/ Já alguns sinais/ Estão aí/ Sempre a brotar/ Do ar/ De um território que está por explodir”.

Outra da parceria com Cícero e Waly, a intensa “Holofotes” dá no formato voz-violão a liberdade ideal para Bosco mostrar toda sua técnica e sensibilidade, numa interpretação que supera a versão original. Sob uma base sincopada, a letra junta versos de dois dos maiores poetas brasileiros: “Desde o fim da nossa história/ Eu já segui navios/ Aviões e holofotes/ Pela noite afora/ Me fissurarm tantos signos/ E selvas, portos, places/ Línguas, sexos, olhos/ De amazonas que inventei...”. Hit nacional alguns anos antes, a bela “Papel Machê” se encaixa bem no repertório por ser conhecida da plateia, contrastando com outros números bastante ligados ao contexto dos anos 70 e talvez distantes da realidade daquele público então presente.

Este papel de resgate cabe ao medley com “Quilombo” (1973), “Tiro de misericórdia” (1977) e “Escadas da Penha” (1975), composições dos primeiros discos do artista e nas quais a parceria dele com Aldir é determinante. Nas três, a forte temática do candomblé e da herança da África negra. A mais impressionante e provavelmente melhor do espetáculo – muito por causa do violão de Bosco, que mantém uma batida de samba intensa, repetitiva e rápida, forjando um clima espiral hipnótico – é “Tiro...”, a qual conta a história de um menino do morro aparentemente comum, mas que, por conta da proteção dos orixás, era invejado e malquisto pelos inimigos. A letra de Aldir é de uma riqueza literária espantosa, aproximando-se da prosa de Jorge Amado uma vez que engendra um espaço narrativo em que coabitam real e imaginário, concreto e transcendência, ou seja, o mundo dos homens (“Aiyê”) e o universo das forças não-terrenas (“Òrun”). Os versos dizem: “Exus na capa da noite soltara a gargalhada/ e avisaram a cilada pros Orixás/ Exus, Orixás, menino, lutaram como puderam/ mas era muita matraca e pouco berro”. Para arrematar, Bosco engata no mesmo ritmo “Escadas...”, que versa sobre a mesma potência das entidades místicas sobre a realidade ao colocar várias situações em que, ao serem influenciadas pelo poder das preces feitas na igreja da Penha (“A doideira da chama/ Chamou [...] O remorso num canto/ Cantou...”, por exemplo), alteram seu estado (“A doideira da chama/ Velou [...] O remorso num canto/ Guardou...”). Nada menos que admirável.

Outro medley traz as “líticas” “Granito” e “Jade”. A primeira, parceria com Cícero, questiona as semelhanças essenciais entre homem e pedra, numa abordagem em certo aspecto parecida com a do candomblé. Já “Jade”, do próprio Bosco, trata-se de uma balada de romantismo tocante, tanto por melodia quanto por letra (“Pedra que lasca seu brilho/ E queima no lábio/ Um quilate de mel/ E que deixa na boca melante/ Um gosto de língua no céu...”). “Romantismo” e “essência” são as palavras-chave de “Memória da Pele”, outra dele com Waly. Que versos lindos e profundos esses: “Eu já esqueci você, tento crer/ nesses lábios que meus lábios sugam de prazer/ sugo sempre, busco sempre a sonhar em vão/ cor vermelha/ carne da sua boca/ coração”.

“Corsário” é mais um momento especial. De relativo sucesso no final dos anos 80, essa canção traz um dos melhores poemas/letras de Aldir (e olha que são várias a disputar!). “Meu coração tropical/ está coberto de neve, mas/ ferve em seu cofre gelado/ e a voz vibra e a mão escreve: mar”. O lirismo é tal que Bosco, com assertividade, abre o tema com o poema “E então, que quereis...?”, do poeta russo Maiakowsky (“Fiz ranger as folhas de jornal abrindo-lhes as pálpebras piscantes. E logo de cada fronteira distante subiu um cheiro de pólvora perseguindo-me até em casa...”), o qual casa temática e estilisticamente com a música. Novamente, o dedilhado ágil do violão sobre acordes difíceis de executar dá à interpretação uma consistência melódico-harmônica sui generis, algo que somente um instrumentista de alto nível consegue extrair.

Para terminar, Bosco surpreende com uma fusão temporal em que aproxima rock britânico e samba de batuque ao inserir Beatles (“Eleanor Rigby”, anos 60) em Noel Rosa (“Fita Amarela”, anos 30). E como funciona! Completando este pot-pourri, “Trem Bala”, dele, Waly e Cícero, que traz uma mensagem de consciência e esperança às novas gerações, representadas ali pela jovem plateia: “A blitz ali na frente diz que aqui a onda/ tá mais pro Haiti do que pro Havaí/ Se as coisas nos reduzem simplesmente a nada/ de nada simplesmente temos que partir”. A base é de um toque ligeiro, que exige muita destreza, ao mesmo tempo em que intercala cantos com partes quase faladas, além das brincadeiras com a voz a la Clementina de Jesus típicos dele. Bosco, com sua característica simpatia, técnica e prazer pelo o que faz, cativa o público e consegue dar, com a maior naturalidade, um ar jovial ao especial mesmo sendo um artista “das antigas”, provando o quanto MPB, rock, pop e qualquer outra classificação são pura definição de gênero. Tudo é simplesmente música: atemporal e rica a qualquer um que se interesse.

O projeto Acústico da Music Television nacional foi ganhando cada vez mais visibilidade, e não demorou muito para que se tornasse um produto de pura venda para as grandes gravadoras e para a própria MTV. Ironicamente, foi o ótimo acústico de Gilberto Gil, de 1994, o começo do fim, uma vez que o mesmo estourara na mídia, vendendo milhões de discos e alertando de vez as gravadoras para (mais) uma fonte de renda ao sanguessuga e pouco criativo mercado fonográfico. Começaram a vir então shows chatos, incoerentes, duvidosos e megalomaníacos, contrariando totalmente a proposta intimista inicial, e a série, desvirtuada, nunca mais foi a mesma. Se hoje virou moda fazer shows desplugados, às vezes até pautando toda uma turnê em torno disso, o sempre corajoso e arrojado João Bosco é um dos principais responsáveis pela formação do mesmo no Brasil. Mas para o cara que enfrentou a censura do Governo Militar com hinos de resistência e denúncia uma contribuição como esta é apenas mais uma entre as tantas que deu à música brasileira.
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FAIXAS:
1. Odilê Odilá (Martinho da Vila, João Bosco)/ Zona de fronteira (João Bosco, Antônio Cícero, Waly Salomão)
2. Holofotes (João Bosco, Waly Salomão, Antônio Cícero)
3. Papel machê (Capinan, João Bosco)
4.  Granito (João Bosco, Antônio Cícero)/ Jade (João Bosco)
5. Quilombo/ Tiro de misericórdia/ Escadas da Penha (João Bosco, Aldir Blanc)
6. Memória da pele (João Bosco, Waly Salomão)
7. E então que quereis...? (Maiakovsky – Versão: Emílio Guerra)/ Corsário (João Bosco, Aldir Blanc)
8. Eleanor Rigby (John Lennon, Paul McCartney)/ Fita amarela (Noel Rosa)/ Trem bala (João Bosco, Antônio Cícero, Waly Salomão)

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OUÇA O DISCO






quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Música da Cabeça - Programa #69


A última piada de mau gosto que corre por aí é que a escravidão no Brasil foi uma mentira, certo? Vamos rir pra não chorar, então? O Música da Cabeça evoca Castro Alves e seu "Navio Negreiro" na música de Caetano Veloso pra aplacar qualquer ofensa histórica. Também na linha de frente Titãs, The Prodigy, Lenny Kravitz, Barão Vermelho das antigas e um "Cabeção" com a música desafiadora da greco-americana Diamanda Galás. Só aqui no Música da Cabeça mesmo! É hoje, às 21h, na Rádio Elétrica. Produção, apresentação e compromisso histórico: Daniel Rodrigues.


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Jorge Ben - "África Brasil" (1976)


"O Jorge [Ben] é o cara que eu conheço
que consegue colocar mais
palavras num mesmo verso."
Jô Soares



Se a expressão samba-rock pode ser atribuída à música de um artista, esse cara com certeza é Jorge Ben. Agora, se tem um disco para o qual esta mesma expressão possa ser aplicada com perfeição, esse álbum é o "África Brasil". Neste disco de 1976, Jorge Ben com a ajuda de uma banda de peso, cheia de suíngue, embalo, com músicos de diversas procedências e influências, trocava o violão pela guitarra elétrica e conjugava magistralmente os elementos básicos destes dois estilos, enriquecendo-os ainda com outros como funk, soul e jazz, obtendo um resultado absolutamente inigualável. Pode-se dizer que "África Brasil" é mais ou menos como Bob Dylan 'abandonado' as canções folk e pegando a guitarra... Só que aqui sem as vaias.
Com eletricidade, potência, ímpeto e pegada, "O Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)", que dá as boas-vindas no disco, é o sonho de qualquer banda que tenha tentado dotar seu rock de embalo. Com um riff contagiante e pungente, um baixo envolvente e uma cozinha que mescla funk, samba e batidas afro, a música que fala de um atacante carismático e goleador, a quem torcida saíra de casa somente para ver jogar, talvez seja o melhor exemplo dessa sonoridade pretendida e obtida por Jorge Ben neste álbum.
"Hermes Trismegisto Escreveu", uma das referências e amarração com o disco "A Tábua de Esmeralda" é uma incrível soul music da melhor qualidade onde reaparecem os interesses do cantor por assuntos místicos; já demonstrados em outros trabalhos; o futebol por sua vez, também volta a aparecer em "Meus Filhos, Meu Tesouro", batucada, carregada de brasilidade e ritmo, é interessantemente cantada à rock por Jorge Ben, chegando a rasgar a voz em determinados momentos, numa descontraída declaração de amor aos filhos. As boas "O Filósofo" e "O Plebeu" mantém a tradição do sambalanço de letras quase ingênuas características do cantor; e o clássico "Taj Mahal" ganha uma versão mais elétrica, mais guitarrada, mas interessantemente, cheia de cuícas.
"Xica da Silva", que serviu de trilha sonora para o filme homônimo, narra, em um samba manemolente e sensual, a história de uma negra que ascendeu à aristocracia brasileira graças a um caso com um nobre português na época do Império, bem naquele estilo característico de letra de Jorge Ben, de versos extensos com o máximo de palavras possíveis como observou muito bem certa vez o apresentador Jô Soares numa entrevista com o diretor do filme, Cacá Diegues.
Em "A História de Jorge", o cantor faz aquela tradicional auto-referência ("Jorge de Capadócia", "Jorge Well") dotando desta vez o personagem de mesmo nome que ele com o poder de voar; em "Camisa 10 da Gávea", Jorge Ben expressa mais uma vez sua paixão pelo futebol manifestando dessa vez sua admiração pelo ainda jovem craque rubro-negro, Zico, num samba-jazz cadenciado com mais um trabalho admirável do baixista Dadi, o Leãozinho da música de Caetano Veloso, ex-Novos Baianos e que viria a tocar em bandas como A Cor do Som e Barão Vermelho.
O Babulina faz a também costumeira homenagem a seu santo de devoção e igualmente xará, São Jorge, no rock-jazz-samba frenético e acelerado "O Cavaleiro do Cavalo Imaculado"; e fecha o disco com a faixa que lhe empresta o nome, "África Brasil", que na verdade não seria mais que uma versão da música "Zumbi", do álbum "A Tábua de Esmeralda", em outra referência-laço com aquele disco clássico, se não fosse sua agressividade rock, gritada e rasgada, a ponto de me lembrar "California Über Alles" dos Dead Kennedy's.
 "África Brasil" foi o responsável pela retomada da minha coleção de LP's uma vez que há uns 3 anos atrás, numa exposição sobre vinil, no CCBB resolvi comprar a reedição em bolachão deste clássico que havia acabado de sair (cara $$$), antes mesmo de comprar um novo toca-discos. Mas agora tenho ambos, o LP e o toca-discos. Bom,... e na verdade tenho o CD também.
Por muitos, "África Brasil" chega a ser apontado como o melhor disco nacional de todos os tempos e embora não seja o meu, entendo a preferência e não considero nenhum absurdo. Com certeza é um dos grandes álbuns da discografia nacional e mais uma obra-prima da fase mais criativa de Jorge Ben.
Salve Jorge!
Salve a África!
Salve "África Brasil"!
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FAIXAS:
01 – Ponta de Lança Africano (Umbabarauma)
02 – Hermes Trismegisto Escreveu
03 – O Filósofo
04 – Meus Filhos, Meu Tesouro
05 – O Plebeu
06 – Taj Mahal
07 – Xica da Silva
08 – A História de Jorge
09 – Camisa 10 da Gávea
10 – Cavaleiro do Cavalo Imaculado
11 – Africa Brasil (Zumbi)


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Ouça:


Cly Reis

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

8º Mississipi Delta Blues Festival – Largo da Estação Férrea – Caxias do Sul/RS (28/11/2015)



Com Dylan no peito,
nada melhor para uma
noite de blues.
Quando assisti ao ótimo bluesman Kenny Neal em São Paulo mês passado pensei que aquele breve mas impecável show fosse uma compensação por não poder ir ao Mississipi Delta Blues Festival, que ocorreria dali a semanas na cidade gaúcha de Caxias do Sul. Mas era, na verdade, um bom presságio. Tal sentimento se dava por um misto de falta de disponibilidade e a possibilidade de se fazer outra boa programação mais próxima – e mais fácil. É que teria também o festival Som de Peso, que ocorreria em Porto Alegre justamente no mesmo dia e hora e onde tocariam bandas célebres do punk nacional, como Cólera e Olho Seco, e, além destas, a Vômitos & Náuseas, a grande banda de hardcore do meu primo Lucio Agacê. Dúvida cruel. Depois de muita combinação, tive que suplantar a vontade de ir ao Som de Peso, pois conseguimos Leocádia e eu nos organizar para subir a Serra e conferir pela primeira vez o MDBF, vontade alimentada há anos.

Stroger, comandando o grupo no baixo.
E o esforço não poderia ter sido mais bem recompensado. Com uma programação cuidadosa e qualificada, tanto no que se refere a atrações internacionais quanto nacionais, além de uma estrutura planejada e eficiente, o MDBF, em sua 8ª edição, provou (pelo menos a nós, que ainda não o conhecíamos) que é o melhor festival de música do Rio Grande do Sul do momento. Prova disso é que o dia em que fomos, o terceiro e último da edição de 2015, não por isso ficou devendo. Dividido em sete palcos, o festival apronta um rodízio de apresentações dos artistas por vários destes durante os três dias de evento, fazendo com que se possa assisti-los em mais de uma oportunidade. Igualmente, o local não poderia ser mais adequado: a antiga estação férrea de Caxias, prato cheio para Leocádia fazer várias fotos pois empresta uma atmosfera onírica àquela sonoridade melancólica, antiga e sensual típica do blues. A chuva que caía ajudou a aumentar o clima cinematográfico.

Bob Stroger posando para as lentes.
O blues rolava por todos os cantos, dos alto-falantes, dos palcos, das pessoas cantando, assobiando, dançando. Chegava a emanar de algumas figuras que ali estavam. Um desses seres iluminados era Bob Stroger, o incrível baixista californiano de (acredite-se) 85 anos. Stroger, que havia estado em Porto Alegre na semana anterior – e que, novamente por agenda e correria, não pudera assistir –, foi um dos principais motivos de irmos ao MDBF. Artista “residente” do festival, participou de todas as edições deste até agora, o que certamente continuará fazendo até não poder mais, haja vista seu prazer em estar ali. Ele dizia, faceiro: “This is my house”. Um dos primeiros a se apresentar naquele dia, ele referia-se não somente a Caxias e ao festival como ao Front Porch Stage, um caracterizado palco que reproduzia o ambiente de uma sacada de um rancho do Sul norte-americano, aquelas que a gente vê em filmes sobre negros pobres e trabalhadores de fazendas de algodão de antigamente. Para alguém como ele, do início do século passado, certamente aquilo era bem familiar. Estava se sentindo em casa mesmo, acarinhado e admirado pelo público.

Cokeyne, à direita, e sua banda de ilustres convidados.
Na verdade, Stroger fazia o ambiente se tornar real, visto que ele em si é uma entidade em pleno palco. De terno risca de giz escuro, sapatos e chapéu, é a encarnação daquilo que o mundo conheceu no início do século XX chamado blues, o gênero musical afro-americano que coloca, em ritmo sincopado, repetitivo e simples, os sofrimentos e tristezas dos negros escravos e apartados de sua terra. Blues, com suas raízes religiosas, de trabalho ou de protesto. Um estado de espírito. E Bob Stroger é a representação viva disso. Ele mesmo, orgulhoso, diz várias vezes: “I’m the blues”. Quem há de contrariá-lo? Entre as maravilhas que escutamos de sua voz sôfrega, mas com o aveludado que somente os negros de lá conseguem ter, “Just a Sad Boy”, “Talk to me Mamma”, “Don't You Lie to Me” e uma canção que, além de fantástica, se tornaria especial naquela noite: “Blind Man Blues”, autoria do próprio Stroger. Um bluesão embalado num riff de baixo contínuo e cheio de groove, que lhe põe naquele limiar entre o blues e o rock. Esta, comporia outro episódio importante horas depois...

"Don't You Lie To Me" - Bob Stroger - Mississipi Delta Blues Festival 2015

Sherman Lee Dillon, pura energia.
Tinham mais coisas a se aproveitar ainda. Noutro palco, o Bus Stage, iriamos conferir o nosso amigo Cokeyne Bluesman (Beto Petinelli, ex-Cascavelletes), que havia reunido uma galera especial para uma das apresentações. E olha: que apresentação! Disparado a mais empolgante da noite e que, mesmo não estando num dos palcos principais, ensandeceu o público que assistia. Que energia que saída dali, a ponto de as pessoas serem tomadas por ondas de euforia, respondidas pelos músicos e vice-versa. A química foi precisa: Cokeyne, referencial na guitarra solo e slide guitar; Lucas Chini, no baixo, um cabeludo psicodélico e tomado pela música que parecia ter se congelado no tempo, pois era tal um integrante de banda de rock-blues dos anos 60, uma Canned Heat ou The Band; e o norte-americano Sherman Lee Dillon, de quem se pode dizer apenas uma coisa: nossa! Aquele velhinho branco de camisa, calça social e quepe poderia ser, como bem Leocádia observou, o vendedor da banca da esquina ou o dono da tabacaria. Só que quando empunha a guitarra, sai de perto! É um furação em forma de blues.

Na bateria, Gutto Goffi.
Melhor amigo do saudoso B.B. King, Dillon, natural do Mississipi, mostrou ser um genuíno seguidor de Muddy Waters e Bo Diddley. Com sua harmônica e sua guitarra de metal, parecido com um banjo elétrico, ele incendiou o pequeno palco, pondo todo mundo pra se mexer. Uma das mais quentes foi a versão de “Maybelline”, clássico de Chuck Berry, que tocaram numa versão tão eletrizante quanto. Além disso, quem completava a banda na bateria era Guto Goffi, o baterista do Barão Vermelho, que estava ali animadíssimo tocando o que gosta e sem todo o aparato e multidões de que é acostumado. Cokeyne, o anfitrião, também não deixou por menos. Com solos arrebatadores, levantou a galera várias vezes, mesmo sem cantar como Dillon. Ainda teve a palhinha do músico gaúcho Andy Serrano, na gaita, o mesmo da banda de rockabilly que vimos anos atrás no Clube de Jazz Take Five, em Porto Alegre. Um empolgante e surpreendente show.

'Super Chikan' no palco principal do MDBF.
Entre uma programação e uma paradinha para comer, deu tempo de ver, no Moon Stage, palco principal, um bom pedaço da apresentação de outra das também principais atrações do MDBF desse ano: o norte-americano James "Super Chikan" Johnson, mais um filho do Mississipi. Outro arraso. O cara, que ganhou esse apelido na infância, quando ainda era jovem demais para trabalhar no campo e passava o seu tempo conversando com as galinhas, começou tocando o diddley bow, instrumento muito rudimentar que o ajudou a desenvolver sua capacidade de extrair sons de uma só corda. Essa forma de tocar é evidente em seu estilo, que aproveita ao limite uma sequência de notas, sempre com muito groove. Isso sem falar do característico grito que lança entre uma execução e outra imitando o cocoricó das galinhas com quem tanto conversava quando criança.

Eu com Rip Lee Pryor.
Voltando ao Front Porch Stage, pena que não deu tempo de assistir um pouquinho de outra lenda: o harmonicista Rip Lee Pryor (filho de Snooky Pryor), que ainda estava passando som e o pito na equipe técnica, que não acertava o que ele pedia. Na mesma hora – essas coincidências são inevitáveis, ainda mais para que foi em apenas um dos dias como nós – subiria no Magnolia Stage outra das que nos motivaram bastante a escolher por essa e não outra programação: a cantora Zora Young. Igualmente produto do Delta do Mississipi, é daqueles vários artistas de blues cujas famílias, depois da 2ª Guerra, migraram para Chicago em busca de novas oportunidades. Criada dentro das igrejas gospel, foi tomando com o passar do tempo gosto pelo Rhythym n' Blues a ponto de não o largar mais. A explicação talvez esteja no sangue: Zora tem em sua árvore genealógica uma das lendas do blues, Howlin' Wolf. No festival, ela mandou ver num show pulsante e dançante, com sua poderosa voz rouca muito trabalhada nos corais religiosos e nos pubs de blues. Interagindo com a plateia, Zora e sua banda fizeram um espetáculo daqueles que não dá vontade de sair mais (tanto que, quando vimos, já tinha acabado o de Pryor), com repertório de primeiríssima qualidade, solos afiadíssimos e, claro, a excelência da voz de Zora.

A divina cantora de raízes gospel e rythm'n blues,
Zora Young e o privilégio de ter na banda Stroger, ao fundo.
Mas por falar na banda de Zora Young, aqui vai aquela parte que havia ficado faltando sobre “Blind Man Blues”, de Bob Stroger. Aconteceu que, com receio de que sobrasse para nós algum daqueles esporros de Rip Lee Pryor com a equipe, saímos logo do Front Porch Stage e chegamos minutos antes para assistir Zora. Porém, para nossa surpresa quem sobre no palco são três músicos mais... Bob Stroger! ”Ué, será que mudaram o lugar do show dela?”, pensamos. Fomos perguntar a um rapaz do staff e ele nos confirmou que era ali, sim, o show da cantora. Pois não é que Stroger, nos seus já mencionados (mas que não custa relembrar) 85 anos foi, horas depois de ter aberto o festival, formar a banda de Zora Young? Na maior simplicidade e humildade. Coisa de músico de verdade. Já no final da noite, ele abriu com a mesma música que já tinha tocado no outro palco para depois tocar, como apenas mais um integrante, mais uma hora e meia – sem se sentar nem pedir água. Pelo contrário: no centro do palco, estava lá ele postado, elegante em seu terno risca de giz e chapéu, abrilhantando ainda mais o show da companheira de blues.

"The Thrill Is Gone"/ "I'm Freee" - Zora Young - Mississipi Delta Blues Festival 2015

Foi o próprio Bob Stroger que disse se sentir em casa. Sentimento compartilhado com muita gente ali, entre músicos e espectadores, que fazem o MDBF crescer a cada ano, sempre com a expectativa pela edição seguinte. Eu mesmo já estou me vendo, lá em novembro de 2016, cantando para convencer Leocádia: “Oh, baby, don't you want to go? Back to the land of Caxias do Sul/ To my sweet home, festival?”
Front Porch Stage, "this is my house".