"Nasce Uma Estrela" de 1976 parece um daqueles times que sai marcando alto e pressionando no campo de ataque logo no início do jogo. Os primeiros 20 minutos do filme são intensos! Toda a parte do show, a expectativa do público, a insatisfação com o atraso do artista, a chegada do astro, a apresentação muito rockstar, a saída, o pós-show, tudo é de tirar o fôlego e, como um time que dá um abafa no adversário nos primeiros minutos, uma grande possibilidade é de que aconteça um gol naquela pressão. O novo "Nasce Uma Estrela", de 2018, até também tem a situação do show, mas muito menos impactante e sem o grau de envolvimento que o outro causa. Nisso, não dá outra: 1x0 para o original logo no início. Mas sabemos que não tem como manter um ritmo desses o jogo inteiro e, como seria natural, o original acaba perdendo o fôlego. Assim, não demora para que o remake tome as rédeas da partida com um jogo organizado de quem não se desesperou quando a situação era desfavorável. O desenvolvimento ali na meiúca, no miolo, onde o jogo acontece acaba garantindo o empate para "Nasce Uma Estrela" 2018. Enquanto o original desperdiça seu tempo, ali pela metade do filme com "videoclipes" românticos e momentos "fofos" do casal, a versão atual desenvolve o enredo e trabalha melhor a trama. Em resumo, ambas as versões, com algumas pequenas diferenças, tratam de um músico problemático envolvido com drogas e álcool, que, por acaso, descobre uma cantora num bar qualquer desses da vida, acaba se apaixonando por ela mas, paralelamente ao romance, vai jogando fora sua própria carreira por conta dos vícios e atitudes, enquanto ela vai brilhando cada vez mais. A verdade é que a refilmagem é mais time, ou melhor, mais filme. Tem uma estrutura melhor, escolhas técnicas mais acertadas e algum brilho do surpreendentemente talentoso Bradley Cooper na direção. O resultado óbvio da imposição técnica e de qualidade é uma merecida virada no placar. Time por time, embora eu tenha gostado muito daquele jeitão rock'n tipo do antigo protagonista, Bradley Cooper é mais ator que Kris Kristofferson e dá uma resposta melhor quando é chamado a cantar. É mais um gol pró remake 2018 que abre diferença no placar. 3x1. Já do lado feminino, não tem como ignorar que Barbra Streisend, mesmo com aquele seu futebolzinho insosso, já tem uma Bola de Ouro na estante, ou seja, um Oscar, e mesmo que seja algo tipo a inexplicável premiação do Modric em 2018, a estatueta tá lá brilhando e polida e ninguém tira isso dela. Enquanto isso, do outro lado, Lady Gaga, por mais que também tenha sido indicada ao prêmio da FIFA, tenho que admitir que não me impressionou lá essas coisas, mesmo com a grande expectativa que criei por conta dos efusivos elogios à atuação da moça. Tipo aquele jogador novo que o time contrata, que todo mundo diz que é o bicho, que vai arrebentar e aí o cara vai ver o jogo e pensa, "tamo bem arranjado...". No duelo das protagonistas, a estrela do time decide e diminui para o time de 1976. 3x2.
Barbra Streisend e Kris Kristofferson - "Evergreen" (1976)
Lady Gaga e Bradley Cooper - "Shallow" (2018)
Mas aí começa a guerra de torcidas e cada uma começa a entoar seu canto de guerra. Nesse quesito, embora a grudenta "Shallow" da nova versão, tenha atingido grande popularidade e seja cantada a plenos pulmões por seus fiéis torcedores, a não menos melosa "Evergreen", assim como a música da refilmagem, levou o Prêmio Púskas, ou melhor, o Oscar de Canção Original, e, assim, não tem como dar vantagem para qualquer uma delas sobre a outra. Um gol pra cada lado. E não há tempo pra mais nada! Jogo de muitos gols mas engana-se quem acha que foi um jogão. É que às vezes dois times fracos acabam proporcionando um espetáculo até interessante exatamente pela vulnerabilidade de seus sistemas defensivos e foi exatamente o que aconteceu aqui.
Até gosto mais do estilo roqueirão de Kris Kristofferson, no original, mas, como ator, Bradleu Coooper tem mais bola e, de quebra, é bastante promissor como técnico, digo..., como diretor.
O time do estreante na casamata, treinador da nova geração,
Bradley Cooler supera um adversário de tradição e põe a primeira estrela na camisa.
E saiu a lista dos indicados ao Oscar 2019! "A Favorita", filme de época do diretor Yorgos Lanthimos, e "Roma", do já oscarizado de Alfonso Cuarón, que concorre não somente a melhor filme como a melhor película estrangeira, são os líderes em indicações, mas "Nasce Uma Estrela" com a estrelíssima Lady Gaga, vem logo em seguida com oito e com boas chances. "Pantera Negra", de certa forma, surpreende com sete nominações, tornando-se o filme de super-heróis com maior reconhecimento neste sentido pela Academia, e o badalado “Bohemian Rhapsody”, biografia de Freddie Mercury, garantiu cinco indicações, incluindo, é claro, a de melhor ator com a ótima atuação de Rami Malek que, por sinal não terá vida fácil, especialmente contra Christian Bale, por seu papel em "Vice", e Willem Defoe, por "No Portal da Eternidade". Me surpreende um pouco a escassês de indicações para "O Retorno de Mary Poppins", que achei que fosse passar o rodo nos itens técnicos e, não tão surpreendente assim, uma vez que as qualidades de "Infiltrado na Klan" vem sendo exaltadas constantemente, mas louvável é a ascensão de Spike Lee ao time dos grandes com sua primeira indicação a melhor diretor.
Depois dessa breve passada, vamos ao que interessa. Conheça os indicados ao Oscar em 2019:
Melhor Filme
Pantera Negra Infiltrado na Klan Bohemian Rhapsody A Favorita Green Book: O Guia Roma Nasce Uma Estrela Vice
Melhor Atriz
Yalitza Aparicio (Roma) Glenn Close (A Esposa) Olivia Colman (A Favorita) Lady Gaga (Nasce Uma Estrela) Melissa McCarthy (Poderia Me Perdoar?)
Melhor Ator
Christian Bale (Vice) Bradley Cooper (Nasce Uma Estrela) Willem Dafoe (No Portal da Eternidade) Rami Malek (Bohemian Rhapsody) Viggo Mortensen (Green Book: O Guia)
Melhor Atriz Coadjuvante
Amy Adams (Vice) Marina De Tavira (Roma) Regina King (Se a Rua Beale Falasse) Emma Stone (A Favorita) Rachel Weisz (A Favorita)
Melhor Ator Coadjuvante
Mahershala Ali (Green Book) Adam Driver (Infiltrado na Klan) Sam Elliott (Nasce uma Estrela) Richard E. Grant (Poderia Me Perdoar?) Sam Rockwell (Vice)
Melhor Direção
Spike Lee Pawel Pawlikowski Yorgos Lanthimos Alfonso Cuarón Adam McKay
Melhor Roteiro Original
The Favourite First Reformed Green Book: O Guia Roma Vice
Melhor Roteiro Adaptado
The Ballad of Buster Scruggs BlacKkKlansman Can You Ever Forgive Me? If Beale Street Could Talk A Star is Born
Melhor Figurino
The Ballad of Buster Scruggs Pantera Negra A Favorita O Retorno de Mary Poppins Duas Rainhas
Melhor Cabelo
Border Mary Queen of Scots Vice
Melhor Direção de Arte/Design de Produção
Black Panther The Favourite First Man Mary Poppins Returns Roma
Melhor Trilha Sonora
Pantera Negra Infiltrado na Klan Se a Rua Beale Falasse Ilha de Cachorros O Retorno de Mary Poppins
Melhor Canção Original
All the Stars – Black Panther I’ll Fight – RBG The Place Where Lost Things Go – Mary Poppins Returns Shallow – A Star is Born When A Cowboy Trades His Spurs For Wings – Ballad of Buster Scruggs
Melhor Fotografia
Cold War The Favourite Never Look Away Roma A Star is Born
Melhor Edição
Infiltrado na Klan Bohemian Rhapsody A Favorita Green Book: O Guia Vice
Melhor Edição de Som
Pantera Negra Bohemian Rhapsody O Primeiro Homem Um Lugar Silencioso Roma
Melhor Mixagem de Som
Pantera Negra Bohemian Rhapsody O Primeiro Homem Roma Nasce Uma Estrela
Melhores Efeitos Visuais
Avengers: Infinity War Christopher Robin First Man Ready Player One Solo: A Star Wars Story
Melhor Documentário
Free Solo Hale County This Morning, This Evening Minding the Gap Of Fathers and Sons RBG
Melhor Animação
Os Incríveis 2 Ilha de Cachorros Mirai Wifi Ralph Homem-Aranha no Aranhaverso
Melhor Filme Estrangeiro
Capernaum Cold War Never Look Away Roma Shoplifters
Melhor Curta Metragem – Animação
Animal Behavior Bao Late Afternoon One Small Step Weekends
Melhor Curta Metragem – Documentário
Black Sheep End Game Lifeboat A Night at the Garden Period. End of Sentence.
Peter Farrely, diretor de "Green Book", comemorando a vitória
na categoria de melhor filme.
A cerimônia do Oscar, esse ano, veio sem um mestre de cerimônias fixo, o que deu uma certa agilidade à festa. Atores, atrizes, diretores e personalidades se revezavam na condição de apresentadores dosando bem descontração, humor, reverência e emoção. E a coisa toda já começou em grande estilo com o Queen abrindo os trabalhos, acompanhado pelo vocalista Adam Lambert, mandando ver com dois clássicos da banda inglesa. A partir daí foi dada a largada para a entrega das estatuetas e embora "Green Book" tenha abocanhado o prêmio principal, as premiações ficaram bem distribuídas. "Bohemian Rhapsody" teve o maior número e ficou com quatro estatuetas, incluindo melhor ator, consagrando a atuação marcante de Rami Malek"; Pantera Negra" fazendo história entre filmes de super-heróis, ficou com três; "A favorita" levou o seu; "Infiltrado na Klan" também; "Roma", um dos favoritos, mesmo não tenha garantido o de melhor filme no geral, teve reconhecida toda sua inegável qualidade com os prêmios de melhor filme estrangeiro, direção e fotografia; além do próprio "Green Book", que somados ao grande prêmio da noite, levou mais dois, os de roteiro original e de ator coadjuvante.
O esfuziante Spike Lee
comemorando com o amigo
Samule L. Jackson.
Alguns dos pontos altos foram, além da já mencionada performance do Queen, foram a entrega do prêmio de canção original para Lady Gaga, por "Nasce uma estrela"; a surpresa e o bom humor de Olivia Colman ao receber o prêmio de melhor atriz; e a entrega do prêmio de roteiro adaptado para um emocionado e elétrico Spike Lee que aproveitou para lembrar a todos da dura trajetória de um negro até alcançar o lugar onde ele conseguia chegar naquele momento.
Uma cerimônia mais direta, mais enxuta e divertida, sim, mesmo sem tantas gracinhas dos cicerones habitualmente convidados. No que diz respeito aos prêmios, a Academia tratou de fazer todo mundo voltar feliz pra casa: cada um dos favoritos levou o seu e, nas categorias principais tratou de ser bem política, dando o melhor filme para "Green Book" e o de direção para Alfonso Cuarón uma vez que seu "Roma" já tinha o reconhecimento de melhor filme pelo prêmio entre os estrangeiros. A propósito, volta chamar atenção esta, praticamente, hegemonia mexicana no Oscar que faz com que nos últimos anos, sempre que indicados na categoria de direção, os profissionais daquele país tenham vencido.
Além de mais uma festa mexicana, a cerimônia da noite passada foi uma celebração do cinema e do talento negro com diversos prêmios e reconhecimento, mas também uma oportunidade para reflexões e discussão sobre o racismo e a condição dos afro-descendentes, não somente na sociedade americana, como em todo o mundo. A vitória de "Green Book" e sua temática, os três de "Pantera Negra", com seu empoderamento e com sua equipe técnica predominantemente negra recebendo orgulhosa cada troféu; a segunda estatueta de Mahershala Ali, o tardio prêmio de Spike Lee, o Oscar de coadjuvante para a emocionada Regina King que, como ela mesma disse, se estende a mulheres guerreiras e inspiradoras como sua mãe, não foram triunfos apenas da comunidade negra e, sim, mais uma vitória da sociedade. É um pequeno passo, sei, mas de pouquinho em pouquinho talvez um dia cheguemos lá. Lá? A um mundo melhor, quem sabe.
Fique, abaixo, com todos os vencedores da noite do cinema de Hollywood:
Melhor atriz coadjuvante: Regina King ("Se a Rua Beale falasse")
Melhor documentário: "Free Solo"
Melhor maquiagem e pentados: "Vice"
Melhor figurino:"Pantera Negra"
Melhor direção de arte: "Pantera Negra"
Melhor fotografia: "Roma"
Melhor edição de som: "Bohemian Rhapsody"
Melhor mixagem de som: "Bohemian Rhapsody"
Melhor filme estrangeiro: "Roma"
Melhor edição: "Bohemian Rhapsody"
Melhor ator coadjuvante: Mahershala Ali
Melhor animação: "Homem-Aranha no Aranhaverso"
Melhor curta-metragem de animação: "Bao"
Melhor documentário curta-metragem: "Absorvendo o tabu"
Melhores efeitos visuais: "O primeiro homem"
Melhor curta-metragem: "Skin"
Melhor roteiro original: "Green Book - O guia"
Melhor roteiro adaptado: "Infiltrado na Klan"
Melhor trilha sonora original: "Pantera Negra"
Melhor canção original: "Shallow", "Nasce uma estrela"
A música é algo fascinante e contagiante, o cinema igualmente, os dois juntos então... ♡. Imagina então quando esse encontro é muito bem feito. É o caso do fabuloso "Nasce Uma Estrela" dirigido por Bradley Cooper e estrelado por ele mesmo e por uma atriz chamada Stefani Germanota, que talvez você conheça como Lady Gaga.
O experiente músico Jackson Maine (Bradley Cooper) descobre a jovem artista desconhecida Ally (Lady Gaga) por quem acaba se apaixonando. Ela está prestes a desistir de seu sonho de se tornar uma cantora de sucesso, até que Jack a convence a mudar de ideia. Porém, apesar de a carreira de Ally decolar, o relacionamento pessoal entre os dois começa a desandar à medida que Jack luta contra seus próprios demônios e problemas com álcool.
Um dos aspectos que pode ser um descuido do filme mas que não tira o seu brilho é o fato de explorar pouco o mundo externo. Ele se relaciona demais com os dois personagens principais explorando pouco a relação deles com o mundo fazendo assim com que as consequências de suas ações fiquem no micro. No final das contas, temos cenas importantes, situações relevantes mas das quais resultam pouco impacto no mundo musical, no mainstream, na cultura pop.
Lady Gaga, muito mais do que um
rostinho bonito e uma bela voz.
Porém qualquer defeito cai perante a ótima direção de Bradley Cooper. O seu trabalho com a câmera é algo de chorar de tão lindo, seu enquadramento de personagem, sublime, e a forma como mostra as cenas de show faz a gente se sentir praticamente dentro do palco.
A trilha é perfeita e chega a ser impossível não cantarolar as músicas do filme. Lady Gaga fabulosa, o filme faz questão de desconstruir a imagem visual que temos dela, desde a primeira cena, e funciona maravilhosamente bem, mas, na minha opinião, a atuação de Bradley Cooper está simplesmente de outro mundo. O cara engole todo mundo quando está em cena. Você não vê o ator, apenas o personagem.
É o tipo de filme, que vai ganhando força conforme ele vai passando e a porrada vai ficando cada vez mais forte. Cuidado para não ir a lona no final do filme.
Não esperava muito desse longa e, sinceramente, fui surpreendido. Trabalho que é brilhantemente dirigido por um diretor que claramente sabe o que quer quando está com a câmera na mão. Uma bela história de amor, um bom recorte de como é a conturbada vida da fama. Um longa para ser visto e escutado porque ele não desafina em nenhum momento.
Os road movies guardam uma magia especial. Às vezes, filmes que num primeiro momento se mostram simples, ganham uma nova dimensão a partir do ponto em que se identificam como “filmes de estrada”. O iraniano “Onde Fica a Casa do Meu Amigo?” ou o norte-americano “O Espantalho” são dois bons exemplos de filmes que começam de uma forma e, a partir de determinado momento, põem-se em direção a um novo, inesperado e simbólico caminho. Ocorre que, às vezes também, justamente por conter essa aura diferenciada, um filme desta categoria excepcional, geralmente mais restrito ao público cinéfilo, é reconhecido – caso dos mencionados “O Espantalho”, Palma de Ouro em Cannes, em 1973, e de “Onde Fica...”, Leopardo de Bronze em Locarno, em 1989. Pois que outro road movie recentemente fez valer a sua magia, e em pleno Oscar, o maior evento do cinema mundial. O cativante “Green Book – O Guia”, de Peter Farrelly, venceu grandes concorrentes contando uma história pequena e centrada basicamente em dois personagens (quase a ponto de não distinguir quem é protagonista ou co), mas fazendo-o com a luz peculiar dos road movies, conquistando, assim, o Oscar de Melhor Filme. E merecidamente.
A principal premiação do Oscar a “Green Book”, entretanto, rendeu controvérsia. Desbancando favoritos como “Bohemian Rhapsody”, “A Favorita”, “Nasce uma Estrela” e, principalmente, “Infiltrados na Klan”, o filme, estrelado por Viggo Mortensen e Mahershala Ali, foi classificado por alguns como o pior filme a receber tal prêmio em 14 anos. A referência cronológica faz alusão a outro título contestado mas ganhador da mesma estatueta, o cult “Crash – No Limite”, de 2005, também um filme “pequeno” e, assim como o vencedor deste ano, peculiar não por ser um road movie, mas uma “trama coral”, algo ainda mais exótico ao grande público desacostumado com qualquer outra abordagem cinematográfica que não a da grande indústria.
Friamente analisando, não só “Crash” quanto “Green Book” passam longe de serem filmes desprezíveis quanto, principalmente, trazem um sopro diferente à Academia e ao que ela representa para o cinema mundial. E aí é que está o incômodo a quem lhes torce o nariz. A partir de uma abordagem sensível e humanista, “Green...” conta a história real de Tony Lip (Mortensen), um dos maiores fanfarrões de Nova York, que precisa de trabalho após sua discoteca fechar. Ele conhece um pianista famoso de jazz clássico, Don Shirley (Ali), que o convida para uma turnê na qual viajarão pela região Sul dos Estados Unidos, passando por várias cidades. Enquanto os dois se chocam no início por conta das diferenças raciais, culturais e sociais, um vínculo finalmente cresce à medida que viajam juntos.
Sintonia entre Ali e Mortensen: essencial para a narrativa
A direção segura de Farrelly (do ótimo "Eu, Eu Mesmo e Irene", de 2000) dá ao filme uma alta coesão, que faz o andamento manter-se interessante do início ao fim. Até aquela tradicional “barriga”, da qual o modelo de roteiro do cinema comercial dificilmente escapa, principalmente, na parte entre a “confrontação” e a “resolução” da trama, “Green...” consegue evitar. Isso muito se deve, contudo, à afinidade da dupla de atores, de brilhantes atuações. Ali, não à toa, levou o Oscar de Ator Coadjuvante – sua segunda estatueta na carreira (havia ganhado a de Ator por “Moonlight”, em 2017) –, e Mortensen, que não ganhou, pois tinha como concorrentes dois gigantes: Christian Bale, por “Vice”, e o que se sagrou vencedor, Rami Malek, por “Bohemian...”. A cumplicidade que ambos os atores obtém faz com que a relação dos personagens que interpretam, um negro da alta classe e um branco de classe baixa, algo improvável para um Estados Unidos dos anos 60, torne-se crível mesmo diante da fácil possibilidade de errar no tom desta construção simbólica. Isso pode passar batido aos olhos preconcebidos dos detratores, mas tal sintonia entre os atores é resultado da habilidade do diretor, algo que, quando mal conduzida, pode comprometer uma boa história ou um filme por inteiro.
Duas hipóteses são passíveis de se levantar para quem não tenha gostado da premiação de “Green...” ante outros títulos concorrentes na mesma categoria. A primeira se refere à pecha de “Green...” ser uma obra “menor” – ressalva esta, diga-se, que não se ouviu quando da indicação do filme, ou seja, este foi estranhamente reprovado somente quando a frustração da não conquista de outros títulos concorrentes foi confirmada. Ora, tal adjetivo, quando entendido como um filme mais enxuto orçamentalmente e sem a grandioculência costumeira de Hollywood, não é justificativa para que o mesmo não mereça ser premiado. Afinal, um bom filme é aquele que conta bem uma história, independente se se trata de uma saga homérica ou um diminuto drama íntimo. Claro que para quem está acostumado a ver blockbusters como “Senhor dos Anéis”, “Gladiador” ou “Titanic”, filmes como “Green...”, cuja abordagem é mais europeia, pois sensível (mesmo que sobre o modelo de roteiro hollywoodiano), soam estranho. De certa forma, “Birdman”, “O Artista” e “Moonlight”, alguns dos últimos vencedores do Oscar de Melhor Filme em virtude dessa nova mirada que a Academia vem tentando dar à premiação nas duas últimas décadas, também sofreram críticas por distanciarem-se cada um a seu modo do tradicional e muitas vezes batido – e por que não dizer cansativo – “cinemão”.
Ali recebeu o Oscar de Melhor Coadjuvante pelo papel, seu segundo na carreira
A segunda análise que pode ser feita quanto à não aceitação de “Green...” refere-se, claro, ao tema central do filme: o preconceito racial. A questão está em alta nos últimos anos e em especial, neste último Oscar. Ao mesmo tempo em que concorriam “Pantera Negra”, a ode ao africanismo, e que profissionais negros destacaram-se como nunca antes, por sorte ou azar, “Green...” veio na mesma leva de “Infiltrados...”, o libelo antirracista do genial Spike Lee. O cineasta e ativista saiu insatisfeito da premiação por não ter levado a estatueta com o seu filme (ganhou, e merecidamente, a de Melhor Roteiro Original, quando proferiu um discurso engajado e reflexivo sobre a condição do negro), mas também por discordar da abordagem que “Green...” dá à questão. Certamente, Spike, que construiu sua carreira sobre um discurso justificadamente radical de enfrentamento a quem mantém o sistema racista e excludente da sociedade norte-americana, desagrada-se da linha humanista e agregadora que “Green...” sustenta – provavelmente, por considerar essa lógica ineficiente e retroalimentadora do racismo estrutural.
Discordâncias à parte, o fato é que “Green...” encanta e emociona, e o faz por que trata o racismo, mesmo com todos os desafios evidenciados durante a trajetória de Don e Tony pelas estradas norte-americanas, num nível mais “avançado” de entendimento do preconceito racial, ou seja, aborda o tema a partir de uma mentalidade em que as ideias atrasadas e injustificáveis que sustentam as diferenças entre as raças já estejam superadas em suas fases mais intransponíveis. Se a sagração de “Green...” surpreendeu por se supor que a preferência é sempre dos campeões de bilheteria, igualmente fica a sensação positiva de um certo alento ao se fazer a escolha pela ótica de uma obra que enaltece a compaixão. Isso, em épocas tão amargas de governo Trump e ascensão de extremas-direitas no mundo, é sutil, mas tão importante quanto o “Fight the Power” de Spike Lee.
Nosso convidado do Duelo do mês é o radialista, locutor,
cinéfilo e blogueiro Paulo Telles.
Morador da Lapa, no Rio de Janeiro, o famoso bairro boêmio carioca não é páreo
para o fascínio cinéfilo de nosso entrevistado. Telles divide seu tempo entre
as locuções e roteiros de rádio e as várias colaborações para blogs e revistas
de cinema. Dentre elas, a DVD Magazine, onde possui uma coluna. Seu blog, Filmes Antigos Club, está há 5 anos no ar. O espaço é dedicado a artigos sobre filmes clássicos
que fizeram história. Telles também é um dos maiores especialistas do Brasil no
tema western, tendo escrito diversos
textos e resenhas sobre o gênero. Ele se considera criterioso para fazer suas
matérias e põe a pesquisa como peça fundamental para redigir qualquer texto. Eu
decidi entrevistá-lo e explorar todo seu vasto conhecimento de sétima arte. Ele
gentilmente aceitou e colaborou com respostas bem afinadas e nos deu uma grande
entrevista. Um prato cheio de spaghetti
e western de todo tipo, fartura total
para os amantes do bang bang.
Desfrutem com armas na mão.
BINO: Paulo, vamos
entrar direto no tema western. Recentemente eu li um texto seu para a DVD
Magazine que foi um dos melhores que vi sobre o tema bang bang. Era sobre o Western Americano e o Europeu,
uma comparação, na verdade, uma diferenciação de ambos os estilos, quase um
duelo. Eu tenho notado entre amigos e cinéfilos uma divisão de preferências
entre os dois. É certo que o spaghetti
fez o western americano repensar sua estética de cowboy limpinho, mas ao mesmo tempo bebeu muito na fonte hollywoodiana de
fazer estes filmes. Quais foram as grandes contribuições que ambos os gêneros
deram um para o outro?
Eastwood e seu referencial "Os Imperdoáveis"
PAULO TELLES: Primeiramente,
saudações cinéfilas aos leitores do Clyblog e obrigado pela acolhida. Esse texto foi um dos meus primeiros redigidos no meu blog Filmes Antigos Club, criado em2010, dividida
originalmente em três partes, e foi trasladado para minha coluna Revendo por Edinho Pasquale (editor
do DVD Magazine) em um único artigo. Ambos os estilos deram uma indelével
contribuição à sétima arte, contudo, os faroestes
spaghetti ajudaram a fortalecer o gênero. Para vocês terem uma
ideia, o western (por definição do
famoso crítico Andre Bazin, o "cinema
americano por excelência") foi extremamente explorado por Hollywood
pelo menos durante os primeiros 60 anos de indústria, inclusive na TV e nos
seriados infantis de cinema (ao estilo Durango
Kid, The Lone Ranger, etc), praticamente repetindo uma fórmula,
ou melhor, dizendo, uma estética lírica e poética. Obviamente isso foi
saturando o público e a crítica, mesmo que o cinema americano nos meados da
década de 1950 tentasse inovar o gênero com temas sociais e de politização. Até
que veio um notável cineasta italiano chamado Sergio Leone a mostrar para as
plateias do mundo que o Velho Oeste era mais pungente do que os cineastas
americanos florearam, mas estes, amantes da mitologia e do folclore, não se
importavam com a fidelidade dos reais acontecimentos, e sim com a legenda áurea
e romântica dos mitos do Oeste Americano. Obviamente, isso não condizia com uma
época violenta que fora o Velho Oeste. Ele admirava os trabalhos dos mestres
Ford, Hawks, Mann, Daves, Hathaway, mas discordava do idealismo romântico e
poético que estes diretores envolviam acerca de seus cowboys e no meio em que viviam, mesmo que estes cowboys fossem de teor freudiano. Se não
fosse Leone, os westerns americanos
ficariam quase batendo na mesma tecla, e graças a ele o gênero, no geral,
sobreviveu mais um pouco e vem de certa forma, sobrevivendo. Afinal os
americanos não teriam feito obras como “Meu
ódio Será Sua Herança”, “Os Profissionais”, “Quando os Bravos se Encontram”,
“Mato em Nome da Lei”e até mesmo "Os Imperdoáveis", de Clint Eastwood, se não fosse pela
intervenção dos westerns italianos. Ambos os estilos, o americano e o
europeu, cada um com sua essência, foram importantíssimos e são de um legado
ímpar para a cinematografia mundial.
B: Um dos legados
de Ford e de outros grandes diretores foi mitificação do homem do Oeste
americano. Mas ao mesmo tempo sabemos que muito do que se via nos filmes não
correspondia à realidade ou era controverso. Um dos maiores exemplo é o famoso
tiroteio de O.K. Corral. Tivemos diversas produções sobre este tema e que
exaltaram os participantes do tiroteio, mas a pesquisa de especialistas disse
que não foi nada daquilo o que aconteceu na verdade. E outro foi uma espécie de
inversão que transformou o índio em pária social pelas produções de cavalaria,
aquela história de mocinho versus
índio. Formato que alguns diretores repensariam anos depois – Ford foi um
deles. O progresso a qualquer "custo" desnudado nas produções de
Leone confrontava os mitos fordianos e CIA. A figura do pistoleiro anti-herói e
errante é na verdade uma cutucada. Fale-nos um pouco do mito do cowboy.
PT: Como eu disse, os americanos são fascinados
pela mitologia do Oeste Americano, e isso já acontecia antes mesmo do
surgimento do cinema. Em 1883, o próprio William Frederick Cody, conhecido
mundialmente como Buffalo Bill, já vinha explorando ele mesmo seu lado de
“herói” nos seus espetáculos circenses do Oeste Selvagem. Quando o cinema já
existia como um espetáculo, Buffalo Bill foi convidado por um dos primeiros
mocinhos do Far-West, Gilbert Broncho Billy Anderson (que também
era produtor) para estrelar um filme, intitulado “The Adventures of Buffalo Bill”, justamente com a
intenção de demonstrar que, no cinema, a ideal “fábrica de sonhos”, realidade e
lenda poderiam se confundir facilmente. Dois anos depois da morte de Wyatt
Earp, em 1929, um escritor chamado Stuart Lake publicou um livro chamado “Wyatt Earp, Frontier Marshal” (“Wyatt Earp, o Delegado da Fronteira”),
onde narrava as façanhas do “Leão de Tombstone”, como era Earp alcunhado. Lake
sempre declarou que cada narrativa, cada palavra ou vírgula, foram do delegado,
mas depois voltou atrás, dizendo que todo o livro era de sua inteira autoria, e
que Wyatt nunca lhe passou informações. Contudo, já nessa época, o cinema estava
em busca de heróis para mitificar o verdadeiro mocinho, e não de personagens
freudianos ou em enredos elevados a tragédia grega como viria mais tarde. Com
base no livro de Lake, Wyatt Earp parecia se encaixar como este novo mito cowboy. Em 1937, Randolph Scott e Cesar
Romero eram respectivamente Wyatt e Doc Holliday no filme “Frontier Marshal”, um dos primeiros
filmes a abordar o duelo de O.K. Corral baseado na história de Lake, cujo
argumento serviria também para “Paixão
dos Fortes”, de John Ford, em 1946. Mas evidente que não foi apenas Wyatt Earp o objeto desta mitificação cinematográfica, e Hollywood
transformou em heróis Billy The Kid, Jane Calamity, Buffalo Bill, Jesse James,
Wild Bill Hickcok, Kit Carson e até mesmo o famigerado General Custer. Todos na
realidade estavam distantes de serem “mocinhos”, mas o cinema americano
preferiu de início laurear tais ídolos do Velho Oeste, pondo uma legenda
romântica em cada um, imprimindo lendas e descartando fatos verdadeiros.
Afinal, um famoso cineasta que todo bom amante de western prestigia já falava em um de seus grandes filmes: “Isto é o Oeste. Quando a lenda é mais forte
que os fatos, se imprime a lenda”. Isso mesmo, John Ford.
"Sem lei e sem alma"
Quanto ao famoso tiroteio do O.K. Corral, tão bem
retratado em filmes como “Paixão dos
Fortes”, “Sem Lei e Sem Alma”, e “A Hora da Pistola” (os dois últimos de John Sturges), não passou
de uma tremenda farsa. O verdadeiro tiroteio, ocorrido em 26 de outubro de
1881, durou um minuto, enquanto que no filme “Sem Lei e Sem Alma”dura 15. Nem Wyatt Earp e nem seus
irmãos foram heróis em nenhum momento de suas vidas, e sim assassinos
acobertados pela insígnia da Justiça. Ike Clanton era um homem pacífico e ele e
seus parentes foram vítimas dos Earp, porque sabiam de coisas comprometedoras a
respeito de Wyatt e Doc Hollyday, este um pobre coitado. O verdadeiro Earp era
o típico “171” do Velho Oeste: trapaceiro, mentiroso, amoral e covarde. Nem
mesmo a amizade de Earp com Holliday era verdadeira. Foram, de fato, parceiros
de copo e mesas de jogo, além de ser seu aliado e cúmplice no duelo de O.K.
Corral, mas não tinham grandes afinidades. Wyatt era de uma família de rudes
camponeses pioneiros do Oeste, e Doc de uma família refinada do Leste,
diplomado em Odontologia e de esmerada cultura. E fato é que, na última vez que
se encontraram, descobriram que eram bastante diferentes e resolveram não mais
se falar. Segundo o cinema, tal fato não deve ser impresso, mas sim a lenda
romântica de que os dois eram amigos inseparáveis. Contudo, o western como gênero cinematográfico foi
sendo revisado a partir do início de 1950, e o protótipo do herói que vinha
sendo retratado em muitos destes filmes sofreu mudanças por grande parte de
cineastas revisionistas. O herói não era 100% herói, ou definitivamente, não
era. Ele podia agir de acordo com sua forma de pensar sobre justiça, lei, ordem
e meio que vive. Poderia cometer acertos e erros como qualquer ser humano.
Enfim, foi preciso humanizar o cowboy,
e mesmo os famigerados vilões também são objetos de profunda análise pela base
psicológica.
B:
Quem foram para você os diretores e os filmes de western que melhor deram esta contribuição, vamos
dizer, social e mitológica do homem daquele meio?
James Stewart em "E o sangue semeou a terra".
mito do cowboy
PT: Acredito
que Anthony Mann e Delmer Daves foram os mais prolíferos dentro desta
contribuição à mitologia do homem dentro do Velho Oeste, muito embora os
estilos dos diretores se diferenciem. Interessante em dizer que os cinco filmes
em série estrelados por James Stewart em parceria com o cineasta Mann refletem
bem a mitologia do homem em seu meio social. Basta assistirmos obras como “Winchester 73”(1950), “E O Sangue
Semeou a Terra” (1952), “O Preço de um Homem” (1953), “Região do Ódio” (1954) e
“Um Certo Capitão Lockhart” (1955)que veremos este mito do herói grego no meio da tragédia grega, ou em
outras palavras, o mito do homem, do novo cowboy,
no meio social em que ele esta vivendo. Já Delmer Daves tem uma obra “didática”
que reflete muito bem o tema, “Como
Nasce um Bravo”,de 1958, estrelado por Glenn Ford e Jack Lemmon,
onde temos este aprendendo a ser um “cowboy
de verdade” em meio a um grupo de rudes vaqueiros liderados por Ford, um
dos grandes ícones do Far-West americano. Lemmon, um cara do Leste e
acostumado à boa-vida, tem exatamente em sua mente o mito meio que laureado do cowboy, mas quando ele vai ver, percebe
que não é nada disso.
B: Agora nos fale
dos primeiros westerns realizados nos Estados Unidos.
PT: O cinema nasceu em 1895, na França, e isto já
é falar nos primórdios da sétima arte e de sua invenção como meio de
entretenimento. Já em 1898, nos Estados Unidos, a Edison Company (de Thomas
Edison), produziu uma vinheta de um minuto de duração chamada “Cripple Creek Bar Room”, aclamado por
alguns críticos e estudiosos como o primeiro western da história. Segundo Primaggio Mantovi, autor do livro “100 anos de Western”, a cena mostrava
um pequeno saloon com alguns cowboys, um típico jogador do Velho
Oeste, e uma garçonete de aspecto masculino que pôde ter sido interpretado por
um ator. Contudo, foi “O Grande Roubo
do Trem”, datado de 1903, que mereceu a honra de ser o primeiro western, por se tratar de um primeiro
filme a contar uma história escrita especialmente para o cinema (logo, o
primeiro script para o gênero). O filme foi feito em apenas dois dias e
se tornou oficialmente o primeiro western
do cinema. Vieram pioneiros como David W. Griffith, Thomas Happer Ince, William
S. Hart, Cecil B. DeMille (mais tarde, o idealizador de grandes espetáculos
épicos e bíblicos, como “Os Dez
Mandamentos” e ”Sansão e
Dalila”), e o próprio John Ford, cada um realizando uma obra ou outra no
gênero. E não somente quando o cinema engatinhava em seus primeiros passos,
como também ainda não se tinha o recurso do som, afinal ainda era a fase silents
do cinema. David W. Griffith é considerado o pai da linguagem cinematográfica,
e realizou em 1915 o filme que é considerado, de fato, o primeiro
longa-metragem do cinema: “O
Nascimento de uma Nação”. Thomas Ince idealizou o primeiro
estúdio ao ar livre, ao comprar 20 mil acres de terra para construir sua
própria cidade do Velho Oeste, contratando depois uma trupe de cowboys autênticos e índios de verdade,
peritos em cavalgar, laçar e atirar. “War
on The Plains”e “Custer’s
Last Fight”, ambos de 1912, foram um dos primeiros westerns rodados por Ince.
vídeo O Grande Roubo de Trem
Contudo, o ano de 1914 é tido como o ano oficial do
nascimento do western no cinema,
porque até então não houve a preocupação em desenvolver um ator capaz de
encarnar o autêntico cowboy do Oeste,
ou por que não dizer, o mito. Os primeiros atores a desenvolver os heróis do
gênero foram Lionel Barrymore e Francis Ford (irmão do cineasta John) e eram
figuras presentes nos filmes de Griffith e Ince, mas o primeiro herói oficial
do gênero foi mesmo Gilbert “Bronco
Billy” Anderson. William
S. Hart e Cecil B. DeMille tiveram um interesse maior pelo gênero nos
primórdios do cinema americano. Ainda em 1914, DeMille estreou na direção com “Amor de índio”, e
posteriormente transportou para as telas, em primeira adaptação
cinematográfica, o famoso romance de Owen Wister, “The Virginian – O Paladino da Justiça”, história esta que
teria várias readaptações para o cinema em épocas futuras, inclusive originando
uma série de TV na década de 1960, muito famosa – “O Homem de Virginia”, estrelada por James Drury.Ainda
no período silents do cinema, Cecil B DeMille dirigiu os westerns “Sonhos de Moça” (“The Girl of The Golden West”), em 1915,
e refilmou, em 1918, “Amor de Índio”.
"Marked Man",
primeiro western
do mestre John Ford
William S. Hart
era um ator clássico do teatro norte-americano que tentava transferir sua
carreira para o cinema, e junto com John Barrymore e o lendário Douglas
Fairbanks (na minha consideração, o primeiro grande aventureiro da sétima
arte), seria um dos poucos a realizar este ideal, mas Barrymore não estava
interessado em westerns. Com a ajuda
de Thomas Ince, que foi seu produtor, ele realizou os westerns “Um Negócio
Perigoso”, em 1914; “Terra do Inferno”, em 1916
(considerado o primeiro western
adulto); “Serás minha escrava”,
também de 1916; “The Tiger”, em
1918; e “Wagon Tracks”, em
1919. Juntos, a dupla Hart e Ince alcançaram sucesso de crítica e público que
nem eles ao certo poderiam imagina.
John Ford começou sua carreira em 1914, como
assistente de direção, ator e até dublê, com o nome artístico de Jack Ford.
Iniciou na arte da direção em 1917, dirigindo “A Marked Man”, seu filme favorito e um dos poucos que adorava
mencionar em suas entrevistas. Entre este ano de 1917 até 1920, Ford realizou
28 westerns para o estúdio da
Universal, todos de grande importância para o gênero. Em 1924, Ford realizou
uma obra-prima, o épico do gênero “Cavalo
de Ferro”, estrelado por George O’ Brien, que havia sido dublê de
Tom Mix. Existem ainda muitas outras obras do gênero realizadas nos primeiros
anos da indústria cinematográfica, mas numerá-las todas é um trabalho que
requer ainda pesquisa de minha parte.
B: O papel da
mulher na sociedade do Oeste americano era bem secundário, penso que nas
produções do gênero western isso
também não era diferente. São raros os filmes em que tivemos mulheres como
protagonistas e com personagens fortes. O que você pensa disso?
PT: Penso que isso não é necessariamente verdade
em termos de produção do gênero. Temos ótimos filmes em que a mulher é a protagonista.
É verdade que não são muitos, mas devemos fazer justiça aos cineastas que se
lembraram delas. Anthony Mann fez isso em “Almas em Fúria”, em 1950, colocando Barbara Stanwyck como a
heroína freudiana e corajosa que desafiava a “madrasta má” vivida pela dama do
teatro americano Judith Anderson, para defender seu pai, vivido por Walter
Huston (pai do cineasta John). Stanwyck era considerada por Hollywood como a “Madrinha dos Westerns”, e tudo porque
ela era perfeita para o gênero. Ela cavalgava muito bem e sabia atirar de
verdade, sendo também uma extraordinária atriz em outros gêneros, geralmente em
papéis bem avançados para as atrizes de sua época. Barbara atuou em fitas westerns como “A Bandoleira” (ou “Na
Mira de um Coração”), dirigido por George Stevens, em 1935, onde
viveu a lendária Annie Oakley, e fez um importante papel feminino em “Aliança de Aço”, de Cecil B.
DeMille, dividindo as honras com Joel McCrea. Anos mais tarde, na década de
1960, foi a estrela de um famoso seriado de TV do gênero, “The Big Valley”(1965-1969),
onde viveu a corajosa matriarca de uma família.
Barbara Stanwyk,
madrinha do western
Também tivemos um personagem forte feminino como
protagonista num grande clássico americano do gênero dirigido por um dos
grandes artesãos da sétima arte, o brilhante Nicholas Ray. Falo de “Johnny Guitar”, realizado em 1954,
onde Joan Crawford esbanja toda a ousadia e a coragem como nunca antes exibidas
no cinema. Joan está perfeita como a dona de saloon perseguida por uma banqueira que sente um ódio mortal por
ela (vivida pela também brilhante Mercedes McCambridge), enquanto ela também é
defendida por um “herói-bandido” que sempre carrega um violão, Johnny Guitar
(vivido por Sterling Hayden). Uma das obras mais psicológicas do gênero com um
surpreendente espaço para a reivindicação feminina, tendo como pano de fundo a
disputa de duas mulheres pelo amor de um mesmo homem, onde o confronto final
entre as duas é inevitável. Em 1994, aproveitando o embalo da volta dos westerns
no mercado de cinema graças ao estrondoso sucesso de "Os Imperdoáveis", de Eastwood, veio “Quatro Mulheres e Um Destino”, dirigido
por Jonathan Kaplan, onde temos um elenco de primeira, lideradas pelas
poderosas Madeleine Stowe, Mary Stuart Masterson, Andie MacDowell e Drew
Barrymore, onde são elas as grandes protagonistas da obra. E pouco tempo
depois, veio Sharon Stone protagonizando em “Rápida e Mortal”, em 1995, contracenando com Gene
Hackman. Seja como for, as mulheres estão sempre marcando o seu território no
gênero, sejam como protagonistas ou personagens secundárias, talvez mesmo
servindo como a fonte de motivação para o herói ou o mito do Velho Oeste. Sem a
cativante presença feminina, o western
não tem graça.
B: Vamos falar de spaghetti, vamos falar de Leone. A meu ver foi um
diretor completo, inovador e vanguardista. Estava à frente de seu tempo em
relação a muitos diretores de seu país e até de Hollywood. Mesmo assim ele foi
massacrado pela crítica em sua época, algo que Peckinpah e outros também
sofreram na pele. Porque ele demorou tanto a ser reconhecido e valorizado?
Um dos principais respossáveis
pelo faroeste spaghetti,
Sergio Leone
PT: Foi, em grande parte, o preconceito de alguns
críticos. Tanto Leone quanto Sam Peckinpah utilizaram muito do excesso da
violência em suas obras, algo inovador para os padrões dos anos de 1960. Os
críticos de então acreditavam que o público poderia ficar chocado com esta nova
maneira de se fazer Western. Tanto a violência mostrada por Peckinpah quanto as
mostradas por Leone eram uma arte incompreensível para a crítica da época,
muito embora Sergio se preocupasse não somente com a violência, mas com todo um
conjunto. Contudo, ambos os diretores tiveram merecido reconhecimento lá pela
metade dos anos de 1970, quando suas obras foram revisitadas por críticos de
mente mais aberta. Outro fator que também que veio a demorar o reconhecimento
destes dois mestres foi a desconstrução do mito do cowboy romântico. Leone,
assim como Peckinpah, derrubaram de vez todas as lendas romanescas do gênero,
que já eram obsoletas já no fim da década de 1950. Alguns críticos de início
não viam isso com bons olhos, e muito menos, Hollywood. Contudo, como sabemos,
foi graças ao sucesso dos Westerns italianos que o cinema americano teve que se
reinventar para não perder a concorrência, e não deu outra. Outro motivo que
ajudou também a retardar o reconhecimento de Leone & Cia foi justamente
alguns cineastas de baixo orçamento tentarem imitar o estilo de Leone sem
sucesso, o que o incomodava, pois achava que o estavam plagiando. Por isso que
muitas vezes tivemos faroestes europeus tão pobres e inexpressivos que mal passaram
das prateleiras das locadoras de vídeo, muitos deles feitos com baixíssimo
orçamento e roteiros sem pé e nem cabeça. O próprio Sergio Leone declarou a
respeito de seus imitadores durante uma entrevista: "Sou considerado o
Pai do Western Spaghetti, mas se eu soubesse que teria feito parir tanto
fdp..."
Duas capas de "Pedro e o Lobo": acima, a primeira gravação, com a Boston Symphony Orchestra, de 1939, e abaixo, versão em português narrada por Rita Lee, de 1989
”Na Rússia, há um grande esforço para a educação musical das crianças. Uma das minhas peças orquestrais, ‘Pedro e o Lobo’, foi uma experimentação. As crianças recebem impressões de diversos instrumentos da orquestra apenas ouvindo a peça sendo apresentada”.
Sergei Prokofiev
“[O estilo de Prokofiev é uma] combinação do simples com o intrincado, da complexidade do conjunto com a simplificação do particular”.
V. Karatygin, crítico musical
“Todo o instável, transitório, acidental ou caprichoso foi excluído de sua obra (...) Nada efêmero, nada acidental. Tudo é distinto, exato, perfeito. Por isso, Prokofiev é um dos maiores compositores do nosso tempo”.
Sergei Eisenstein
O compositor russo Sergei Prokofiev pode ser considerado um artista moderno em vários aspectos. Não apenas por ter contribuído para a construção da música contemporânea uma vez que pertencente à geração modernista, mas por ter sentido na pele o maior dos dilemas de um artista dos tempos atuais: ser pop ou não ser pop. Eis a questão. Para quem vivia de arte na Rússia de Stálin, o estrelato até era possível, mas não sem preço. O instituído conceito de Realismo Socialista exigia dos artistas maior comunicação com o publico. Trocando em miúdos: que suas criações servissem, como em qualquer ditadura, de propaganda política. Entre os grandes músicos de sua geração, todos, sem exceção, tiveram problemas para exercer justamente aquilo que os fazia importantes inclusive para o governo bolchevique, que se aproveitava de seus talentos para potencializar o discurso comunista. Stravisnky, Rachmaninoff e Shostakovitch, por exemplo, sofreram ora com a apropriação do Estado, ora com a ferrenha vigília do mesmo. Se não obedeciam, eram postos numa geladeira mais fria do que a Sibéria: aquela destinada aos traidores da nação. Fosse numa prisão domiciliar ou mesmo no autoexílio, não raro o resultado era uma depressão pela falta de liberdade ou, pior, pelo nacionalismo ferido. Não havia o que lhes salvasse.
Com Prokofiev ocorreu tudo isso também: talento descoberto cedo, alçamento à estrela, tentativa de doutrinação, contrariedade a esta condição, longo período sabático no exterior, amadurecimento artístico e... retorno para a Rússia. Nessa ordem. O bom filho, ainda mais um nacionalista como todos da sua geração, à casa tornaria hora ou outra, mesmo que o cenário não fosse dos mais favoráveis como aquele de 1933, 16 anos após a Revolução Socialista. Produzir? Podia, só que dentro dos ditames que o estado determinava. Passar a compor marchas diatônicas, corais para amadores e cantatas meramente comemorativas era o que lhe restava se quisesse trabalhar. Neste processo de simplificação linguística e aproximação com o lirismo tradicional russo escreveu trilhas para cinema em contribuições memoráveis nos filmes “Alexandre Nevsky” e “Ivan, o Terrível”, ambos de Sergei Eisenstein. Mas longe daquilo que gostava: dissonâncias, polifonia, riqueza harmônica e exageros aqui e ali.
Só que, diferentemente dos seus pares, Prokofiev tinha dentro de si um anjo para lhe salvar. Compositor desde os 5 anos de idade, quando surgiu como pianista prodígio, Prokofiev resgata da memória as tenras melodias folclóricas que ouvia dos camponeses quando criança em Sontsovka, na Ucrânia, onde nascera, e do incentivo dos pais para a vida musical para se inspirar e pincelar com cores vivas a sua inevitavelmente intrometida obra. É neste contexto que nasce aquela que, além de ser sua obra mais conhecida, é também uma das mais revolucionárias da música erudita de todos os tempos: o conto sinfônico infantil “Pedro e o Lobo”, de 1936, para narrador e orquestra, Opus 67.
Capa do livro original em russo, de 1936
Na história, Pedro é um jovem pastor de ovelhas que vive com o seu avô no campo. Um dia, farto de algo mais divertido, decide gozar com as pessoas da aldeia, mentindo que estava sendo atacado por um lobo. Desmascarado, ele não é acudido pelos camponeses irritados com sua atitude mentirosa quando, de fato, o perigoso animal espreita. O lobo engole o pato, que havia fugido por descuido do menino, e só não o faz o mesmo com o gato porque este, ágil, sobe à árvore.
O sucesso universal que “Pedro...” obteria século XX adiante faz com que seja difícil imaginar o quanto foi penoso para Prokofiev compô-la. Autor acostumado às construções intrincadas de melodia e harmonia, subvertidas com perícia e austeridade, o que geralmente lhe dificultava o entendimento, Prokofiev via-se agora diante da encomenda de Natalya Sats, diretora de um teatro infantil de Moscou, em um projeto no qual era necessário ser compreendido por todos os públicos, principalmente o infantil. Desta forma, o compositor usa toda sua inteligência musical para, num processo cartesiano, limpar as complexidades desnecessárias e edificar uma peça que, devido à sua beleza lúdica e clareza conceitual, passou a servir de referência a obras voltadas para crianças. Na Rússia e no mundo! Sendo forçosamente pop, Prokofiev inferiu de maneira inapagável na cultura pop.
Ledo engano, no entanto, supor que o compositor russo apenas despiu de experimentalismo sua música para criar um mero número fácil e vulgar. O grande mérito dele está em, sabendo valer-se de toda sua sensibilidade musical e extenso cabedal técnico – adquirido desde a infância com mestres como Glière, Rimsky-Korsakov e Stravisnky, e mais tarde, no convívio com figuras como Picasso, Cézanne, Diaguilev e Maiakowsky –, não desfazer a inteligência do público a quem se dirigia: as crianças. Situando-se entre a música absoluta, a realização de uma paisagem sonora ideal desvinculada do ambiente externo, e a música programática, gênero instrumental criado no período romântico que transforma o espaço natural em sala de concerto, “Pedro...” tem o objetivo pedagógico de ensinar música às crianças.
Prokofiev: um revolucionário entre o erudito e o popular
Prokofiev deu a cada personagem da história a representação por um instrumento: Pedro, o quarteto de cordas; passarinho, a flauta transversal; pata, oboé; gato, clarinete; vovô, fagote; lobo, três trompas; e os sons dos caçadores, tímpanos e bombo. Através da linguagem musical plástica e literária, faz-se entender e entreter. No espaço simbólico entre a elite e o povo, Prolofiev optava pelos dois. Como Richard Wagner, o russo vale-se da aliteração poética para fazer com que a música participe do enredo, evocando sugestões e harmonias. Uma das ferramentas usados é outra técnica largamente usada pela ópera: o leitmotiv. Elemento recorrente na composição de “Pedro...”, ajuda Prokofiev a desenvolver temas que constituem, cada um, um “motivo”, isto é, uma reiteração ao longo da composição, que apela com frequência ao resgate de trechos e sons anteriores.
Ao suavizar sua estética geralmente arrojada por uma simplificação estilística, Prokofiev marca uma viragem que, talvez sem perceber, provocaria uma revolução na música mundial. Quantos artistas posteriores a ele oriundos do meio alternativo, da vanguarda ou do erudito também se depararam com a dicotomia entre popular e alta cultura? Manterem-se fiéis aos preceitos e restringir sua comunicação a poucos ou mudar de paradigma e expandir o alcance de suas obras? E quantos, sem saber lidar, se perderam nisso? Beatles, Salvador Dalí e Federico Fellini, cada um em sua área, sabem bem do que se trata.
O fato é que é certo dizer, por exemplo, que “Fantasia”, realizado três anos após o lançamento de “Pedro...”, jamais sairia do raff de Walt Disneynão fosse o conceito linguístico cunhado por Prokofiev, que foi aos Estados Unidos em 1938 apresentar-lhe a peça ao piano especialmente. Tanto que o próprio Disney produziu, em 1946, sua versão para a obra, introjetando seus ensinamentos. “Pedro...” influenciou as cabeças de Hollywood, que perceberam naquela “fórmula” de casamento música-imagem um poderoso elemento narrativo de comunicação com o público espectador, e não só o infantil. Filmes, animações, publicidade, televisão e tudo que se imagine da relação som/personagem bebem até hoje nesta inaugural sinfonia para crianças – e adultos, claro. Não precisa ir muito mais longe para notar essa influência. Os acordes de cordas que designam Pedro são exaustivamente copiados em praticamente todas as trilhas sonoras cinematográficas de filmes minimamente voltados ao público infanto-juvenil, visto que o principal reinventor do conceito musical do cinema moderno, John Williams, é claramente um adepto de Prokofiev.
"Pedro e O Lobo",de Walt Disney(1946)
Além disso, é possível ouvir versões de “Pedro...” nas mais diversas línguas e culturas, que se identificam com a história independentemente do local e tempo dada sua universalidade. David Bowie, Sean Connery, Bono Vox, Boris Karloff (inglês), Gérard Philipe, Pierre Bertin (francês), Antonio Banderas (espanhol), Sophia Loren (italiano), Paul de Leeuw (holandês), Rita Lee e até Roberto Carlos (português) já narraram a peça em seus respectivos idiomas em mais de uma centena de gravações.
O feito de Prokofiev, mesmo que a duras penas, foi o de contribuir sobremaneira para a cultura pedagógica da música na sociedade e para a popularização da música erudita, taxada de difícil e chata (muitas vezes, não sem razão) pelo grande público. Em “Pedro...”, sem abrir mão da tradição clássica e da veia vanguardista, Prokofiev, salvo pela própria alma infantil, ajudou a democratizar a música de alta qualidade, tornando-a popular no melhor sentido da palavra. Fez o que talvez camarada Stálin nem suspeitasse ser possível sem rigidez: uma obra literalmente “comuna”.
*Versão com a New Philharmonia Orchestra, narrada por Richard Baker com dondução de Raymond Leppard, de 1971, considerada pela revista de música clássica Gramophone como a melhor gravação de "Pedro e o Lobo"