Os clássicos absolutos chegaram, entre eles, "O Beijo da Mulher Aranha", primeiro filme brasileiro a vencer um Oscar
Demorou um pouco além do normal, mas voltamos com mais uma parte da nossa série especial “Cinema Brasileiro: 110 anos, 110 filmes”. E tem justificativa para esta demora. Isso porque reservamos este quarto e penúltimo recorte da lista para o mês de agosto, o de aniversário do Clyblog, uma vez que este Claquete Especial, iniciado em abril, é justamente em celebração dos 15 anos do blog.
Talvez somente esta justificativa não baste, entendemos. Então, já que vínhamos mês a mês postando uma nova listagem com 20 títulos cada, propositalmente falhamos em julho para que agora, no mês do aniversário, fizéssemos uma sequência não apenas de 20 filmes, mas de 40 de uma vez. E não se tratam de quaisquer quatro dezenas! Afinal, a seleção inteira é tão rica, que igualável em qualidade a qualquer cinematografia mundial. Mas, especialmente, porque estes novos compreendem as posições do 50º ao 11º. Ou seja: aqueles “top top” mesmo, quase chegando nos “finalmentes”.
Waltinho, um dos 6 com 2 filmes entre os 40 melhores
E se o adensamento já vinha acontecendo fortemente, com a presença de grandes realizadores, títulos clássicos e premiados e escolas reconhecidas somadas às novas produções do furtivo século XXI, agora, então, esta confluência se faz ainda mais presente. Dá para se ter ideia pelos nomes de cineastas de primeira linha como Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Walter Salles Jr., Luis Sergio Person, Hector Babenco e Eduardo Coutinho, que já deram as caras com obras anteriormente e, desta feita, emplacam dois filmes cada entre os selecionados, até então os mais bem colocados. Somam-se a eles os altamente competentes João Moreira Salles, Jorge Furtado e Bruno Barreto, também com dois entre os 40.
Pode-se dizer que, agora, é quando de fato entram os clássicos incontestes, aqueles “divisores de águas” do cinema nacional (e, por que não, mundial), como “Ganga Bruta”, de Humberto Mauro, "O Beijo da Mulher Aranha", de Babenco, “São Paulo S/A”, de Person, e “Tropa de Elite”, de José Padilha. Mas também pedem passagem “novos clássicos”, tal o perturbador documentário “Estamira” e o premiado “Bacurau”, de 2019, quarto mais recente entre os 110 atrás apenas de “Três Verões” (63º), “Marte Um” (79º) e “Marighella” (106º).
Elas, as cineastas mulheres, se ainda em desigualdade na contagem geral, marcam forte presença nesta fatia mais qualificada até aqui. Estão entre elas Kátia Lund, Daniela Thomas e Anna Muylaert, esta última, responsável por um dos filmes mais tocantes e críticos do cinema brasileiro, “Que Horas Ela Volta?”. Então, pegando carona na expressão, para quem estava nos perguntando "que horas eles voltariam?”: voltamos. E voltamos abalando com 40 filmes imperdíveis, que dignificam o cinema brasileiro e latino-americano. Pensa bem: apenas 10 títulos os separam do melhor cinema do Brasil. Isso diz muito.
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50. "Estamira”, Marcos Prado (2004)
Dentre as dezenas de documentários realizados na década 00, um merece especial destaque por sua força expressiva incomum: "Estamira". Certamente o que colabora para esta pungência do filme do até então apenas produtor Marcos Prado, sócio de José Padilha à época, é a abordagem sem filtro e nem concessões da personagem central, uma mulher catadora de lixo com sério desequilíbrio mental, capaz de extravasar o mais colérico impulso e a mais profunda sabedoria filosófica. A própria presença da câmera, aliás, é bastantemente honesta, visto que por vezes perturba Estamira. Obra bela e inquietante. Melhor doc do FestRio, Mostra de SP, Karlovy Vary e Marselha, além de prêmios em Belém, Miami e Nuremberg.
49. “Tropa de Elite”, de José Padilha (2007)
48. “Batismo de Sangue”, de Helvécio Ratón (2007)
47. “Terra Estrangeira”, Walter Salles Jr. e Daniela Thomas (1996)
46. “O Dia em que Dorival Encarou a Guarda”, Jorge Furtado e José Pedro Goulart (1986)
42. “O Homem da Capa Preta”, Sérgio Rezende (1986)
41. “O Beijo da Mulher Aranha”, Hector Babenco (1985)
40.“São Bernardo”, Leon Hirszman (1971)
Adaptação do livro do Graciliano Ramos, que transporta para a tela não só a história, mas a secura das relações e a incomunicabilidade numa grande fazenda do início do século XX, escorada na desigualdade dos latifúndios. Não há diálogo: a vida é assim e pronto. Daqueles filmes impecáveis em narrativa e concepção. E Leon, comunista como era, não deixa de, num deslocamento temporal, dar seu recado quanto à reforma agrária. A trilha, vanguarda e folk, algo varèsiana e smetakiana, é de Caetano Veloso, que acompanha a secura da narrativa e cria uma "música" totalmente vocal em cima de melismas lamentosos e desconcertados. Recebeu vários prêmios em festivais, entre eles o de melhor ator para Othon Bastos no Festival de Gramado, o Prêmio Air France de melhor filme, diretor, ator e atriz (Isabel Ribeiro), além do Coruja de Ouro de melhor diretor e atriz coadjuvante (Vanda Lacerda).
39. “Carandiru”, de Hector Babenco (2002)
38. “O Som do Redor”, Kleber Mendonça Filho (2012)
37. “Que Horas Ela Volta?”, Anna Muylaert (2015)
36. “Notícias de uma Guerra Particular”, Kátia Lund e João Moreira Salles (1999)
35. “Ganga Bruta”, Humberto Mauro (1933)
34. “Lavoura Arcaica”, Luiz Fernando Carvalho (2001)
33. “Bar Esperança, O Último que Fecha”, Hugo Carvana (1982)
32. “Couro de Gato”, Joaquim Pedro de Andrade (1962)
31. “Os Fuzis”, Ruy Guerra (1964)
30.“O Bandido da Luz Vermelha”, Rogério Sganzerla (1968)
Se existe cinema marginal, esta classificação se deve a “O Bandido...”. Transgressor, louco, efervescente, non-sense, crítico, revolucionário. Adjetivos são pouco pra definir a obra inaugural de Sganzerla, que trilharia pela "marginalidade" até o final da coerente carreira. Um filme de manifesto, questionamento de ordem política, de uma estética diferente e bela (apesar do baixo orçamento) e a vontade de avacalhar com tudo. "Quando a gente não pode fazer nada, a gente avacalha e se esculhamba".Grande vencedor do Festival de Brasília de 1968. O filme que fez o “terceiro mundo explodir” de criatividade.
29. "Santiago", de João Moreira Salles (2007)
28. “Jogo de Cena”, Eduardo Coutinho (2007)
27. “O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro”, Glauber Rocha (1968)
26. “Noite Vazia”, Walter Hugo Khouri (1964)
25. “São Paulo S/A”, Luis Sérgio Person (1965)
24. "Terra em Transe", Glauber Rocha (1967)
23. "Sargento Getúlio”, Hermano Penna (1981)
22. “O Caso dos Irmãos Naves”, Luis Sergio Person (1967)
21. “Memórias do Cárcere”, Nelson Pereira dos Santos (1984)
20. “Ilha das Flores”, Jorge Furtado (1989)
É incontestável a importância de "Ilha das Flores" para a cinematografia gaúcha e nacional. O filme que, em plenos anos 80 ainda de fim do período de Ditadura, expôs ao mundo uma realidade muito pouco enxergada, o fez de forma absolutamente criativa e impactante. Ao acompanhar o percurso de um mero tomate da horta até o lixão a céu aberto onde vive uma fatia da população em total miséria e descaso social, Furtado virou de cabeça para baixo a narrativa do audiovisual brasileiro, influenciado diretamente as produções de TV dos anos 80 e 90 e o cinema pós-retomada nos anos 2000. Urso de Prata para curta-metragem no 40° Festival de Berlim, Prêmio Especial do Júri e Melhor Filme do Júri Popular no 3° Festival de Clermont-Ferrand, França, entre outras premiações na Alemanha, Estados Unidos e Brasil. Um clássico ainda hoje perturbador.
19. “O Beijo no Asfalto”, Bruno Barreto (1980)
18. “Central do Brasil”, de Walter Salles Jr. (1998)
17. “Dnª Flor e seus Dois Maridos”, Bruno Barreto (1976)
16. “Garrincha, A Alegria do Povo”, Joaquim Pedro de Andrade (1962)
15. “Barravento”, Glauber Rocha (1962)
14. “Rio 40 Graus”, Nelson Pereira dos Santos (1955)
13. “Bacurau”, Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles (2019)
12. “Assalto ao Trem Pagador”, Roberto Faria (1962)
Michael dando um confere bem de perto no que seu mestre Stevie Wonder faz em estúdio, nos anos 70
Não é incomum artistas da música que, mesmo sendo astros, têm por hábito participarem de projetos de outros, seja tocando em gravações, shows ou como convidados. George Harrison, por exemplo, muito tocou sua slide guitar em discos dos amigos John Lennon e Ringo Starr. Eric Clapton, igualmente, além da carreira solo e de bandas próprias como Cream e Yardbirds, também emprestou sua guitarra para Beatles, Yoko Ono, Tina Turner, Phil Collins e vários outros. Como eles, diversos: Brian Eno, Robert Wyatt, Flea, Eddie Van Halen ou brasileiros como Herbert Vianna, Gilberto Gil, Frejat e João Donato. Todos comumente contribuem com seus instrumentos e/ou voz na música que não somente a deles próprios.
Há também aqueles que dificilmente se supõe que fariam algo fora de seus trabalhos pelos quais são mais conhecidos. Mas vasculhando com atenção as fichas técnicas dos discos, acha-se. Vez ou outra se encontra um artista que geralmente é visto apenas como protagonista atuando, deliberadamente, como um coadjuvante. E não estamos nos referindo àqueles principiantes que, posteriormente, tornar-se-iam ilustres, caso de Buddy Guy em “Folk Singer”, de Muddy Waters, de 1959, na primeira gravação do jovem Guy, então com 18 anos, com o veterano bluesman, ou Jimi Hendrix nas gravações de 1964 com a Isley Brothers anos antes de transformar-se num ícone do rock.
Aqui, referimo-nos àqueles que, já consagrados, abriram mão de seu status em nome de algo que acreditavam seja para um disco, um projeto, uma música ou um show. São momentos em que se vê verdadeiros mitos descerem de seus altares para, humildemente, colaborarem com a música alheia, seja por admiração, amizade, sentimento de dívida ou o que quer que explique. O fato é que esses “protagonistas coadjuvantes”, mesmo que estejam escondidos ou somente encontráveis nas miúdas letras da ficha técnica, abrilhantam com seus talentos peculiares a obra de outros.
Robert SmithparaSiouxsie & The Banshees
Os anos 80 foram de inquietude para Robert Smith, líder da
The Cure. Sua banda já era uma das mais celebradas do pós-punk britânico em
1983 quando ele, que havia lançado um ano anos o disco único “Blue Sunshine”,
da The Glove, projeto em parceria com Steven Severin, decide dar um tempo com o
grupo. Mas para quem estava a pleno naquela época, Bob “descansou carregando
pedra”, como diz o ditado. Ele decide fazer parte da Siouxsie & The
Banshees, banda coirmã da The Cure, mas estritamente como integrante. Com os
vocais e o palco já devidamente preenchidos por Siouxsie, Robert assume as
guitarras e une-se a Severin (baixo) e Budgie (bateria) para compor a melhor
formação que a Siouxsie & The Banshees já teve. Não deu outra: dois discos,
duas pérolas, para muitos os melhores da banda: “Hyenna” e o ao vivo
“Nocturne”.
Miles Davis para Cannonball Adderley Mais do que na música pop, é comum no jazz grandes astros e band leaders tocarem na banda de colegas. Isso não funciona, entretanto, para Miles Davis. O talvez mais exclusivo músico do jazz havia tocado no início da carreira para Sarah Vaughan, mas depois jamais fez nada que não fosse tão-somente seu. Até que, com jeitinho, em 1958, o amigo Cannonball Adderley convida-o para participar das gravações de um disco que ele estava por lançar e no qual teria ainda Art Blakey, na bateria, Hank Jones, no piano, e Sam Jones, no baixo. Uma sessão de gravação apenas, só cinco números, algumas horinhas de estúdio com Rudy Van Gelder na mesa, engenheiro com quem Miles tanto estava acostumado a trabalhar. "Não vai custar nada. Diz, que sim, diz que sim!" Tanto foi, que Miles topou, e saiu "Somethin' Else", aquele que é o disco que antecipa a obra-prima “Kind of Blue”, em que, reassumido o posto de front man, aí é Miles que conta com o parceiro saxofonista na banda. Tudo de volta ao normal.
Paul McCartney paraFoo Fighters É conhecida a versatilidade de Paul McCartney.
Multi-instrumentista, ele é capaz de tocar, em apenas um show, vários instrumentos ou gravar um disco inteirinho sozinho sem precisar de mais ninguém
no estúdio. Quem também fez isso foi Dave Grohl, líder da Foo Fighters, que, no
álbum de estreia da banda, em 1995, toca não apenas a bateria, que era seu
instrumento na Nirvana, como todos os outros. A amizade e talvez essa
semelhança tenham feito com que chamasse o eterno beatle para uma empreitada 12 anos
depois. Fã de Macca, ele convidou o veterano músico para gravar
para ele não a guitarra, o piano ou a voz. Isso, muita gente já havia feito.
Ele pediu para Paul tocar justamente bateria. A “brincadeira” deu super certo,
como se vê na canção "Sunday Rain" presente no disco "Concrete And Gold".
Michael Jacksonpara Stevie Wonder É uma música apenas, mas considerando o tamanho deste “coadjuvante”, vale por um disco inteiro. A linda e melodiosa “All I Do”, que Stevie Wonder gravaria em seu “Hotter than July”, de 1980, conta com ninguém menos que Michael Jackson nos vocais. E não se trata da voz principal, e sim do backing vocals! Surpreende ainda mais que o Rei do Pop já havia lançado à época o megassucesso “Off the Wall”, de um ano antes, com o qual revolucionaria a música pop e que quebrara os paradigmas de vendas da música negra no mundo. Mas a devoção de Michael para com Stevie era tamanha, que ele nem se importou em fazer um papel secundário. Para quem era conhecido pela habilidade de canto e arranjos de voz, no entanto, o que seria uma mera participação contribui sobremaneira para a beleza melódica da canção.
David BowieparaIggy Pop
Em meados dos anos 70, Iggy Pop e David Bowie estavam bastante próximos. Bowie havia chamado o amigo para uma temporada em Berlim, na Alemanha, onde desfrutariam do moderno estúdio Hansa para erigir alguns projetos, dentre estes, “The Idiot”, no qual dividem todas as autorias e gravações. O período foi tão fértil, que rendeu também uma turnê, registrada no álbum ao vivo “TV Eye Live 1977". Acontece que, no palco, não dá para apenas os dois se resolverem com os instrumentos. Foi então que chamaram os Sales Brothers para o baixo e bateria, Ricky Gardiner, para a guitarra, e... quem assumiria os teclados? Ah, chama aquele cara ali que tá de bobeira. O próprio David Bowie. Quando se escuta as versões ao vivo de “Lust for Life”, “I Wanna Be Your Dog” e “Funtime”, acreditem: os teclados que se ouvem são do Camaleão do Rock.
Phlip GlassparaPolyrock
O cara já tinha composto de um tudo: ópera, concerto, sinfonia, madrigal, trilha sonora, sonata, estudos. Faltava uma coisa: música pop. Próximo do músico e produtor Kurt Monkacsi, o gênio da vanguarda californiana Philip Glass “apadrinhou” junto com este a new wave art rockPolyrock. Dizem nos bastidores, que o cérebro da banda é Glass e não só os irmãos Billy e Tommy Robertson tamanha é a identificação com a música minimalista do autor de "Einsten on the Beach". Seja por grandeza, timidez ou algum problema legal, o fato é que isso não consta nos créditos. O que consta, sim, é a participação do maestro tocando piano e teclados nos dois discos do grupo, “Polyrock”, de 1980, e “Changing Hearts”, de um ano depois, no qual, inclusive, assina oficialmente o arranjo de cordas da faixa-título. Daqueles raros momentos em que a música de vanguarda se encontra com o rock.
João GilbertoparaRita Lee
Se hoje a participação de João Gilberto tocando violão para Elizeth Cardoso em duas faixas de “Canção do Amor Demais”, de 1958, é considerado o pontapé inicial para o movimento da bossa nova, àquela época o gênio baiano era apenas um músico iniciante ao qual não se havia ouvido ainda toda sua arquitetura sonora de instrumento, voz e harmonia. 24 anos depois, já um mito, João dificilmente repetia uma ação como aquela do passado. Quisessem tocar com ele, ele que convidava. Exceção feita nos anos 80 para sua então esposa, Miúcha (e somente o violão), mas especialmente para Rita Lee. Admirador confesso da Rainha do Rock Brasileiro, João topou o convite de gravar ele, seu violão e sua atmosfera única a faixa “Brasil com S”, do disco “Rita Lee & Roberto de Carvalho”, autoria dos dois. Pode-se dizer que, como todo o cancioneiro de João, é mais uma obra-prima, porém a única em que põe sua voz à serviço de um outro artista fora da sua discografia. Privilégio.
“O disco solo do Lincoln Olivetti
e do Robson Jorge é uma referência de que é possível fazer um disco bem gravado
MESMO, em qualquer condição, basta dedicação e talento”.
Ed Motta
Alegria imensa em poder falar um pouco deste álbum! Pessoalmente, é o
disco que mais influenciou em termos de arranjo, sonoridade, composição. Minha
bíblia! Um registro magistral da parceria do Robson e Lincoln, dupla
de músicos e produtores que dominou a produção musical no Brasil durante a
década de 80.
Este disco representa toda a perfeição técnica que os dois sempre
buscaram em suas produções e traz um time incrível de músicos, os melhores
daquela geração! Paulo Cezar Barros, Jamil Joanes, Picolé, Paulo Braga, Mamão, Oberdan Magalhães, Leo Gandelman, Márcio Montarroyos, Bidinho, Serginho do
Trombone, Zé Carlos Bigorna e outros brilhantes músicos. Um supertime!
São 12 faixas que trazem a mais perfeita simbiose entre a black music norte-americana e a música
brasileira. Os arranjos de sintetizadores explicam porque Lincoln é chamado de
mago, e o Robson é sem dúvida um dos maiores músicos que este país viu, embora
incrivelmente pouco citado!
A primeira música que ouvi deste álbum foi a balada "Eva".
Destaque para o trabalho rítmico das guitarras do Robson nesse disco, assim
como a melodia tocada em uníssono com a voz. Aliás, essa é uma característica
forte do álbum. Canções instrumentais, com os vocalises do Robson às vezes
cantando pequenos trechos de letra, outras vezes a melodia. Tomo a liberdade de
dizer que isso me influencia muito.
Tem algo de muito incrível nesse disco! A capacidade de criar hits sem letras, ou com apenas uma
palavra, como o clássico “Aleluia!”. Esta é a faixa mais conhecida deste disco,
e traz ecos do Earth, Wind and Fire. Ninguém no Brasil conseguiu traduzir essa
sonoridade como os dois fizeram. Nota-se também a influência da música latina (“Raton”
e o medley “Baila Comigo/Festa Brava”).
Outra canção que evidencia a habilidade do Robson como guitarrista é o funk "Pret a Porter". Aliás,
ouso dizer que este disco pode ser muito mais classificado como um disco de
música norte-americana influenciado por música brasileira do que o contrário. É
um disco que realmente pode ser equiparado às produções norte-americanas da
época em termos de sonoridade e qualidade técnica.
O disco abre com “Jorgea Corisco”, segue para a balada “No Bom Sentido”
e logo após “Aleluia!”. Depois a latina “Raton” e a genial “Pret a Porter”. “Squash”,
com lindas dobras de synth e
guitarras e a canção “Eva”, com um clima quase blaxploitation. “Fá Sustenido” apresenta quase um acento reggae nas guitarras e lindo arranjo de vocoder. Passamos pelo samba do morro no
interlúdio “Zé Piolho” e seguimos pro medley
“Baila Comigo/Festa Brava”. Finalizando: o samba funk “Ginga” com um poderoso naipe de metais e a última faixa do
disco: “Alegrias!”.
Mas na verdade não consigo ser muito teórico ao falar deste trabalho.
Eu amo este disco! É um álbum que abriu muitos caminhos musicais na minha
cabeça, e sou eternamente grato por esse trabalho existir. Recentemente,
durante as gravações do meu terceiro disco, tive o prazer de trabalhar com o
grande Edu Costa, engenheiro de som e braço direito do Lincoln em suas
produções. Pude ouvir muitas histórias incríveis e absorver um pouco do
universo dos dois.
Recomendo muito! E pra quem ainda não ouviu com atenção, ouça! É uma
obra-prima! Felizmente este disco vem sendo cada vez mais cultuado. E assim
como outros clássicos é um trabalho sempre presente na minha vida. Referência
forte, sempre!
Robson Jorge & Lincoln Olivetti-"Pret-à-Porter"
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FAIXAS:
1-Jorgea Corisco
2-No bom sentido
3-Aleluia
4-Raton (Contesini)
5-Pret-à-porter
6-Squash
7-Eva (Ronaldo, Olivetti, Jorge)
8-Fã sustenido
9-Zé Piolho
10-Baila comigo (Roberto de Carvalho, Rita Lee)/Festa braba (Olivetti,
Jorge)
11-Ginga
12-Alegrias
todas as composições de autoria
de Lincoln Olivetti e Robson Jorge, exceto indicadas
Natural do Espírito Santo, Lucas Arruda é um jovem compositor, cantor, arranjador, produtor e multi-instrumentista. Um dos maiores talentos da música brasileira dos últimos anos, leva suas influências de soul, funk, MPB, jazz, rock e blues ao mundo, principalmente a Europa e ao Japão, onde é reverenciado. Em fase de conclusão de seu mais novo trabalho, tem dois discos: "Sambadi", de 2013, integrante da lista dos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS do ClyBlog, e o igualmente elogiado “Solar”, de 2015. Um digno representante da linhagem dos músicos do jazz-soul brasileiro, que passa por Azymuth, Black Rio, Marcos Valle, Robson, Lincoln e Ed Motta. Lucas foi especialmente convidado pelo Clyblog para falar sobre um disco de sua predileção em razão das comemorações pelos 8 anos do blog. www.facebook.com/lucasarrudaofficial/?fref=ts
Crítica social ressignificada na montagem teatral. foto: divulgação
É excitante como espectador quando se assiste a um trabalho
que, baseado numa obra literária, consegue transpor ideias fundamentais
contidas nesta, seja mantendo-se fiel ao escrito ou, mais que isso,
transformando conceitos suscitados no texto original de forma a
ressignificá-los. E se já é assim para quem assiste, imagina-se para o próprio
autor. Pois essas duas percepções, de espectador e de autor, estiveram
presentes na apresentação da peça "Leite Derramado", no teatro do Sesc Ginástico, no
Centro do Rio de Janeiro. Nós, Leocádia, Carolina, Iara, eu e mais centenas de espectadores
(entre os quais Denis Carvalho, Cissa Guimarães e outros conhecidos),
maravilhados com a competente e rica montagem da companhia paulista Club Noir.
E o próprio autor, o gênio Chico Buarque, que
estava presente na última apresentação da peça na temporada carioca – como o
mesmo fizera na estreia, ocorrida em São Paulo.
Impressionante jogo de luzes e cenário. foto:divulgação
O encanto com a montagem, não à toa, é obtido, entretanto,
com empenho. Afinal, a peça, bastante fiel ao material escrito, não é
necessariamente fácil e nem palatável em vários momentos. A complexidade da
literatura de Chico neste que é provavelmente seu melhor romance é um desafio a
ser enfrentado ao leitor, o que se intensifica ainda mais numa transposição
para o palco. A história de Eulálio Montenegro D´Assumpção, um centenário
senhor carioca de família aristocrática decadente, ganha cores irônicas e, tragicamente,
bastante pertinentes com a realidade política brasileira atual. Em seu leito de
morte no hospital, o personagem relembra fatos de sua vida que são narrados
como um caleidoscópio descontrolado pela memória já envelhecida, memória esta
que serve como um registro da própria história do Rio de Janeiro, da política do
Brasil e da constituição da identidade do povo brasileiro.
Não é preciso uma
visão muito aguçada para perceber que, quando se fala em das famílias
oligárquicas ou das diferenças sociais, está se tocando em veias ainda abertas
da sociedade brasileira.
O desafio da transposição, contudo, é superado pelo diretor
Roberto Alvim, que soube aproveitar o barroquismo do texto é aproveitado de
todas as formas, sinalizando diferentes pontuações nos vários personagens.
Porém, o principal é Juliana Galdino, atriz que encarna incrivelmente o protagonista,
o desvairado Eulálio. A forte e impressionante atuação é o fio condutor de toda
a encenação. Juliana, com hábeis modulações de entonação de voz e expressão
corporal, dá vida ao personagem em suas diferentes fases da vida, das
lembranças da adolescência e vida adulta à presente velhice senil.
A impactante atuação de Juliana
no papel masculino do protagonista.
foto: divulgação
Igualmente, a companhia consegue êxito ao manter a
construção narrativa da obra, toda cheia de idas e vindas no tempo, seja este
histórico ou emocional do protagonista. Os jogos de luzes, som e cenários,
muito criativos e da mais alta qualidade técnica, dão conta disso, inclusive na
expressão dos devaneios febris de Eulálio. Um dos pontos mais interessantes da
obra escrita, as quase repetições que se dão ao longo da narrativa, que exigem
reflexão do leitor quanto à veracidade das “versões”, é mantido. Também, o tom
irônico e crítico ganha relevos, como no preâmbulo, em que moscas encenam uma
performance funesta ao som de “Aquarela do Brasil” na versão de Francisco Alves
e arranjos de Radamés Gnatalli; ou no final, quando após as últimas palavras de
Eulálio, o encerramento se dá ao som de “Deus lhe Pague”, clássica música do
período de repressão militar do álbum "Construção" – e ainda tão atual.
Mais do que tudo, a montagem é feliz ao criar uma nova obra,
jogando luzes sobre o texto machadiano de Chico tanto para quem já conhecia como
para os que não. Além da peça, ainda tivemos a oportunidade de ver o próprio
Chico Buarque. Vi quando, minutos depois da sessão ter começado, ele entrou
pela porta traseira do teatro. No final, o autor, simpático e sem receio,
apareceu no hall – não sem ganhar dois beijos de Leocádia, que o abordou
espontaneamente para agradecer-lhe por ser quem ele é. Havia informações de
que, agradado com a montagem, iria. E foi. Se nós gostamos, imagina ele.