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quarta-feira, 21 de julho de 2021

Musica da Cabeça - Programa #224

 

Semana de começo de Olimpíadas, e você se dá conta de que não pode estar lá. Aliás, nem quem é japonês pode estar nos jogos! Para preencher essa lacuna e aproximar você de Tóquio, o MDC vem com muita música legal, inclusive do Japão. E também tem a Karnak, a Living Colour, a Maria Bethânia, a Sonic Youth, a Rita Lee e mais. No "Cabeça dos Outros", também um pouco de Esporte e um músico japonês, o Cornelius, no quadro "Cabeção". Faz assim: escuta o programa hoje, que você não vai nem precisar acordar de madrugada pra isso, pois é às 21h, na olímpica Rádio Elétrica. Produção, apresentação e tocha acesa: Daniel Rodrigues.


Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Donald Fagen - "Kamakiriad" (1993)



“O ápice da música pop:
Steely Dan e os solos Donald Fagen.
Eu nunca escutei NADA melhor e mais inteligente que isso.
Numa coleção de quase 30 mil discos esses são meus favoritos,
poderia escutar somente isso a vida toda.
Está tudo sintetizado numa coisa só:
soul, pop, jazz, rock, broadway, soundtrackish jazz, folk, funk, reggae, etc.”
Ed Motta


Gosto do Steely Dan desde 1972, quando ouvi na Continental 1120, pela primeira vez “Do It Again”. Meu próximo encontro com a banda seria dois anos depois quando “Rickie, Don't Lose That Number” fez sucesso. Mas só fui levar a banda a sério aos 17 anos, quando ouvi “Aja”. Claro que não entendi de imediato aquela mistura de música pop com jazz, já eu que estava me iniciando no assunto. Só fui começar a decifrar o SD e virar fã quando saiu o “Gaucho”, que eu comprei na Flora Viaduto o LP usado, mas inteiro, como vários de nós fizeram naqueles tempos.
Toda esta introdução tá aí em cima pra dizer que meu disco favorito da turma não é do Steely Dan, mas do cantor e tecladista do grupo, Donald Fagen, metade da laranja criativa que ele formou com o guitarrista e baixista Walter Becker, depois que demitiu todo mundo e resolveu que era muito mais interessante usar os músicos de estúdio à disposição em Los Angeles e em Nova Iorque.
O disco se chama “Kamakiriad” e foi lançado em 1993, onze anos depois do Fagen colocar nas lojas – e fazer muito sucesso – com seu primeiro trabalho solo, “The Nightfly” e a canção I.G.Y. (International Geophysical Year). Desde 1981, ele e Walter não se falavam. O guitarrista tinha produzido um monte de gente, especialmente a cantora e compositora Rickie Lee Jones em seu CD “Flying Cowboys”. Mas, em 1993, resolveram deixar de lado as diferenças e partiram para a produção do segundo disco solo de Fagen. E deu muito certo.
“Kamakiriad” é uma viagem conceitual beirando a science-fiction. Fagen inventou um carro, o tal Kamakiriad, que é autossustentável, tem até uma horta hidropônica dentro. E as faixas do disco contam os passeios malucos que Fagen faz dentro deste veículo maluco. Parece disco de bandas de prog rock mas não é. Tem um balanço e um swing digno dos melhores trabalhos do Steely Dan. Confesso que minha escolha por este disco é puramente sentimental. Comprei ele em 93 e nunca consegui parar de ouvir nestes 20 anos.
As viagens de Fagen em seu “Kamakiriad” começam com “Trans-Island Skyway”, onde Becker e o outro guitarrista Georg Wadenius criam uma teia de sons, enquanto o baixo (também tocado por Becker) segura o ritmo com o baterista Leroy Clouden. E estamos ouvindo um disco do Steely Dan. Já em “Countermoon”, Donald Fagen faz uso extensivo das possibilidades dos backing vocais, especialmente no final da canção onde Katherine Russell se estrebucha cantando “All Beware!!” sob o sax tenor do havaiano Illinois Elohainu. Como sempre fez. “Springtime” inicia com o baixo e uma percussão que parece ser programada mas não é. Assim como a bateria. Neste disco, fica mais claro o fascínio de Fagen & Becker por um ritmo mais estático, ao contrário dos discos do SD, onde nomes como os dos bateristas Steve Gadd, Jim Gordon, Ed Greene, Bernard Purdie e Jeff Porcaro brilhavam sobre as harmonias intrincadas e jazzísticas da dupla. E como em todo o disco, os sopros estão em contraponto com as guitarras e os teclados.
Esta predileção por steady rhythms - se vocês me permitem o inglês - fica bem marcada em “Snowbound”. Chris Parker mantém a batida, enquanto o órgão Hammond B-3 de Fagen vai pontuando ao lado das guitarras e do naipe de sopros. O fender rhodes tece aquelas harmonias steelydanescas. E a gente vai batendo o pezinho, se o Arthur de Faria me permitir usar esta “figura de linguagem”. “Tomorrow's Girls” é o que de mais aproximado temos no disco de um “hit”. Virou inclusive clip da MTV. Como todas as letras do Steely Dan são quase indecifráveis, devido ao intrincado jogo de palavras e referências que os rapazes criam, o clip também ficou “difícil”. Mas a canção é irresistível. Daquelas que a gente ouve e sai cantando pela rua, mesmo que ela tenha TRÊS refrãos diferentes, dentro da mesma métrica, é claro. Também aqui os produtores dão todo espaço a uma bateria de backing vocais que vão de Amy Helm (filha da mulher de Fagen, Libby Titus com o baterista do The Band, o falecido Levon Helm) aos irmãos Brenda & Curtis King. No final, Becker sola enlouquecidamente sobre uma cama de sopros.
“Florida Room” é uma das preferidas do disco. Tem um clima caribenho. E o refrão fala disso: “Quando o verão se vai / eu me apronto / para fazer aquela corrida pro Caribe / Tenho de ter /algum tempo sob o sol / Quando o vento frio chega / Eu sei onde as dálias florescem / Acabo voltando / pro seu quarto na Flórida”. O naipe de saxofones, trompetes e trombones está presente toda a música, sobre aquele ritmo “latino versão americana”. Mas o destaque absoluto é pro solo de sax tenor do grande e falecido Cornelius Bumpus. Um mestre em colocar as notas certas num espaço exíguo dos compassos que a dupla lhe dava.
Já em “On the Dunes” o clima não é tão ensolarado, pra não dizer sombrio mesmo. Fagen e Bekcer viram tudo do avesso. Começam com teclados e guitarras fazendo esta harmonia durante toda a canção. Na letra, o Kamakiriad para na praia e acontece um homicídio nas dunas, enquanto “barcos bonitos passeiam pela orla/ nas luz que escasseia/ mulheres bonitas com seu amantes a seu lado/ é como se fosse um sonho terrível/ que eu tenho toda a noite”. Mais uma vez, Bumpus manda ver no seu tenor. Entretanto, a estrela total desta canção está nos quase 4 minutos de solo de bateria de Christopher Parker sobre a harmonia final que vai se mantendo, como se fosse um ostinato. E não é um solo comum. Parker vai pontuando dentro dos espaços arquitetados por piano acústico, baixo, guitarras e sintetizadores. Genial.
“Teahouse on the Tracks” é o destino final do “Kamakiriad”, o local onde o narrador desta viagem se encontra com sua garota e diz que ela tem uma última chance de “aprender a dançar no Teahouse on the Tracks”. Aqui de novo, a bateria parece ser programada. Muita guitarra rítmica e teclados fazem a cama onde o trombone de Birch Johnson se esbalda.
Como em todos os discos do Steely Dan, Donald Fagen & Walter Becker trabalham com estruturas reconhecidas pelos ouvidos acostumados com a música pop, mas radicalizam nos detalhes, nas harmonias diferenciadas e na utilização do potencial de cada músico para cada canção. Eles sabem escolher quem vai tocar em seus discos. “Kamakiriad”, por isso, pode ser ouvido despretensiosamente. Mas se você prestar a atenção, tenho certeza que será fisgado.
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FAIXAS:
1. "Trans-Island Skyway" (Fagen) – 6:30
2. "Countermoon" (Fagen) – 5:05
3. "Springtime" (Fagen) – 5:06
4. "Snowbound" (Walter Becker, Fagen) – 7:08
5. "Tomorrow's Girls" (Fagen) – 6:17
6. "Florida Room" (Fagen, Libby Titus) – 6:02
7. "On the Dunes" (Fagen) – 8:07
8. "Teahouse on the Tracks" (Fagen) – 6:09

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OUÇA:

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Ryuichi Sakamoto – "Neo Geo" (1987)


"Eu ainda penso e me pergunto 'o que é música'. É claro que essa pergunta não tem resposta. Hoje, músicos ou compositores se interessam pelas novas tecnologias, como por exemplo Beethoven em seu tempo. Eu acredito que se Beethoven estivesse vivo agora, ele estaria muito interessado em usar novas tecnologias."
Ryuichi Sakamoto


Quando se fala na contribuição que países deram à indústria fonográfica, é normal se associar o Japão muito mais à aptidão científica do que pela produção artística em si. Afinal, quem não tem ou teve ao menos um aparelho Sony, Hitachi, Mitsubishi, JVC, Toshiba, Panasonic ou de alguma outra marca? A alta competência e a disciplina do povo japonês, capaz de erguer um país destroçado pela bomba atômica ao final da Segunda Guerra e levá-lo a uma potência tecnológica mundial, faz tender-se facilmente a esta percepção. Porém, ao contrário do que possa se pensar, foi justamente esse desenvolvimento científico que promoveu o surgimento nas artes dos filhos desse fenômeno social. Na música, o principal nome dessa geração certamente é Ryuichi Sakamoto

Compositor, maestro, tecladista, produtor, arranjador, professor – e às vezes cantor e até ator –, Sakamoto surgiu para o mundo da música nos anos 70 ao compor o revolucionário mas pouco creditado pelos ocidentais Yellow Magic Orchestra, grupo synthpop que deu os primeiros ensinamentos a toda a turma britânica e norte-americana do gênero – que entrariam anos 80 adentro fazendo sucesso muito por conta do que a banda japonesa inventou. Ali, Sakamoto já trazia parte da essência de sua música, que une sofisticação à alta modernidade e a uma visão globalizada da arte, bem como a música clássica e a tradição da cultura milenar da Terra do Sol Nascente.

Precisaram alguns anos, no entanto, para que o exigente Sakamoto calibrasse essa difícil química, cuja fórmula somente o cadinho de alguém muito talentoso como ele poderia misturar sem que resultasse desastroso. Gravou discos solo, compôs trilhas sonoras brilhantes, venceu Oscar, Bafta e Globo de Ouro de Trilha Sonora e, como ator, foi dirigido por cineastas do calibre de Bernardo Bertolucci e Nagisa Oshima, além de colaborar com projetos de diversos outros artistas, como P.I.L. David Sylvian, Bill Laswell e Thomas Dolby. Mas ainda era pouco. Como bom oriental, Sakamoto mantinha uma incessante busca pelo “kodawari”, o “caminho da perfeição”. Passada uma década após sua estreia na YMO, só então o músico pode dizer-se, enfim, minimamente maduro. A materialização desta caminhada perseverante está em “Neo Geo”, nono disco de carreira em que tanto Sakamoto definiu o seu estilo quanto, além disso, ajudou a estabelecer padrões de toda a música pop a partir de então.

Afora a obstinação nipônica, outra característica de Sakamoto é a de, chegado ao ponto que almejava, saber valorizar o que construiu. Os anos de lapidação de sua obra trouxeram, como um ideograma, o poder de síntese. A começar pelo título do álbum em questão, que propositalmente faz referência a uma nova arquitetura geográfica mundial visto que já se percebiam os últimos suspiros da Guerra Fria. Através dos sons, ele recupera a world music, a new age, o pop, a soul, o rap e o jazz fusion e posiciona sua música num ponto certeiro deste mapa. Os sons da África e das Américas (com uma boa dose de harmonias bossa novistas, aliás) convivem em perfeita composição com elementos eruditos e étnicos. Sakamoto adiciona a isso também sempre um ingrediente muito bem preparado de cultura da sua terra, seja num riff, num acorde de teclado, num sample, num canto ou num detalhe em meio a arranjos invariavelmente preciosos. Uma fórmula tão improvável cuja melhor classificação é, justamente, “Neo Geo”.

Os primeiros acordes vêm com toda essa carga de síntese e musicalidade. “Before Long”, como é de praxe nos discos de Sakamoto, ele abre com um tema instrumental. Emotiva e de ares clássicos, é baseada no piano, seu instrumento-base, usando com maestria notas agudas típicas da sonoridade oriental. Ele repete o expediente climático que já havia usado na abertura de “Marry Christimas Mr. Lawrence”, de 1984, na faixa-título, ou "Calling from Tokyo", do álbum exatamente posterior a “Neo...”, “Beauty”, de 1989. Uma pequena obra-prima de pouco mais de 1 minuto. O que já muda bruscamente na segunda faixa – que não desavisadamente dá título ao disco – quando começa um ethnic-funk, adaptação de um tema tradicional japonês, com a timbrística com a qual Sakamoto, alinhado aos modernistas do jazz de então, coloriria a música pop a partir dali: programação eletrônica, recortes, guitarras afro-beat, vozes étnicas e um baixo marcado em slap tocado pelo baixista e produtor norte-americano Laswell. Aliás, outra marca de “Neo...” é o encontro de Sakamoto com uma turma de alquimistas arrojados como ele. Ao lado de Laswell, figura essencial para a fusão do rap na música nos anos 70/80, ele recruta tanto músicos conterrâneos, como o guitarrista Harry Kubota, a cantora Misako Koja e o DJ Hiroaki Sugawara, quanto agrega participantes de outras nacionalidades, seja da música, das artes cênicas ou do cinema.

Fazendo do estúdio o seu laboratório, Sakamoto permite-se experimentar as mais diferentes formulações, mostrando que havia valido a pena acumular conhecimentos e vivências até ali. Um dos pontos altos do disco, “Risky”, não deixa dúvida disso: um pop funkeado e sensual que conta com a voz de Iggy Pop, que empresta seu barítono, um dos mais inconfundíveis da música pop, para deixar a música ainda mais elegante. A pertinência da participação de Iguana está no cerne da própria canção, que lembra o padrão estilístico que ele e o parceiro David Bowie ajudaram a dar à música pop dos anos 80.

Se “Risky” continha toques orientais, “Free Trading” os combina com o Brasil e com os Estados Unidos. Impossível não associar o riff de teclados com a música brasileira, da mesma forma que este soa igualmente muito nipônico. Afora isso, Sakamoto, fervoroso amante de MPB e de jazz, promove neste histórico momento o encontro de dois ícones da música norte-americana: um da soul, o baixista “P-Funk” Bootsy Collins, e outro do jazz, ninguém menos que o lendário baterista Tony Williams

Outra de elegância ímpar é a marcial “Parata”, mais uma instrumental e ao estilo de suas trilhas para cinema. Novamente, Williams empresta suas baquetas mágicas, aqui juntamente com a percussão do jamaicano Sly Dunbar. Quanta delicadeza e bom gosto! Voltando ao synth pop de origem, no entanto, Sakamoto o combina agora a diversas outras propriedades de seu conceito “Neo Ge” num tema para homenagear a histórica ilha de Okinawa. Ritmo dançante, percussões africanas e orientais, vozes sampleadas, teclados marcantes e um indefectível som de uma pipa chinesa, tocada pela instrumentista nipo-americana Lucia Hwong. Mais uma vez, fica evidente a essência sintetizadora do músico: a extração do erudito de um tema folclórico e a transformação em uma invenção moderna. 

Um disco primoroso como este não poderia desfechar de forma diferente. Assim como a faixa inicial, “After All”, sua derradeira, é um breve tema instrumental em que o admirador de Beethoven, Ravel e Tom Jobim denota sua infinita sensibilidade ao reprocessar o lirismo da obra de seus ídolos e compõe algo seu, original. Enfim, nem Japão e nem lugar nenhum especificamente: sua música é do mundo todo. Talvez por isso sua influência seja tamanha nos trabalhos de artistas da música como Sinéad O’Connor, Towa Tei, Madonna, New Order, Cornelius e Deep Forest, além de Caetano Veloso, Ambitious Lovers, Jaques Morelenbaum e Marisa Monte, com quem passaria a contribuir diretamente nos anos 90. Vivo e ativo, Sakamoto prova que talento e sensibilidade estão no coração independentemente do contexto ou da cultura. Como um cientista da música, ele foi capaz de condensar todas as suas referências e trazê-las para dentro de seu núcleo afetivo, que muito bem pode ser representado por uma esfera vermelha tal qual a da bandeira do Japão.

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FAIXAS:
1. “Before Long” - 1:20
2. “Neo Geo” - 5:05
3. “Risky” – com Iggy Pop (Bill Laswell, Iggy Pop/ Ruychi Sakamoto) - 5:25
4. “Free Trading” (Y. Hagiwara, Y. Nomi) - 5:25
5. “Shogunade” (Laswell/ Sakamoto) - 4:33
6. “Parata” - 4:18
7. “Okinawa Song” - Chin Nuku Juushii (H. As/ S. Mita) - 5:15
8. “After All” – 3:08
Todas as faixas de autoria de Ryuichi Sakamoto, exceto indicadas

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Veja o clipe de "Risky", com Ryuichi Sakamoto e Iggy Pop



Daniel Rodrigues

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Música da Cabeça - Programa #80


Oi-ten-ta. Isso mesmo: comemoramos 80 edições do Música da Cabeça nesta noite! E para abrilhantar essa festa octogenária, convidamos o músico e produtor carioca Kassin, um dos maiores talentos da música brasileira da atualidade, para um bate-papo pra lá de especial no quadro de entrevistas “Uma Palavra”. E já vou avisando: a trilha do baile será variada! Tem Björk, T.N.T., Pink Floyd, João Bosco, Cornelius e muito mais. Claro, tem também notícia no “Música de Fato” e letra de música no “Palavra, Lê”. Vistam seus trajes de gala, que estão todos convidados para o festerê do Música da Cabeça. É às 21h, no portão de nº 80 da Rádio Elétrica. Produção, apresentação e pulseirinhas liberadas: Daniel Rodrigues.



Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

sexta-feira, 12 de julho de 2019

Quando o rock encontrou a bossa nova


A semana é de rock, cujo alucinante e revolucionário ritmo é comemorado dia 13, mas o que marcou mesmo esses últimos dias foi a perda da maior referência da bossa nova, João Gilberto, no último dia 6. De modo a contemplar os dois, então, o rock'n'roll e a bossa nova, trago aqui um cruzamento de algo que de muito me instiga: o samba no rock. Como bem classificou Rita Lee: "bossa 'n' roll".

Não é de hoje que os estrangeiros, seja dos Estados Unidos, Europa ou Ásia, morrem de amores por nossa música, especialmente pelo samba – e não tem estilo mais representativo deste ritmo e da música brasileira que a bossa nova, nosso maior produto-exportação depois do futebol. Mas uma coisa é certa: gringo não sabe fazer samba. Não adianta. Eles se esforçam, admiram, veneram, imitam mas não sai igual. Falta ginga, falta sol tropical na moleira, falta melanina, falta pobreza. Sei lá o que, mas falta. E um dos maiores segredos é, justamente, a batida do violão de João. Se muito brasileiro não entende, imagina eles.

O que não quer dizer, entretanto, que não saia legal o que eles fazem. Essas assimilações culturais e troca de percepções me agradam, ainda mais considerando um mundo cada vez mais conectado e de acesso fácil a conteúdos antes apenas nichados.

Mas mesmo assim – e aí que está a graça – um samba feito por alguém de fora tem uma cara diferente. Não raro, sai um troço quadrado, sem molho ou, pior, confundido com rumba ou salsa caribenhas. Tem, contudo, resultados muito legais, inovadores, globalizados. Visto pelo ângulo deles, os de fora, são contribuições do olhar do estrangeiro, a forma como eles entendem nossa cultura.

Por isso, separei aqui 13 (afinal, trata-se também de rock ‘n’ roll) sambas criados e cantados por quem não nasceu no Brasil e nem se criou aqui. Não sai nada igual ao que João fez, eles mesmos sabem. Mas tentaram e não se saíram mal.



Beastie Boys - “I Don’t Know”

Os Beastie Boys são aqueles caras que evoluíram pra caramba disco após disco, e em “Hello, Nasty”, de 1998, permitiram-se arriscar com esta bossa-nova, que ficou bem bonita. O violão, entretanto, não deixa mentir: tocado com palheta e não dedilhado tal como os mestres do instrumento no Brasil. Yuka Honda, figura claramente importante neste cenário (como boa japa admiradora de MPB que é), participa cantando. A rapaziada se saiu bem.
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Beck – “Tropicalia”

Se tem alguém que chegou bem perto de fazer igual aos brasileiros, esse cara se chama Beck. Admirador da MPB, “rato” de loja de disco e, mais do que isso, músico de bom ouvido, em 1998 mandou ver nessa homenagem ao Tropicalismo que tem, até pelas inclusões de funk e elementos modernos, a maior cara do que Caetano, Gil e Cia. Propuseram. A batida do violão, calcanhar de Aquiles pra quem não é daqui, em “Tropicalia” soa perfeito. Podia ser até um Baden ou Macalé tocando.
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Towa Tei - "Let me Know"

Tá bem que Towa Tei é parceiro costumeiro de Bebel Gilberto, que certamente lhe deu umas aulinhas de ziriguidum. Mas o resultado da leitura do samba deste músico japonês é recorrentemente admirável e pessoal. Sob a ótica de um DJ calcado nos beats dançantes, o ex-Deee-Lite tem joias como esta do disco "Last Century Modern", de 1999,, em que nem a batida eletrônica é capaz de excluir o repique típico do samba. Linda canção que muito brasileiro jamais seria capaz de compor.



The Rolling Stones - "Sympathy for the Devil"

Pode não parecer samba, mas os próprios Stones disseram que a compuseram inspirados no que presenciaram numa vinda ao Brasil. Tá na cara que eles confundiram samba com candomblé, música de ponto, mas não importa se foi numa sessão de batuque ou numa quadra de escola de samba - e sabe-se lá em que estado se encontravam. O importante é que saiu essa pérola, um hino do rock que abre o clássico "Beggars Banquet", de 1969.





Sean Lennon - "Into the Sun"

O filho de Lennon e Yoko certa vez perguntou ao Sérgio Dias de onde os Mutantes tiravam aquela musicalidade e o brasileiro sarcasticamente respondeu: "do seu pai, sua besta!" Afora o mau humor desentendido da resposta, dá pra entender a dúvida do talentoso e interessado Sean naquilo que é uma esfinge a um estrangeiro: "como se faz samba?" Do seu jeito, Sean (ao lado de Yuka Honda, de novo nessas funções) compôs essa lindeza de bossa nova, que dá título ao seu primeiro disco, de 1998. O violão é meio duro, rola um pastiche dos arranjos de Tom Jobim, mas é visível que a linda música veio do coração.



The Deviants - "Nothing Man - Bun"

Sabe-se lá o que esses malucos da cena proto-punk de Londres ouviram de samba, mas o que saiu foi algo instigante e transgressor como um bom rock deve ser. A música encerra o baita disco "Ptooff!", primeiro deles, de 1967. Nunca o samba soou tão psicodélico e garage band.






Jamiroquai - "Use the Force"

Jay Kay e sua turma são talhados em tudo que se refere ao jazz soul dos anos 70, inclusive a brasileira Azimuth. São eles a maior inspiração da Jamiroquai para esta música do celebrado "Travelling Without Moving", de 1996. Sopros e vocal perfeitos, além da percussão bem latina. Mas, convenhamos, também não é samba.  






Cornelius - "Brazil"

A célebre "Aquarela do Brasil", de Ary Barroso, foi o primeiro grande cartão de visitas da música brasileira pré-bossa nova, e por isso vários músicos daqui e de fora dela se apropriaram. Um deles, Keigo Oyamada, o Cornelius (mais um japonês!), compôs, em 2002, no disco "Point", essa reverência chamada, claro, de "Brazil". Indie eletronic de alta qualidade com a sua cara e, detalhe: domínio do violão como poucos, muito próximo à batida da bossa nova.




Ryuichi Sakamoto - "Free Trading"

Mais um japa, mas não qualquer um, pois estamos falando do genial Ryuichi Sakamoto. O universal músico, conhecedor de perto da MPB e sabedor do que estava fazendo, compôs "Free Trading" em seu discaço "Neo Geo", de 1888. Bossa com toques orientais. Afinal, quem e que disse que samba não pode ter também esse sotaque?





The Kinks - "No Return"

Imagina Paul McCartney ou Brian Wilson caindo no samba? Ia dar em coisa boa certamente. Pois quem fez isso foi Ray Davies, da Kinks – o que significa praticamente a mesma coisa em termos de grandeza. Esta joia chamada “No Return”, do espetacular "Something Else" (1967) - grata lembrança do meu amigo Lucio Brancato -, é bossa nova no melhor estilo, e sem deixar a dever em nada o toque do violão. Os versos são em inglês, mas o som é brasileiríssimo.



Ambitious Lovers - "King"

Ok, ok, eu sei que é meio “migué” por a Ambitious Lovers nessa lista sendo o Arto Lindsay tão brasileiro quanto norte-americano. Mas considerando que Peter Scherer é inteiramente de lá e que a banda formou-se em Nova York, vale esse “jeitinho brasileiro”. “King”, essa joia do primeiro disco da dupla, “Greed”, de 1988, tempera na medida certa o rock underground e o ritmo das escolas de samba. Coisa de brasileiro - mas americano também.




Brian Eno - "Kurt's Rejoinder"

A visão world music de Brian Eno não o deixaria fazer um samba convencional tal e qual o que ele ouviu aqui pelo Brasil. Ele até saberia, mas iria de fato resultar em algo reprocessado e personificado. Melhor exemplo é “Kurt's Rejoinder”, essa “samba de plástico” do brilhante álbum “Before and After Science”, de 1977.
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Gabriel Yared - "Chili con Carne"

Para fechar, outros que há muito se rendem à música brasileira são os franceses. Na trilha sonora clássica do cult movie dos anos 80 "Betty Blue" o compositor Gabriel Yared versou a canção-tema, entre outros ritmos, também para a bossa nova. C'était magnifique!
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por Daniel Rodrigues