Recebi do meu amigo e colega de ACCIRS Matheus Pannebecker o convite para participar de uma seção do seu adorável e respeitado blog Cinema e Argumento. A missão: escolher três atuações que me marcaram no cinema. Ora: pedir isso para um cinéfilo que adora elaborar listas é covardia! Claro, que topei. Não só aceitei como, agora, posteriormente à publicação do blog de Matheus, amplio um pouquinho a mesma listagem para compor esta nova postagem. Não três atuações inesquecíveis, mas cinco.
Há momentos na história da humanidade que a arte sublima. É como um milagre, uma mágica. Isso, não raro, provêm dos grandes gênios que o planeta um dia recebeu. Sabe Jimi Hendrix tocando os primeiros acordes de “Little Wing”? Pelé engendrando o passe para o gol de Torres em 70? A fúria do inconcebível de Picasso para pintar a Guernica? A elevação máxima da arte musical da quarta parte da Nona de Beethoven? Na arte do cinema este posto está reservado a Marlon Brando quando atua em “O Poderoso Chefão”. Assim como se diz que nunca mais haverá um Pelé ou um Hendrix ou um Picasso, esse aforismo cabe a Brando que, afora outras diversas atuações dignas de memória, como Vito Corleone atingiu o máximo que uma pessoa da arte de interpretar pode chegar. Actors Studio na veia, mas também coração, intuição, sentimento. Tão assombrosa é a caracterização de um senhor velho e manipulador no filme de Coppola que é quase possível se esquecer que, naquele mesmo ano de 1972, Brando filmava para Bertolucci (em outra atuação brilhante) o sofrido e patológico Paul, homem bem mais jovem e ferinamente sensual. Pois é: tratava-se, sim, da mesma pessoa. Aliás, pensando bem, não eram a mesma pessoa. Um era Marlon Brando e o outro era Marlon Brando.
cena inicial de"O Poderoso Chefão"
Giulieta Masina
“A Estrada da Vida” (Federico Fellino, 1954)
“A Estrada da Vida” é sem dúvida um dos grandes filmes de Federico Fellini. Sensível, tocante e levemente fantástico. Nem a narrativa linear e de forte influência neo-realista – as quais o diretor foi se afastando cada vez mais no decorrer de sua carreira em direção a uma linguagem mais poético e surrealista – destaca-se mais do que considero o ponto alto do filme: as interpretações. À época, Fellini se aventurava mais nos palcos de teatro e nas telas, basta lembrar do lidíssimo papel de “deus” no episódio dirigido pelo colega Roberto Rosselini no filme “O Amor” (1948). Talvez por essa simbiose, e por ter contado com o talento de dois dos maiores atores da história, Anthony Quinn (maravilhoso como Zampano) e, principalmente, da esposa e parceira Giulieta Masina na linha de frente, “A Estrada da Vida” seja daquelas obras de cinema que podem ser considerados “filme de ator”. Considero Gelsomina a melhor personagem do cinema italiano, o que significa muita coisa em se tratando de uma escola cinematográfica tão vasta e rica. Não se trata de uma simplória visão beata, mas o filme nos põe a refletir que encontramos pessoas assim ao longo de nossas vidas e, às vezes, nem paramos para enxergar o quanto há de divino numa criatura como a personagem vivida por Giulieta. Reflito sobre a passagem de Jesus pela Terra, e o impacto que sua presença causava nas pessoas e o que significava a elas. Se ele não era “deus”, era, sim uma pessoa valorosa entre a massa de medíocres e medianos. Gelsomina, com sua pureza e beleza interior quase absurdas, parece carregar um sentimento infinito que poucas pessoas que baixam por estas bandas podem ter – ou permitem-se. E é justamente essa incongruência que, assim como com Jesus, torna impossível a manutenção de suas vidas de forma harmoniosa neste mundo tão errado. Tenho certeza que foi por esta ideia que moveu Caetano Veloso a escrever em sua bela canção-homenagem à atriz italiana, “aquela cara é o coração de Jesus”.
cena de "A Estrada da Vida"
Leonardo Villar
“O Pagador de Promessas” (Anselmo Duarte, 1960) Sempre quando falo de grandes atuações do cinema, lembro-me de Leonardo Villar. Assim como Giulieta, Brando, Marília, Toshiro, De Niro, Pacino, Emil ou Lorre, o ator brasileiro é dos que foram além do convencional. Aqueles atores cujas atuações são dignas de entrar para o registro dos exemplos mais altos da arte de atuar. Sabe quando se quer referenciar a alguma atuação histórica? Pois Leonardo Villar fez isso não uma, mas duas vezes – e numa diferença de 5 anos entre uma realização e outra. Primeiro, em 1960, ao encarnar Zé do Burro, o tocante personagem de Dias Gomes de “O Pagador de Promessas”, o filme premiado em Cannes de Anselmo Duarte (na opinião deste que vos escreve, o melhor filme brasileiro de todos os tempos). Na mesma década, em 1965, quando vestiu a pele de Augusto Matraga, do igualmente célebre “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, de certamente o melhor filme do craque Roberto Santos rodado sobre a obra de Guimarães Rosa. Dois filmes que, soberbamente bem realizados não o seriam tanto não fosse a presença de Villar na concepção e realização dos personagens centrais das duas histórias. Ainda, personagens literários que, embora a riqueza atribuída por seus brilhantes autores, são - até por conta desta riqueza, o que lhes resulta em complexos de construir em audiovisual - desafios para o ator. Desafios enfrentados com louvor por Villar.
cena de"O Pagador de Promessas"
Emil Jannings
"A Última Gargalhada" (F. W. Murnau, de 1924)
Falar de Emil Jannings é provocar um misto de revolta e admiração. Revolta, porque, como poucos artistas consagrados de sua época, ele foi abertamente favorável ao nazismo, tendo sido apelidado pelo próprio Joseph Goebbels como o "O Artista do Estado". Com o fim da Guerra, nem o Oscar que ganhou em Hollywood em 1928 por “Tentação da Carne”, o primeiro da Melhor Ator da história, lhe assegurou salvo-conduto no circuito cinematográfico, do qual foi justificadamente banido. Porém, é impossível não se embasbacar com tamanho talento para atuar. O que o ator suíço faz em “A Última Gargalhada”, clássico expressionista de F. W. Murnau, de 1924 é digno das maiores de todo o cinema. Que personagem forte e cheio de nuanças! A expressividade teatral, comum às interpretações do cinema mudo, são condensadas pelo ator numa atuação que se vale deste exagero dramatúrgico a favor da construção convincente de um personagem inocente e puro de coração. Com apenas 40 anos Jannings, que alimentava pensamentos fascistas, transfigura-se num idoso bonachão e humano. E tudo isso sem “pronunciar” nenhuma palavra sequer! Joseph Von Steiberg ainda o faria protagonizar um outro grande longa alemão, o revolucionário “O Anjo Azul”, em que contracena com a então jovem diva Marlene Dietrich, mas a mácula nazi não o deixaria alçar mais do que isso. Para Jennings, a última gargalhada foi dada cedo demais.
cena de"A Última Gargalhada"
Robert De Niro
"Touro Indomável" (Martin Scorsese, 1980)
Têm atuações em cinema que excedem o simples exercício da arte dramática, visto que representam igualmente uma prova de vida. Foi o que Robert De Niro proporcionou ao interpretar, em 1980, o pugilista ítalo-americano Jake LaMotta (1922-2017) em “Touro Indomável”, de Martin Scorsese. Desiludido com os fracassos que vinha acumulando desde o sucesso de crítica “Taxi Driver”, de 4 anos antes, o cineasta só vinha piorando a depressão com o uso desenfreado de cocaína. Somente uma coisa podia lhe salvar. A arte? Não, os amigos. De Niro, a quem Scorsese havia confessado que não iria mais rodar jamais na vida, convenceu-o a aceitar pegar um “último” projeto, que contaria a biografia do “vida loka” LaMotta. Claro, o ator, parceiro de outros três projetos anteriores de Scorsese, se responsabilizaria pelo personagem principal. Por sorte, o destino provou a Scorsese que ele estava errado em sua avaliação negativa e o recuperou para nunca mais parar de filmar. “Touro...”, uma das principais obras-primas da história cinema, é não só o melhor filme do diretor quanto a mais acachapante das atuações de De Niro. As “tabelinhas” dele com Joe Pesci, a qual o trio repetiria a dose nos ótimos “Os Bons Companheiros” e “Cassino”, começaram ali. Prova da capacidade de mergulho de um ator no corpo de um personagem, De Niro vai do físico de atleta, parecendo muito maior do que ele é de verdade, à obesidade de um homem decadente e alcoólatra. Fora isso, ainda tem a tal cena de quando LaMotta é preso em que, numa crise de fúria, ele esmurra a parede da cela, cena na qual De Niro, tão dentro do personagem, de fato quebra a mão.“Eu não sou um animal!”, bradava. Eu diria que é, sim: um “cavalo”, daqueles de santo que recebem dentro de si entidades.
Há cinco anos, publicávamos aqui no Clyblog uma série de três longas matérias com listas dos filmes essenciais para se entender o cinema brasileiro do século XX, fazendo um recorte de suas três principais décadas produtivas: 60, 70 e 80. Por motivos óbvios, os desfalcados anos 90 não entraram nessa primeira série, haja vista a impossibilidade de se equiparar em importância com estas outras décadas uma vez que seu esforço foi muito menos pela manutenção da qualidade obtida anteriormente do que, principalmente, pela sobrevivência do audiovisual brasileiro. A puxada de tapete do governo Collor ao destruir a exitosa Embrafilme não ofereceu nenhuma alternativa substitutiva à altura que garantisse a continuidade do trabalho de milhares de profissionais e da importante arte cinematográfica brasileira.
Porém, os anos se passaram aqui no blog e, com eles, chegamos ao final da década de 2010, em que o cinema brasileiro, devidamente retomado de seus percalços (será?!), torna a ganhar o circuito internacional com filmes não apenas bem realizados, como essenciais para a nova cinematografia mundial, caso de "Cidade de Deus", "Tropa de Elite" e, mais recentemente, “Bacurau”. Mesmo que o correto seja compreender o final da década assim que concluir o ano em que estamos, e só começar a contar uma nova década a partir de 2021, quem imaginaria que viria a Covid-19 para congelar tudo, afetando, principalmente, o setor cultural e, com ele, a produção cinematográfica? Se havia ainda alguma esperança de que novos títulos se somassem aos produzidos nos últimos 9 anos para cá, a pandemia, bastante ajudada pela política inimiga da cultura do atual governo brasileiro, forçou para que se acabasse de vez a década.
Entre a última década do século passado e a que estamos, restam, claro, os primeiros 10 anos do novo século. Vamos reconstruir, então, a essência do que foi produzido no cinema brasileiro nos últimos 30 anos, começando pelos 90. Se a recorrente falta de prioridade para com a cultura e a arte da política brasileira fez de tudo para acabar com o cinema nacional, fique esta sabendo que não conseguiu. Produções escassas, mirradas, prejudicadas, mas mesmo assim, resistentes. Deste modo, selecionamos aqui 20 títulos essenciais para entender esta década que, com todos estes percalços, ainda assim mantém qualidade suficiente para não deverem nada a títulos de outras décadas mais abastadas. Uma exceção fazemos aqui, no entanto: não apenas por contar fatalmente de menos filmes classificáveis, os anos 90 são sinônimo de “retomada” para o cinema no Brasil, fase a qual se encerraria apenas com o marco “Cidade de Deus”, de 2002, um ano depois da instituição da Ancine. Então, coerentemente com a construção histórica do novo cinema brasileiro, incluímos as produções do ano de 2000 nesta primeira listagem. A partir dali, uma nova era viria.
1 - “Carlota Joaquina: Princesa do Brazil”, de Carla Camurati (95): O filme de estreia de Camurati é o marco de resistência do cinema brasileiro pós-Collor, quase um manifesto, que bradava: “É possível, mesmo com toda a dificuldade, fazer cinema autoral no Brasil!”. Cheio de hiatos e desconexões (propositais ou não), tem, além desta simbologia (que já lhe seria suficiente para integrar esta lista), o mérito de trazer algumas características que se consolidariam no cinema brasileiro nas décadas seguintes: a coprodução com países estrangeiros, a linguagem cômica, a edição ágil e a abordagem crítica.
2 - “O Quatrilho”, de Fábio Barreto (95): Há quem torça o nariz para certa pasteurização do filme rodado no interior do Rio Grande do Sul sobre a obra de José Clemente Pozzenatto, mas é fato que, com ele, os Barreto reabriram as portas do Brasil para o mercado internacional com a inédita indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro na história do cinema brasileiro – feito que ocorreria apenas mais duas vezes. E isso num momento em que jamais se esperaria algum reconhecimento vindo de um ainda agonizante cinema pela quebra da Embrafilme. Um bom romance, com seus méritos.
3 - “O Mandarim”, de Julio Bressane (95): Enquanto os Barreto encabeçavam uma nova investida na internacionalização do cinema brasileiro e Camurati tentava redirecionar os rumos das coisas por aqui, o bom e velho transgressor Julio Bressane aperfeiçoava seu cinema-poesia. Assim como em “Tabu”, “Brás Cubas” e os “Os Sermões”, a música é quase um personagem, neste caso, para contar a proto-biografia de Mário Reis (Fernando Eiras), mas não sem o “auxílio luxuoso” de Caetano Veloso, Chico Buarque (fazendo eles mesmos), Gilberto Gil (encarnando Sinhô) e Edu Lobo (fazendo as vezes de Tom Jobim). Tudo de forma artesanal, barata e genial.
4 - “Terra Estrangeira”, Walter Salles Jr. e Daniela Thomas (96): O filme de Waltinho e Daniela tem o poder de vencer a contramaré vivida pelo cinema nacional àqueles idos a ponte de tornar-se um dos mais importantes filmes da cinematografia nacional. Tanto que está na lista da Abraccine dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos. Uma história sobre solidão e resgate das próprias raízes motivado justamente pelo confisco promovido pelo mesmo presidente Collor que extinguiu tanto o dinheiro do brasileiro quanto o da Embrafilme. Fotografia impecável p&b de Walter Carvalho, trilha excelente de Zé Miguel Wisnik e até dedo de Millôr Fernandes nos diálogos. Um luxo em época de vacas magras.
5 - “Baile Perfumado”, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas (96): Na esteira da mais revolucionária cena cultural do Brasil dos últimos 30 anos, o mangue beat, o filme marco da retomada do cinema pernambucano, retraz questões formativas da cultura nordestina (o cangaço, o “Ciclo do Recife” dos anos 20, os superoitistas dos anos 70, o sotaque, a antropomorfia) com uma roupagem moderna. Se não é necessariamente um filme bom, é altamente representativo e indispensável para se entender o cinema brasileiro de então, visto que abriu portas para a entrada de talentos de outros pernambucanos como Kleber Mendonça Filho, Cláudio Assis, Hilton Lacerda e Marcelo Lordello.
6 - “Guerra de Canudos”, de Sérgio Rezende (96): Afeito aos temas da História do Brasil, Rezende, após realizar seu grande filme, “O Homem da Capa Preta”, em 86, viu-se, assim como seus pares, totalmente descapitalizado para realizar seu trabalho. O que não foi motivo para abandonar o projeto sobre a real história do líder Antônio Conselheiro e a sangrenta guerra contra as forças do Império extraída do épico “Os Sertões”, de Euclides da Cunha. Wilker, que já havia protagonizado “O Homem...”, está brilhante no papel principal. Produção cara que, mesmo os justificáveis defeitos de produção, não apagam o brilho.
7 - “Tieta do Agreste”, de Cacá Diegues (96): O tarimbado Cacá foi dos que sofreu bastante com a quase inviabilização do cinema no Brasil da era Collor. Após o paupérrimo longa de episódios “Veja Esta Canção”, de 94, parecia que nunca mais viriam grandes produções de outrora como “Quilombo” ou “Xica da Silva”. Mas o sempre obstinado cineasta surpreende com um filme recheado de qualidades: texto baseado e revisado pelo próprio Jorge Amado, Sônia Braga brilhante como Tieta, Chico Anysio tornando a fazer cinema como o velho Zé Esteves, trilha de Caetano, fora outras. Uma delícia de filme.
8 - “A Ostra e o Vento”, de Walter Lima Jr. (97): Assim como Cacá e Bressane, Walter é outro experiente realizador nascido no Cinema Novo. Porém, tem como característica o empreendimento de projetos muito peculiares, como esta bela adaptação do romance de Moacir C. Lopes, que conta com roteiro dele e de Flávio Tambellini (que se tornaria um dos cineastas de vulto no cinema nacional), fotografia de Pedro Farkas, música de Wagner Tiso e a linda canção original de Chico. Lima Duarte, Castrinho e Fernando Torres excelentes, além da jovem Leandra Leal, estreando na tela grande com uma inesquecível atuação sobre um tema raramente explorado com tanta assertividade: o florescer da sexualidade feminina.
9 - “Os Matadores”, de Beto Brant (97): Fala-se muito de “O Invasor”, de 2002, mas em “Os Matadores”, primeiro longa do talentoso paulista Beto Brant, ele já introduzia sua contribuição ao cinema brasileiro com um estilo autoral, de forte apelo literário, com histórias inspiradas na realidade em diálogo com o tempo presente e onde o ator tem espaço para contribuir na narrativa. Além disso, em resposta à falta de perspectivas vivida pela classe cinematográfica brasileira no início dos anos 90, trazia um conceito “enxuto”: projetos racionalizados sob o ponto de vista da produção, com equipes de trabalho formadas por amigos, que se transformam em parceiros constantes. Na sua estreia, Brant já saiu abocanhando o prêmio de melhor direção no Festival de Cinema de Gramado.
10 - “O Que é Isso, Companheiro?”, de Bruno Barreto (97): Criado em 91 como mecanismo do incentivo à cultura, a Lei Rouanet começou a, de fato, render frutos anos depois. Após emplacar a inédita disputa ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro com “O Quatrilho”, um ano depois o Brasil colocava outro candidato à estatueta: o bom “O Que...”, baseado no Best-seller biográfico de Fernando Gabeira. Novamente, são os Barreto os responsáveis pelo feito. Além das excelentes atuações de Pedro Cardoso, Fernanda Torres e Luiz Fernando Guimarães, o filme avança no espaço aberto por “Carlota Joaquina” no sentido da coprodução estrangeira, o que resulta nas participações do craque Alan Arkin no elenco e da excelente trilha do ex-Police Stewart Copeland.
11 - “Pequeno Dicionário Amoroso”, de Sandra Werneck (97): A Globo Filmes, a partir da década seguinte, vulgarizaria o estilo comédia feita com atores da emissora, lançando aos montes subproduções sem nenhuma qualidade, quanto menos pretensão cinematográfica. Mas isso ainda cabia naquele sétimo ano da década de 90, quando Sandra realizou esta comédia romântica deliciosa. Aquele final com “Futuros Amantes” do Chico é de arrebentar o coração até do mais insensível espectador. Atuações ótimas de Andrea Beltrão, Daniel Dantas, Glória Pires e Tony Ramos – estes dois últimos, que fariam dupla noutra comédia (um pouco menos) romântica “Se Eu Fosse Você” anos mais tarde.
12 - “Central do Brasil”, de Walter Salles Jr. (98): É só deixar solto, que o sobrevivente cinema brasileiro se supera e, logo em seguida, se agiganta. Sete anos após a instituição da Lei Rouanet e minimamente restabelecido o mercado do audiovisual brasileiro, Waltinho vem com aquele que é um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos, certamente o melhor da década de 90. Tocante, envolvente, denunciador, poético, revelador. Um filme perfeito em tudo: fotografia, trilha, montagem, arte e, principalmente, a direção de atores. “Central...” traz algumas das mais célebres atuações do cinema brasileiro numa mesma obra: Marília Pêra, Othon Bastos, Matheus Nasctergaele, o pequeno Vinícius de Oliveira e, claro, a deusa Fernanda Montenegro, que, assim como o filme, o último concorrente ao Oscar de Filme Estrangeiro do cinema nacional, também disputou a estatueta – perdendo, junto com Meryl Streep e Cate Blanchett, para Gwyneth Paltrow. No entanto, levou Berlim de Melhor Atriz e Melhor Filme.
13 - “São Jerônimo”, de Julio Bressane (98): O hermético e experiente Bressane é original não apenas na narrativa e no seu inconfundível estilo pessoal, mas também nos temas que escolhe para filmar. Ao abordar a história do santo e obscuro intelectual do século IV autor da edição e da tradução completa da Bíblia, a chamada Vulgata, Bressane dava sua definitiva contribuição para a retomada provando que em cinema (principalmente, no Brasil) é possível conjugar estética exigente e verba exígua, poesia arrojada em prazo concentrado. Como São Jerônimo, Bressane operava milagres.
14 - “Estorvo”, de Ruy Guerra (98): Em 1991, emputecido com a vitória da velha política de Collor na primeira eleição democrática para presidente do Brasil (e a derrota da “nova” por parte do correligionário Lula), Chico Buarque lançava seu pequeno, mas potente primeiro romance, “Estorvo”, um sucesso que ganharia Jabuti. Mas para levar à tela um enredo tão subjetivo, somente alguém muito conhecedor da obra do autor de “Vai Passar”. Ninguém melhor, então, que o moçambicano-brasileiro Ruy Guerra, companheiro de velhos tempos de Chico, seja no teatro, na música ou no próprio cinema. O clima perturbador da obra se potencializa nas tomadas distorcidas, na câmera nervosa, na montagem ousada e até no off com a voz do próprio Ruy, cujo sotaque arrevesado impõe a estranheza que a narrativa merece. Filme difícil, mas essencial.
15 - “A Causa Secreta”, de Sérgio Bianchi (96): O cinema deste paranaense radicado em Sampa nunca fez
concessões. Desde o curta “Mato Eles?”, de 1982, quando denunciava o descaso
com os índios, seu discurso é apontado para a crítica e toda a narrativa se
mobiliza neste sentido. Em “A Causa Secreta”, o cineasta se vale de todas as
suas armas para evidenciar a podridão moral da sociedade brasileira. E o faz
com alto poder mimético, numa construção narrativa incomum, atuações e
situações que incomodam de tão reais e agudas. Como outros filmes da década,
peca por certo – e compreensível – déficit técnico, mas supera as dificuldades
com a coesão da obra, essencial para entender o país em recente caminhada
democrática e todos os problemas que ainda iria demorar a se livrar.
16 - “Dois Córregos - Verdades Submersas no Tempo”, de Carlos Reichembach (99): Filho da Boca do Lixo carioca, o gaúcho Carlão, mesmo à época das
famigeradas pornochanchadas dos anos 70/80, produzia com qualidade, fosse na
fotografia, a qual era um ótimo técnico, fosse na própria direção. Nos anos 90,
já havia realizado o emocionante “Alma Corsária”, mas nada se compara tanto em emoção
quanto em acerto com “Dois Córregos”. Um romance que envolve política, história
e reminiscências do próprio cineasta, que filmou cenas na praia de
Cidreira, no litoral do seu estado de origem. E tem trilha magnífica de Ivan Lins pra arrematar.
17 - “Bicho de Sete Cabeças”, de Laís Bodanzky (2000): Entramos na leva de filmes de 2000, que sinalizam o começo do fim da retomada. E não se poderia iniciar com um título mais emblemático que esta estreia da talentosa Laís Bodanzky. Símbolo da retomada, é um dos filmes que denotaram que o cinema brasileiro saíra da pior fase e entrava numa outra nova e inédita. Além de lançar a cineasta e o hoje astro internacional Rodrigo Santoro, conta com uma estética e edição arrojadas, com sua câmera nervosa e atuações marcantes, tanto a do jovem protagonista quanto dos tarimbados Othon Bastos e Cássia Kiss. Vários prêmios: Qualidade Brasil, Grande Prêmio Cinema Brasil, Troféu APCA de "Melhor Filme", além de ser o filme mais premiado dos festivais de Brasília e do Recife. Além disso, também está nos 100 da Abracine. Trilha de André Abujamra e com músicas de Arnaldo Antunes.
18 - “Tolerância”, de Carlos Gerbase (00): O Rio Grande do Sul também é um dos protagonistas dessa virada do cinema brasileiro para a modernidade, e o responsável por isso é o primeiro e melhor longa do "replicante" Gerbase. Uma “história de sexo e violência” num thriller ao estilo do cineasta: trama envolvente, roteiro impecável e atuações conduzidas pela mão de quem carrega a experiência superoitista e da cena curta-metragem, que salvou na raça o cinema brasileiro quando nenhum longa era possível de ser feito. Maitê Proença, linda, está brilhante.
19 - “Eu, Tu, Eles”, de Andrucha Waddington (00): Outro marcante filme "
00", este tocante, mas ao mesmo tempo divertido e denunciador romance, marca a entrada de vez de Andrucha no mundo da tela grande, ele consagrado como diretor de videoclipes célebres de artistas da música brasileira e realizador do acanhado “Gêmeas”, de um ano antes. A trilha de Gil cumpre um papel fundamental, amarrando a narrativa tanto em suas novas e antigas composições, quanto nas versões de Gonzagão. Grande Prêmio Cinema Brasil de Filme, Fotografia, Montagem e Atriz para Regina Casé, maravilhosa, assim como seus “maridos”: Lima Duarte, Stênio Garcia e Luiz Carlos Vasconcelos.
20 - “O Auto da Compadecida”, de Guel Arraes (00): O cinema brasileiro fechava seu ciclo de maiores dificuldades
estruturais com um sucesso de crítica e público (2 mi de expectadores). Guel, que
havia construído uma carreira alternativa na dramaturgia através da televisão
desde a TV Pirata e aperfeiçoando-a ao longo dos anos, chegou pronto ao seu
primeiro longa, baseado na peça de Ariano Suassuna. Difícil ver uma trupe tão
grande de ótimos atores/atuações juntos: Selton, Nachtergaele, Nanini, Denise,
Diogo, Lima, Virgínia, Goulart... todos, todos impagáveis. João Grilo e Xicó formam uma das melhores duplas de personagens do cinema nacional. Comédia divertida – mas também
dramática – com o pique de edição e cenografia de Guel. Um clássico imediato.
Enfim, chegamos à
terceira e última listagem de filmes brasileiros essenciais para se
entender o nosso cinema no final do século XX, terminando com a
safra dos 80. Mais do que para com os anos 60 e 70, a década de 80
foi a que mais tive dificuldade de escolher entre tantos títulos que
considero fundamentais. Talvez pelo fato de, dos anos 60,
embrionários e revolucionários, haver mais clareza quanto ao que
hoje é tido como essencial, bem como pela até injusta comparação
com os sofridos e minguados anos 70. O fato é que a produção dos
80 vem justificar, justamente, o decréscimo quali e quantitativo da
sua década anterior. Tanto é verdade que, com os reflexos visíveis
da Abertura Política e já se enxergando a tão sonhada democracia
não apenas como uma miragem, os cineastas brasileiros – mesmo com
a menos rígida mas ainda existente censura – passam a ter uma até
então inédita estrutura através de verba do próprio Governo via
Embrafilme.
Foi aí, então, que
os cineastas daqui mostraram o quanto são, de fato, brasileiros. Se
já haviam conseguido, nos 60 e 70, realizações memoráveis sem uma
Atlântida ou Vera Cruz por trás, quando tiveram um tantinho mais
fizeram “chover pra cima”. Desfalcados a maior parte da década
da tempestuosidade de ideias de Glauber Rocha, falecido em 81, além
de Leon Hirszman e Joaquim Pedro de Andrade, também vitimados cedo,
outros cabeças do cinema nacional avançaram em temática, nível
técnico, concepção e apelo com o público. Ironicamente,
entretanto, se os 80 justificaram a baixa dos 70, também herdaram o
inevitável: justo na década que talvez melhor se tenha produzido
para as massas até então, recaiu-lhes a pecha de cinema malfeito e
sem qualidade, motivado, principalmente, pela herança das
famigeradas pornochanchadas, naturalmente desvalorizadas com o
declínio do discurso do Governo Militar – estigma do qual o cinema
nacional tenta se livrar até hoje.
Para além das
comparações, a diversidade do cinema nacional dos 80 é grande. As
abordagens vão desde cinebiografias (pouco vistas até então),
felizes adaptações do teatro para as telas (finalmente!), avanço
do documentário, início da descentralização da produção eixo
Rio-São Paulo e, principalmente, uma maior liberdade de expressão.
Sem o fantasma constante das torturas e perseguições, as histórias
tocavam agora direto nas feridas da ditadura. “Nos nervos, nos
fios”. Ainda deu tempo, inclusive, de tanto Glauber quanto Leon
produzirem as talvez obras-primas de ambos. Diretores surgiam; uns,
despontavam; outros, afirmavam-se. Nesse contexto, sobraram títulos
que, por restringirmos a 20, não puderam entrar na lista, mas que
merecem menção: “Barrela”, “Cidade Oculta”, “A Dama do
Cine Shangai”, “Quilombo”, “Um Trem Pras Estrelas”,
“Gabriela”, “Índia, a Filha do Sol”, “O Romance da
Empregada”, “Inocência”, sem falar nas produções televisivas
de Walter Avancini. Mas, com esses 20 não tem erro: só filmaços.
1 - “A Idade da
Terra”, Glauber Rocha (80) – Poesia total. O último e
criticado filme de Glauber, fábula sobre as possíveis vidas e
mortes de Cristo num Brasil moderno, pode ser visto até como uma
metáfora visionária da morte do cineasta, que, entristecido com o
Brasil e com a recepção a seu filme, sucumbiu um ano depois de
lançá-lo. Esqueça os detratores: “A Idade...” é grande,
potente, cáustico, catártico, altamente filosófico. Um dia será
devidamente reconhecido.
2 - “Os 7
Gatinhos”, Neville D’Almeida (80) – Neville é daqueles
cineastas da “elite intelectual carioca” que só fala besteira e
produz coisas intragáveis e ininteligíveis, mas esse é um acerto
inconteste. Baseado em Nelson Rodrigues, tem o dedo do próprio no
roteiro e, além de trilha com músicas de Roberto e Erasmo, é uma
tragicomédia crítica e consistente à hipocrisia e depravação da
sociedade brasileira. Interpretações (Thelma Reston, Melhor
Coadjuvante em Gramado) e cenas inesquecíveis como a dos
“caralhinhos voadores” e “me chama de contínuo” estão neste
longa referencial.
3 -“O
Beijo no Asfalto”, Bruno Barreto (80) – Outra feliz adaptação
de peça, outra feliz adaptação de Nelson Rodrigues. Essa, no
entanto, deixando de lado a linguagem metafórica e fantástica de
“Os 7 Gatinhos”, investe numa história contada com rigor e
direção segura, apoiada pelas ótimas atuações de todos: Ney,
Tarcisão, Daniel, Torloni, Lídia. Daqueles filmes que, se está
passando na TV, não se fixe por 15 segundos, pois senão acabarás
terminando de assisti-lo inevitavelmente.
4
- “Pixote, A Lei do Mais Fraco”,
Hector Babenco (80) – Babenco chega à maturidade de seu cinema e
faz o até hoje melhor trabalho de sua longa e regular filmografia.
Com ar de documentário, toma forma de um drama realista e trágico,
trazendo à tona mais uma mazela da sociedade brasileira: a
desassitência político-social às crianças e a violência urbana.
O pequeno Fernando, que, ao interpretar Pixote, faz bem dizer ele
mesmo, nos emociona e nos entristece. Marília está num dos papeis
mais espetaculares da história. Indicado ao Globo de Ouro e vencedor
do New
York Film Critics Circle Awards (além de Locarno e San Sebastian), é
considerado dos filmes essenciais dos anos 80 no mundo.
5 - “Eles não
Usam Black Tie”, Leon Hirszman (81) – Como um “Batalha de
Argel” e “Alemanha Ano Zero”, é uma ficção que se mistura
com a realidade, e neste caso, por vários fatores. Adaptação para
o cinema da peça dos anos 50 de Gianfrancesco Guarnieri sobre uma
greve e a repressão política decorrente, transpõe para a realidade
da época do filme, de Abertura Política e ânsia pela democracia,
retratando as greves no ABC Paulista. E ainda: tem o próprio
Guarnieri como ator, que, segundo relatos, codirigiu o filme. Filme
lindo, que remete a Eisenstein e Petri. Música original da peça de
58 de autoria de Adoniran Barbosa. Prêmio do Júri em Veneza.
6 - “Sargento
Getúlio”, Hermano Penna (81) – Pouco lembrado, mas talvez o
melhor filme nacional da década. Adaptação do romance de João
Ubaldo, dá ares de tragédia shakesperiana à história em plenos
sertão e Ditadura Militar. Crítico, poético e altamente literário,
sem deixar o aspecto fílmico de lado, haja vista a fotografia,
cenografia e a arte primorosos. E o que dizer de Lima Duarte, Melhor
Ator em Gramado, Havana e APCA? Ponha sua atuação entre as 20
maiores do cinema mundial sem pestanejar. Ainda levou Melhor Filme e
Crítica em Gramado.
7 - “O Homem
que Virou Suco”, João Batista de Andrade (81) – A forte
atuação de José Dumond (Melhor ator em Gramado, Brasília e
Huelva), mais uma vez espetacular como em “A Hora da Estrela” e
“Morte e Vida Severina”, leva o filme conta a história do poeta
popular, o nordestino Deraldo, quer tenta viver em São Paulo de sua
arte mas é irresponsavelmente confundido com um assassino. Suas
raízes e verdades, então, viram “suco” na grande cidade. Melhor
Filme em Moscou e Nevers.
8 - “Bar
Esperança, O Último que Fecha”, Hugo Carvana (82) – Poético
e divertido, “Bar...” é o típico filme do novo Brasil que se
construía com a Abertura, o que significava transformações
irrefreáveis, como o avanço da modernidade e a morte da antiga
boemia poética. Junto com a companhia Asdrúbal Trouxe o Trambone,
lançou toda a geração de atores que viriam a desembocar na TV
Pirata e afins e no cinema que se constituiu no Brasil na
pós-retomada. Cenas memoráveis, atuações impecáveis, diálogos
idem. Música-tema de Caetano com Gal Costa. Vários prêmios em
Gramado. Uma joia.
9 - “Pra
Frente, Brasil”, Roberto Faria (82) – Tijolaço na cara da
ditadura, que, embora mais branda, ainda se mantinha no governo
Figueiredo. Corajoso e sem dó, evidencia a desumanidade do regime
militar ao contar a história de um homem confundido com um
“subversivo” e que é dura e aleatoriamente torturado, fazendo um
paralelo com o clima festivo da Copa de 70. Primeiramente proibido
pela censura, depois de liberado arrebatou Gramado (Filme e Edição)
e levou prêmio em Berlim, entre outras premiações e indicações.
10 -“Nunca
Fomos Tão Felizes”, Murilo Salles (84) – O letreiro inicial
diz tudo, quando o título do filme se constrói de forma a se
entender “Tão Felizes Nunca Fomos”. Estocada forte na Ditadura,
rodado no último ano do Governo Militar, conta a história de um
filho de um misterioso militante político que é retirado de um
colégio interno para viver temporariamente num moderno e entediante
apartamento. Alto nível técnico. Arrebatou Brasília e prêmio da
Crítica em Gramado.
11 - “Verdes
Anos”, Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil (84) – O cinema
gaúcho, encabeçado pela galera da Casa de Cinema, começava nos 80
a mostrar suas qualidades: roteiros tratados literariamente, ares de
cult movie europeu, técnicos competentes e sotaque diferente do
“carioquês” ou “paulistês” que todos eram acostumados a
ouvir no cinema nacional. Um sopro de criatividade que revolucionaria
o audiovisual brasileiro a partir dos anos 90. Tema musical clássico
de Nei Lisboa.
12 - ”Cabra
Marcado para Morrer”, Eduardo Coutinho (84) – Mestre do
documentário mundial, Coutinho não se entregava mesmo quando
parecia impossível. “Cabra...”, um dos maiores filmes do gênero,
é um documentário do documentário. Interrompido em 1964 pelo
governo militar, narra a vida do líder camponês João Pedro
Teixeira e teve suas filmagens retomadas 17 anos depois, introduzindo
na narrativa os porquês da lacuna. Premiado na Alemanha, França,
Cuba, Portugal e Brasil, onde conquistou Gramado e FestRio.
13 - “Memórias
do Cárcere”, Nelson Pereira dos Santos (84) – Prova de que
Nelson Pereira não tinha “perdido a mão” depois de erros e
acertos nos anos 70, se debruça novamente sobre Graciliano Ramos,
mas desta vez não como fizera com seu grande romance, “Vidas
Secas”, mas sobre o próprio escritor quando de sua prisão pelo
Governo Vargas. Um épico que ganhou prêmio da crítica em Cannes.
14 - “A Hora da
Estrela”, Suzana Amaral (85) – Exemplo de como se fazer um
filme pequeno, com baixo orçamento, mas de muito, muito esmero de
roteiro (baseado no forte texto de Clarice Lispector) e cenografia.
Cartaxo interpreta a inocente Macabéa, noutra atuação espetacular
dos anos 80 no cinema mundial, que a fez ganhar Urso de Prata em
Berlim, onde a diretora também ganhou prêmio da crítica. O filme
ainda levou tudo no Festival de Brasília.
15 -“O
Beijo da Mulher Aranha”, Hector Babenco (85) – Uma história
improvável em uma produção brasileiro-americana ainda mais
improvável de dar certo. Mas Babenco, talentoso e sensível, amarra
tudo com maestria. De roteiro primoroso, é mais uma pungente crítica
ao Governo Militar e que tem nas atuações dos estrangeiros John
Hurt e Raul Julia e na dos brasileiros, Lewgoy, Sônia Braga e Milton
Gonçalves sua base. Cannes e Oscar de Ator para Hurt, mas concorreu
também a Filme, Direção e Roteiro na Academia e a Palma de Ouro.
16 - “O Homem
da Capa Preta”, Sérgio Rezende (86) – Na sua longa
filmografia, Rezende se especializou em rodar temas ligados à
história do Brasil. Porém o seu maior acerto é justamente o
primeiro com esta temática. Sobre o controverso político de Duque
de Caxias, Tenório Cavalcanti (Wilker, incrível), é um exemplo a
se seguir de cinebiografias, as quais hoje tanto se fazem mas que
resvalam na superficialidade. Grande vencedor de Gramado.
17 - “O Grande
Mentecapto”, Oswaldo Caldeira (86) – Das melhores comédias
do cinema nacional, filme mineiro que, na linha de “Verdes Anos”,
direcionou a produção a outros Estados que não Rio e SP, e que
sedimentou a geração TV Pirata (Diogo Vilella, LF Guimarães,
Regina Casé) numa história de Fernando Sabino ao mesmo tempo
deliciosa, cômica, poética e aventuresca. Um dos finais de filme
mais bonitos do cinema brasileiro. Trilha do Wagner Tiso marcante.
Melhor Filme pelo júri em Gramado e concorreu em Cuba, Canadá e
EUA.
18 - “Ópera do
Malandro”, Ruy Guerra (86) – Ruy é o cara que sempre
produziu com alto padrão de qualidade desde que surgiu, nos anos 60.
Em “Ópera...”, coprodução da Embrafilme com a França, ele
eleva ainda mais o nível. Numa adaptação da peça de Chico Buarque
(por sua vez, baseada em Brecht e Gay), ele se vale do apoio do amigo
e parceiro não só para os maravilhosos temas musicais como até
para os diálogos. Tiro certeiro. Musical que não te cansa, pois
integra tanto a cenografia às canções que todos os atores se saem
bem cantando.
19 - “Ele, O
Boto”, Walter Lima Jr, (87) – Lenda popular e realidade se
misturam nessa fábula contada com muita poesia sobre a beleza do
imaginário e da sexualidade feminino, tema que Lima Jr. recuperaria
10 anos depois em “A Ostra e o Vento”. Dos primeiros filmes
brasileiros que me arrebataram. Nunca me esqueci da lindeza da
fotografia das cenas noturnas, com a claridade (muito bem
fotografada) da lua na praia. Outra ótima trilha de Tiso.
20 - “Faca de
Dois Gumes”, Murilo Salles (89) – Terminando a década,
Murilo acerta a mão em cheio de novo, desta vez adaptando
Best-seller de Sabino. O resultado é um drama policial potente e não
menos crítico no que se refere ao sistema. Atuações memoráveis de
José Lewgoy, Pedro Vasconcelos e Paulo José, principalmente.
Direção, Fotografia e prêmios técnicos em Gramado, além de Filme
em Natal e Rio.
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Embora goste menos
desses títulos ou até não goste de alguns, acho justo, por uma
questão jornalística e histórica, ao menos citá-los, pois cada um
tem seu grau de importância dentro do período dos anos 60, 70 e 80
que abordamos:
60: “Macunaíma”
(Joaquim Pedro, 69); “Cara a Cara” (Bressane, 67); “A Falecida”
(Leon, 65); “Porto das Caixas” (Saraceni, 62); “Bahia de Todos
os Santos” (Triguerinho, 60); “A Grande Feira” (Pires, 61); “A
Grande Cidade” (Cacá, 66)