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quarta-feira, 21 de junho de 2017

Banda Black Rio - "Maria Fumaça" (1977)




“A Banda Black Rio é um dos maiores acontecimentos musicais desse planeta”.
Lucas Arruda


“Coisa mais séria que tem! Um dos discos instrumentais mais bem feitos no Brasil. Tudo absolutamente certo aqui: temas, timbres, só acerto.”
Ed Motta


O jazz no Brasil teve de caminhar alguns quilômetros em círculos para que obtivesse uma identificação real com o país do carnaval. Em termos de indústria fonográfica, até os anos 70 as apostas sempre estiveram sobre o samba e derivados ou outros gêneros comerciais, como o bolero, a canção romântica, a bossa-nova carioca, os festivais, a MPB e até o rock. Mesmo presente na sonoridade das orquestras das gafieiras ou na bossa nova, o jazz se misturava aos sons brasileiros mais pela natural influência exercida pelos Estados Unidos na cultura latina do que pelo exemplo de complexidade harmônica de um Charlie Parker ou Charles Mingus. Expressões bastante significativas nessa linha houve nos anos 50 e 60, inegável, mas jazz brasileiro mesmo, com “b” maiúsculo, esse ainda não havia nascido.

Por essas ironias que somente a Sociologia e a Antropologia podem explicar, precisou que o gênero mais norte-americano da música desse uma imensa volta para se solidificar num país tão africanizado quanto os Estados Unidos como o Brasil. Essa solidificação se deve a um simples motivo: assim como na criação do jazz, cunhado por mentes e corações de descendentes de escravos, a absorção do estilo no Brasil se deu também pelos negros. No caso, mais de meio século depois, pela via da soul music. O chamado movimento “Black Rio”, que estourava nas periferias cariocas no início da década de 70, era fruto de uma nova classe social de negros que surgia oriundos das “refavelas”, como bem definiu Gilberto Gil. Reunia milhões de jovens em torno da música de James Brown, Earth, Wind & Fire, Aretha Franklin e Sly & Family Stone. DJ’s, dançarinos, produtores, equipes de som, promoters e, claro, músicos, que começavam a despontar da Baixada e da Zona Norte, mostrando que não eram apenas Tim Maia e Cassiano que existiam. Tinha, sim, outros muitos talentos. Dentro deste turbilhão de descobertas e conquistas, um grupo de músicos originários de outras bandas captou a essência daquilo e se autodenominou como a própria cena exigia: Black Rio.

Formada da junção de alguns integrantes dos conjuntos Impacto 8, Grupo Senzala e Don Salvador & Grupo Abolição, a Black Rio compunha-se com o genial saxofonista Oberdan Magalhães, idealizador e principal cabeça da banda; o magnífico e experiente pianista Cristóvão Bastos; os sopros afiados de José Carlos Barroso (trompete) e Lúcio da Silva (trombone); o não menos incrível baixista Jamil Joanes; Cláudio Stevenson, referência da guitarra soul no Brasil; e, igualmente impecável, o baterista e percussionista Luiz Carlos. Com uma insuspeita e natural mescla de samba, baião, funk, gafieira, rock, R&B, fusion, soul e até cool, a Black Rio inaugurava de vez o verdadeiro jazz brasileiro. Um jazz dançante, gingado, sincopado, cheio de groove e de rebuscamentos harmônicos.

Banda das mais requisitadas dos bailes funk daquela época, eram todos instrumentistas de mão cheia. Se nas apresentações eles tinham a luxuosa participação vocal de dois estreantes até então pouco conhecidos chamados Carlos Dafé e Sandra de Sá, tamanhos talento e habilidade não podia se perder depois que a festa acabasse e as equipes de som guardassem os equipamentos. Precisava ser registrado. Foi isso que a gravadora WEA providenciou ao chamar o tarimbado produtor Mazola – por sua vez, muito bem assessorado por Liminha e Dom Filó, este último, um dos organizadores do movimento Black no Brasil. Eles ajudaram a dar corpo a Maria Fumaça, primeiro dos três discos da Black Rio, a obra-prima do jazz instrumental brasileiro e da MPB, uma joia que completa 40 anos de lançamento em 2017.

Como se pode supor, não se está falando de qualquer trem, mas sim um expresso supersônico lotado de musicalidade e animação, que transborda talento do primeiro ao último acorde. Sonoridade Motown com toques de Steely Dan e samba de teleco-teco dos anos 50/60. Tudo isso pode ser imediatamente comprovado ao se escutar a arrasadora faixa-título, certamente uma das melhores aberturas de disco de toda a discografia brasileira. O que inicia com um show de habilidade de toda a banda, num ritmo de sambalanço, logo ganha cara de um baião jazzístico, quando o triângulo dialoga os sopros, cujas frases são magistralmente escritas e executadas. A guitarra de Cláudio faz o riff com ecos que sobrevoam a melodia; Jamil dá aula de condução e improviso no baixo; Cristóvão manda ver no Fender Rhodes; Luis Carlos faz chover na bateria. Quando o samba toma conta, praticamente todos assumem percussões: cuíca, pandeiro e tamborim.

Sem perder o embalo, uma versão originalíssima de “Na Baixa Do Sapateiro”, comandada pelo sax de Oberdan, que atualiza para a soul o teor suingado da melodia, e outra igualmente impecável: “Mr. Funky Samba”. Jamil, autor do tema, está especialmente inspirado, fazendo escalamentos sobre a base funkeada e sambada como bem define o título. Mas não só ele: Luiz Carlos adiciona ritmos da disco ao jazz hard bop, e Cristóvão mais uma vez impressiona por sua versatilidade na base de Fender Rhodes e no solo de piano elétrico. Uma música que jamais data, tamanha sua força e modernidade.

O líder Oberdan assina outras duas composições, a sincopada “Caminho Da Roça” e a carioquíssima “Leblon Via Vaz Lôbo”, em que Cláudio e o próprio improvisam solos da mais alta qualidade. Outros integrantes, no entanto, não ficam para trás nas criações, caso de Cláudio e Cristóvão, que coassinam uma das melhores do disco: “Metalúrgica”. Como o título indica, são os sopros que estão afiados no chorus. O que não quer dizer que os colegas também não brilhem, caso de Luiz Carlos, criando diversas variações rítmicas, Cláudio, distorcendo as cordas, e a levada sempre inventiva de Jamil.

A versatilidade e o conceito moderno da Black Rio revisitam outros mestres da MPB, como Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira (“Baião”), onde o ritmo nordestino ganha tons disco e funk; Edu Lobo (“Casa Forte”), de quem realçam-lhe a força e a expressividade das linhas melódicas; e Braguinha, quando o lendário choro “Urubu Malandro”, de 1913, vira um suingado e vibrante samba de gafieira. Nota-se um cuidado, mesmo com a sonoridade eletrificada, de não perder a essência da canção, o que se vê na manutenção de Cristóvão nos teclados e da adaptação das frases de flauta para uma variação sax/trompete/trombone.

Outra pérola de Jamil desfecha essa impecável obra num tom de soul e jazz cool, que antevê o que se chamaria anos adiante no Brasil de “charme”. Embora a canção seja de autoria do baixista, é o trompete de Barrosinho que arrasa desenhando toda melodia do início ao fim.

Talvez seja certo exagero, uma vez que já se podia referenciar como jazz “brazuca” o som de Hermeto Pascoal, Moacir Santos, Airto Moreira, João Donato, Eumir Deodato, Flora Purim, Dom Um Romão, entre outros – embora, a maioria tenha-o feito e consolidado seus trabalhos fora do Brasil. Com a Black Rio foi diferente. Com todos pés cravados em terra brasilis, foi o misto de contexto histórico, necessidade social, proveito artístico e oportunidade de mercado que a fizeram tornar-se a referência que é ainda hoje. Uma referência do jazz com cheiro, cor e sabor latinos. Mas para além das meras classificações, a Black Rio é o legítimo retrato de uma era em que o Brasil negro e mestiço passou a mostrar a riqueza "do black jovem, do Black Rio, da nova dança no salão".

Banda Black Rio - "Maria Fumaça"


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FAIXAS
1. Maria Fumaça (Luiz Carlos Santos/Oberdan) - 2:22
2. Na Baixa Do Sapateiro (Ary Barroso) - 3:02
3. Mr. Funky Samba (Jamil Joanes) - 3:36
4. Caminho Da Roça (J. Carlos Barroso/Oberdan) - 2:57
5. Metalúrgica (Claudio Stevenson/Cristóvão Bastos) - 2:30
6. Baião (Humberto Teixeira/Luiz Gonzaga) - 3:26
7. Casa Forte (Edu Lobo) - 2:22
8. Leblon Via Vaz Lôbo (Oberdan) - 3:02
9. Urubu Malandro (Louro/João De Barro) - 2:28
10. Junia (Joanes) - 3:39

..................................
OUÇA O DISCO


por Daniel Rodrigues

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

ARQUIVO DE VIAGEM - BENTO GONÇALVES - RS

Bom, conforme prometido, mais algumas fotos e momentos da minha viagem de férias, neste último mês de janeiro pela Serra Gaúcha, com uma passadinha por Porto Alegre. Vou começar pela cidade de Bento Gonçalves, onde, na verdade, acabei passando pouco tempo, um dia apenas, mas que foi suficiente para fazer um programa muito bacana que foi o passeio de Maria Fumaça. A pequena viagem, de mais ou menos 2 horas, que passa por Garibaldi e chega em Carlos Barbosa, cidades vizinhas, é incrementada com números musicais regionalistas e típicos italianos, apresentações teatrais e degustações de vinhos, espumantes e sucos, além de informações diversas passadas pelas simpáticas, atenciosas e competentes guias da empresa responsável pelo passeio.
De quebra, a aquisição do ingresso para o trem dava direito a uma visita à Epopéia Italiana, uma espécie de parque temático, lá mesmo em BG, com cenários, apresentações teatrais, filmes e degustações, que remontam a saga de imigrantes italianos, no fim do século XIX, que fizeram a vida no Rio Grande do Sul.
Como estávamos hospedados em Gramado, além deste dia muito bem aproveitado, acabamos não retornando a Bento Gonçalves, uma vez que o deslocamento de carro de uma cidade para a outra era de algo em torno de duas horas, embora soubéssemos de outras atrações interessantes que a cidade reserva para os turistas. Preferimos desfrutar de outras atrações da Serra mais próximas de onde estávamos e ficamos, então, ali por Gramado, Canela, Nova Petrópolis e arredores.
Bom,... na verdade o fato de ter faltado coisas, de não ter visto e visitado tudo acaba sendo uma boa desculpa para retornar, não?
Quem sabe em breve...

Chegando em Bento
no Pipa Pórtico

Na entrada da Estação do trem

A Maria Fumaça

Olha o trem fazendo a curva

Bento Gonçalves
pela janela

As atrações musicais
durante o passeio

Fachada do Epopéia Italiana
(não era permitido fotografar no interior,
exceto em pontos autorizados)

Um dos locais livres para fotografia,
o trecho final que reproduzia uma
pequena vila italiana

Pertences originais trazidos de uma família italiana
da colonização do Estado

E no final do percurso cênico,
uma polentinha frita preparada na hora


quarta-feira, 22 de maio de 2024

Exposição "“FUNK: Um grito de ousadia e liberdade” - Museu de Arte do Rio (MAR) - Rio de Janeiro/RJ (25/04/2024)

 

Ir ao Museu de Arte do Rio, o MAR, é sempre uma experiência rica e penosa. Rica pelo óbvio: a qualidade das exposições que lá circulam, não raro as mais bem curadas e capitalizadas que passam pelo Rio de Janeiro (esta, por sinal, a cidade de maior concentração de grandes exposições do Brasil junto ou até mais do que São Paulo). Mas também penosa porque, além de extensas (o que, por mais gratificante que seja, é também cansativo), dificilmente se consegue aproveitar tudo que o MAR oferece simultaneamente. No caso, foram seis mostras, das quais pude, na companhia de Leocádia e do amigo Eduardo Almeida, ver com um pouco mais de atenção três delas.

Uma destas, contudo, posso dizer que foi a melhor que presenciei no Rio desta feita: “FUNK: Um grito de ousadia e liberdade”. Um espetáculo. Com curadoria da Equipe MAR junto a Taísa Machado e ninguém menos que o lendário Dom Filó – um dos principais ativistas da causa negra e agitadores culturais do funk dos anos 70, responsável pela descoberta de que ninguém menos que gente como a Banda Black Rio e Carlos Dafé –, a principal mostra do ano do MAR perpassa os contextos do funk carioca através da história. A temática da exposição apresenta e articula a história do funk, para além da sua sonoridade, também evidenciando a matriz cultural urbana, periférica, a sua dimensão coreográfica, as suas comunidades.

Para chegar aos morros e favelas onde o funk carioca se tornou obra e sinônimo e estilo, a mostra traz com muita propriedade toda a construção desdobramentos estéticos, políticos e econômicos ao imaginário que em torno dele foi constituído, recuperando as audições públicas do início do século XX, os clubes para negros dos anos 40/50, os bailes hi-fi dos anos 60, até chegar, aí sim, no fenômeno das festas black dos anos 70. Influenciados pelo movimento Black Power, Panteras Negras, a Blackexplotation e, claro, a música soul norte-americana e outros, a galera tomou conta de ginásios e galpões da Zona Norte e mandou ver no movimento mais libertário e dançante que o Brasil moderno já viu. E tudo isso estava representado na exposição através de fotos, posters, pinturas, capas de disco, e também em som, seja dos hinos funk até o poderoso off do próprio Dom Filó. Ninguém melhor que ele para a tarefa de contar a história daquele momento crucial para a cultura pop no Brasil, o que viria a dar no funk carioca tal qual conhecemos.

Toda a parte que mostra a evolução do funk em terras cariocas é bem interessante, evidenciando as etapas vividas nos anos 90, a entrada no século XXI e o advento/chegada das novas tecnologias no morro. O contraste – inevitável, proposital, ressignificado – entre pobreza e riqueza, periferia e centralidade, comunidade e cosmopolitismo, é de uma riqueza incalculável, muito a se assimilar. Porém, mesmo com bastante material, esta segunda metade da exposição, mesmo sendo o crucial do projeto, não é tão interessante quanto a sua primeira, a que traz a pré-história do funk do Rio. Talvez pelo fascínio que a mim tem a era Black Rio, suas inspirações políticas, comportamentais e culturais que bebem nos Estados Unidos, isso tenha me prendido mais a atenção – embora tenha a sensação de que, documentalmente falando, seja pelos áudios, obras, objetos, músicas, etc., esta parte introdutória pareça mais completa.

Contudo, a principal sensação que se sai é a de que, enfim, chegamos aos espaços de arte. Embora eu não tenha relação e nem pertença ao universo do funk carioca (embora o seja contemporâneo, mesmo que de longe), a exposição fez-me aludir aos versos de Cartola em sua música "Tempos Idos", quando ele via seu samba assumindo a nobreza que lhe é merecida: "O nosso samba, humilde samba/ Foi de conquistas em conquistas/ Conseguiu penetrar no Municipal". Aqui, é a cultura pop na melhor acepção da palavra que adentrou os salões nobres das Belas Artes, o que suscita um sentimento de pertencimento. Ver meus ídolos da música pop negra brasileira - Black Rio, Dafé, Gerson King ComboTim Maia, Cassiano, Toni Tornado, Sandra Sá, Dom Salvador - e internacional - James Brown, Isaac Hayes, Parliament/Funladelic, Chic, Curtis Mayfield, Marvin Gaye -  estampados, um mais bonito que outro, redimensionando suas belezas estéticas e simbólicas, é algo que realmente preenche o coração.

Todos os desdobramentos artísticos explícitos e implícitos são, no mínimo, admiráveis, se não objeto de muita apreciação e análise, como a hipnotizante dança do passinho, as pichações, a estética das armas, a sensualidade, a pele preta à mostra, a luz tropical, os cortes de cabelo. Na música, a constatação de que o funk carioca, original, é muito mais advindo dos ritmos africanos (inclusive do Nordeste da África, na Península Arábica) do que somente do funk importado dos states. Tem mais macumba do que enlatado.

Independentemente, vale a pena demais a visita ao MAR, nem que seja para ver apenas esta exposição. Mas se for, aviso: vá com tempo. 

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Já na entrada, o maravilhoso corredor com as pichações iluminadas


Recepção ao som de pukadão


King Combo: mandamentos black, brother


Edu "tatuado" pela projeção de uma das obras de Gê Viana
da série "Atualizações Traumáticas de Debret"


A pré-história do funk: Pixinguinha puxa Ângela Maria (esq.) pra dança e Jackson do Pandeiro
punha be-bop no samba, tropicalizando a globalização - e não o contrário


As desbotadas cores dos antigos bailes hi-fi revistas por Gê Viana


O artista Blecaute também reconta os apagados eventos sociais negros do passado em novas cores


Mais de Gê Viana em sua série em que recria Debret: genial quebra do tempo
simbólico e cronológico 



Outra arte imponente, esta de Maria de Lurdes Santiago


Anos 60/70: as referências de fora chegaram. Nunca mais o mundo foi o mesmo


Reprodução de cartazes dos Black Panthers:
a coisa ficou séria agora


Eis que chega a Black Rio, potente como uma Maria Fumaça


Dom Filó e sua turma da Soul Grand Prix, promotores das festas black da Zona Norte


Os pisantes, indispensáveis nos clubes soul
em arte de André Vargas



Tão indispensáveis quanto, as potentes 
aparelhagens de som


James Brown, uma das referências máximas da galera, em fotos no Brasil


Os "times" liderados pelos grandes nomes da soul brasileira 



Lindas fotos, maioria P&B, dos tempos dos bailes funk nas noites da Zona Norte carioca e seus sagrados palcos


Encerrando a primeira parte da exposição, obras da genial gaúcha (e preta) Maria Lídia Magliani


Mais Magliani


Os corpos femininos sempre tão explorados... prenúncios de dança da bundinha


Já nos anos 90, a beleza dos passinhos se mistura
à fúria violenta dos excluídos

Esta cocota que vos escreve rebolando até o chão


Corpos negros femininos quebrando padrões de beleza e gênero


Presença LGBTQIAP+ nas comunidades, outra força simbólica na cosmologia do funk


Pop art gay no morro: "Só tem no Brasil"



Sem concessões, a exposição mostra também mazelas como as drogas


E esta incrível pintura, que mais parece serigrafia? 


Funk também é afrofuturismo


Pra finalizar a exposição, uma frase cheia de sarcasmo
que contraria os detratores




texto: Daniel Rodrigues
fotos e vídeos: Daniel Rodrigues, Leocádia Costa e Eduardo Almeida



terça-feira, 22 de abril de 2014

Os 15 Melhores Discos Brasileiros de Música Instrumental

Hermeto Paschoal, presente em 3 discos da lista,
"Em Som Maior", "tide" e o seu, "Hermeto".
Nessas brincadeiras diletantes de criar listas sobre os mais diferentes temas musicais nas redes sociais (10 melhores show assistido no Teatro da Ospa, 10 melhores discos de jazz da ECM, 10 melhores músicas contra a ditadura militar, 10 músicas chatas do Chico Buarque, 10 melhores discos de soul music, e por aí vai) fui instigado a montar uma que, num primeiro momento, titubeei. “Será que eu saberia compor uma com esse tema?”, pensei. Tratava-se do “Melhor Disco Instrumental de Música Brasileira”. Mesmo com meu conhecimento musical, que não é pouco, teria eu embasamento suficiente para criar uma lista interessante e, além disso, suficientemente informada a esse respeito? Pois, para minha própria surpresa, a lista saiu, e bem simpática, diga-se de passagem. Além de não se prender a um estilo musical específico (o que se chamaria burramente de “música instrumental brasileira” pura), típico de minha forma de enxergar a música e a arte, acredito que minha listagem não ficou pra trás em comparação a de outros que se empolgaram e publicaram as suas também.
Claro que tem muita coisa que não consta na minha lista que vi na de outros, pois certamente ainda tem muito o que se conhecer dentro do mar de maravilhas sonoras que existe. Raul de Souza, Barrosinho, Os Cobras, Victor Assis Brasil, Djalma Correa e Edison Machado, por exemplo, nem cito, pois não tive o prazer ainda de conhecer seus trabalhos a fundo ou ponto de saber selecionar-lhes um disco representativo. Mas acho que, afora o gostoso dessa prática quase infantil de elencar preferências, tais lacunas são justamente o papel dessas listas: abrir novos paradigmas para que novas revelações se deem e se passe a conhecer aquele artista ou banda que, quando se ouve pela primeira vez, se pensa com surpresa e excitação: “Cara, como que eu nunca tinha ouvido isso?!” Se algum dos títulos que enumero causar essa sensação nos leitores, já cumpri meu papel.

Aí vão, então os meus 15 discos preferidos da música brasileira instrumental, mais ou menos em ordem:


1 – “Maria Fumaça”, da Banda Black Rio (1977)


2 – “Coisas“, do Moacir Santos (1965)
3 – “A Bed Donato”, do João Donato (1970)
4 – “Wave”, do Tom Jobim (1967)
5 – “Em Som Maior”, da Sambrasa Trio (1965)


6 – “Revivendo”, do Pixinguinha e os Oito Batutas (1919-1923 – coletânea de 1895)
7 – “O Som”, da Meirelles e os Copa 5 (1964)
8 – “Donato/Deodato”, do João Donato e Eumir Deodato (1973)
9 – “Sanfona”, do Egberto Gismonti (1981)
10 – “Light as a Feather”, da Azymuth (1979)
11 – “Jogos de Dança”, do Edu Lobo (1982)
12 – “Opus 3 No. 1”, do Moacir Santos (1968)
14 – “Tide”, do Tom Jobim (1970)


15 – “Hermeto”, de Hermeto Paschoal (1971)






sábado, 14 de março de 2015

Aquisições soteropolitanas

No início deste ano, numa das vezes que fui à Bahia a trabalho, peguei um táxi do aeroporto de Salvador com destino a Feira de Santana com um taxista incomum. Um senhor de uns 50 anos, Sr. Gelson, que adorava e conhecia muito bem música africana (e de vários países: Angola, Congo, Mali, Nigéria, entre outros). Papo vai, papo vem e, além de aprender com ele, fiquei sabendo que em Salvador havia lojas de música que o supriam de parte deste exótico material fonográfico. Guardei a informação para quando retornasse à capital baiana.

Pois, desta vez viajando a passeio por Salvador, descobri uma cidade que respira música – o que, vocês devem imaginar, gerou uma forte identificação a alguém que, como eu, anda ininterruptamente com várias músicas na cabeça durante o dia. E não demorou muito para que o cheiro de loja de discos me atraísse. Em plana Praça da Sé, centrão da cidade, está lá a Planet Music, comandada pelo diletante Ademar, sujeito boa-praça que não poupava em deslacrar qualquer CD e colocá-lo para o cliente escutar, mesmo que fosse pra passar rapidamente cada faixa (atitude quase inimaginável no comércio de Porto Alegre). Pois, seguindo o bom gosto do dono, a Planet Music é rica em títulos e muito bem selecionada, além de os preços serem bem aceitáveis.

Entrei, percorri algumas fileiras enquanto tocava (alto) um axé-music qualquer, corriqueiro por lá. Leocádia entrou em seguida. Até que Ademar, de dedo nervoso, para a música pela metade e troca por nada menos que “Saci Pererê”, da Black Rio. Conquistou-me de vez. Levei junto com esses outros CD’s que aqui comento:





Saci Pererê” – Banda Black Rio (1980): Clássico segundo álbum deste que é dos meus grupos brasileiros preferidos. Além da gostosa faixa-título, presente de Gilberto Gil, tem Aldir e João Bosco (“Profissionalismo É Isso Aí”), Zé Rodrix (“Amor Natural”) e composições dos integrantes da banda. Nem a ausência de Cristovão Bastos nos teclados fez Oberdan e Cia. baixarem a qualidade, que, depois do célebre instrumental "Maria Fumaça", se aventuram nos vocais e mandam muito bem.








Marinheiro Só” – Clementina de Jesus (1973): Produzido por Caetano Veloso e Milton Miranda, é talvez o mais bem acabado trabalho desta negra que alçou ao mundo da música já idosa por providencia de Hermínio Bello de Carvalho, que a descobriu cantando num bar. Toda a ancestralidade antropológica africana pode ser sentida em sambas (“Essa nêga pede mais”, “Madrugada”), maxixes (“Marinheiro Só”) e cantos religiosos (“Taratá”, “5 Cantos Religiosos”).







Nada Como um Dia Após o Outro Dia” – Racionais MC’s (2002): O sucessor de “Sobrevivendo no Inferno” é um disco longo demais (pecado dos duplos), por isso é irregular. Mas inquestionavelmente a banda avançou em estilo e discurso, o que faz com que seus dois volumes, “Chora Agora” e “Ri Depois”, tragam verdadeiras joias do rap e da música nacional no início dos 2000. Espetaculares “Vida Loka” 1 e 2, “Jesus Chorou” e “Vivão e vivendo”. Figura entre os 100 maiores discos da música brasileira da história segundo a Rolling Stone.








Negro é Lindo” – Jorge Ben (1971): Embora o Babulina tenha outros VÁRIOS discos preferidos da discoteca, pois produziu absurdamente bem principalmente do final dos anos 60 até meados de 70, este não fica pra trás, até porque a “cozinha” é do espetacular Trio Mocotó. Traz a poética e sensível "Porque é proibido pisar na grama", a bela canção-homenagem “Cassius Marcellus Clay”, parceria com Toquinho, e aqueles sambas-rock sempre inspirados (“Cigana”, “Comanche” e “Zula”) como só Ben sabe fazer.








Força Bruta” – Jorge Ben (1970): Também com o Trio Mocotó, é o mais experimental trabalho de Ben. Ele, Parahyba, Nereu e Fritz estão soltos e se divertindo ao executar os temas ao vivo no estúdio. Não é dos meus preferidos, até porque Ben tem muito mais discos maravilhosos, mas só por “O telefone tocou novamente” (meu toque de celular!), “Charles Jr.” e “Mulher brasileira” já valia. Ainda por cima, inicia arrasando com “Oba, lá Vem Ela", daqueles começos de disco empolgantes.








O q Faço é Música” – Jards Macalé (1998): Se Cristovão Bastos não estava mais com a Black Rio, aqui seu papel é fundamental. Talvez o grande disco de Macalé – ao menos, o seu mais maduro –, "O Q Faço é Música" já mereceu ÁLBUNS FUNDAMENTAIS aqui do Clyblog, feita por Cly Reis. Eu, que gosto um monte também, não me contive e comentei no próprio blog, que está logo abaixo da resenha.












quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Milton Nascimento - "Geraes" (1976)

 

"Esses gerais são sem tamanho."
Guimarães Rosa, "Grande Sertão: Veredas"

"Sou o mundo, sou Minas Gerais."
Da letra de "Para Lennon e McCartney", de Lô Borges, Marcio Borges e Fernando Brant


Tom Jobim e o desenho sinuoso e sensual da Rio de Janeiro. 

Dorival Caymmi e a Bahia dos pescadores e santos do candomblé. 

Moondog e as pradarias inóspitas do Wyoming. 

Robert Johnson e as infinitas plantações de algodão do Mississipi. 

Violeta Parra e a imensidão das cordilheiras andinas. 

É sublime quando um músico consegue atingir tamanha simbiose entre ele e seu espaço, a ponto de passar a representar, através de sua arte, uma paisagem física. É como se ele fosse, por intermédio dos sons, não originário deste lugar, mas, sim, o próprio lugar.

Milton Nascimento é um destes seres que, como o próprio nome indica, nasce e gera a própria terra, Minas Gerais. O homem que integra a seu próprio nome um estado inteiro, o seu mundo. E não digam que Mi(lton) Nas(cimento) é mera coincidência linguística! Mais correto é afirmar que os Deuses - os do candomblé, da Igreja, muçulmanos, indígenas, todos aqueles que perfazem a cultura mineira - assim quiseram a este carioca desgarrado abraçado como um filho pelos morros de cor ferrosa das Gerais, os quais, junto à lúdica maria fumaça, ele mesmo representa na icônica capa em desenho a próprio punho. Como um ser pertencente àquela terra a qual se homogeiniza. 

Em meados dos anos 70, Milton já havia percorrido muita estrada de terra na boleia de um caminhão. Na faixa dos 35 anos, pai, casado, consagrado no Brasil e no exterior, idolatrado e gravado por Elis Regina, mentor do movimento musical mais cult da modernidade brasileira, autor de algumas das obras mais icônicas do cancioneiro MPB. O reconhecido talento como compositor, cantor, arranjador e agente catalisador misturava-se, agora, com a sabedoria da maturidade - como se ainda coubesse mais sabedoria a este ser nascido gênio. Quase que naturalmente a quem já havia ganhado o centro do País e desbravado o principal mercado fonográfico do mundo, o norte-americano, Milton, então, volta-se à sua própria essência: a terra que lhe é e a qual pertence. 

Mas Milton, carinhosamente chamado de Bituca por quem o ama, não faz isso sozinho, visto que convoca seu talentoso Clube da Esquina, reforçando o time de amigos, inclusive. Se "Minas", a primeira parte deste duo de álbuns gêmeos, explora a grandiosidade das geraes Guimarães Rosa de Drummond, seja em sons e letras, "Geraes" solidifica essa ideia quase que como um milagre: um homem torna-se seu próprio som. Ou melhor: transforma-se em montanha para, do alto de topografia, emitir a sonoridade da natureza. Samba, rock, soul, folk, jazz, toada, sertanejo, candombe, trova, oratório... world music, não só por acepção, mas por intuição, é o termo mais adequado para classificar.

A ligação entre uma palavra e outra, entre um título e outro, entre um disco e outro, se dá pelo mesmo acorde que desfecha “Simples”, última faixa de "Minas", e abre, em ritmo de toada mineira, a linda "Fazenda" (“Água de beber/ Bica no quintal/ Sede de viver tudo/ E o esquecer/ Era tão normal que o tempo parava"). A religiosidade católica do povo, traço cabal da cultura mineira, transborda tanto em "Cálix Bento", com a marca do violão universal de Milton e o emocionante arranjo de Tavinho Moura sobre tema da Folia de Reis do norte de Minas, quanto em "Lua Girou", outro tema do folclore popular – este da região de Beira-Rio, na Bahia – vertida para o repertório pela habilidosa mão do próprio Bituca. 

O lado político, claro, está presente. Milton, consciente da situação do País e jamais acovardado, não havia esquecido das recentes retaliações da censura que quase prejudicaram seu "Milagre dos Peixes", de 3 anos antes, um verdadeiro milagre de ter sido gestado com tamanha qualidade. O parceiro e produtor Ronaldo Bastos, além da concepção da capa, é quem pega junto em "O Menino", escrita anos antes pelos dois em homenagem ao estudante Edson Luís, assassinado em 1968 em um confronto com a polícia no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, episódio que uniu a sociedade em protestos que culminaram com a famosa Passeata dos Cem Mil contra a Ditadura Militar. E que luxo a banda que o acompanha: João Donato (órgão), Nelson Angelo (guitarra), Toninho Horta (guitarra), Novelli (baixo), e Robertinho Silva (bateria). Com a mira militares a outros artistas naquele momento, como Chico Buarque, Milton pode, enfim, lançar a música e não se calar diante da barbárie. 

Quem também garante o grito de resistência é um recente e igualmente genial amigo, com quem tanto e tão bem Milton produziria a partir de então. Justamente o então visado Chico Buarque. É com ele que Milton canta a canção-tema do filme "Dona Flor e Seus Dois Maridos", de Bruno Barreto, um sucesso de bilheteria no Brasil à época, "O que Será (À Flor da Pele)". Fortemente política, a letra, cantada com melancolia e até tristeza, reflete os tempos de iniquidade humana: "O que será que será/ Que dá dentro da gente que não devia/ Que desacata a gente, que é revelia/ Que é feito uma aguardente que não sacia/ Que é feito estar doente duma folia/ Que nem dez mandamentos vão conciliar/ Nem todos os unguentos vão aliviar/ Nem todos os quebrantos, toda alquimia/ Que nem todos os santos, será que será...". Gêmea de "O que Será (À Flor da Terra)", Milton retribui o convite e divide com Chico os microfones desta última no álbum dele naquele mesmo ano, o não coincidentemente intitulado “Meus Caros Amigos”


Milton e Chico: encontro mágico promovido à época
de "Geraes" e que deu maravilha à música brasileira

A maturidade filosófico-artística de Milton era tão grande, que as dimensões do que é grande ou pequeno, do que é parte ou geral, se reconfiguram numa consciência elevada de humanidade. A ligação universal de Milton com sua terra passa a significar o ligar-se a América Latina. Afinal, sua Minas é, como toda a latinoamérica, dos povos originários. “San Vicente” e "Dos Cruces", de "Clube da Esquina”, já traziam essa semente que “Geraes”, mais do que “Minas”, solidificaria, que é essa visão ampla do território, dos povos. Primeiro, na realização do sonho de cantar Violeta Parra com Mercedes Sosa. Apresentada a Milton por Vinícius de Moraes, La Negra divide com Milton os microfones da clássica “Volver a los 17”. Igualmente, vê-se o encontro dos rios do Prata e São Francisco, que não poderiam deixar de fazer brotar aquilo que os perfaz e lhes dá sentido: água. É com o conjunto de jovens chilenos deste nome, amigos recém conhecidos, que Milton instaura de vez, na acachapante “Caldera”, a alma castelhana dos hermanos na música popular brasileira – convenhamos, muito mais do que os músicos da MPG, cuja proximidade regional do Rio Grande do Sul propiciaria tal fusão mais naturalmente. É o canto dos Andes – mas também de Minas – sem filtro. 

As amizades, aliás, estão presentes em todos os momentos, e o território de Milton é como uma grande aldeia onde ele, consciente de seu papel de pajé, mantém a egrégora sob a força do amor. Fernando Brant, parceiro desde os primeiros tempos, coassina aquela que talvez seja a música mais sintética de todo o disco: “Promessas De Sol”. A sonoridade latina das flautas andinas, a percussão marcada pelo tambor leguero, o violão sincrético de Milton e os coros constantes e tensos dão à canção a atmosfera perfeita para um os mais fortes discursos políticos que a Ditadura presenciou em música. “Você me quer belo/ E eu não sou belo mais/ Me levaram tudo que um homem precisa ter”. Épica, como uma ópera guarani, a melodia vai escalando de um tom baixo para, ao final, se encerrar com intensos vocais de Milton bradando, denunciativo: “Que tragédia é essa que cai sobre todos nós?” 

Parece que não cabe mais emoção num álbum como este. Mas cabe. A brejeira “Carro De Boi”, de Cacaso e Maurício Tapajós (“Que vontade eu tenho de sair/ Num carro de boi ir por aí/ Estrada de terra que/ Só me leva, só me leva/ Nunca mais me traz”) casa-se com a inicial “Fazenda” seja na ludicidade ou na sonoridade ao estilo de cantiga sertaneja. Mas tem também a jazzística e comovente “Viver de Amor”, em que novamente Ronaldo, desta vez em parceria com o excepcional Toninho Horta, compõem para a voz cristalina de Milton uma das canções românticas mais marcantes de toda a discografia brasileira. Ronaldo, múltiplo, também tira da cartola mais uma vez com Milton outra joia do disco, que é o samba-jongo “Circo Marimbondo”. Assim como Milton, de ouvido tão absoluto quanto sensível, fizera ao contar com a voz de Alaíde Costa para cantar com ele "Me Deixa em Paz" em “Clube da Esquina”, aqui ele vai na fonte mais inequívoca para este tipo de proposta musical que une África e Brasil: Clementina de Jesus. Na percussão, além de Robertinho no tamborim e surdo, também outros craques da “cozinha”: Chico Batera, no agogô; Mestre Marçal, cuíca; Elizeu e Lima, repique; e Georgiana de Moraes, afochê. E que delícia ouvir o canto anasalado e potente da deusa Quelé acompanhada pelo coro de Tavinho, Miúcha, Chico, Georgiana, Cafi, Fernando, Bebel, Ronaldo, Bituca, Vitória, Toninho e toda a patota! 

Para encerrar? A música que conjuga o primeiro e o segundo disco, o corpo e o espírito: “Minas Geraes”. O violão carregado de traços étnico-culturais de Milton, sua voz que escapa do peito emoldurando-se ao vento, a docilidade das madeiras, a singeleza do toque do bandolim. Clementina, em melismas, embeleza ainda mais a canção, lindamente orquestrada por Francis Hime – outro novo amigo cooptado por Milton da turma de Chico. Tudo converge para um final emocionante, que, como os próprios versos dizem, saem do “coração aberto em vento”: “Por toda a eternidade/ Com o coração doendo/ De tanta felicidade/ Todas as canções inutilmente/ Todas as canções eternamente/ Jogos de criar sorte e azar”. 

Ouvindo-se “Minas” e “Gerais”, duas obras não somente maduras como altamente densas, simbólicas e encarnadas, é impossível não ser fisgado pelo mistério da música de Milton Nascimento. Encantamento que remete ao mistério da criação, o mistério da vida. Wayne Shorter, parceiro de Milton e mutuamente admirador, quando perguntado sobre esta esfinge que é a obra do amigo, diz: “Bem, ouça você mesmo, pois não há palavras para descrever. Apenas sinta”. Milton, que completa 80 anos de vida sobre o mundo, o seu mundo, é tudo isso: uma força da natureza. Ele é mais do que música: é som em estado puro. É mais que tempo: é a harmonia do espaço. 

Milton é mais do que homem: é pedra. Eterna.

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É impressionante perceber hoje, em retrospectiva, que o encontro de dois gênios da música brasileira se deu exatamente na época deste trabalho. Depois de aberta a porteira da fazenda de Milton para Chico, só vieram coisas lindas. Além de parcerias nos anos subsequentes - inclusive no célebre "Clube da Esquina 2", de 1978 - naquele mesmo ano de 1976 os dois se reuniriam para gravar o compacto "Milton & Chico", lançado oficialmente um ano depois. Incluído em "Geraes" na versão para CD, esta gravação clássica dos dois traz duas faixas: a melancólica "Primeiro de Maio", que denuncia a vida oprimida do trabalhador brasileiro no feriado dedicado a ele, e "O Cio da Terra", também combativa e ligada ao trabalhador, mas do campo, que se tornaria uma das canções emblemáticas do repertório tanto de Chico quanto de Milton.

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FAIXAS:
1. "Fazenda" (Nelson Angelo) - 2:40
2. "Calix Bento"(Folclore popular - Adap.: Tavinho Moura) - 3:30
3. "Volver a los 17" - com Mercedes Sosa (Violeta Parra) - 5:10
4. "Menino" (Milton Nascimento/ Ronaldo Bastos) - 2:47
5. "O Que Será (À Flor da Pele)" - com Chico Buarque (Chico Buarque) - 4:10
6. "Carro de Boi" (Maurício Tapajós/ Cacaso) - 3:40
7. "Caldera (instrumental)" - com Grupo Agua (Nelson Araya) - 4:25
8. "Promessas do Sol" - com Grupo Agua (Milton Nascimento/ Fernando Brant) - 5:00
9. "Viver de Amor" (Toninho Horta/ Ronaldo Bastos) - 2:34
10. "A Lua Girou" (Milton Nascimento) - 3:42
11. "Circo Marimbondo" - com Clementina de Jesus (Milton Nascimento/ Ronaldo Bastos) - 2:55
12. "Minas Geraes" com Grupo Agua e Clementina de Jesus (Novelli/ Ronaldo Bastos) - 5:13

Faixas bônus da versão em CD:
13. "Primeiro De Maio" - com Chico Buarque (Milton Nascimento/ Chico Buarque) - 4:46
14. "O Cio Da Terra" - com Chico Buarque (Milton Nascimento/ Chico Buarque) - 3:48


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OUÇA O DISCO
Milton Nascimento - "Geraes" 


Daniel Rodrigues