Curta no Facebook

Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta oscar. Ordenar por data Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta oscar. Ordenar por data Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Aqueles 10 filmes argentinos imperdíveis

 

Darín, o grande astro do cinema argentino
contemporâneo e presente em várias obras
Este post vem cumprir uma promessa feita há alguns anos. Conversávamos eu e dois colegas de trabalho durante o almoço e, papo vai, papo vem, lá pelas tantas o assunto caiu – como não é incomum de acontecer comigo e amigos meus – em cinema. O tema: cinema argentino contemporâneo. Compartilhamos ali do mesmo gosto pelo cinema realizado pelos hermanos e começamos a falar sobre nossas preferências dentro desta cinematografia. Foi então que, percebendo-se que alguns dos títulos dos quais eu comentava ambos não tinham visto ainda, eles ficaram curiosos para conhecer e tratamos de que eu fizesse uma lista com os meus filmes argentinos preferidos.

A lista, como se vê, não saiu em seguida. Voltamos do almoço para nossos postos e as obrigações nos fizeram esquecer de qualquer ludicidade. Mas os anos se passaram e o cinema da Argentina segue muy bien, gracias. Vários filmes foram produzidos neste meio tempo, inclusive dignos de comporem uma lista como esta além dos que já haviam sido realizados até então quando daquela nossa conversa. A bem da verdade, desde o brilhante “A História Oficial”, o primeiro Oscar de Melhor Filme para um argentino, em 1985, isso já se anunciava. A meu ver, no entanto, não foi com o hoje cult “Nove Rainhas”, de 2000, o start, pois o ainda considero imaturo e artificial. Porém, o filme, mesmo com suas inconsistências, já era o sinal que o curso do Rio do Prata havia sido achado. A partir dali, só foi “golazo”.

O contundente "A História Oficial":
1º Oscar da Argentina
Pois a indicação ao Oscar de Melhor Filme Internacional de “Argentina, 1985”, certamente um dos novos entrantes deste rol, fez-me resgatar a ideia agora atualizada. Esta amostragem aqui, então, vem resgatar – mesmo com este atraso do tamanho do Obelisco – a tal promessa. As 10 indicações servem tanto para estes meus amigos (espero que esta postagem chegue a eles) como qualquer um que também admire o melhor cinema feito na América Latina nos últimos 30 anos. Sim, porque a Argentina certamente passou o Brasil neste quesito, o que se reflete inclusive nas conquistas e na simples comparação entre um cinema e outro durante este tempo. (e olha que o cinema brasileiro se tornou bastante pujante nas últimas duas décadas!)

Mas não tem comparação: é na terra de Gardel que se atingiu um nível muitas vezes de excelência (e de exigência) técnica que contamina uma grande parte da produção cinematográfica do país. Seja nos roteiros bem escritos, seja na técnica de nível “primeiro mundo”, seja na habilidade cênica, seja no carisma e competência de símbolos desse cinema, como o principal deles: Ricardo Darín. Mas não somente ele: Oscar Martínez, Martina Gusmán, Dario Grandinetti, Leonardo Sbaraglia, María Onetto e outros que brilham nas telas. Tudo está a serviço de um cinema eficiente, que sabe contar bem (e com criatividade) uma história. Um cinema que achou o tão almejado equilíbrio entre arte e entretenimento.

E como se trata de uma produção vultosa (inclusive aqueles que eu nem assisti), teve, claro, o que ficou de fora. Mas se quiserem incluir “Leonera” (Pablo Trapero, 2008), “A Odisseia dos Tontos” (Sebastián Borensztein e Eduardo Sacheri, 2019), “Koblic” (Borensztein, 2016), “Elefante Branco” (Trapero, 2012) e “Neve Negra” (Martín Hodara, 2017), sintam-se perfeitamente à vontade, que também merecem toda audiência.

***********

“O Segredo de Seus Olhos”, Juan José Campanella (2009)

Não se poderia falar em lista de melhores filmes argentinos sem incluir “O Segredo...”. Afinal, não se trata apenas de um dos melhores da história de seu país, mas, tranquilamente, da década de 2000 em todo o mundo, no mesmo patamar de "Match Point", "Cidade dos Sonhos", "Elefante" e "Onde os Fracos não Tem Vez". Muito teria para se falar do filme de Campanella: a atuação sublime de Ricardo Darín, o hipnotismo que a musa Soledad Villamil causa no espectador, do merecido Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, do impressionante plano-sequência do jogo de futebol, enfim. Mas o que pauta esta grande obra é, definitivamente, sua trama, tão envolvente quanto literária, visto que extraída com maestria por Campanella do livro de Eduardo Sacheri (que, aliás, colabora com o roteiro). Thriller, romance, comédia, policial, aventura, drama. Um pouco de tudo e tudo muito bem amarrado. (Amazon Prime)


“Abutres”, Pablo Trapero (2010)

Aqui, duas recorrências próprias do atual cinema da Argentina. A primeira delas, obviamente, é Ricardo Darín, que estrela vários filmes dessa lista e muitos outros dignos de estarem aqui mencionados também. A outra repetição é Trapero, o mais talentoso cineasta de sua geração na Argentina. Em ”Abutres”, ambos dão um show. Numa trama que, como é de costume aos argentinos, envolve drama, denúncia e história de amor, o filme trata de um advogado especializado em acidentes rodoviários, que descobre um esquema de corrupção e desvio de dinheiro às custas do sofrimento de pessoas simples. A cena final, sem dar spoiler, além de um surpreendente desfecho da história, tem o recurso de plano-sequência característico aos encerramentos dos filmes de Trapero. (Star Plus)


“Medianeiras – Buenos Aires na Era do Amor Virtual”, Gustavo Taretto (2011)

Comédia romântica, mas não como os enlatados de Hollywood, e sim com um olhar muito próprio da vida contemporânea na era que tudo impele a ser digital – inclusive as relações amorosas. Ganhador de melhor direção e melhor longa estrangeiro no Festival de Gramado, “Medianeiras” narra os encontros e desencontros de Martín e Mariana, os protagonistas-símbolo de uma geração emparedada pelas linhas simétricas das metrópoles. Solidão, neuroses, traumas, aflições, desilusões. Tudo sob o olhar da selva de concreto chamada Buenos Aires, que se revela como uma personagem onipresente. Para quem ama comédias românticas inteligentes como “Encontros e Desencontros”, “Bar Esperança”, e “(500) Dias com Ela”, pode por pra rodar “Medianeiras”, que o longa de Taretto é deste naipe. 


“O Clã”, Pablo Trapero (2015)

Trapero de novo. E aqui impecável. A assustadora história da família acima de qualquer suspeita, os Puccio, que sequestra pessoas ricas, cobra o resgate e assassina as vítimas assim que coloca a mão no dinheiro, guarda o aspecto de crítica político-social própria do cinema argentino. Baseado num caso real, mais do que apenas evidenciar fragilidades de seu país, “O Clã” revela perversidades obscuras sorrateiramente entranhadas na sociedade platina. Afinal, como duvidar que tamanha maldade aconteça numa sociedade que, em parte, acolheu uma das ditaduras mais sangrentas da América Latina? Memoráveis as cenas em que "Afternoon Tea", da Kinks, rola enquanto o circo de horrores acontece e, como de praxe quando se trata deste cineasta, o plano-sequência. Vencedor do Urso de Prata de Melhor Diretor em Veneza, Trapero faz seu melhor filme - e isso significa bastante considerando sua filmografia quase irretocável. (Star Plus)


“Relatos Selvagens”, Damián Szifron (2014)

A tradição dos filmes de episódios dos europeus e mesmo do Brasil nos anos 60 e 70 é inteligentemente recuperado, claro, pelos argentinos. E que filme! Potente, ferino, mordaz, grotesco. "Relatos Selvagens" reúne seis histórias distintas, que se complementam entre si por um fio condutor subjetivo mas evidente: o conflito entre barbárie e civilização. E pior: a primeira, fatalmente, sempre vence de algum jeito, seja nas vias de fato após, seja com uma bomba que exploda tudo. Darín, igualmente, não poderia estar de fora, estrelando o episódio em que um engenheiro de minas que se revolta contra o sistema e resolve se vingar com aquilo que ele melhor sabe fazer: explodir bombas. Embora não tenha levado, foi selecionado para os dois maiores prêmios do cinema mundial: a Palma de Ouro de Cannes e o Oscar de melhor filme estrangeiro. (HBO Max e Amazon Prime)


"O Pântano”, Lucrécia Martel (2001)

Além do já mencionado Trapero, o cinema argentino conta com vários outros cineastas talentosos. Porém, nenhum deles possui um estilo tão pessoal como Lucrécia Martel. Dona de um cinema de linhagem moderna carregado e perspicaz, ela vale-se da dificultação do olhar e da fragmentação narrativa para expressar sentimentos e angústias da sociedade contemporânea, adentrando nas profundezas de seus personagens. Texturas, sensorialidades e densidade se homogeizam para expor tensões interpessoais, que se encaminham fatalmente para o pior. Uma reflexão visceral sobre classe, natureza, sexualidade e política, e uma das mais aclamadas estreias de realização contemporâneas. Prémio para Melhor Primeira Obra no Festival de Cinema de Berlim.


“Um Conto Chinês”, Sebastián Borensztein (2011)

O típico filme do novo cinema da Argentina: comédia dramática, com roteiro envolvente, referência a traumas nacionais (Guerra das Malvinas), um toque de romance e, claro, a estrela de Ricardo Darín. A trama é relativamente simples, mas convidativa: o ranzinza Roberto (Darín) trabalha numa loja de ferragens e vive de maneira metódica, mas sua rotina muda quando um chinês que não fala uma palavra de espanhol aparece em seu caminho, e ele decide ajudar o adorável forasteiro. Longe de se resumir a uma fórmula como no tradicional cinema comercial, “Um Conto...” faz uso desses elementos narrativos para compor um filme divertido e delicioso de se assistir, sem deixar de propor reflexão. Diversão com cérebro. Prêmio Goya de Melhor Filme Ibero-Americano. (Star Plus)


“Vermelho Sol”, Benjamín Naishtat (2019)

Esqueça o formato "diversão inteligente" de “Relatos...”, o toque romântico de “O Silêncio...” a comicidade de “Um Conto...”. “Vermelho Sol” é pura tensão e embrulho no estômago. Contando a história de um advogado arrogante, que vê sua vida perfeita desmoronar quando um detetive particular chega na sua pacata cidade para investigar um desaparecimento, o longa de Naishtat se assemelha a filmes marcantes do cinema que souberam narrar, com acuidade, o "começo do fim", como “A Fita Branca”, de Michael Haneke, para com a Primeira Guerra, ou “O Ovo da Serpente”, de Ingmar Bergman, que previa o que levou ao Holocausto. Duro, forte e absolutamente real. Afinal, por trás dos segredos dos personagens de “Vermelho...” havia uma ditadura militar se anunciando. Premiado em diversos festivais, como Toronto, Havana, San Sebastian, Rio de Janeiro e Recife.


“Nascido e Criado”, Pablo Trapero (2006)

Antes de “Leonera”, de “Abutres” e de “O Clã”, Trapero realizou está pequena obra-prima tocante e profunda sobre os limites da existência, confrontando o inato e a superfície, a natureza e a convenção social. Conta a história da família de Santiago, um jovem dedicado à decoração e à restauração de antigos objetos, que vive um repentino acidente na estrada, o qual desencadeia uma tragédia familiar e um violento giro em sua vida. Numa paisagem gelada do extremo-sul argentino, Santiago, irreconhecível, reaparece empregado num aeroporto perdido no fim de mundo. O cineasta volta sua lente para dois interiores: o humano e o das paisagens rústicas do pampa, para onde o personagem principal se refugia de si próprio. Na mesma medida, Trapero, dado a este olhar penetrante, atinge outro interior: o do espectador. (Prime Vídeo)


“Argentina, 1985”, Santiago Mitre (2022)

Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro (não levou o Oscar por pouco, pois merecia muito mais do que o badalado “Sem Novidades no Front”), "Argentina, 1985" narra a história verídica dos promotores públicos Julio Strassera e Luis Moreno Ocampo, que ousaram investigar e processar a ditadura militar mais sangrenta da Argentina. Sob forte pressão política, pública e militar, a dupla, amparada por uma jovem equipe de universitários engajados, encabeçou uma longa pesquisa antes de começar a julgar os cabeças do regime argentino naquele que é conhecido como Julgamento das Juntas. Não apenas Darín, que faz Strassera, mas Juan Pedro Lanzani, no papel de Ocampo, estão fenomenais. Igualmente, magnífica a cena da leitura da acusação no tribunal, um dos textos mais pungentes que o cinema latino-americano já viu. (Prime Video)




Daniel Rodrigues

segunda-feira, 11 de março de 2024

Oscar 2024 - Os Vencedores

 


"Oppenheimer", filme do diretor Christopher Nolan, faturou sete Oscar na cerimônia deste domingo à noite. com seu
Christopher Nolan, finalmente, ganhando seu
tão aguardado Oscar.
A noite deste domingo, dia 10 de março, marcou a cerimônia da 96ª edição do Oscar, na qual "Oppenheimer", filme do diretor Christopher Nolan, foi o grande vencedor, com sete estatuetas, mas com grande destaque para "Pobres Criaturas", de Yorgos Lanthimos, que levou quatro.

Apresentada pelo comediante Jimmy Kimmel, a festa não teve grandes novidades nem surpresas. A presença de cinco apresentadores, todos já vencedores, para apresentar os prêmios de atuação foi algo interessante, John cena apresentando "pelado" o prêmio de figurino foi engraçado, Slash, do Guns'n' Roses, dando uma canja na performance de "I'm Just Ken" foi muito show, e o momento mais emocionante, sem dúvida, ficou com o diretor do documentário "20 dias em Mariupol", sobre a guerra da Ucrânia, Mstyslav Chernov, emocionado, declarando que gostaria de nunca precisar ter feito um filme sobre algo assim.

A meu ver, nenhuma grande injustiça. "Anatomia de Uma Queda", de enredo brilhante, justamente agraciado com o prêmio de roteiro original, "Zona de Interesse", o mais complexo e artístico dos estrangeiros ganhando o prêmio de filme internacional, "Godzila Minjus One" desbancando os gigantes e vencendo a categoria de efeitos visuais... Até dá pra discutir um Downey Jr. ao invés de um DeNiro, uma Emma Stone e não Lily Gladstone, mas, de um modo geral, nenhum absurdo gritante, a meu ver.

Bom, quer saber como foram todos os prêmios? Dá uma olhada aí abaixo e conheça, então, todos os vencedores da noite:

📹📹📹📹📹📹📹📹

MELHOR FILME

• Oppenheimer


MELHOR DIREÇÃO


• Christopher Nolan, por Oppenheimer


MELHOR ATOR

• Cillian Murphy, por Oppenheimer


MELHOR ATRIZ


• Emma Stone, por Pobres Criaturas


MELHOR ATOR COADJUVANTE

• Robert Downey Jr., por Oppenheimer


MELHOR ATRIZ COADJUVANTE

• Da'Vine Joy Randolph, por Os Rejeitados


MELHOR ROTEIRO ORIGINAL

• Justine Triet & Arthur Harari, por Anatomia de uma Queda


MELHOR ROTEIRO ADAPTADO

• Cord Jefferson, por American Fiction


MELHOR ANIMAÇÃO

• O Menino e a Garça


MELHOR FILME INTERNACIONAL


• A Zona de Interesse (Reino Unido)


MELHOR DOCUMENTÁRIO


• 20 Days in Mariupol


MELHOR DOCUMENTÁRIO EM CURTA-METRAGEM


• The ABCs of Book Banning


MELHOR CURTA-METRAGEM

• The Wonderful Story of Henry Sugar


MELHOR CURTA-METRAGEM DE ANIMAÇÃO

• War is Over (inspired by the music of John & Yoko)


MELHOR TRILHA SONORA


• Ludwig Göransson, por Oppenheimer


MELHOR CANÇÃO ORIGINAL

• "What Was I Made For?" (Barbie)


MELHOR SOM


• A Zona de Interesse



MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO

• Shona Heath, por Pobres Criaturas


MELHOR FOTOGRAFIA

• Hoyte van Hoytema, por Oppenheimer


MELHOR CABELO E MAQUIAGEM


• Pobres Criaturas


MELHOR FIGURINO

• Holly Waddington, por Pobres Criaturas


MELHOR MONTAGEM


• Jennifer Lame, por Oppenheimer


• MELHORES EFEITOS VISUAIS

• Godzilla Minus One





C.R.

sábado, 24 de abril de 2021

"O Som do Silêncio" ou "O Som do Metal", de Darius Marder (2019)


VENCEDOR DO OSCAR DE
MELHOR EDIÇÃO E
MELHOR PRODUÇÃO DE SOM

É sempre muito legal assistir algum filme cuja forma dialoga com a gramática do cinema. Desde obras propositadamente metalinguísticas como “Blow Up” e “Amnésia” ou mesmo comédias aparentemente banais, tal “Cegos, Surdos e Loucos”, o uso de maneira intencional de algum dos sentidos humanos como objeto do filme é capaz de, em igual proporção, enriquecer semiologicamente a obra e intensificar a mímese desta – mesmo que isso se dê apenas subliminarmente quando o espectador não está atento ao uso desse trato técnico. Além da visão, da memória ou da fala, sentidos mais comuns de serem abordados no cinema, há filmes que se dedicam ao tema da audição, como é o caso de "O Som do Silêncio" ou "O Som do Metal".  O filme de Darius Marder vale-se deste recurso narrativo-linguístico para colocar o espectador em contato com uma realidade tocante e não rato aflitiva: a dos deficientes auditivos.

Na história, Ruben (vivido magistralmente por Riz Ahmed), um jovem baterista de uma banda de heavy metal que tem com a namorada Lou (Olivia Cooke), teme por seu futuro quando percebe que está gradualmente ficando surdo. Suas duas paixões estão em jogo: a música e ela. Essa mudança drástica acarreta em muitas incertezas e angústias, a qual provoca uma série de acontecimentos, frustrações e encontros com questões muito profundas dos personagens.

Diferentemente de clássicos thrillers como "Um Tiro na Noite" e "A Conversação", que integram os diferentes aspectos da sonoridade para imprimir tensão e mistério a suas narrativas, "O Som" vale-se deste recurso sensorial em um drama, o que é bastante interessante. É comum o espectador “sentir” o som como algo a lhe provocar a intensificação dos sentidos, caso das explosões e estardalhaços das cenas de ação, mas perceber esse elemento fílmico de maneira dramática é mais incomum. Os momentos em que se ouve o som abafado do ouvido de Ruben, os ruídos estridentes, os cacos ou a angustiante sensação de silenciamento a qual o protagonista vai se deparando gradativamente são como que vividas também por quem assiste, até porque o roteiro, envolvente, é muito bem construído. Concorrente ao Oscar de Roteiro Original, a trama de “O Som” narra um percurso pessoal e existencial, que, novamente, tem tudo a ver com a gramatica cinematográfica: a percepção/captação de algo externo (som) e a consequência externa dessa transformação.

Oscarizáveis: Ahmed e Raci contracenam em "O Som do Silêncio"

Quanto ao Oscar, dos seis que disputa, mais provável são dois ou apenas um para "O Som". Ahmed, por melhor que esteja, dificilmente levará, haja vista que concorre com fortes candidatos como Gary Oldman ("Mank") e, principalmente, Chadwick Boseman ("A Voz Suprema do Blues"), apto a abocanhar a estatueta postumamente. Mas nessa categoria é daqueles casos que só a indicação e estar ao lado de excelentes e oscarizados atores, como estes dois e Anthony Hopkins (“Meu Pai”), já é um reconhecimento. De Filme, igualmente, não leva, pois têm outros bem mais fortes favoritos na frente. Ator Coadjuvante, parecido, pois somente "Judas e o Messias Negro" põe dois nesse páreo (LaKeith Stanfield e Daniel Kaluuya) contra Paul Raci. 

Restam-lhe os prêmios técnicos: edição e, o que seria muito legal se acontecesse, o de Produção de Som. Contrariando a prática comum de premiar produções espetaculosas, como musicais, aventuras ou ficções científicas, cairia muito bem à Academia num momento de revisão de conceitos valorizar um drama de abordagem humana e mais humilde perto de superproduções como “Dunkirk”, “Bohemian Rhapsody” e "Ford vs. Ferrari", vencedoras das últimas três edições do Oscar na categoria Edição de Som, como era classificada a categoria até ano passado.

Independente de prêmio ou não, o fato é que "O Som" é um filme peculiar e sensível, capaz de extrair da pequena história de um drama pessoal questões universais como amor, família, caridade e perdão. Uma história que leva à compreensão de que, independentemente dos sentidos físicos, o que vale é saber escutar o som que vem do coração.

*************

trailer de "O Som do Silêncio"


Daniel Rodrigues

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

"Nada de Novo no Front", de Edward Berger (2022)

 

VENCEDOR DO OSCAR
MELHOR FILME INTERNACIONAL
MELHOR ROTEIRO ADAPTADO
MELHOR FOTOGRAFIA
MELHOR TRILHA SONORA ORIGINAL


Nada de novo...

O título do filme já antecipa o que temos em pouco mais de duas horas. 

"Nada de novo no front", produção da Netflix, com nove indicações ao Oscar, incluindo melhor filme e melhor filme internacional, na minha opinião, é apenas mais um filme de Primeira Guerra Mundial. Bem feitinho, bem acabado, bem desenvolvido, ok, mas sinceramente, já vi coisas melhores acerca do assunto e muito mais impactantes visual e dramaticamente. "Lawrence da Arábia", de David Lean, e todo seu deslumbre cinematográfico; "Glória Feita de Sangue", de Kubrick, com toda sua questão ética e humana; o recente "1917", de Sam Mendes, com sua corajosa proposta de filmagem contínua. Todos, para mim, mais impactantes que o novo "Nada de Novo no Front", refilmagem do clássico de 1930, de Lewis Milestone. 

Não me entendam mal: o filme não é ruim. Boa direção, bela fotografia, tem toda a questão humana do "roubo" da juventude, do desperdício de vidas promissoras, enquanto velhos barrigudos com bigodes retorcidos decidem a vida desses jovens como se fossem peças de um joguinho de tabuleiro, mas parece que não tem nada muito além disso, e isso a gente vê em um monte de filmes de guerra.

Na história, um grupo de jovens idealistas, alista-se no exército alemão com a expectativa de heroísmos, glórias e honras à pátria mas, assim que pisam no campo de batalha percebem que a realidade não seria o jardim de infância que imaginaram. Expostos a inúteis e suicidas missões de ataque, tudo que os garotos encontram pelo caminho é, simplesmente, barbárie, crueldade, mutilações, fome, frio, dor e morte, em meio às trincheiras e os campos gelados no norte da França. Paralelamente aos combates, burocratas e militares, devidamente protegidos e abrigados em suas mansões ou instalações especiais, decidem, sem pressa e com indiferença sobre um possível cessar-fogo, ao redor de suas mesas fartas e bem servidas.

Retrato típico do que representa uma guerra, ainda nos dias de hoje, mas muito mais naquela época em que os combates se davam diretamente, no corpo a corpo e em campo aberto: velhos generais em gabinetes entregando jovens à morte, em nome de soberania, territórios, orgulho, religião, ou seja lá o que for. Enquanto via o filme, e ainda agora, lembro muito da letra de "A Canção do Senhor da Guerra", de Renato Russo muito precisa na descrição dessa situação: "Existe alguém que está contando com você/ pra lutar em seu lugar já que nessa guerra / não é ele quem vai morrer/ E quando longe de casa/ ferido e com frio o inimigo você espera/ ele estará com outros velhos/ inventando novos jogos de guerra". E não é isso mesmo?

"Nada de novo no front" pode sair da cerimônia do Oscar, no dia 12 de março, consagrado e com um caminhão de estatuetas, mas não vai mudar muito minha impressão sobre ele... Um bom filme, legal, terror da guerra, beleza, mas... para mim, deixa aquela impressão de "já vi esse filme antes". Sem nenhuma novidade no Oscar.

No alto, à esquerda, o jovem Paul, entusiasmado por ingressar no exército
 ao lado, a belíssima fotografia numa das cenas de combate;
abaixo, dois dos momentos mais intensos e chocantes do filme:
os tanques avançando sobre as trincheiras e os soldados franceses
usando lança-chamas contra o que os blindados não conseguiram amassar.



Cly Reis

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Oscar 2019 - Os Vencedores


Peter Farrely, diretor de "Green Book", comemorando a vitória
na categoria de melhor filme.
A cerimônia do Oscar, esse ano, veio sem um mestre de cerimônias fixo, o que deu uma certa agilidade à festa. Atores, atrizes, diretores e personalidades se revezavam na condição de apresentadores dosando bem descontração, humor, reverência e emoção. E a coisa toda já começou em grande estilo com o Queen abrindo os trabalhos, acompanhado pelo vocalista Adam Lambert, mandando ver com dois clássicos da banda inglesa. A partir daí foi dada a largada para a entrega das estatuetas e embora "Green Book" tenha abocanhado o prêmio principal, as premiações ficaram bem distribuídas. "Bohemian Rhapsody" teve o maior número e ficou com quatro estatuetas, incluindo melhor ator, consagrando a atuação marcante de Rami Malek"; Pantera Negra" fazendo história entre filmes de super-heróis, ficou com três; "A favorita" levou o seu; "Infiltrado na Klan" também; "Roma", um dos favoritos, mesmo não tenha garantido o de melhor filme no geral, teve reconhecida toda sua inegável qualidade com os prêmios de melhor filme estrangeiro, direção e fotografia; além do próprio "Green Book", que somados ao grande prêmio da noite, levou mais dois, os de roteiro original e de ator coadjuvante.
O esfuziante Spike Lee
comemorando com o amigo
Samule L. Jackson.
Alguns dos pontos altos foram, além da já mencionada performance do Queen, foram a entrega do prêmio de canção original para Lady Gaga, por "Nasce uma estrela"; a surpresa e o bom humor de Olivia Colman ao receber o prêmio de melhor atriz; e a entrega do prêmio de roteiro adaptado para um emocionado e elétrico Spike Lee que aproveitou para lembrar a todos da dura trajetória de um negro até alcançar o lugar onde ele conseguia chegar naquele momento.
Uma cerimônia mais direta, mais enxuta e divertida, sim, mesmo sem tantas gracinhas dos cicerones habitualmente convidados. No que diz respeito aos prêmios, a Academia tratou de fazer todo mundo voltar feliz pra casa: cada um dos favoritos levou o seu e, nas categorias principais tratou de ser bem política, dando o melhor filme para "Green Book" e o de direção para Alfonso Cuarón uma vez que seu "Roma" já tinha o reconhecimento de melhor filme pelo prêmio entre os estrangeiros. A propósito, volta chamar atenção esta, praticamente, hegemonia mexicana no Oscar que faz com que nos últimos anos, sempre que indicados na categoria de direção, os profissionais daquele país tenham vencido. 
Além de mais uma festa mexicana, a cerimônia da noite passada foi uma celebração do cinema e do talento negro com diversos prêmios e reconhecimento, mas também uma oportunidade para reflexões e discussão sobre o racismo e a condição dos afro-descendentes, não somente na sociedade americana, como em todo o mundo. A vitória de "Green Book" e sua temática, os três de "Pantera Negra", com seu empoderamento e com sua equipe técnica predominantemente negra recebendo orgulhosa cada troféu; a segunda estatueta de Mahershala Ali, o tardio prêmio de Spike Lee, o Oscar de coadjuvante para a emocionada Regina King que, como ela mesma disse, se estende a mulheres guerreiras e inspiradoras como sua mãe, não foram triunfos apenas da comunidade negra e, sim, mais uma vitória da sociedade. É um pequeno passo, sei, mas de pouquinho em pouquinho talvez um dia cheguemos lá. Lá? A um mundo melhor, quem sabe.
 Fique, abaixo, com todos os vencedores da noite do cinema de Hollywood:

  • Melhor atriz coadjuvante: Regina King ("Se a Rua Beale falasse")
  • Melhor documentário: "Free Solo"
  • Melhor maquiagem e pentados: "Vice"
  • Melhor figurino: "Pantera Negra"
  • Melhor direção de arte: "Pantera Negra"
  • Melhor fotografia: "Roma"
  • Melhor edição de som: "Bohemian Rhapsody"
  • Melhor mixagem de som: "Bohemian Rhapsody"
  • Melhor filme estrangeiro: "Roma"
  • Melhor edição: "Bohemian Rhapsody"
  • Melhor ator coadjuvante: Mahershala Ali
  • Melhor animação: "Homem-Aranha no Aranhaverso"
  • Melhor curta-metragem de animação: "Bao"
  • Melhor documentário curta-metragem: "Absorvendo o tabu"
  • Melhores efeitos visuais: "O primeiro homem"
  • Melhor curta-metragem: "Skin"
  • Melhor roteiro original: "Green Book - O guia"
  • Melhor roteiro adaptado: "Infiltrado na Klan"
  • Melhor trilha sonora original: "Pantera Negra"
  • Melhor canção original: "Shallow", "Nasce uma estrela"
  • Melhor ator: Rami Malek, "Bohemian Rhapsody"
  • Melhor atriz: Olivia Colman, "A favorita"
  • Melhor diretor: Alfonso Cuarón, "Roma"
  • Melhor filme: "Green Book - O guia"

C.R.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Oscar 2015 - Os Vencedores



O mexicano Alejandro Iñárritu com parte de sua equipe,
recebendo o Oscar de Melhor Filme 
E o Oscar foi para "Birdman"!
Sinceramente, me surpreendeu um pouco.
Embora torcesse por ele, por todas as qualidades que me revelou de maneira fascinante, imaginava que a Academia fosse mais conservadora e entregasse o prêmio de melhor filme ao meticuloso “Boyhood” ou a “Sniper Americano” como uma afirmação de americanismo. Mas não, o pouco convencional “Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)”, de planos-sequência contínuos, discussões pesadas e atmosfera onírica levou não somente a estatueta principal da noite como fotografia, roteiro original e direção. Até achava que pudesse acontecer de, assim como no ano passado, as categorias máximas ficassem divididas, indo o Oscar de filme para um dos que apontei anteriormente, e o de direção para “Birdman”, pois pensava que por mais que se reconhecesse os méritos, a persistência, a projeto de Richard Linklater para “Boyhood”, era impossível ignorar o fantástico trabalho de direção de “Birdman”, que, contínuo, ininterrupto, integrando ambientes, atravessando o tempo, distorcendo a realidade, fez com que o brilhante roteiro, por sinal também premiado, funcionasse de maneira impecável e perfeita. A minha 'barbada' de direção poderia ter sido comprometida pelo fato do diretor ser estrangeiro e para piorar, já no ano passado um conterrâneo do diretor, o também mexicano Alfonso Cuarón, ter vencido na categoria. O fato poderia pesar para que Hollywood., como um todo, não quisesse repetir a dose e premiar novamente um estrangeiro, mas apesar da brincadeira de mau-gosto de Sean Penn na hora da divulgação, que só ajudou a fundamentar a origem da minha desconfiança, a justiça foi feita plenamente e outro 'chicano' saiu com o prêmio dourado nas mãos. Destaque também para o prêmio de fotografia de “Birdman”, que também me surpreendeu, não pela qualidade que julgo inegável, mas pelo anticonvencionalismo, tendo sido o filme rodado praticamente em corredores, camarins, bastidors, o que poderia dar a falsa impressão de pobreza de recursos técnicos.
Mas se o Homem-Pássaro de Iñárritu levou quatro estatuetas, o Hotel não ficou atrás. É verdade que “Birdman” ganhou os prêmios ditos principais, os definidores do que se entende por um bom filme, mas os prêmios estético-técnicos, por assim definir (figurino, direção de arte, maquiagem), e o, justíssimo, de trilha original, garantem a “O Grande Hotel Budapeste”, do bom Wes Anderson, o devido reconhecimento de suas verdadeiras qualidades, que para mim, não vão muito além disso.
Colado com eles, "Whiplash", o drama do baterista instruído por um professor severo, levou três estatuetas, sendo uma delas exatamente para o professor descontrolado, interpretado por J.K. Simmons. Os outros bem conceituados, que disputavam inclusive melhor filme, dividiram igualmente algumas das demais honrarias: "Sniper Americano" de Clint Eastwood, teve que se contentar apenas com o prêmio de Edição de Som; “O Jogo da Imitação” ficou com Roteiro Adaptado; “Selma” ficou com o prêmio de canção original, cuja interpretação, no palco, emocionou a platéia; Patricia Arquette justificou "Boyhood" com seu prêmio de atriz coadjuvante; Julianne Moore finalmente, com muita justiça levou seu primeiro Oscar por “Para Sempre Alice”; e na tradicional simpatia de Hollywood por covers e deficiências físicas, Eddie Redmayne, uniu as duas e levou pra casa o de melhor ator por sua interpretação de Stephen Hawkins, no filme “A Teoria de Tudo”.
De resto, gostei muito da parte técnica e estética do palco, dos telões, dos efeitos e recursos da cerimônia, mas achei mestre de cerimônias, Neil Patrick Harris, um tanto perdido e sem graça. Se no ano passado a reconhecidamente inteligente e talentosa Ellen DeGeneres me decepcionou pela ausência de tiradas interessantes, pela falta de criatividade, tendo que se socorrer num sefie coletivo para salvar a noite, que, é bom que se faça justiça, virou histórico, nosso glorioso apresentador da edição 2015 não conseguiu se salvar nem de cuecas no palco, parodiando a cena de “Birdman”.
Lamentável foi o fato de Scarlett Johansson, que apareceu deslumbrante num vestido verde, não ter levado nenhum prêmio. Sei que vão dizer que ela, afinal de contas, não estava concorrendo a nenhum, em nenhuma categoria e tal e blablablá. Sei, sei disso. Mas algum prêmio ela deveria ganhar. Qualquer coisa. Ela sempre merece.


Confira abaixo, então, todos os vencedores em todas as categorias.

***

Melhor filme
"Birdman"
Riggan (Michael Keaton)
de cuecas na Broadway














Melhor diretor
Alejandro González Iñárritu, "Birdman"


Melhor ator
Eddie Redmayne, "A Teoria de Tudo"


Melhor atriz
Julianne Moore, "Para Sempre Alice"


Melhor ator coadjuvante
J.K. Simmons, "Whiplash - Em Busca da Perfeição"
J.K. Simmons teve sua
grande atuação premiada
por "Whiplash"
















Melhor atriz coadjuvante
Patricia Arquette, "Boyhood - Da Infância à Juventude"


Melhor roteiro original
"Birdman"


Melhor roteiro adaptado
"O Jogo da Imitação"


Melhor animação
"Operação Big Hero"


Melhor filme estrangeiro
"Ida", da Polônia


Melhor documentário
"Citizenfour"


Melhor edição
"Whiplash - Em Busca da Perfeição"


Melhor fotografia
"Birdman"


Melhor direção de arte
"O Grande Hotel Budapeste"
O filme de Wes Anderson 
levou com justiça o prêmio de
direção de arte













Melhores efeitos visuais
"Interestelar"


Melhor edição de som
"Sniper Americano"


Melhor mixagem de som
"Whiplash - Em Busca da Perfeição"


Melhor figurino
"O Grande Hotel Budapeste"


Melhor cabelo e maquiagem
"O Grande Hotel Budapeste"


Melhor trilha sonora original
"O Grande Hotel Budapeste"


Melhor canção original
"Glory", do filme "Selma"


Melhor curta-metragem
"The Phone Call"


Melhor curta-metragem de animação
"O Banquete"


Melhor curta-metragem de documentário
"Crisis Hotline: Veterans Press 1"



Cly Reis

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

"Perfume de Mulher", de Dino Risi (1974) vs. "Perfume de Mulher", de Martin Brest (1992)


Tem alguns filmes que a gente não esquece. Cenas que ficam na mente, atuações marcantes que ficam para a história. "Perfume de Mulher", de 1992, com atuação impressionante de Al Pacino, é um desses filmes. Quem não lembra da cena do tango, no salão do restaurante? Mas uma coisa que pouca gente sabe é que o filme é um remake e que seu original não fica devendo muito à consagrada produção hollywoodiana. "Perfume de Mulher", produção italiana de 1974 dirigida por Dino Risi, foi largamente premiado em festivais internacionais e indicado, inclusive, ao Oscar de melhor filme estrangeiro. E, se Al Pacino levou o Oscar de melhor ator por sua interpretação do arrogante cego que leva um adolescente como guia, Vittorio Gasmann, por sua vez, não deixa por menos e mostra sua Palma de Ouro de melhor ator pelo mesmo papel.

Os filmes tem algumas diferenças: enquanto no antigo o cego, ex-militar, Fausto Consolo, contrata pessoalmente um jovem com o exato objetivo de acompanhá-lo em uma viagem que pretende fazer saindo de Turim, passando por Bologna, Roma, com destino final em Nápoles onde, entre reencontros e lembranças, pretende acabar com sua infeliz existência; na refilmagem, a sobrinha do Tenente-Coronel Frank Slade contrata um estudante, precisando de dinheiro, para tomar conta do tio, ex-combatente, durante o final de semana de Ação de Graças, mas não imagina que o cego tenha planos de uma viagem a Nova York para ter seus últimos dias de prazeres antes de tirar a própria vida.

Outra diferença bastante considerável é a trama paralela do segundo filme, relacionada a uma situação vivida pelo garoto (Chris O'Donnel) que, testemunha de uma pegadinha dos riquinhos da escola, pode estar vendo seu futuro de ingresso em uma grande universidade ir por água abaixo, a não ser que denuncie os "colegas" na volta do recesso. No primeiro filme, ainda que, inegavelmente o militar desenvolva também um laço afetivo com seu acompanhante, o recruta Ciccio (Alessandro Mommo), não se iguala à importância dada à intervenção do norte-americano no desfecho do caso do jovem aluno em seu colégio.

Mas diferenças à parte o que ambos têm em comum, tanto o Capitão Fausto quanto o Tenete-Coronel Slade, é que ambos, praticamente, se desmancham por uma bela mulher e, privados do sentido da visão, percebem e se fascinam com as beldades pelo seu perfume e são capazes de identificar o aroma, imaginar aquelas damas, senti-las, descrevê-las fisicamente só pela sugestão que seu olor lhes proporciona.

Mas com dois times tão qualificados assim, eu só quero ver no que vai dar!

Então vamos pro jogo:

No que diz respeito ao roteiro, o antigo, que por sinal recebeu também indicação ao Oscar por esse quesito, é mais pontual e enxuto e, sem muita firula, se faz mais objetivo, conseguindo demonstrar toda a infelicidade da vida limitada do protagonista de modo crescente, saindo quase que de uma comédia jocosa para um drama de molhar o lencinho. O remake se utiliza muito de americanismos e carrega na trama paralela à situação do cego para manter a comoção do espectador. No entanto, parece-me que os elementos que em torno, e até mesmo alguns artificialismos tipicamente hollywodianas favorecem a caracterização do personagem de Slade, inclusive no que diz respeito ao  "dom" do olfato feminino. Ninguém leva uma clara vantagem. Aqui ficam elas por elas e ninguém tira o zero do placar.


"Perfume de Mulher" (1974) - cena final


"Perfume de Mulher" (1992) - cena do tango


Com a parte técnica e tática tão equilibrada, o jogo, pelo jeito será decidido nos detalhes. E é numa ousadia do Cel. Slade que o placar se movimenta pela primeira vez. O atacante chama a marcação pra dançar e, pela cena do tango, ao som da belíssima "Por una cabeza", de Carlos Gardel, garante o primeiro gol do jogo. 1x0 para o time de 1992. Mas se o negócio é cena marcante, a cena final do original, em que Fausto dispensa Ciccio e a apaixonada Sara, para ficar só para sempre e, possivelmente, cumprir seu plano de morte, mas logo se arrepende, sai do casebre, cai, chama pela moça e é acolhido por ela, é algo assim de arrepiar. Empate para o time de 1974. 1x1 no marcador.

A partida tá com cheirinho de empate mas, na hora da decisão o craque desequilibra: Al Pacino tem o faro do gol e desempata para o remake. Embora Vitorio Gasmann também tenha sido premiado por sua atuação no papel, a interpretação de Al Pacino é daquelas únicas e memoráveis. É como se Gasmann tivesse ganho a Bola de Ouro da France Football e Pacino, o prêmio de Melhor do Mundo da FIFA e essa diferença garante o gol da vitória para o filme de 1992.

Aqui os dois protagonistas do jogo, Gasmann à esquerda e Pacino, à direita, ambos com seus fiéis escudeiros.
Dois craques. Só não vê quem não quer.

O jogo acaba tenso, os dois líderes dos seus times são irritadiços, trocam ameaças, insultos, Gasmann reclama dos acréscimos que o filme de 1992 teve, quase _ minutos a mais, que o juiz é cego e não viu que as indicações ao Oscar do original mereciam um gol, mas o jogo fica nisso mesmo. Um grande confronto, senhoras e senhores! Se fosse no turfe, poderíamos dizer que foi uma vitória por uma cabeça. 



 Cly Reis