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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

The Sonics - "Here are The Sonics" (1965)



"Eu tenho que admitir ...
The Sonics gravou muito, mas muito barato (...)
apenas utilizaram um microfone sobre a bateria, e o som da bateria deles é o mais incrível que eu já ouvi. Ainda hoje é o meu som de bateria preferida.
Parece que ele está batendo mais forte
do que qualquer um que eu já conheci."
Kurt Cobain


É certo que um bocado de bandas dos anos 60 influenciaram e ajudaram a formar a linguagem do que seria o punk rock, mas poucas daquela época sujaram tanto o som, estouraram as caixas amplificadas, rasgaram tanto os vocais como o The Sonics. As guitarras soavam altas e agressivas, os teclados quando apareciam formavam uma espécie de camada, os metais eram invariavelmente enlouquecidos e a bateria alta e oca, soava como uma metralhadora nos rolos.
Numa época em que as versões e releituras dos clássicos do blues e do rock eram quase um cartão de visitas para qualquer banda que aspirasse aparecer no cenário musical, os caras verdadeiramente 'desvirtuaram', num bom sentido, algumas pérolas do rock de lendas como Chuck Berry, Little Richard e Ray Charles.
No seu álbum de estreia, "Here Are The Sonics" de 1965, eles até dão uma poupada em "Roll Over Beethoven", por exemplo, que ganha peso, aceleração mas não chega a ser tão ousada, mas "Good Golly Miss Molly", por sua vez fica absolutamente selvagem tal o barulho, o volume e a gritaria; e a bela balada "Night Time Is the Right Time" de Ray Charles  ganha vocais berrados e arranhados que lhe conferem uma sensação completamente nova em relação à original.
Mas, em absoluto, se limitavam às covers: das canções próprias destaca-se facilmente a fantástica "The Witch", um rockaço, meio surf music, com um riff minimalista e pesado que lembra o antigo tema do seriado Batman. Nada mais nada menos que matadora! "Psycho", outra das composições da banda, como já subentende o nome é algo assim próximo à loucura, e "Strychnine" que descarrega guitarras ruidosas e vocais violentos em outra das melhores do disco, é puro veneno
O disco "Here are the Sonics" não era assim tão fácil de ser encontrado mas há pouco tempo saiu em reedição com alguns extras, no entanto, bom mesmo pra quem quiser um apanhado geral é a coletânea lançada em 1993 que contém todas as músicas deste primeiro LP e mais um bocado de outras boas coisas da banda, chamada "Psycho-Sonic". Pra quem quiser ir atrás, acho que este é o melhor caminho.
Simplesmente psycho!
Psycho!

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FAIXAS:
1."The Witch"
2."Do You Love Me" (The Contours)
3."Roll Over Beethoven" (Chuck Berry)
4."Boss Hoss"
5."Dirty Robber" (The Wailers)
6."Have Love, Will Travel" (Richard Berry)
7."Psycho"
8."Money (That's What I Want)" (Barrett Strong)
9."Walkin' the Dog" (Rufus Thomas)
10."Night Time Is the Right Time" (Ray Charles)
11."Strychnine"
12."Good Golly Miss Molly" (Little Richard)

*todas as faixas, The Sonics, exceto as indicadas
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Ouça:
Here Are The Sonics





Cly Reis

terça-feira, 24 de novembro de 2009

200 Melhores Músicas de Todos os Tempos

Saiu uma dessas listas da Rolling Stone com as 200 melhores músicas de todos os tempos.
Concordo com muitas, é lógico, discordo de alguma ordem que outra mas fundamentalmente me parece uma lista excessivamente conservadora. Só foi no certo. Não arrisca quase nada acima dos anos 80. Pode ser que o crítico, os críticos, os votantes, sei lá quem, realmente achem que não existe nada que valha a pena nos últimos tempos, mas assim parece uma lista de melhores até 1975, com raras exceções.
Exceção louvável é ver o Nirvana com justiça já figurar nas 10 primeiras posições.
Vale pela curiosidade:

1. Bob Dylan "Like a Rolling Stone" 1965
2. Rolling Stones "(I Can't Get No) Satisfaction" 1965
3. John Lennon "Imagine" 1971
4. Marvin Gaye "What's Going On" 1971
5. Aretha Franklin "Respect" 1967
6. Beach Boys "Good Vibrations" 1966
7. Chuck Berry "Johnny B. Goode" 1958
8. Beatles "Hey Jude" 1968
9. Nirvana "Smells Like Teen Spirit" 1991
10. Ray Charles "What'd I Say" 1959
11. The Who "My Generation" 1966
12. Sam Cooke "A Change Is Gonna Come" 1965
13. Beatles "Yesterday" 1965
14. Bob Dylan "Blowin' in the Wind" 1963
15. The Clash "London Calling" 1980
16. Beatles "I Want to Hold Your Hand" 1964
17. Jimi Hendrix "Purple Haze" 1967
18. Chuck Berry "Maybellene" 1955
19. Elvis Presley "Hound Dog" 1956
20. Beatles "Let it Be" 1970
21. Bruce Springsteen "Born To Run" 1975
22. The Ronettes "Be My Baby" 1963
23. Beatles "In My Life" 1966
24. Impressions "People Get Ready" 1965
25. Beach Boys "God Only Knows" 1966
26. Beatles "A Day in the Life" 1967
27. Derek and the Dominos "Layla" 1971
28. Otis Redding "Sitting on the Dock of the Bay" 1968
29. Beatles "Help!" 1965
30. Johnny Cash "I Walk the Line" 1956
31. Led Zeppelin "Stairway To Heaven" 1971
32. Rolling Stones "Sympathy For The Devil" 1968
33. Ike and Tina Turner "River Deep, Mountain High" 1966
34. Righteous Brothers "You've Lost That Lovin' Feelin'" 1964
35. The Doors "Light My Fire" 1967
36. U2 "One" 1991
37. Bob Marley and the Wailers "No Woman No Cry" 1974
38. Rolling Stones "Gimme Shelter" 1969
39. Buddy Holly and the Crickets "That'll Be the Day" 1957
40. Martha and The Vandellas "Dancing In The Street" 1964
41. The Band "The Weight" 1968
42. The Kinks "Waterloo Sunset" 1967
43. Little Richard "Tutti Frutti" 1956
44. Ray Charles "Georgia On My Mind" 1960
45. Elvis Presley "Heartbreak Hotel" 1956
46. David Bowie "Heroes" 1977
47. Simon and Garfunkel "Bridge Over Troubled Water" 1969
48. Jimi Hendrix "All Along The Watchtower" 1968
49. The Eagles "Hotel California" 1977
50. Smokey Robinson and the Miracles "The Tracks Of My Tears" 1965
51. Grandmaster Flash and The Furious Five "The Message" 1982
52. Prince "When Doves Cry" 1984
53. Sex Pistols "Anarchy In The UK" 1977
54. Percy Sledge "When A Man Loves A Woman" 1966
55. The Kingsmen "Louie Louie" 1963
56. Little Richard "Long Tall Sally" 1956
57. Procol Harum "Whiter Shade Of Pale" 1967
58. Michael Jackson "Billie Jean" 1983
59. Bob Dylan "The Times They Are A-Changin'" 1963
60. Al Green "Let's Stay Together" 1971
61. Jerry Lee Lewis "Whole Lotta Shakin' Goin' On" 1957
62. Bo Diddley "Bo Diddley" 1957
63. Buffalo Springfield "For What It's Worth" 1968
64. Beatles "The She Loves You" 1964
65. Cream "Sunshine of Your Love" 1968
66. Bob Marley and the Wailers "Redemption Song" 1968
67. Elvis Presley "Jailhouse Rock" 1957
68. Bob Dylan "Tangled Up In Blue" 1975
69. Roy Orbison "Cryin'" 1961
70. Dionne Warwick "Walk On By" 1964
71. Beach Boys "California Girls" 1965
72. James Brown "Papa's Got A Brand New Bag" 1965
73. Eddie Cochran "Summertime Blues" 1958
74. Stevie Wonder "Superstition" 1972
75. Led Zeppelin "Whole Lotta Love" 1969
76. Beatles "Strawberry Fields Forever" 1967
77. Elvis Presley "Mystery Train" 1956
78. James Brown "I Got You (I Feel Good)" 1965
79. The Byrds "Mr. Tambourine Man" 1968
80. Marvin Gaye "I Heard It Through The Grapevine" 1965
81. Fats Domino "Blueberry Hill" 1956
82. The Kinks "You Really Got Me" 1964
83 Beatles "Norwegian Wood" 1965
84. Police "Every Breath You Take" 1983
85. Patsy Cline "Crazy" 1961
86. Bruce Springsteen "Thunder Road" 1975
87. Johnny Cash "Ring of Fire" 1963
88. The Temptations "My Girl" 1965
89. Mamas And The Papas "California Dreamin'" 1966
90. Five Satins "In The Still Of The Nite" 1956
91. Elvis Presley "Suspicious Minds" 1969
92. Ramones "Blitzkrieg Bop" 1976
93. U2 "I Still Haven't Found What I'm Looking For" 1987
94. Little Richard "Good Golly, Miss Molly" 1958
95. Carl Perkins "Blue Suede Shoes" 1956
96 Jerry Lee Lewis "Great Balls of Fire" 1957
97. Chuck Berry "Roll Over Beethoven" 1956
98. Al Green "Love and Happiness" 1972
99. Creedence Clearwater Revival "Fortunate Son" 1969
100. Rolling Stones "You Can't Always Get What You Want" 1969
101. Jimi Hendrix "Voodoo Child (Slight Return)" 1968
102. Gene Vincent "Be-Bop-A-Lula" 1956
103. Donna Summer "Hot Stuff" 1979
104. Stevie Wonder "Living for the City" 1973
105. Simon and Garfunkel "The Boxer" 1969
106. Bob Dylan "Mr. Tambourine Man" 1965
107. Buddy Holly and the Crickets "Not Fade Away" 1957
108. Prince "Little Red Corvette" 1983
109. Van Morrison "Brown Eyed Girl" 1967
110. Otis Redding "I've Been Loving You Too Long" 1965
111. Hank Williams "I'm So Lonesome I Could Cry" 1949
112. Elvis Presley "That's Alright (Mama)" 1954
113. The Drifters "Up On The Roof" 1962
114. Crystals "Da Doo Ron Ron (When He Walked Me Home)" 1963
115. Sam Cooke "You Send Me" 1957
116. Rolling Stones "Honky Tonk Women" 1969
117. Al Green "Take Me to the River" 1974
118. Isley Brothers "Shout - Pts 1 and 2" 1959
119. Fleetwood Mac "Go Your Own Way" 1977
120. Jackson 5, "I Want You Back" 1969
121. Ben E. King "Stand By Me" 1961
122. Animals "House of the Rising Sun" 1964
123. James Brown "It's A Man's, Man's, Man's, Man's World" 1966
124. Rolling Stones "Jumpin' Jack Flash" 1968
125. Shirelles "Will You Love Me Tomorrow" 1960
126. Big Joe Turner "Shake, Rattle And Roll" 1954
127. David Bowie "Changes" 1972
128. Chuck Berry "Rock & Roll Music" 1957
129. Steppenwolf "Born to Be Wild" 1968
130. Rod Stewart "Maggie May" 1971
131. U2 "With or Without You" 1987
132. Bo Diddley "Who Do You Love" 1957
133. The Who "Won't Get Fooled Again" 1971
134. Wilson Pickett "In The Midnight Hour" 1965
135. Beatles "While My Guitar Gently Weeps" 1968
136. Elton John "Your Song" 1970
137. Beatles "Eleanor Rigby" 1966
138. Sly and the Family Stone "Family Affair" 1971
139. Beatles "I Saw Her Standing There" 1964
140. Led Zeppelin "Kashmir" 1975
141. Everly Brothers "All I Have to Do is Dream" 1958
142. James Brown "Please Please Please" 1956
143. Prince "Purple Rain" 1984
144. Ramones "I Wanna Be Sedated" 1978
145. Sly and the Family Stone "Every Day People" 1968
146. B-52's "Rock Lobster" 1979
147. Iggy Pop "Lust for Life" 1977
148. Janis Joplin "Me and Bobby McGee" 1971
149. Everly Brothers "Cathy's Clown" 1960
150. Byrds "Eight Miles High" 1966
151. Penguins "Earth Angel (Will You Be Mine)" 1954
152. Jimi Hendrix "Foxy Lady" 1967
153. Beatles "A Hard Day's Night" 1965
154. Buddy Holly and the Crickets "Rave On" 1958
155. Creedence Clearwater Revival "Proud Mary" 1964
156. Simon and Garfunkel "The Sounds Of Silence" 1968
157. Flamingos "I Only Have Eyes For You" 1959
158. Bill Haley and His Comets "(We're Gonna) Rock Around The Clock" 1954
159. Velvet Underground "I'm Waiting For My Man" 1967
160. Public Enemy "Bring the Noise" 1988
161. Ray Charles "I Can't Stop Loving You" 1962
162. Sinead O'Connor "Nothing Compares 2 U" 1990
163. Queen "Bohemian Rhapsody" 1975
164. Johnny Cash "Folsom Prison Blues" 1956
165. Tracy Chapman "Fast Car" 1988
166. Eminem "Lose Yourself" 2002
167. Marvin Gaye "Let's Get it On" 1973
168. Temptations "Papa Was A Rollin' Stone" 1972
169. R.E.M. "Losing My Religion" 1991
170. Joni Mitchell "Both Sides Now" 1969
171. Abba "Dancing Queen" 1977
172. Aerosmith "Dream On" 1975
173. Sex Pistols "God Save the Queen" 1977
174. Rolling Stones "Paint it Black" 1966
175. Bobby Fuller Four "I Fought The Law" 1966
176. Beach Boys "Don't Worry Baby" 1964
177. Tom Petty "Free Fallin'" 1989
178. Big Star "September Gurls" 1974
179. Joy Division "Love Will Tear Us Apart" 1980
180. Outkast "Hey Ya!" 2003
181. Booker T and the MG's "Green Onions" 1969
182. The Drifters "Save the Last Dance for Me" 1960
183. BB King "The Thrill Is Gone" 1969
184. Beatles "Please Please Me" 1964
185. Bob Dylan "Desolation Row" 1965
186. Aretha Franklin "I Never Loved A Man (the Way I Love You)" 1965
187. AC/DC "Back In Black" 1980
188. Creedence Clearwater Revival "Who'll Stop the Rain" 1970
189. Bee Gees "Stayin' Alive" 1977
190. Bob Dylan "Knocking on Heaven's Door" 1973
191. Lynyrd Skynyrd "Free Bird" 1974
192. Glen Campbell "Wichita Lineman" 1968
193. The Drifters "There Goes My Baby" 1959
194. Buddy Holly and the Crickets "Peggy Sue" 1957
195. Chantels "Maybe" 1958
196. Guns N Roses "Sweet Child O Mine" 1987
197. Elvis Presley "Don't Be Cruel" 1956
198. Jimi Hendrix "Hey Joe" 1967
199. Parliament "Flash Light" 1978
200. Beck "Loser" 1994

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O Adeus ao Bispo

“Quando olho para trás na minha vida, eu vejo todos os meus amigos que já partiram para outra jornada, então é hora de fazer tudo que posso.”
Solomon Burke (1940-2010)


Nesta última semana morreu, aos 70 anos, um dos principais cantores da música americana e um dos criadores da soul music, difundida aos quatro cantos do planeta a partir dos anos 50. Trata-se de Solomon Burke, o ex-pastor que saiu do altar das igrejas para demarcar seu lugar no showbizz, considerado pelo produtor musical Jerry Wexler como o "o melhor cantor de soul de todos os tempos". Vitimado por causas naturais, o Bispo, como era conhecido, partiu desta para melhor depois de chegar ao aeroporto Schipol, em Amsterdã. Além de músicas, deixou na Terra 21 filhos, 90 netos e 19 bisnetos. Poxa!...
Burke morreu menos conhecido que outras lendas do rythm’ n’ blues, como Otis Reding, James Brown, Ray Charles e Sam Cooke, todos de grande sucesso e até idolatria. Com seu barítono romântico cheio de groove e carregado de tradição gospel, embora de importância inegável para a música pop, não foi um campeão de hits como seus contemporâneos. Seu maior sucesso nas paradas foi “Just Out of Reach”, de 1961. Depois disso, teve outras de impacto ora bom ora mediano, como “The Price”, inspirada em um sermão, e “Cry to Me”, uma das duas músicas de seu repertório gravada pelos já antenados Rolling Stones no primeiro disco da banda, de 1964. A outra, “Everybody Needs Somebody to Love”, além da versão dos ingleses, também aparece cantada por John Belushi e Dan Akroyd no divertido filme-homenagem à soul music "Irmãos Cara-de-Pau" , de 1980.
Há muito Burke vinha produzindo bastante, porém sem vendagens significativas. Até que Deus interveio. O Todo-Poderoso não poderia deixar de dar, em vida, uma graça a um filho tão talentoso – ainda mais a um que O propagandeou tão bem como líder religioso fora e dentro dos palcos. Em 2002, já aos 62 anos, a independente Fat Possum Records, aproveitando de sua boa saúde – principalmente vocal –, resolveu prestar-lhe uma grata homenagem. Resgatando-o do ostracismo e oferecendo-lhe um aparato técnico de qualidade, a gravadora produziu um CD onde o Bispo interpreta canções de outros compositores, todas inéditas e feitas especialmente para aquela ocasião. O disco chama-se “Don’t Give Up to Me” (“Não desista de mim”, título bem apropriado).
Olhem só o time de feras chamado para este serviço: Bob Dylan, Van Morrison, Tom Waits, Elvis Costello, Brian Wilson, entre outros. O resultado não poderia ser diferente: um discaço! Não tenho muita noção de outros discos de carreira de Burke, mas provavelmente este é seu melhor trabalho. De produção cuidadosa, valoriza sua voz ao mesmo tempo em que imprime uma sonoridade entre o retrô e o moderno, transpassando a ideia não só de resgate da cultura negra americana mas, também, do quanto aquele Solomon Burke ainda era potente, vivo, às novas gerações. “Don’t Give...” deu-lhe, enfim, o primeiro grande reconhecimento: o prêmio Grammy, em 2003.
Deste disco, destaco a sensível “Diamonds in Your Mind” (de Waits), a lindíssima faixa-título – cartão de visita ao abrir em clima de balada a la Atlantic Records dos anos 50/60 – e o bluesão “Stepchild”, de Dylan, que parece tê-la escrito e dito (naquele seu jeitão presunçosamente carinhoso): “Toma aí, velho: manda ver!”.
Mas a obra-prima mesmo é “Fast Train”, uma das duas compostas por Van Morrison (a outra é “Only a Dream”). Uma balada arrasadora: amor, vida, morte, passagem do tempo; tudo está nela. Pincelada por agudas frases de órgão típico das igrejas negras nas quais Burke tanto pregou, e interpretada com intensidade na sua voz levemente envelhecida mas incrivelmente vigorosa, “Fast.Train” – como toda boa balada – começa calma e prossegue num crescendo de emoção. Vão se adicionando aos poucos um coro feminino, e os elementos sonoros se intensificam até o clímax, quando começa a decrescer lentamente, diminuindo e subtraindo cada um dos sons, como se já saciado e feliz. Como se aquele “rápido trem” tivesse, enfim, chegado á estação final, até sumir no horizonte com um último – e afinadíssimo – sopro de voz do Bispo-cantor.

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Dos registros antigos, certamente o melhor deles está compilado no CD “The Very Best of Solomon Burke”, de 1998. Como sempre, a caprichada edição do selo Rhino remasterizou as matrizes originais e traz todos os principais hits do cara.
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Coincidentemente, comentaram-me esta semana (por um outro motivo) sobre o filme “Alta Fidelidade”, que conta a história de um dono de uma loja de música à beira da falência (interpretado por John Cusack), um profundo conhecedor da música pop e fiel aos discos de vinil. Mas a referência a Burke está no livro ao qual o filme é inspirado, que tem "Got to Get You (Off My Mind)" como tema-chave.

Ouça o disco:
Solomon Burke Don't Give Up On Me

postado por Daniel Rodrigues

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Música da Cabeça - Programa #171


Pereira, Jones, Reed, Buarque, Nascimento, Guðmundsdóttir e Drumont são alguns dos sobrenomes de sangue universal que estarão hoje no programa. Já deu pra suspeitar do que estamos falando, né? De música, claro! Para isso, vamos ter a ajuda destes e de Antônio Carlos Jobim, Adriana Calcanhotto, Ray Charles, Marisa Monte e mais. Também, “Música de Fato”, abordando as manifestações de racismo meio cultural gaúcho, “Cabeça dos Outros” com Caetano Veloso e “Palavra, Lê” em homenagem aos 40 anos da morte de Vinicius de Moraes. Tudo hoje, 21h, na nobre senzala da Rádio Elétrica. Produção, apresentação e alforria: Daniel Rodrigues.



Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/

terça-feira, 31 de julho de 2012

Stevie Wonder - "Innervisions" (1973)



Ou isso é uma visão em minha mente?
verso da canção “Visions”



Quando vi  Paul McCartney ao vivo chorei praticamente do início ao fim do show. Eu já previa que isso ia ocorrer, tendo em vista meu sentimento por sua obra, tão formativa quanto vital para a história da arte moderna – e até porque o podia fazer sem constrangimento, já que todo o estádio fazia igual a mim. Porém quando assisti pela TV Stevie Wonder no Rock in Rio 2011 eu não esperava que o mesmo acontecesse. E aconteceu... via satélite. Chorei música atrás de música, tanto nas lentas quanto nas agitadas – o que virou motivo de chacota entre os amigos. Mesmo já tendo boa parte da discografia dele há muito tempo, essa reação me surpreendeu, pois eu mesmo não tinha noção do quanto a obra mágica deste gênio (e isso eu já sabia) tinha tanto a ver comigo e que estava tão impregnada em minha alma. Mas se todas as músicas me tocavam, parei para pensar naquela hora, entre soluços e uma felicidade imbecil, com qual disco eu mais me identificava, uma vez que gosto de todos. A resposta veio como numa visão: “Innervisions”.
A escolha só podia ser de cunho emocional, pois TODA a discografia de Stevie Wonder dos anos 70 até o início dos 80 é fundamental. Assim como o lindo  "Talking Book"  (1972), já resenhado aqui, o exuberante “Songs in the Key of Life” (1976) ou a magnífica trilha sonora “Journey Through the  Secret Life of Plants” (1979), “Innervisions” é item obrigatório na prateleira de qualquer diletante. Um marco da black music considerado pelos críticos um dos melhores da música pop de todos os tempos. Mas o que para mim o diferencia e lhe dá um significado ainda maior é a relação estreita com universo onírico e figurativo de um artista que, cego desde a infância, é capaz de produzir uma arte absolutamente fulgurante, cristalina, repleta de verdade e sentimentos genuínos. Sua música vai no fundo do fundo do fundo.
“Innervisions” é o auge criativo de Stevie Wonder. A estas alturas, 1973, ele já não era mais o Little Stevie de quando surgira, aos 16 anos, como um prodígio; mas, sim, o consagrado Stevie Wonder, sucessor de uma linhagem que vem de Sam Cooke, Solomon Burke, Ray Charles, James Brown e que vai parar nos criativíssimos artistas negros da gravadora Motown como ele. Compositor nato, multi-instrumentista e dono de uma voz potente e deliciosa, capaz de ir de uma escala à outra sem esforço, Stevie já era nesta época um artista planetário que vendia milhões de discos. Mas, mais do que isso, “Innervisions”, Grammy de Melhor Álbum do Ano em 1974, é o resultado de um autoacolhimento pessoal, de um sentimento muito íntimo e definitivo de reconhecimento dele mesmo enquanto portador de uma deficiência. Não é à toa que a obra se refere justamente ao sentido que ele não possui: a visão (e será que não possui mesmo?...). Ali Stevie está pleno de si, fazendo com que o problema da falta de visão não seja um problema, mas, pelo contrário, um canal sensitivo que o fez se tornar alguém tão sensível que suas percepções se afinam a tal ponto de não precisar mais enxergar. Prova maior disso é que ele compõe, toca, canta, arranja e produz todo o disco. Até (pasmem!) a capa é concebida por ele: um desenho bastante simbólico em que a energia produzida por seus olhos ganha a atmosfera e a amplidão.
E as músicas, o que dizer? Somente nove faixas, perfeitas em tudo: melodia, harmonia, execução, arranjo, canto, edição de áudio. Clássicos do cancioneiro norte-americano e mundial, marcos do que de mais sofisticado e criativo se fez em música pop no século XX. O álbum abre mandando ver com “Too High”, um funk-jazz fusion cheio de um suingue tão contagiante que isso chega a exalar por sua voz e por todos os sons que emanam. Moderníssima em sonoridade e texturas, é tudo o que músicos cool de hoje gostariam de fazer mas não conseguem atingir. “Too fine”!
Se o clima começa animado e dançante, “Visions”, uma melancólica balada tocada em guitarra base, baixo acústico e guitarra-ponto entra delicada mas dizendo a que veio. De arrepiar. Cantada com extremo lirismo, sua letra fala de igualdade entre os homens e de um princípio natural capaz de promover paz para todos. A lei nunca foi aprovada/ Mas de alguma forma todos os homens sentem que estão verdadeiramente livres finalmente/ Será que realmente fomos tão longe no espaço e no tempo/ Ou isso é uma visão em minha mente?”.
Não seria exagero se Stevie quisesse acabar o disco já na segunda faixa, que é daquelas canções definitivas. Mas o bom é que não acaba!, e na sequência vêm o arrebatador tema-denúncia “Living for the City”, show de vocais e sintetizadores que aborda a opressão aos negros, e “Golden Lady”, um soul romântico e suingado tão belo que chega a reluzir. Sempre colando uma faixa à outra – como é característico de seus discos –, o astral leve de “Golden Lady” dá lugar ao funkão pesado de “Higher Ground”, tão rock em concepção que não precisou muito para que o Red Hot Chilli Peppers  a regravasse anos depois com mais distorção mas sem grande alteração no arranjo. Os versos: People keep on learnin'/ Soldiers keep on warrin'” (“As pessoas continuam aprendendo/ Os soldados continuam lutando”), viraram clássicos. Incrível, incrível.
Outra de deixar de o queixo caído é “Jesus Children of America”, soul cantado em escala decrescente, mas que, do meio para o fim, aumenta um tom, o que faz Stevie soltar, em várias vozes sobrepostas, seu afinado e cintilante falsete. O clima cai novamente, agora para uma suíte romântica ao piano de fazer qualquer casal brigado reatar: “All in Love is Fair”, típica balada Motown, com sua levada carregada de sentimento e um refrão que explode em emoção. Nessa Stevie dá uma verdadeira aula de canto. De chorar, ainda mais no fim em que bateria, voz e piano dão os suspiros finais.
Mas  se Stevie é hábil nas lentas, também possui o mesmo talento para fazer mexer o esqueleto. “Don’t  You Worry ‘bout a Thing”, que vem logo em seguida, é uma rumba marcada no piano e nos chocalhos que faz enxugar as lágrimas e levantar o astral de novo. Usada mais de uma vez no cinema, como na comédia “Hitch” (a cena do passeio de Jet-ski pelo rio Hudson de Nova Iorque), é daquelas músicas tão alegres que remetem diretamente ao colorido alegórico da cultura africana, influência sempre tão presente e hibridizada na obra de Stevie. O disco encerra na atmosfera melódica e gostosa de “He’s Misstra Know-it-all”, com seus bongôs acompanhando a bateria e o piano num andamento suave e suingado que, ao final, vai sumindo devagarzinho enquanto Stevie improvisa nos vocais.
Essas cores e esse brilho estavam no palco quando vi Stevie pela TV no Rock in Rio. Aos 70 anos, toda aquela verdade e prazer de produzir uma arte pura e elevada podia ainda ser percebida. Não tinha como não ficar tocado. Reouvi “Innervisions” dias depois do show, ainda sob efeito da apresentação. Mas não chorei mais, pois me dei conta de definitivamente se tratar de um dos artistas mais importantes para a minha vida. Ele, que eu já sabia ser um dos maiores de todos os tempos, como Mozart, Ravel , Coltrane , Chico  e o próprio MacCartney. Pode colocá-lo tranquilamente nesta fila, que aqui pra mim o altar dele já está reservado.

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FAIXAS:

1. "Too High"  Stevie Wonder 4:36
2. "Visions"  Wonder 5:23
3. "Living For The City"  Wonder 7:23
4. "Golden Lady"  Wonder 4:58
5. "Higher Ground"  Wonder 3:43
6. "Jesus Children Of America"  Wonder 4:10
7. "All In Love Is Fair"  Wonder 3:42
8. "Don't You Worry 'bout a Thing"  Wonder 4:45
9. "He's Misstra Know-It-All"  Wonder 5:35


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Ouça:
Stevie Wonder Innervisions



terça-feira, 27 de setembro de 2016

Robert Wyatt - “Shleep” (1997)



Pela primeira vez, eu revi meu passado
e parecia tão inacessível,
e tudo o que eu tinha feito
- mesmo tendo gravado
 neste meio tempo – 
parecia tão distante do que eu era agora,
 que era a primeira experiência
que eu já tive na minha vida de nostalgia.”
Robert Wyatt,
sobre Shleep



Os Jogos Paralímpicos, ocorridos recentemente no Rio de Janeiro, trouxeram à tona o velho questionamento – muitas vezes, retórico e demagogo – das dificuldades e enfrentamentos que deficientes físicos têm de passar em suas vidas. Na arte, mesmo em tempos modernos como os de hoje, as barreiras são semelhantes. Quando se pensa sobre artistas famosos com deficiência logo vem à mente Stevie Wonder e Ray Charles, dois cegos que passaram por cima de seu problema físico por mérito, perseverança e, claro, talento. Mas outra cabeça genial também se enquadra nessa lista de artistas deficientes que souberam suplantar esse aspecto tanto pela superação quanto, igualmente, pela capacidade criativa. Está se falando do inglês Robert Wyatt, fundador e integrante da Soft Machine e um dos principais representantes da chamada cena de Canterbury, grupo de bandas e músicos do final dos anos 60/início dos 70 que misturavam com muita propriedade rock progressivo, psicodelia e jazz. Mas não só isso quando se fala de um criador de alta estirpe como Wyatt.

A inventividade harmonia e rítmica que Wyatt tirava da bateria na Soft Machine já denotava algo que seria determinante em sua obra solo a partir de 1º de julho de 1973. Pois neste fatídico dia, numa festa regada a muita droga, Wyatt, numa crise depressiva, se atira do terceiro andar de um prédio. Resultado: fica paraplégico. O que seria trágico para quem tem de usar as pernas para operar seu instrumento por completo foi transformado por Wyatt. Com dor e sacrifício, ele se reinventa como pessoa e como músico. Se sua figura hoje lembra a de um mago – barba branca e espessa, sobrancelhas angulosas e olhar firme –, não é coincidência. A expressão guarda as marcas de alguém que, talvez inconscientemente, tenha tido que buscar nas profundezas mais místicas de si próprio uma forma de fazer nascer um novo homem e artista diante da condição limitadora que a cadeira de rodas impõe. Impossibilitado de tocar bateria, ele, em contrapartida, especializa-se em vários outros aparatos musicais, tornando-se multi-instrumentista. Sua musicalidade provou, assim, ir além do instrumento em si, pois é de sua natureza, independente do timbre que produza ou da técnica que precise usar. Dentro de uma extensa e profícua discografia (tanto solo quanto em outros projetos), “Shleep”, de 1997, é uma joia que condensa seus melhores predicados.

O brilhante afro-pop “Heaps Of Sheeps” abre o disco em alto nível. Uma levada de guitarra soul, um baixo bem marcado e uma base de teclados norteiam esta embalada melodia, repleta de percussões e efeitos de sintetizador. Ademais, “Shleep” conta com a produção do mais habilidoso profissional das mesas de estúdio do rock internacional: Brian Eno. Artista de formação plural, alia sua sensibilidade e conhecimento musical e artístico a serviço do conceito dos trabalhos que produz, tornando-se, não raro, um coautor não creditado como tal – assim como ocorrera em “Zooropa”, do U2, ou “Dream Theory in Malaya”, de John Hassell. Mesmo também não coassinando este, é visível sua interferência na estrutura do repertório, na arquitetura sonora e nas marcantes participações, seja de seus teclados e sintetizadores, vocais ou arranjos. Ouvindo “Heaps...”, por exemplo, é impossível não lembrar-se de outras faixas de abertura de projetos de Eno, como “Home” (em “Everything That Happens Will Happen Today”, com David Byrne), “Lay my Love” (de "Wrong Way Up", com John Cale) ou “No One Receiving” (“Before and After Science”, solo). E como não perceber no refrão o toque de Eno no coro com aquele ar étnico? O vocal de Wyatt, entretanto, é um elemento único. Sua quase sufocada voz transmite ao mesmo tempo sapiência e sofreguidão.

“Shleep” segue com a engenhosidade harmônica das duas linhas de piano de “The Duchess” – uma em tempo 1 x 2 e outra 3 x 3, mas meticulosamente dessincronizadas –, que dão-lhe um caráter quase atonal. Lembra bastante a obscuridade da The Residents – banda, aliás, bastante influenciada por Wyatt. As frases do sax de Evan Parker, combinadas com uma flauta e o violino polonês de Wyatt, ao mesmo tempo emprestam dissonância e cores a esta canção de ninar macabra, que podia tranquilamente integrar a trilha de um filme de terror com criança. A atmosfera muda totalmente em “Maryan”, quando o trompete de Wyatt, sobre o dedilhar de um violão, começa a canção serpenteando acordes hispano-árabes. O djembê africano de Gary Azukx e o violino oriental de Chikako Sato adicionam-se. World music in natura. É quando entra a intrincada melodia de voz de Wyatt, a qual inclui a da esposa e parceira musical Alfreda Benge, formando a provavelmente mais complexa e bela canção do disco. Isso sem mencionar o solo de guitarra de outro fera que participa das gravações: o mestre Phil Manzanera. Tudo, claro, orquestrado pela maestria de Wyatt.

De fato, a inteligência musical de Wyatt sempre foi além do óbvio. Ligado às artes plásticas (é de sua autoria as pinturas e desenhos que ilustram todas as capas de seus discos), sua visão de arte vai além apenas dos sons. Por isso, sua música é tão completa e complexa. Do rock progressivo ele faz suscitar o dodecafonismo e a eletroacústica; sua leitura do jazz engloba a avant-garde e projeta o pós-jazz; a psicodelia não fica somente nos clichês, mas vai em busca de texturas próximas do concretismo, do minimalismo e do microtonalismo; as referências exóticas não se restringem apenas à música indiana ou oriental, mas bebem nos timbres e ritmos da Espanha muçulmana e da África negra e egípcia. “Was A Friend”, nessa proposta politonal e polirrítimica, é um jazz dissonante que quebra novamente o ritmo da sequência de faixas, o que, em termos de conceito de obra, é um expediente empregado por Eno na construção temática dos álbuns que produz afetuosamente aos amigos (“Everything...”, com Byrne, e “Outside”, com David Bowie, por exemplo, respeitam essa ordem).

Noutro destaque, a emocionante “Free Will And Testament” (“Livre vontade e testamento”), dá para captar na voz sentida e em registro agudo de Wyatt (de difícil afinação) o sofrimento pela condição da paraplegia, bem como a culpa pelo ato suicida que ainda o rondava mesmo quase 25 anos depois do acidente. “Vou ter a minha liberdade, mas dentro de certos limites/ Eu não posso desejar para mim ilimitadas mutações/ Eu não posso saber o que eu seria se não fosse ele/ Posso apenas imaginar a mim mesmo”. Um lamento do fundo da alma que gerou uma canção excepcional. Mudando de sintonia de novo, o pós-jazz “September The Ninth” remonta a Chick Corea de "Mad Hatter", a Carla Bley de “Escalator Over the Hill” e até ao microtonalismo de Harry Partch na ópera-lóki “Revelation in the Courthouse Park”.

“Alien”, composição de Wyatt e Alfreda, tem claramente o dedo de Eno no arranjo. Basta notar os característicos teclados espaciais ao fundo, os mesmos que se ouvem lá em "Low", de Bowie, e em outros vários trabalhos de Eno, principalmente os de ambient music. Aos belos vocais longilíneos de Wyatt somam-se percussões africanas bastante rítmicas e um baixo alto e bem marcado, revelando aos poucos outra grande faixa do álbum – a qual retraz, agora, a pegada world music experimentada por Eno com os Talking Heads em "Remain In Light", de 1979.

“Out Of Season”, intensa, também interliga vários pontos díspares: música de teatro, atonalismo, Debussy, jazz modal. E como se tudo estivesse propositadamente disperso, fora da estação. Porém, na montanha-russa proposta pelo autor, logo há uma nova tentativa de encontro de um centro tonal (e emocional) mais acolhedor, o que se nota na colorida – mas não menos dispersa –  “A Sunday in Madrid”. Aqui, Wyatt narra uma onírica e viagem à capital espanhola, numa letra de grande teor literário: “Pa chega à cidade das portas fechadas/ É recebido por mineiros das Astúrias/ Sua limusine estriada guarda as últimas brilhantes gavetas-caixas gigantes/ Amontoados para o calor/ Ele é depositado em sua câmara interna/ Mais tarde, Pa encontra o urso representando uma árvore/ Para confundir sentido de cheiro dos cães dos portões do inferno...”

Mais uma ótima é “Blues In Bob Minor”, um blues embalado que é levado numa base de órgão. O canto ininterrupto de Wyatt conta outra longa história, esta da existência sem sentido dos personagens Roger e Martha em meio à célere e burocrática vida urbana. Nessa, a guitarra carregada do ex-Roxy Music Manzanera faz um duo de improviso com a jazzística de Philip Catherine, noutro momento especial do disco. “The Whole Point Of No Return”, composição do amigo Paul Weller (Jam e Style Council), é uma pequena vinheta altamente lírica que encerra o disco numa versão tão personalizada que em nada lembra a original, de 1982. A base se sustenta num coro ao estilo do canto medieval, soturno e litúrgico, assinado pelo próprio Weller. O piano de Wyatt solta notas esparsas, dando a liberdade perfeita para seu trompete solar, que desfecha “Shleep” com a mesma complexidade e beleza que o perfazem desde o início.

Da discografia de Wyatt, muitos destacariam “Rock Bottom”, de 1973, como o pesquisador musical italiano Piero Scaruffi, que o coloca como o 2º maior álbum de rock de todos os tempos e entre dos 15 trabalhos mais importantes da música mundial na segunda metade do século XX. Não é para menos: gravado imediatamente após o acidente, é um registro fiel e pungente do então novo Robert Wyatt que o destino reservara (o título, pertinentemente quer dizer “fundo do poço”). Entretanto, o também celebrado “Shleep”, além de contar com a mão mágica de Eno na produção, é resultado de um artista, então aos 52 anos, maduro, tanto no que se refere à sua música e arte quanto a ele próprio enquanto pessoa e cadeirante. “Levei muito tempo para me recuperar do acidente”, confessou em entrevista na época do lançamento de “Shleep”. As questões da depressão estão igualmente presentes, bem como a reflexão de quem se é a busca de significados maiores. Se Wyatt chegou às respostas, só ele pode confirmar. O disco, no entanto, dá pistas desse olhar autocurador que ele lançou para dentro de si. Terapêutico para ele e um deleite para quem escuta.
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FAIXAS:
1. Heaps Of Sheeps (Alfreda Benge/Robert Wyatt) - 4:56
2. The Duchess - 4:18
3. Maryan (Philip Catherine/Wyatt) - 6:11
4. Was A Friend (Hugh Hoppe/Wyatt) - 6:09
5. Free Will And Testament - 4:13
6. September The Ninth (Benge/Wyatt) - 6:41
7. Alien (Benge/Wyatt) - 6:47
8. Out Of Season (Benge/Wyatt) - 2:32
9. A Sunday In Madrid - 4:41
10. Blues In Bob Minor - 5:46
11. The Whole Point Of No Return (Paul Weller) - 1:25

todas as composições de Robert Wyatt, exceto indicadas.

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OUÇA O DISCO:






sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Winston McAnuff & Fixi – Festival MIMO – Praça Tiradentes – Ouro Preto/MG (30/08/2014)




Os três mandando ver
na histórica Praça Tiradentes
Sabe aquelas lances da vida que te surpreendem porque tu não tinhas prestado atenção na mensagem que o destino já tinha te dado? Pois a cenográfica Ouro Preto foi-me cenário para uma ocasião dessas. Afinal, só o destino explica porque Leocádia e eu cruzamos com aquela figura horas antes de iniciar o show que nos inebriaria e não o tenhamos reconhecido. Sim: topamos a centímetros com Winston McAnuff na histórica Praça Tiradentes durante uma de nossas caminhadas vespertinas pelas ruas da cidade. E mais: ele ficou nos mirando debruçado sobre uma mureta, com seus óculos escuros azuis e cabelos dread, como se nos convidasse para uma conversa, e... não o identificamos. Nem sequer puxamos a máquina fotográfica, que estava conosco!

Pois a nossa falta de oportunidade – e de informação –, talvez, não tenha sido à toa. Não sabíamos que aquela entidade negra que nos olhara tão de perto no local onde a plateia fica – e que, horas depois, seria por nós olhado daquele mesmo ângulo sobre o palco –, tratava-se de uma das lendas do reggae jamaicano, com passagem pela banda Inner Circle e de carreira solo consistente desde o final dos anos 70. Soma-se a isso o fato de que o jazzista Chick Corea, principal atração do Festival MIMO e motivo maior de termos ido até lá naqueles dias, cancelara seu show por não ter conseguido sair da Argentina em virtude da greve geral naquele país. Ou seja: não havíamos nos preparado para nenhuma outra programação. Mas, em contrapartida, se já soubéssemos o que presenciaríamos naquela noite não seria uma gratíssima surpresa assistir ao “Electric Dread”, como é apelidado, juntamente com outros dois (apenas dois!) músicos: o multi-instrumentista francês Fixi e o percussionista Marc Ruchmann. Somando, apenas três no palco. Mas tinham muitos ali, com certeza. Apoiado pelo espírito de Jah, a quem McAnuff invocou no começo da apresentação, eles deram um show memorável.
Fixi comandando a banda 
com seu acordeom

O show é baseado no álbum “A New Day”, projeto de McAnuff em colaboração com Fixi, de 2013. Aí começa a operar a benfeitoria do destino, pois tivemos a chance de ouvir as músicas do repertório primeiramente ao vivo, visto que, no estúdio, se não chegam a ser decepcionante, é bem menos impactante. Isso porque, ao vivo, o que se viu foi um trio totalmente tomado pelos sons, cada um a seu estilo, cada um com suas preciosidades.

Começando por Ruchmann, que mais parecia um monge tocador. Sentado ao fundo do palco de pernas cruzadas, ele combinava beat-box vocal com dois aparatos de bateria eletrônica e um prato em sua volta. Apenas. O suficiente para dar a impressão de que tinha todo o Olodum ali. Sua precisão e capacidade rítmica conseguiam imprimir com desenvoltura os mais variados climas e ritmos, indo do reggae ao dub, do punk rock ao trance. Já Fixi, arranjador e centro harmônico da banda, alternava piano, teclado e acordeom. Mas que acordeom! Parecia sair dali uns 20 instrumentos diferentes, de tão bem explorados o fole, o teclado e o diapasão. Além disso, o cara vibrava, dançava, girava alucinadamente a cabeça. Era contagiante sua entrega. E melhor: mantinha a base e não saía do tom jamais.

E o que falar de Winston McAnuff, então? Nossa: que cantor. Daqueles que cantam com a alma negra, como um Ray Charles ou Ibrahim Ferrer, mas que, acima de tudo, conhece a projeção da voz no ambiente ao vivo, sabendo usar as reverberações e extensões da própria emissão como poucos. Performático, lembrava, inevitavelmente, Bob Marley, haja vista a força espiritual e a influência que o “pai do reggae” tem na Jamaica. Mas não fica só nisso. Múltiplo e aberto a todos os ritmos do mundo, fez, com Fixi, o skank de Mandeville e o folk francês de Paris se aproximarem da tecno de Londres, do blues de St. Louis, do jazz de Chicago, do soul de Detroit, da polca Tcheca e até do baião nordestino!

McAnuff no palco do MIMO
sob a luz de Jah
A cada execução, íamos nos surpreendendo cada vez mais. Era uma melhor atrás da outra! Em “Garden of Love”, música de trabalho do disco, McAnuff remete ao fraseado de Bob e Tosh enquanto Fixi imprime-lhe um ar de folclore escandinavo, o mesmo com “1, 2, 3”, cujo riff de gaita é tão perfeitamente mantido que parece eletrônico, tal como a batida da percussão. “You and I”, funk com seu riff curto e repetitivo, é um James Brown afrobeat com ares de Jamiroquai e PIL. “Wha Dem Say”, outra espetacular, cadenciada e lírica, permitiu a McAnuff soltar o gogó sobre uma performance quase jazzística da dupla de instrumentistas. Já “Johnny” (personagem recorrente nas canções regueiras) é um misto de reggae e blues que, mais uma vez, deu a McAnuff a oportunidade de pôr o groove pelos pulmões, o que conquistou de vez a parcela do público que ainda se intimidara com o frio da noite de Ouro Preto.

A partir dali, com o público definitivamente cativado, foi só manter a mesma qualidade e alma. Exatamente o que aconteceu com “Heart of Gold”, de construção esquisita mas altamente pop; “A New Day”, linda, sustentada só no piano; e “Let Him Go”, com a qual o vocalista chamou a plateia para acompanhar no canto e nas palmas. Ainda “Things Happen”, drum’n’bass bem jazzy e minimalista e, para cair ainda mais nosso queixo, “Don’t Give Up” na qual Fixi simplesmente mandou no piano, na abertura, os acordes de “O Guarani”, do compositor brasileiro erudito Carlos Gomes!

No bis, mais surpresas. Depois de uma balada emocionante, tocaram, com ciência do que estavam fazendo, “If You Look”, um lindo baião-Gonzaga, que cresce no seu decorrer para se transformar em um trance atmosférico e sideral. Que musicalidade, que energia, que multiplicidade de ritmos. Se existe a world music, é aquilo que vimos. Momento realmente especial ter vivido aquilo sob a neblina cinematográfica da noite de Ouro Preto, atmosfera que nos impele, inevitavelmente, a certa sensação de ilusão. Chegamos a nos perguntar: “foi verdade?”. “O que o destino, Deus, Jah, quis nos dizer com o cancelamento do show de Corea, com aquela identificação de olhares que tivemos com McAnuff à tarde, e para coroar, com o maravilhoso show que assistimos?” Talvez as respostas nos faltem. Mas que foi verdade, foi. E foi demais.



quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Jerry Lee Lewis - "Live at Star Club, Hamburg" (1964)




“Não é um álbum,
é uma cena de crime”
revista Rolling Stone



E quem disse que piano não é instrumento pra rock’n roll? Se alguém acreditava que não, Jerry Lee Lewis tratou de provar não apenas que era mas também o quanto poderia ser infernal com ele. Infernal literalmente! A ponto de incendiar o próprio instrumento no palco, muito antes de Hendrix fazer uma fogueirinha com sua guitarra.
Daqueles artistas tipicamente rock’n roll. Sob todos os aspectos: na postura frenética no palco, nas atitudes inconseqüentes, na rebeldia incontrolável e na conturbada vida pessoal, tendo se casado com a própria prima, na época menor de idade, num dos maiores escândalos daquele tempo.
Este artista explosivo, temperamental, doido, genial mostra toda sua força e vitalidade no registro ao vivo “Live at Star Club, Hamburg” onde extrapola todos os limites da performance ao vivo, levando as canções a extremos da interpretação.
Em canções como “Mean Woman Blues”, simplesmente ensandecida; “High School Confidential” onde praticamente ‘agride’ o piano; na selvagem “Hound Dog”; e nas clássicas “Long Tall Sally” e “Good Golly Miss Molly” aceleradas, rasgadas e gritadas, ele justifica plenamente a alcunha de "Matador" e destroi tudo.
Ainda dá uma leitura charmosíssima para "Money" (gravada por Beatles, Sonics e outros tantos), esmerilha no bluesão "Matchbox" e tira um pouco da chorosidade de "Your Cheatin' Heart" de Hank Williams conferindo-lhe um ar um pouco mais cínico.
Outro daqueles grandes álbuns ao vivo da história, e este com a marca de uma das maiores lendas do rock’n roll.
Killer! Killer!
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FAIXAS:

  1. "Mean Woman Blues" (Claude Demetrius) 4:01 
  2. "High School Confidential" (Hargrave, Lewis) 2:25 
  3. "Money (That's What I Want)" (Janie Bradford, Berry Gordy) 4:35 
  4. "Matchbox" (Carl Perkins) 2:46 
  5. "What'd I Say, Part 1" (Ray Charles) 2:18 
  6. "What'd I Say, Part 2" 3:08 
  7. "Great Balls of Fire" (Otis Blackwell, Jack Hammer) 1:48 
  8. "Good Golly, Miss Molly" (Bumps Blackwell, John Marascalco) 2:19 
  9. "Lewis' Boogie" (Lewis) 1:55 
  10. "Your Cheatin' Heart" (Hank Williams) 3:03 
  11. "Hound Dog" (Jerry Leiber, Mike Stoller) 2:28 
  12. "Long Tall Sally" (Enotris Johnson, Little Richard) 1:52 
  13. "Whole Lotta Shakin' Goin' On" (Sunny David, Dave Williams) 4:24

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Ouça:

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

cotidianas #106 - "O Estrangeiro"



O pintor Paul Gauguin amou a luz na Baía de Guanabara
O compositor Cole Porter adorou as luzes na noite dela
A Baía de Guanabara
O antropólogo Claude Levy-strauss detestou a Baía de Guanabara:
Pareceu-lhe uma boca banguela.
E eu menos a conhecera mais a amara?
Sou cego de tanto vê-la, te tanto tê-la estrela
O que é uma coisa bela?


O amor é cego
Ray Charles é cego
Stevie Wonder é cego
E o albino Hermeto não enxerga mesmo muito bem


Uma baleia, uma telenovela, um alaúde, um trem?
Uma arara?
Mas era ao mesmo tempo bela e banguela a Guanabara
Em que se passara passa passará o raro pesadelo
Que aqui começo a construir sempre buscando o belo e o amaro
Eu não sonhei que a praia de Botafogo era uma esteira rolante deareia brancae de óleo diesel
Sob meus tênis
E o Pão de Açucar menos óbvio possível
À minha frente
Um Pão de Açucar com umas arestas insuspeitadas
À áspera luz laranja contra a quase não luz quase não púrpura
Do branco das areias e das espumas
Que era tudo quanto havia então de aurora


Estão às minhas costas um velho com cabelos nas narinas
E uma menina ainda adolescente e muito linda
Não olho pra trás mas sei de tudo
Cego às avessas, como nos sonhos, vejo o que desejo
Mas eu não desejo ver o terno negro do velho
Nem os dentes quase não púrpura da menina
(pense Seurat e pense impressionista
Essa coisa de luz nos brancos dentes e onda
Mas não pense surrealista que é outra onda)


E ouço as vozes
Os dois me dizem
Num duplo som
Como que sampleados num sinclavier:


"É chegada a hora da reeducação de alguém
Do Pai do Filho do espirito Santo amém
O certo é louco tomar eletrochoque
O certo é saber que o certo é certo
O macho adulto branco sempre no comando
E o resto ao resto, o sexo é o corte, o sexo
Reconhecer o valor necessário do ato hipócrita
Riscar os índios, nada esperar dos pretos"
E eu, menos estrangeiro no lugar que no momento
Sigo mais sozinho caminhando contra o vento
E entendo o centro do que estão dizendo
Aquele cara e aquela:


É um desmascaro
Singelo grito:
"O rei está nu"
Mas eu desperto porque tudo cala frente ao fato de que o rei é mais bonito nú


E eu vou e amo o azul, o púrpura e o amarelo
E entre o meu ir e o do sol, um aro, um elo.
("Some may like a soft brazilian singer
but i've given up all attempts at perfection").

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"O Estrangeiro"
Caetano Veloso




terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Tim Maia - "Tim Maia" (1970)


"Eu estou tocando música com influência americana, mas com muita raiz brasileira também porque eu aprendi a tocar violão aqui, meu conhecimento harmônico foi todo aqui."
Tim Maia para o "Pasquim" em 1970

Já começa com um rock pegado, carregado no xaxado mas com uma pitada de música negra americana. Assim é "Coroné Antônio Bento" a primeira faixa deste álbum histórico da música brasileira e um dos mais importantes do seu contexto geral. E esta é a tônica da obra, o álbum "TimMaia" de 1970: música brasileira, cheia de raizes, de origens, mas com influências consideráveis da black-music da terra do Tio Sam. Tudo isso fruto da temporada americana de Tim, pouco antes de gravar seu primeiro álbum. Lá, nos EUA, Tim absorvia James Brown, Stevie Wonder, Ray Charles e trouxe consigo na bagagem o que de melhor conseguiu tirar da musicalidade deles agregando ao seu universo e formação musical, obtendo disso, então um extraordinário resultado.
"Jurema" e "Flamengo" são puro funk-soul ao melhor estilo Mr. Dynamite, com sonoridade toda à americana porém, ambas, com títulos bem brasileiros; "Padre Cícero" é outra carregada de regionalismos e brasilidades, fundindo a tradição religiosa brasileira com a sonoridade gospel americana; "Cristina", que aparece em duas versões, sobremaneira na parte um, mais lenta, tem um baixo marcante bem suingado e muito bonito que serve de moldura qualificada para Tim deitar seu vocal imponente e poderoso.
Destaque também para as baladas 'Primavera" e "Azul da Cor do Mar", outros dois shows de interpretação no vozeirão afinadíssimo e singular de Tim.
Em época de caixas (Box da Universal Music) e reedições (Coleção Abril) das obras do Síndico, nada mais justo que destacar este grande disco aqui nos FUNDAMENTAIS.
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FAIXAS:
  1. "Coroné Antônio Bento" (Luiz Wanderley / João do Vale)
  2. "Cristina" (Carlos Imperial / Tim Maia)
  3. "Jurema" (Maia)
  4. "Padre Cícero" (Cassiano / Maia)
  5. "Flamengo" (Maia)
  6. "Você fingiu" (Cassiano)
  7. "Eu Amo Você" (Silvio Rochael / Cassiano)
  8. "Primavera" (Vai Chuva) (Rochael / Cassiano)
  9. "Risos" (Fábio Imperial / Paulo Imperial)
  10. "Azul Da Cor Do Mar" (Maia)
  11. "Cristina nº 2" (Carlos Imperial / Tim Maia)
  12. "Tributo à Booker Pittman" (Cláudio Roditi)
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Ouça:
Tim Maia 1970



Cly Reis