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quarta-feira, 24 de novembro de 2021

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

IV Mostra Sesc de Cinema - Debate com realizadores de “Bago Sujo”, “Laços do Ofício” e “Um Pedal”

 

Novamente convidado para mediar um debate de cinema em nome da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, mesmo com a correria diária, não pude deixar de aceitar mais essa empreitada que a crítica de cinema me oportuniza. Afinal, além de gostar da prática, de envolver cinema, tratava-se da valorosa Mostra Sesc de Cinema - Panorama Rio Grande do Sul, que incentivar a produção nacional independente. Em sua quarta edição, a mostra evidencia o audiovisual que não chega ao circuito comercial de exibição, priorizando a seleção de realizadores brasileiros que abordem temas ligados à pluralidade cultural do país ou que se desdobrem em olhares exteriores que dialoguem com as realidades brasileiras.

O debate para o qual fui convidado, ocorrido dia 9 de novembro, trazia os realizadores dos seguintes curtas-metragens: Giordana Forte, pelo filme “Bago Sujo”; Fausto Prado, por “Laços do Ofício”; e Alexandre Derlan, diretor de “Um Pedal”. Única ficção entre os três títulos, “Bago Sujo” aborda, numa estética e narrativa fragmentadas, o primeiro dia de abstinência de um usuário de crack. Já o filme de Fausto, músico de formação, é um documentário sobre as relações entre professores de música e arte e crianças em situação de vulnerabilidade social e deficientes intelectuais em escolas e instituições das cidades gaúchas de Porto Alegre, Viamão, Gravataí e Canoas. Por fim, “Um Pedal” traz o esportista deficiente físico Nicolas Berghan, que percorre estradas inóspitas, com apenas único pedal de sua inseparável bicicleta narrando suas experiências reais, percepções de mundo, liberdade de escolha e inclusão.

Cartazes de "Bago Sujo" e "Laços de Família": inclusão sob ângulos diferentes

O belo doc "Um Pedal", de Darlan
Muito agradável e fluida a conversa com os três realizadores. O tema da inclusão foi uma baliza. Bem selecionados pela curadoria do festival, visto que bastante complementares, cada filme traz esse aspecto inclusivo por uma ótica diferente. “Bago Sujo”, a dificuldade de inserção do ex-dependente químico na sociedade; “Um Pedal”, a deficiência física não como empecilho, mas do ímpeto de superação de desafios na vida. e “Laços do Ofício”, o quanto a arte é capaz de agregar à vida e à família de pessoas com deficiência intelectual e/ou em vulnerabilidade social.

Interessante ressaltar que, para a seleção dos trabalhos, além dos aspectos técnicos e narrativos, foram levados em consideração elementos sociais, diversidades de linguagens e representatividades de gênero, raça, cor e territórios. Como resultado, a programação contou com realizadores de 10 cidades, três filmes com temáticas indígenas e obras dirigidas por 13 mulheres, 18 homens e duas pessoas não binárias.

Quem quiser conferir como foi esse bate-papo, o vídeo está disponível no site da mostra, a qual agradeço imensamente o convite e a oportunidade.

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debate Mostra Sesc de Cinema -“Bago Sujo”, “Laços do Ofício” e “Um Pedal”


Daniel Rodrigues

sábado, 20 de novembro de 2021

Impávido Colosso - Uma Luta que Nunca Termina



Dia desses, conversando com minha mãe, discutíamos sobre como, ao longo da história do Brasil, o negro, mesmo depois de todo o impio jugo ao qual foi submetido, continuou ainda sendo sufocado, amordaçado, reprimido, amassado, de modo a, mesmo liberto, não fazer parte de uma existência social efetiva. O negro estava livre, vá lá, ok... Mas que ficasse lá no seu canto. Cantar suas músicas de negro? Nem pensar. Adorar aqueles "demônios" esquisitos deles? Isso não é cristão. Suas danças extravagantes? Imagina! E no entanto, embora ainda muito oprimido, amordaçado, debaixo de muita resistência, o negro venceu. "Venceu? Mas como venceu?" Perguntar-me-ão os irmãos de cor. "Somos discriminados, ridicularizados, renegados, prejudicados, preteridos, assassinados e tudo mais de possível que as gentes preconceituosas consigam fazer, e tu vens me dizer que vencemos?". Tá bom..., têm razão: vencer pode ser um tanto exagerado, muito otimista, mas convenhamos que, mesmo goela abaixo, tiveram que nos engolir. As qualidades, as virtudes do negro sempre se sobressaíram, se impuseram, e foi impossível não nos aceitar.

O samba foi marginalizado, era tido como música vulgar, e, no entanto, tornou-se, nada menos que a maior expressão musical tipicamente brasileira e, praticamente, formadora de todas as demais; “eles” criaram o clubinho de elite deles para praticar o esporte inglês que chegava ao Brasil, mas quando perceberam que o criolinho jogava mais que eles, tiveram que deixar o neguinho participar de brincadeira e o convidado indesejado, não só tomou conta, como sedimentou a identidade do esporte e foi grande responsável por sua popularização; o Brasil foi colonizado por portugueses, espanhóis, holandeses, italianos, alemães e, mesmo com as mais vastas possibilidades culinárias, o prato mais popular do país é uma invenção dos negros, feitas praticamente com os restos que lhes davam nas senzalas; a capoeira era proibida, seus praticantes eram hostilizados, presos, mortos e hoje ela é patrimônio cultural nacional. Não teve jeito. Não tinha como conter o negro.


É bem verdade, que a sociedade racista, uma vez vendo-se impotente no que não consegue contestar, mesmo resistente em reconhecer os méritos, concede-nos sua “permissão” apenas parcial para integrar seu clube privado. “Tá bom, a música de vocês é boa, mesmo. Mas então fiquem aí. Vocês podem cantar, tocar e eu até posso gostar das músicas de vocês”; “Vocês correm mais, pulam mais alto, são mais fortes, então podem usar as cores do nosso país. Mas nos tragam medalhas, hein!”; “Vocês jogam muita bola, mesmo, hein! Mas então, tá, a gente deixa vocês jogarem, vocês nos entretêm e, enquanto nos forem úteis (se não falharem), a gente pode até idolatrar alguns de vocês”. Uma espécie de “passe” implícito, de passaporte para o “mundo deles” que só é concedido em determinados campos para aqueles, segundo eles, “diferenciados”, bem colocados ou, como dizem muitos, “negros com alma de branco”.

Mas é insuficiente!

Têm razão, amigos, isso não é vitória.

Embora tratando-se de segmentos de extrema importância dentro da formação da identidade nacional, é insuficiente e limitado dar-se por satisfeito em sermos respeitados basicamente no futebol e na música. Temos o desejo, a vontade e o potencial para nos inserirmos e brilharmos em quaisquer outros segmentos da sociedade mas, durante muito tempo, foi praticamente decretado que o negro só era bom nessas atividades físicas ou em coisas de “vagabundo” porque não teria capacidade para outras atividades.

Nunca deixaram!

O negro saiu da senzala com uma mão na frente e outra atrás sem uma retratação, sem uma compensação e sem qualquer plano de inserção social. Pelo contrário: foi jogado para a margem das cidades e ganhou apenas um belo “dá teu jeito”. Como fazer médicos, advogados, engenheiros, jornalistas assim? Um que outro afortunado teve a oportunidade porque ficou na fazenda do Sinhô, porque era mais clarinho e não sofria tanto preconceito, porque o negócio que abriu deu certo e deu pra juntar um dinheirinho, e assim foi. Mas, de um modo geral, ficamos praticamente um século sem conseguirmos entrar mesmo no clubinho.

Pois mesmo nos empurrando pra baixo, tentando nos manter como mera mão-de-obra, filhos dos filhos dos filhos daqueles escravos conseguiram empregos dignos, conseguiram entrar numa faculdade, conseguiram seus diplomas e hoje, tardiamente vemos mestres, pesquisadores respeitados, juristas, protagonistas de novelas, comentaristas esportivos, políticos, aparecendo cada vez mais e sem dever nada para ninguém. Eles berram quando a negra ancora o telejornal, quando a família negra aparece no comercial, quando o super-herói é negro, mas não tem mimimi. O choro é livre. Nós estamos em todo lugar!

Eles tentam nos atrasar dificultando nosso acesso à educação, fazendo o neguinho trabalhar desde pequeno para não poder ir à escola; contestando e negando, sempre que possível, as cotas, reparação mínima diante de todo atraso que nos causaram; entram nas favelas atirando para acabar com o máximo de indesejáveis que puderem mas não adianta: é irreversível. Nós estamos aí.

Vencer? Ainda não vencemos e tem muita luta pela frente. Mas apesar de todos os golpes, estamos em pé, inteiros, cada vez mais fortes, enquanto o adversário está atordoado, enfraquecido e, claramente, usando métodos sujos para tentar nos derrubar.

Como um Mohamed Ali, levantamos, gigante e impavidamente no nosso córner prontos para mais um round. Que soe o gongo. Estamos prontos.

 



Cly Reis


Texto publicado originalmente
no site Coletiva.net

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

cotidianas #735 - Nada Poderá Detê-lo




foto: D.S. Sanchez
Adu não entendia, absolutamente, o que os símbolos desenhados em seu torso significavam mas tinha plena confiança no velho Mafoh. Embora fosse conhecedor de práticas místicas e dono de métodos estranhos à compreensão comum, chamar aquele homem sagrado de feiticeiro não seria correto. Mafoh era antes um homem sábio com entendimentos de terra e além. Por isso Adu não contestou, quando ao expôr seu plano de fuga da fazenda, que o ancião lhe fizesse uma "proteção", como o próprio ancião definira. Aquela pintura em seu corpo e as palavras mágicas pronunciadas pelo velho Mafoh - rezas tradicionais carregadas com ele, provindas de seu povo, lá da África - tornariam o jovem invisível aos olhos de qualquer um que pretendesse lhe fazer ou causar mal. 
"Eu sinto cheiro de negro", dizia o Capitão do Mato sem, contudo conseguir encontrar qualquer escravo fugitivo à sua volta. Os cães se alvoroçavam, latiam, mas nem sinal da caça. E, no entanto, Adu estava ali, a não mais que cinco metros do grupo de busca. Mafoh lhe dissera que a condição para que a proteção funcionasse era que o jovem acreditasse. Se realmente acreditasse, estaria também acreditando nas tradições, nas origens de seus antepassados, em suas raízes. Adu acreditava! Ele sabia que naquele momento os deuses de seu povo estavam com ele e sua jornada seria iluminada.




Cly Reis