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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Legião Urbana - "Dois" (1986)


“Eu não falo porque quero salvar alguém. Eu falo porque gosto. Quem sou eu para salvar alguém? Eu é que tenho que me salvar!”

“Minha geração sempre foi tachada de vazia e idiota. Eu não podia fazer uma besteira.”
Renato Russo


Lembro que ganhei o “Dois” em cassete num Natal. O rock Brasil estava em plena efervescência, “Tempo Perdido” tinha estourado havia pouco tempo e todo mundo queria ter discos de Titãs, RPM, Legião. Pedimos de presente então, eu, o novo do Legião Urbana, e meu irmão, o “Selvagem?” dos Paralamas. Lembro que botamos a fita pra tocar, ali, ainda naquela noite. Iniciava com um ruído de sintonia radiofônica que passava brevemente por “Será”, como que anunciasse exatamente que ali estava uma continuação melhorada do bom álbum de estréia. E “Daniel na Cova dos Leões”, começava então, confirmando bem o refinamento e aperfeiçoamento em relação ao que haviam feito anteriormente, num rock preciso, intenso, numa composição forte claramente mais elaborada que os punks quase crus do disco anterior, com um final clássico com um piano cheio de dramaticidade.
“Quase sem Querer” que a seguia, apresentava uma faceta meio cancioneira que o público não conhecia até então dada a característica do disco anterior. Com um rock acústico de letra introspectiva e intimista Renato expunha sentimentos de tal forma que músicas como esta seriam fundamentais para consolidar a proximidade que o público viria a assumir a partir dali cada vez mais com a banda.
A terceira, “Acrilic On Canvas” tinha um arranjo duro, baixo, com vocal forçado nos graves. Tem como maior mérito o interessante paralelo, cheio de matáforas, entre uma desilusão amorosa e a concepção e pintura de um quadro. Talvez seja a mais amarga e dolorosa do disco.
Já a seguinte, “Eduardo e Mônica”, com sua levada acústica, foi sucesso imediato apesar de sua letra longa, sem refrão e sua historinha de amor. Meio piegas, meio breguinha, é verdade, mas provavelmente fora exatamente isto o que cativara tanto as pessoas. Uma história contada de forma objetiva e direta cheia de ternura e bom humor versando sobre pessoas comuns; comuns como nós.
“Central do Brasil” era um pequeno interlúdio; um lamento acústico, meio sertenejo, breve, servindo praticamente de entrada para um dos grandes hits da banda, “Tempo Perdido”, esta por sua vez, um dos maiores ‘hinos’ da Legião. Talvez seja a que tenha conquistado o público de vez e que tenha efetivamente impulsionado o disco e a popularidade do quarteto de Brasília. Forte, intensa, cheia de sentimento, “Tempo Perdido” mostrava uma levada bem próxima ao som do The Smiths, que na época era influência forte de Renato Russo, desde a sonoridade, passando pelo jeito de dançar no palco e pelas flores que carregava em shows e fotos, assim como Morrissey. Mas “Tempo Perdido” era mais que uma “imitação” de Smiths, era algo como um grito desesperado da juventude e Renato Russo aparecia como uma espécie de representante. Todos nos identificamos na época com Renato porque ele se colocava no nosso mesmo barco e lamentava o fato de que ainda éramos tão jovens e já havíamos perdido tanta coisa.
A seqüência do disco era destruidora com duas pancadas sonoras, “Metrópole” e “Plantas Embaixo do Aquário”, especialmente a primeira, um punk-rock agressivo no melhor estilo Aborto Elétrico.
Seguia então com “Música Urbana 2”, um blues acústico lamentoso e amargo que a seu modo resumia o dia-a-dia nas cidades grandes; e “Andréa Doria”, que vinha em seguida, funcionava como uma de gêmea de “Acrilic On Canvas”, apenas um pouco mais leve sonoramente mas tão triste, infeliz e com o coração tão partido quanto na outra.
“Fábrica”, a seguinte, também lembrava Smiths no som - mais de leve, mas lembrava -, e era uma das mais belas e emocionantes do disco com Renato novamente se colocando junto com a massa, exigindo justiça e elevando valores como honestidade, bondade, igualdade. Era uma espécie de Messias?
Mas seu 'messianismo' ainda estava por mostrar-se mesmo na última faixa, “Índios”, uma letra longa, difícil, construída a partir de uma anáfora cujo verso repetido passaria a ser emblemático para a banda: “quem me dera ao menos uma vez”. “Índios” era um canto de esperança e desesperança ao mesmo tempo, uma demonstração de inocência traída, um clamor de justiça, uma declaração de amor ao país e um pedido de algo em troca. E nós nos sentíamos aqueles índios. Nós éramos a partir de então os índios, e todos sabíamos disso.
Não à toa, a partir daí passou-se a chamar, informalmente e extraoficialmente, os fãs do Legião Urbana de “tribo” e a banda de A legião, como se aquilo tudo do que fazíamos parte fosse uma espécie de seita, de religião.
E era mais ou menos isso, e por incrível que pareça, hoje exatamente 14 anos depois da morte de Renato Russo, não é muito diferente. Já não somos mais crianças, já não somos mais tão jovens quanto o próprio Renato cantou, sabemos que não somos fiéis de ninguém e que essa coisa de líder messiânico é bobagem, mas, independentemente disso, A Legião Urbana, sobretudo na figura de seu líder, ainda preserva essa aura de ascendência sobre uma geração. A geração Coca-Cola.

Renato Russo era soropositivo desde 1989 e morreu em virtude complicações causadas pela AIDS em 11/10/1996.
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FAIXAS:
  1. "Daniel na Cova dos Leões" (Renato Russo/Renato Rocha) – 4:04
  2. "Quase Sem Querer" (Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Renato Rocha) – 4:42
  3. "Acrilic on Canvas" (Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Renato Rocha/Marcelo Bonfá) – 4:43
  4. "Eduardo e Mônica" (Renato Russo) – 4:31
  5. "Central do Brasil" (Renato Russo) – 1:34
  6. "Tempo Perdido" (Renato Russo) – 5:03
  7. "Metrópole" (Renato Russo) – 2:42
  8. "Plantas Embaixo do Aquário" (Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Renato Rocha/Marcelo Bonfá) – 2:53
  9. "Música Urbana 2" (Renato Russo) – 2:40
  10. "Andrea Doria" (Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Marcelo Bonfá) – 4:53
  11. "Fábrica" (Renato Russo) – 4:55
  12. ""Índios"" (Renato Russo) – 4:17
* o formato cassete trazia ainda a faixa "Química" que depois vira a fazer parte do álbum seguinte, "Que País é Este".
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Ouça:
Legião Urbana Dois



Cly Reis

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Legião Urbana - "Legião Urbana" (1985)


URBANA LEGIO
OMNIA VINCIT
(Legião Urbana a tudo vence)



Mesmo em meio à explosão do rock nacional da metade dos anos 80, podia-se notar que a Legião Urbana tinha algo de diferente. Ainda que tenham sido elevados quase que imediatamente a uma espécie de papel de porta-vozes de uma geração, pelas letras engajadas, políticas, sociais, as mesmas não se limitavam à mera convocação ao levante popular ou a um niilismo juvenil, mostrando diferenciais intelectuais e estruturais de seu principal compositor, Renato Russo; e mesmo as mais pessoais, por sua vez se destacavam do lugar comum, saindo do tradicional modelo intimista- apaixonado-desesperado com uma poesia muito peculiar, elaborada e de qualidade. Na parte instrumental, embora não se destacassem tecnicamente por virtuosismos instrumentais individuais, compensavam isso por uma solidez sonora, competência, doses equilibradas de agressividade e lirismo.
“Legião Urbana”, seu primeiro trabalho de 1985, é um tanto cru ainda, meio tosco em alguns momentos, mas essa pureza talvez seja interessante para que se perceba o verdadeiro espírito da música do grupo que nunca foi abandonado mesmo em trabalhos posteriores mais elaborados e sofisticados.
“Será”, não só faz as honras de abertura do disco como é a responsável por apresentar a banda ao Brasil, mostrando muitas das marcas que o grupo levaria consigo ao longo de sua trajetória. Num punk-rock bem trabalhado que fundia brilhantemente questões pessoais com um âmbito mais amplo, abraçando dúvidas e anseios coletivos, Renato Russo, como voz e representante, aproximava-se de maneira muito íntima e solidária de seus interlocutores, e começava a criar grande parte da empatia e liderança que viria a exercer sobre seus fãs.
Segunda faixa do álbum, a embalada “A Dança”, é uma pedrada numa juventude vazia, sem interesses, valores ou expectativas, conduzida com competência pelo baixo de Renato Rocha, o melhor instrumentista da banda, que deixaria a banda em seguida. Se “O Petróleo do Futuro”, a terceira, é um exemplar mais característico do punk de Brasília do início dos anos 80, mais tosca, pesada e agressiva; “Ainda é Cedo”, requintada e limpa, talvez seja o momento de maior maturidade sonora da banda até então para um primeiro disco, numa canção de amor, desentendimento e despedida, interpretada de forma esplêndida por Renato Russo. O disco segue com “Perdidos no Espaço”, canção de amor apenas interessante e de estrutura esquisita em determinados momentos; e com “Geração Coca-Cola”, um daqueles hinos instantâneos, ainda mais naquele contexto pós-militarismo clamoroso por democracia, um autêntico manifesto punk, agressivo e indignado, mas gritado com muito mais inteligência, vocabulário e recursos que o punk paulista suburbano, por exemplo, que sempre fez aquilo, verdade seja dita, mas de forma tão primária que muitas vezes caía no folclórico.
Em “O Reggae”, como o título já faz supor, a banda explora o tradicional ritmo jamaicano, e Renato Russo nos dá a primeira mostra de sua capacidade de desenvolver histórias musicais, no que mais tarde ficaria célebre em "Eduardo e Mônica" e “Faroeste Caboclo”, descrevendo aqui uma trajetória anunciadamente trágica, desde o berço até a crueldade das ruas. Em “Baader-Meinhof Blues”, o vocal conduzido levemente por Renato Russo contrasta com a letra pesada e irônica sobre violência; e igualmente impactante é a pessimista “Soldados”, com sua batida marcial e teclado melancólico.
O espetacular punk-rock “Teorema”, de letra extremamente bem concebida, encaminha o final do disco de forma absolutamente empolgante, especialmente no fraseado de guitarra de introdução para o refrão e no improviso vocal final, extático, histérico, espontâneo e inspirado de Renato Russo. E se por um momento o ouvinte vem a pensar que não poderia haver um encerramento melhor do que aquele notável epílogo que acabara de ouvir, vem então a belíssima “Por Enquanto”, uma melancólica canção de amor, que apenas com uma flutuante base de teclado desenvolvida sobre uma batida eletrônica quebra toda a energia beligerante do álbum e, aí sim, se despede do ouvinte com o sugestivo e inesquecível verso “estamos indo de volta pra casa”. Um final perfeito.
Estava feito: com a quele primeiro álbum a Legião Urbana era conhecida. O mito estava começando a surgir. O sucesso, mito, a idolatria, a identificação, a comoção... O resto da história todo mundo conhece.
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FAIXAS:
1. "Será" (D. Villa-Lobos/M. Bonfá /R. Russo) 2:30
2. "A Dança" (D. Villa-Lobos/M. Bonfá/R. Russo/R. Rocha) 4:01
3. "Petróleo do Futuro" (D. Villa-Lobos/R. Russo) 3:02
4. "Ainda É Cedo" (D. Villa-Lobos/I. Ouro Preto/M. Bonfá/R. Russo) 3:57
5. "Perdidos no Espaço" (D. Villa-Lobos/M. Bonfá/R. Russo) 2:57
6. "Geração Coca-Cola" (R. Russo) 2:22
7. "O Reggae" (R. Russo/M. Bonfá) 3:33
8. "Baader-Meinhof Blues" (D. Villa-Lobos; M. Bonfá; R. Russo) 3:27
9. "Soldados" (M. Bonfá/R. Russo) 4:50
10. "Teorema" (D. Villa-Lobos/M. Bonfá/R. Russo) 3:06
11. "Por Enquanto" (R. Russo) 3:16 

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Ouça:


Cly Reis






sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Legião Urbana - "As Quatro Estaçoes" (1989)




"EXISTEM MARÉS
E EXISTE A LUA (...)
EXISTEM
CANÇÕES"
(do texto do encarte do disco)



O imenso sucesso do terceiro disco da Legião Urbana, “Que País É Este”, gerou uma enorme expectativa pelo lançamento do seu sucessor, até porque, embora extremamente exitoso em vendas e nas paradas, “Que País É este” era uma espécie de coletânea de material não lançado porém já conhecido por parte do público. Esperava-se então uma novidade, supostamente de material composto desde o grande "Dois" , de 1986. O que sabia-se há muito, desde praticamente o andamento da turnê do terceiro, era que o trabalho seguinte chamar-se-ia, “As Quatro Estações”. Conhecido o nome, que de certa forma continuava a seqüência numérica interrompida pelo último disco, (“Legião Urbana” de 1985, conhecido como “Um” por não ter nome e “Dois” de 1986) começavam as especulações sobre como viria a Legião para este novo trabalho. Se seguiria a linha do "Dois" que na verdade, em termos de ineditismo era o antecessor imediato; se a veia punk resgatada em “Que País É este” seria a tônica a partir daquele momento; se o modelo cancioneiro, quase acústico de "Faroeste Caboclo" prevaleceria. As possibilidades eram muitas. Renato Russo avisava que voltaria a utilizar material antigo do Aborto Elétrico e sinalizava com as gravações de “Dado Viciado” e “Marcianos Invadem a Terra”, duas conhecidas do público de Brasília mas não lançadas em disco e que acabaram só aparecendo mesmo muitos nos depois na coletânea póstuma “Uma Outra Estação”. Mas os planos mudaram, tudo mudou, fatos novos aconteceram, a banda mudou, a cabeça do vocalista mudou e o lançamento prometido para o início de 1988 foi sendo postergado por diversas vezes. Primeiro, inesperadamente para os fãs, Renato Rocha, o baixista competente de bases firmes e sangue punk foi afastado da banda em circunstâncias naquele momento pouco esclarecidas. Isso teria gerado a primeira mudança de rumo e afastamento da idéia inicial, já concebida e em fase de maturação para o novo álbum. Em segundo lugar, o estado emocional de Renato Russo, deprimido, confuso e se reavaliando, repensando novamente então o conceito que pretendia desenvolver no projeto. Depois ainda, resultado dessa autoavaliação com certeza, Renato Russo decidia, neste meio tempo, assumir sua homossexualidade, fator importante e decisivo para o resultado final do trabalho, mas que naquele momento fazia com que novamente alguma coisa fosse revista, excluída, incluída no trabalho. Assim, somente depois de 3 anos, era apresentado o tão esperado “As Quatro Estações” da Legião Urbana e a sensação quando se ouviu foi a de que valeu a pena esperar.
Com um Renato Russo mais equilibrado depois de tantas complicações, a Legião, agora um trio, nos brindava com um disco mais leve, mais otimista, mais espiritual, que como o próprio Renato afirma no encarte do álbum, não fora feito sem ajuda, valendo-se desde a Bíblia à filosofia oriental para compor uma das grandes obras da discografia nacional.
A lindíssima “Monte Castelo”, de sonoridade medieval, com letra praticamente tirada do soneto “O Amor é o fogo que arde sem se ver” de Camões, refrão adaptado da Epístola de São Paulo, com toques do “Tao Te King” do filosofo chinês Lao Tse, é bom exemplo de todos os pontos levantados: da ‘ajuda’ externa, da espiritualidade e do otimismo. “Quando o Sol Bater na Janela do Teu Quarto” também serve de amostra dessa aura positiva, esperançosa e mística de Renato e da banda. Sobre uma contagiante levada de violão, Renato convoca-nos (como sempre) a reagir e fazer um mundo melhor. Detalhe: toda a parte do “tudo é dor e toda a dor vem do desejo de não sentirmos dor” é de uma doutrina budista creditada a Bukkyo Dendo Kyokai, mais um dos inusitados ‘parceiros’ de autoria no disco.
A propósito de parceiros, mas agora em outro sentido, Renato Russo aproveita o disco pra se libertar e gritar para o mundo o que realmente é, e o faz especialmente no gostosíssimo rock “Meninos e Meninas” e na grave “Maurício”; fazendo, por sua vez, menção também à AIDS, que mais tarde lhe vitimaria, na excelente “Feedback Song For a Dying Friend”, um hard rock agressivo, guitarrado, cantado em inglês, finalizado com um instrumental árabe extasiante.
“Pais e Filhos” um dos grandes sucessos do disco é um blues acústico que coloca diversas situações familiares desde um aguardado nascimento de uma criança até um suicídio por falta de atenção, nos lembrando de um princípio básico da vida, num dos refrões mais conhecidos da música nacional (“é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã porque e você parar pra pensar na verdade não há”).
Com uma condução lenta, pontuada por um bandolim e com teclados soando como sinos, “Eu Era um Lobisomem Juvenil” é uma das poucas que soa um pouco mais lamentosa pela desilusão amorosa que expõe, mas no fundo falando mesmo simplicidade de espírito, de alegrias comuns, de coisas corriqueiras que parecem desimportantes mas que são na verdade a verdadeira vida.
O disco é tão positivo que até uma romântica como “Sete Cidades”, rock básico conduzido por uma harmônica muito legal, não chega a ser uma canção de amor sofrida como em muitos casos, servindo mais como uma espécie de instrumento de autoconhecimento e resignação do que uma dor-de-cotovelo clássica.
A primeira faixa de trabalho do disco, a smithiana “Há Tempos”, impressionava pela objetividade e contundência das sentenças manifestando, nesta sim, um certo desapontamento e preocupação com a juventude em um daqueles hinos característicos de Renato dirigidos à sua ‘geração Coca-Cola’. “Há Tempos” também tem colaborações externas assumidas e o segundo verso (“muitos temores nascem do cansaço e da solidão”) é adaptado da “Desiderata”, obra do filósofo-poeta Max Ehrmman.
A punkzinha “1965 (Duas Tribos)” também aborda um tema desagradável, a tortura e a ditadura militar, mas no fim das contas propõe uma volta por cima e cobra uma atitude positiva (“eu quero tudo pra cima”)
“As Quatro Estações” termina com “Se Eu Fiquei Esperando Meu Amor Passar”, outra canção romântica de composição simplória e delicada e que confirma toda a espiritualidade do disco encerrando com os versos do rito litúrgico “Cordeiro de Deus”.
E num momento equilibrado de Renato, tranquilo da banda, os abençoados éramos nós, os fãs, por recebermos depois de tanta espera um disco iluminado como aquele “As Quatro Estações”. Fresco como um dia de outono, gostoso como um dia de primavera, não sem ser severo como um dia frio de inverno, mas, sobremaneira, ensolarado como um dia de verão.

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FAIXAS:
  1. "Há Tempos" (Villa-Lobos/Russo/Bonfá) – 3:18
  2. "Pais e Filhos" (Villa-Lobos/Russo/Bonfá) – 5:08
  3. "Feedback Song for a Dying Friend" (Villa-Lobos/Russo/Bonfá) – 5:25
  4. "Quando o Sol Bater na Janela do Teu Quarto" (Villa-Lobos/Russo/Bonfá) – 3:13
  5. "Eu Era um Lobisomem Juvenil" (Villa-Lobos/Russo/Bonfá) – 6:45
  6. "1965 (Duas Tribos)" (Villa-Lobos/Russo/Bonfá) – 3:44
  7. "Monte Castelo (Renato Russo) – 3:50
  8. "Maurício" (Villa-Lobos/Russo/Bonfá) – 3:17
  9. "Meninos e Meninas" (Villa-Lobos/ Russo/Bonfá) – 3:23
  10. "Sete Cidades" (Villa-Lobos/Russo/Bonfá) – 3:25
  11. "Se Fiquei Esperando Meu Amor Passar" (Villa-Lobos/Russo/Bonfá) 4:56
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Ouça:

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Legião Urbana - “Que País é Este?” (1987)

 

“E depois do começo o que vier vai começar ser o fim...”

Nos últimos dias do mês de novembro, fez 35 anos do lançamento do terceiro disco da banda brasiliense Legião Urbana, “Que País é Este?”. Eu já morava em Aracaju, vindo de Brasília, quando o disco chegou às lojas e as canções começaram a tocar nas rádios. Particularmente, gosto das nove faixas: “Que País é Este?”, “Conexão Amazônica”, “Tédio (com T bem grande pra você)”, “Depois do Começo”, “Química”, “Eu Sei”, “Faroeste Caboclo”, “Angra Dos Reis” e “Mais do Mesmo”. 

“Das favelas, do senado, sujeira para todo lado...”

Este LP foi composto por canções escritas entre os anos de 1978 e mil 1987, da época que o Renato Russo e os irmãos Fê e Flávio Lemos (Capital Inicial) formavam a banda Aborto Elétrico. Excetuando-se “Mais do Mesmo” e “Angra dos Reis”, que foram compostas após o disco “Dois”, da Legião Urbana, de 1986. 

“... A noite acabou talvez tenhamos que fugir sem você...”

Aqui abro parêntese para uma curiosidade pessoal: de 1978 até 1987, foi justamente o tempo em que morei em Brasília, vindo de Fortaleza com quatro para cinco anos e depois indo para Sergipe com 13 para 14 anos. O mais frustrante disso, é que mesmo morando na cidade na época em que a banda surgiu, e sendo muito fã, eu nunca consegui assistir ao show ao vivo deles. Lembro de um que teve, antes daquele de junho de 1988, que nunca acabou, acho que foi em 1986, pouco depois do lançamento do “Dois”, que minha mãe cortou meu barato e não me deixou ir com a galera lá da quadra. E em Aracaju eles nunca vieram tocar... 

“... Andar a pé na chuva às vezes eu me amarro, não tenho gasolina, também não tenho carro...”

Neste disco, a banda retorna ao som mais furioso e punk que a impulsionou no primeiro álbum, já que o disco “Dois”, outro grande sucesso, tinha uma linha mais melodiosa. A banda também consegue captar exatamente os anseios da juventude da época. Política, problemas sociais, solidão e rebeldia dão o tom das letras de Renato Russo, sempre poéticas e melancólicas. 

“... Intrigas intelectuais rolando em mesa de bar...” 

O álbum foi um grande sucesso de vendas e foi contemplado com disco de diamante. Este LP também marcou por ser a última participação do baixo contundente de Renato Rocha na banda. 

“Em vez de luz tem tiroteio no fim do túnel...” 

No ano de 2010, numa enquete realizada pela revista Veja, o LP ganhou como melhor disco de rock brasileiro dos anos 80, seguido de “Cabeça Dinossauro”, do Titãs, e “Vamos Invadir sua Praia”, do Ultraje a Rigor

“Ser responsável, cristão convicto, cidadão modelo, burguês padrão, você tem quer passar no vestibular..." 

Sem dúvida alguma, duas canções marcaram bastante este disco. A representativa “Que país é este?”, que virou um hino de protesto e a é épica e bobdyliana “Faroeste Caboclo”. Quem nunca cantou esta última, a plenos pulmões, ao lado dos amigos, todo exibido por saber de cor a extensa letra, não viveu completamente aquela época. 

“Ele queria sair para ver o mar e as coisas que ele via na televisão...”.

Ouça no volume máximo!

“Se fosse só sentir saudade, mas tem sempre algo mais...”.

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FAIXAS:
1. "Que País É Este" - 2:57
2. "Conexão Amazônica" (Renato Russo/ Fê Lemos) - 4:37
3. "Tédio (Com Um T Bem Grande Pra Você)" - 2:32
4. "Depois do Começo" - 3:13
5. "Química" - 2:19
6. "Eu Sei" - 3:10
7. "Faroeste Caboclo" - 9:04
8. "Angra dos Reis" (Renato Russo/ Renato Rocha/ Marcelo Bonfá) - 5:00
9. "Mais do Mesmo" (Dado Villa-Lobos/ Renato Russo/ Renato Rocha/ Marcelo Bonfá) - 3:18
Todas as composições de autoria de Renato Russo, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO

por Jowilton Amaral da Costa


segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Capital Inicial - "Capital Inicial" (1986)




"Porque pobre quando nasce com instinto assassino
Sabe o que vai ser quando crescer desde menino
Ladrão pra roubar, marginal pra matar
'Papai eu quero ser policial quando eu crescer' "
da letra de "Veraneio Vascaína


Um dos ilustres representantes do rock de Brasília e um dos tentáculos do Aborto Elétrico, embrião que também originou a Legião Urbana, o Capital Inicial em seu excelente disco de estreia fazia um pop altamente acessível e palatável sem, no entanto abrir mão da veia punk que o originara. Mesmo hits como “Música Urbana”, por trás de uma competente produção que lhe enfeitava com metais e com uma linha de teclado simpática e marcante, traziam a sombra do caos cotidiano e da indignação social característica do punk rock. “Fátima”, o outro grande sucesso do álbum, também um pop, porém um tanto mais grave, mais tensa, mais séria, com suas sugestões religiosas, filosóficas e pitadas de alfinetadas contra a ditadura numa letra de Renato Russo, interpretada com notável competência e intensidade por Dinho Ouro-Preto. Já “Psicopata”, outra de boa execução radiofônica, era um punk comportamental agressivo e sem concessões. Básico, rápido, violento e forte. Uma pedrada! Pedrada? Bomba mesmo era “Veraneio Vascaína”, punk até a alma sob todos os aspectos, em sonoridade, letra e atitude, responsável direta pela proibição peremptória e incondicional do álbum, numa letra pra lá de detonante na qual rotulam a polícia de “assassinos armados uniformizados”.
“Cavalheiros” é outra com características punk, pegada e acusativa;  a acelerada “No Cinema”, embora tratando de um tema banal guarda sua dose de agressividade sonora; e  a boa “Leve Despespero” pende mais para o lado do darkismo dos anos 80, mais cadenciada e com uma letra intimista e depressiva, mas nem tudo é ‘ferro-e-ferro’ e o álbum tem momentos mais leves como “Tudo Mal” e “Linhas Cruzadas”, que apesar de retratarem relações infelizes, dão um toque um pouco mais descontraído sonoramente.
É bom que se diga e não se esconda a verdade que as melhores letras deste primeiro disco do Capital, "Múasica Urbana", "Fátima" e "Veraneio Vascaína" eram de autoria de Renato Russo, frutos ainda do finado Aborto Elétrico, mas não é fato suficiente que deslustre o mérito desta competente banda que soube dar personalidade a estas canções, imprimindo sua marca e conferindo-lhes interpretações marcantes através de seu vocalista.
Outro dos ilustres representantes do rock de Brasília e dos grandes pilares do BRock dos anos 80. Que metade de década foi aquela que nos proporcionou entre 85 e 86 álbuns como "Cabeça Dinossauro", "Dois", "Vivendo e Não Aprendendo", "Revoluções por Minuto", "Nós Vamos Invadir Sua Praia" e este “Capital Inicial” de 1986!
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FAIXAS:
  1. "Música Urbana" 3:30 (Fê Lemos, Flávio Lemos, André Pretorius, Renato Russo)
  2. "No Cinema" 2:56 (Fê Lemos, Flávio Lemos, Loro Jones)
  3. "Psicopata" 2:49 (Fê Lemos, Flávio Lemos, Pedro Pimenta, Loro Jones)
  4. "Tudo Mal" 3:12 (Fê Lemos, Rogério Lopes de Souza, Loro Jones)
  5. "Sob Controle" 3:31 (Flávio Lemos, Dinho Ouro Preto, Loro Jones)
  6. "Veraneio Vascaína" 2:15 (Renato Russo, Flávio Lemos)
  7. "Gritos" 3:27 (Fê Lemos, Dinho Ouro Preto, Loro Jones, Guta)
  8. "Leve Desespero" 3:53 (Fê Lemos, Flávio Lemos, Dinho Ouro Preto, Loro Jones)
  9. "Linhas Cruzadas" 3:36 (Fê Lemos, Flávio Lemos, Dinho Ouro Preto, Loro Jones)
  10. "Cavalheiros" 3:25 (Fê Lemos, Flávio Lemos, Dinho Ouro Preto)
  11. "Fátima" 3:49 (Renato Russo, Flávio Lemos)

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Ouça:

terça-feira, 6 de junho de 2017

Tributo à Legião Urbana: Guilherme Lemos e Os Filhos da Revolução - Bar La Esquina - Rio de Janeiro/RJ (02/06/2017)




Guilherme Lemos em momento
completamente entregue
à interpretação.
Eu não vou parabenizar Guilherme Lemos e sua banda, Os Filhos da Revolução, pelo show da última sexta-feira, 02/06, no Bar La Esquina, eu gostaria de agradecer pelo show. Agradecer pelo fato de terem me feito sentir novamente a energia de um show da Legião Urbana. Não, não era a Legião, não era Renato Russo à frente da banda, mas penso que poucos artistas poderiam demonstrar tamanha vivacidade como o fizeram Guilherme Lemos e banda.
Guilherme é um representante legítimo dessa religião chamada Legião Urbana. Com seu domínio de palco, de repertório, carisma e  ele transporta-nos para o universo legionário sem muito esforço. Sua aparência física ajuda, é claro, mas o que seria de sua semelhança com Renato se não houvesse nenhum talento ou competência? Não é porque estamos VENDO Renato Russo, é porque o estamos SENTINDO.
Para que se tenha ideia da atmosfera que a banda consegue transmitir, eu, homem feito, cheguei a ficar  emocionado em diversos momentos, em parte pelo repertório sempre muito tocante, mas muito também por conta das interpretações contagiantes que o cantor imprimia às canções.
Um desses momentos mágicos foi na longa mas nunca cansativa "Faroeste Caboclo". A saga de João de Santo Cristo com suas alternâncias de ritmos e intensidades foi cantada verso por verso por toda a plateia numa apresentação nada menos que sensacional.
Guilherme e sua turma conseguiram fazer de "Love Song (Cantiga de Amor)", mais do que meramente um apêndice de "Metal Contra as Nuvens" dando a ela vida própria; e à apenas mediana "Dezesseis", dar mais vivacidade compensando um pouco suas carências. "A Dança", por sua vez, foi absolutamente vibrante, intensa; e "Química", no trecho punk final do show, foi visceral, ocasionando uma pequena festa headbanger na pista do La Esquina.
"Pais e Filhos" teve mantida intacta a emoção que era passada por Renato Russo no palco e ainda teve, assim como nas apresentações dos rapazes de Brasília, o medley com "Stand By Me", por sinal, não menos arrepiante.
 O show teve lá seus problemas técnicos, falhas de microfones, retornos, pedaleiras, mas nada que uma banda tarimbada  como é, não conseguisse tirar de letra  com muito jogo de cintura. Sinceramente, só me desagradou um pouco o fato de Guilherme Lemos dedicar parte do show a uma transmissão via celular para uma pessoal em outra cidade, em Santa Catarina. Foram duas músicas com o celular na mão dando mais atenção a quem estava do outro lado do que para o público à sua frente, mas dá para relevar por tudo que foi o show em si, ali na nossa frente.
Já havia sido convidado pela produtora e esposa do cantor, Patrícia Ferreira, algumas vezes e por circunstâncias diversas não havia conseguido ir a um show deles. Felizmente desta vez tive a oportunidade de vê-los e pude comprovar o porquê da reputação de Guilherme Lemos como o melhor cover de Renato Russo no Brasil, apoiado por uma banda competentíssima e extremamente profissional.
Obrigado à amiga Patrícia pelo convite e a Guilherme Lemos e Os Filhos da Revolução por me fazerem reviver a sensação de assistir a um show da Legião Urbana. Tenho a impressão que todas aquelas pessoas vibrando diante do palco se sentiram um pouco gratos também.



abaixo algumas imagens da noite:


Guilherme em ação no palco com sua competentíssima banda.

E que tal esse setlist?

O blogueiro com a produtora e esposa do cantor, Patrícia Ferreira.

Tietagem no camarim com o grande Guilherme Lemos.


Cly Reis


domingo, 6 de dezembro de 2020

Legião Urbana - Ginásio Gigantinho - Porto Alegre / RS (Julho/1988)



A Legião Urbana, no palco,
em Porto Alegre, em 1988
(foto: página Legião Urbana Infinito - Facebook)
 Aquilo parecia um show de uma banda internacional, de nome grande, atração pesada. Gente que não acabava mais no pátio, fila que dava volta no ginásio, ingressos esgotados... A Legião Urbana havia chamado atenção com seu primeiro álbum, havia conquistado público e crítica com seu segundo trabalho, "Dois", mas foi "Que País é Este", de 1987, que os alçou definitivamente ao mega-estrelato e deu início a uma idolatria quase religiosa que nunca deixou de acompanhá-los. O brado de contestação da música que dava nome ao disco; a delicadeza frágil de "Angra dos Reis"; e o sucesso espontâneo de "Faroeste Caboclo", fizeram de um disco que era praticamente um apanhado de sobras, um fenômeno popular. Todo mundo tinha o disco, todo mundo sabia as letras de cor e, é claro, todo mundo queria ir ao show. O resultado disso era um Gigantinho lotado como só costumava-se ver em ocasiões especiais com atrações de renome mundial. Mas não, quem estaria ali seria uma banda brasileira, e tão brasileira que clamava pela resposta a uma pergunta que ainda hoje, diante de todos os absurdos e barbaridades que estão à nossa volta, faz todo o sentido: Que país é esse?
 E foi com essa que eles começaram o show, quase botando abaixo o ginásio do Sport Club Internacional. A voz de Renato Russo e a do público faziam uma só e a pólvora estava definitivamente acesa. O que se seguiu a partir dali foi uma catarse coletiva crescente com músicas como "Será", "Geração Coca-Cola", uma emocionante "Tempo Perdido", "Angra..." à luz de isqueiros, uma visceral "Conexão Amazônica", "Índios" com aquele "charminho" de esquecer a letra, e a quilométrica "Faroeste Caboclo", que mesmo sem repetições ou refrão, era incrivelmente cantada, de cabo a rabo,  por mais de nove minutos, por 15 mil vozes.
Um show inesquecível! No momento, talvez, de maior popularidade da banda, e ainda com sua formação clássica, com Renato Rocha no baixo, tive a oportunidade de ver Renato Russo e sentir toda aquela energia que ele transmitia àquela hipnotizada legião de seguidores. Experiência essa ainda mais valorizada considerando que, infelizmente, nunca mais teremos essa oportunidade. Quem viu, viu; quem não viu, não verá mais.


Legião Urbana - Maracanãzinho (15/07/1988)

Não há registro em vídeo do show do Gigantinho mas o show do Rio de Janeiro, daquele mesmo ano, 
foi registrado e, por ser da mesma turnê e por ter ocorrido apenas uma semana depois do de Porto Alegre,
 dá uma boa ideia de como foi o show que ralato aqui. 


Cly Reis
(para Nílson Araújo 
que estava comigo naquela noite
memorável no Gigantinho)

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

David Bowie Eternamente

Bowie, imenso caleidoscópio

É difícil mensurar a real dimensão de um artista como David Bowie. E são vários os motivos desta dificuldade: 1. o fato de que ele se encontra em plena atividade criativa, tendo retornado à vida pública com o ótimo álbum "The Next Day", em 2013, após um silêncio voluntário de dez anos; 2. o fato de que se encontra inserido no coração mesmo da cultura do espetáculo e do entretenimento de massas, dispensando certas reservas e certa imunidade crítica das quais poderia lançar mão caso fosse associado às“belas artes”e ao campo mais tradicional das artes instituídas – Bowie, ao contrário, é um legítimo artista pop e, como tal, é um típico produto de consumo –; 3. o fato de que se constituiu artisticamente em função de sua permanente mutabilidade e reinvenção – Bowie, o andrógino; Bowie, o camaleão; Bowie, esperada surpresa, incógnita e esfinge –; 4. o fato de que atravessou, ao longo dos anos, ao longo de cinco décadas de intensa vida artística, praticamente todos os formatos, as modalidades e os nichos midiáticos de nossa contemporaneidade – além da música, o cinema, o teatro, a moda, a dança, a performance e as artes do vídeo. Nem mesmo as artes plásticas lhe escaparam.
Mas, acima de tudo, é muito difícil dimensionar-lhe o real valor, sua real importância, simplesmente porque o amamos. Amamos Bowie e envelhecemos com ele. Não há, portanto, a menor capacidade de avaliá-lo sem que estejamos contaminados por esta paixão, impregnados pela memória afetiva que tecemos juntos. Assim, é muito difícil distanciar-se. Diante dele, é difícil ser comedido e justo.
Em síntese, foi esta a sensação que tive, recentemente, ao visitar a Mostra David Bowie, realizada no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo. Opulência e variedade, encanto e maravilhamento são palavras óbvias demais para descrevê-la. Aliás, são termos recorrentes na própria fortuna crítica do cantor inglês, no curso quase completo de sua biografia. Bowie, de fato, parece fadado a nos inebriar e seduzir. Inventividade, delicadeza e elegância não lhe faltam, de modo nenhum. A Mostra dá sólidas evidências disto.
Particularmente, interessei-me por aspectos relativos a seu processo criativo, pelos recursos técnicos empregados em certos álbuns e/ou canções, tais como o Verbasizer, um aplicativo concebido para o embaralhamento randômico de manchetes de jornal, derivando daí a produção dos versos a serem cantados, e o Stylophone, uma espécie de proto-sintetizador empregado em "Space Oditty", por exemplo. Além disso, há um fascínio estranho em observar de perto os rascunhos das canções, as partituras originais, as letras escritas e reescritas à mão, os rabiscos nas margens comuns de uma folha de papel. E o que dizer dos figurinos exatos, vestidos em tantas performances memoráveis? E quanto às botas de salto, os sapatos efetivamente calçados? É como se o corpo do artista estivesse ali presente, imobilizado e oferecido à vista, à visitação. É como se o corpo da obra estivesse sendo examinado por dentro, vasculhado e dissecado.
Enquanto observava, uma questão insistente me vinha à mente: “a quem está endereçada esta exposição”? Ao público leigo ou ao fã incondicional, conhecedor altamente especializado? Estaria dedicada ao admirador médio (como eu)? De início, suspeitei que estivesse dirigida aos dois primeiros. Depois, me convenci de que está direcionada a todos aqueles que se disponham a montar um quebra-cabeças e a encontrarem-se refletidos no imenso caleidoscópio que é a obra de David Bowie.



Vai em Paz, David Bowie
por Paulo Moreira


Quando eu era um adolescente de 12, 13 anos, surgiu nas páginas da revista POP (a única na época) uma figura andrógina, com cabelo, olho pintado e francamente gay. Como todo mundo, fiquei curioso com aquele cara que se colocava como uma figura andrógina naquele mundo pop altamente macho. Aí, começaram a aparecer os discos no Brasil, as músicas no rádio ("Rebel, Rebel", "Ziggy Stardust" e "Life on Mars", que o Cascalho rolava o clipe no Portovisão). Quando lançou o "Young Americans", comprei o LP e quase furei de tanto ouvir. A partir daí, fiquei acompanhando a carreira dele à distância (confesso que com 17 anos, não consegui entender "Low" e "Lodger", apesar de achar o "Heroes" interessante. "Ashes to Ashes" ganhou todo mundo com aquele clipe maluco.
Só voltei a mergulhar no Bowie em 1983 com o incrível "Let's Dance", onde ele pegava o som do Nile Rodgers e subvertia totalmente. Era como se o Chic tivesse enlouquecido e misturado com altas doses de DB e saiu um disco que era pop e experimental ao mesmo tempo. Ouçam "Ricochet" com sua levada "My Favourite Things" do John Coltrane (influência normal para um cara que era saxofonista). Ou "China Girl" que tem toda a cara de Bowie com o Tony Thompson destruindo a bateria e o Carmine Rojas dando um banho no baixo. Ou talvez "Cat People". Todas elas com o Steve Ray Vaughan comendo a guitarra com farofa. Aliás, descoberta para o mundo do sr.David Jones.
Daí pra frente, foram momentos esporádicos ("Loving the Alien" e a versão de "God Only Knows", que eu adoro), mas ele sempre surpreendendo aqui e ali. Há três anos atrás, comprei o "The Next Day" e confesso que achei mais do mesmo. Mas este "Blackstar" é um clássico. Vai em paz, David Bowie.



Alma de Influência Infinita
por Tatiana Viana
(convidada)

Há poucos dias atrás, no dia do aniversário (8 de janeiro) de David Bowie estava eu a comentar sobre a importância de alguns músicos e de suas obras na história de nossas vidas e com certeza muitas pessoas compreendem o que quero dizer.
Cresci ouvindo, assistindo e colecionando o que podia de David Bowie, sempre contemplei de forma apaixonada sua forma camaleônica de ser. Suas músicas habitaram muitos de meus dias e noites e foram fundamentais para instigar em mim o desejo de conhecer e buscar mais sobre a mutabilidade e a constante evolução do som através deste grande mestre que a cada canção e aparição se reinventava me causando sempre a surpresa de a cada vez gostar mais de suas composições, sem entender como suas músicas nunca me cansavam.
Lembro das vezes que fui assisti-lo no cinema mais de uma vez seguida o mesmo filme, minha primeira fita cassete que foi "Ziggy Stardust", depois vieram as VHS e a cada play parecia ver ou ouvir algo novo que surgia através do seu magnetismo impresso em sua marca pessoal.
Um cara tão complexo e genial que sua transcendência não coube nesse mundo.
Bela alma de influência infinita!




A Morte
por Cly Reis


Poucas vezes lamentei tanto a morte de uma figura pública quanto a que ocorreu no último domingo. David Bowie, um dos artistas mais influentes de todos os tempos, que vinha lutando contra um câncer descoberto não há muito tempo, deixou nosso mundo e foi juntar-se a outras lendas que habitam um lugar especial no céu ou seja lá onde for. Sou um tanto pragmático quanto à morte, entendendo-a como parte inevitável da vida e, normalmente, não me sensibilizo excessivamente com os desencarnes, até mesmo de pessoas próximas ou familiares, passando às vezes até por insensível. Se essa 'insensibilidade' é usual até mesmo em familiares, quem dirá a um estranho, uma pessoa que não  tem nada a ver comigo, que vive a milhares de quilômetros de mim, que nunca me deu nada. Assim, minha comoção com artistas costuma ser ainda menor, ainda mais com os de idade mais avançada, cujo ciclo da vida de certa forma já se completou, e mais ainda com os que é sabido que não colaboraram muito em suas vidas para que sua estada neste planeta não fosse mais longa.
Mas não sou uma pedra de gelo!
Lamento muito por artistas novos, muito jovens, de evidente talento que, depois de amostragens iniciais, um ou dois álbuns gravados, um filme apenas, um livro publicado, etc., indicavam que teriam coisas incríveis a fazer, apresentar, nos surpreender e foram levados precocemente. Imagine o que Kurt Cobain estaria fazendo hoje? Chico Science, Amy Winehouse? Também há aqueles que estabelecem uma relação tão próxima conosco que parecemos sentir como se uma parte nossa tivesse sido arrancada. Lembro quando da morte de Renato Russo que preferi, simplesmente, não pensar no assunto. Se eu '"tivesse consciência" que ele estava morto, minha tristeza naquele momento seria incomensurável. E acho que, no fundo, continuo agindo assim sobre Renato Russo até hoje.
Houve exceções destes já mais velhos e que colaboraram para seu fim: Miles Davis já beirava os 70, tinha quase se matado um zilhão de vezes, mas os projetos que vinha realizando nos anos anteriores à sua morte me faziam imaginar onde poderia chegar ainda aquele cara. Esse era daqueles que não poderia ter ido.
Ontem com David Bowie foi um misto das duas sensações, da emocional, que costumo ter poucas vezes, com a egoísta de não querer prescindir da obra daquela criatura no planeta Terra. O motivo que faz com que sua partida seja tão dificilmente aceita se confunde e funde. Sua obra, seu talento, sua capacidade artística, sua imprevisibilidade que o tornam tão imprescindível para mim no cenário musical e das ideias no mundo de hoje, são os mesmos motivos que me moldaram meu apego a esse gênio. Diferentemente de um Renato Russo, quase um amigo conselheiro, meu carinho por David Bowie edificou-se a partir da admiração o que, por mais que também admire muitos outros artistas, não toma essa forma com facilidade. E na segunda pela manhã, quando topei com a notícia na internet eu percebi isso. Não era só mais um astro pop que havia morrido. Eu realmente estava triste por aquilo.
Mas como triste? Que que ele tinha a ver comigo, tava lá do outro lado do oceano, nunca fez nada por mim... Engano! Esse é o tipo do cara que a gente lamenta ter ido embora exatamente porque tem tudo a ver com você. Pode viver no outro lado do mundo mas está sempre pertinho da gente. E pode ter certeza que, com sua música, já fez mais por mim do que muita gente poderia ter feito.
De qualquer forma, se era hora de ir, então vá, David. Vá em paz. Eu, egoísta queria mais. Queria mais de você. Queria que você virasse o mundo de cabeça pra baixo de novo como já fez tantas vezes e como, acho, só você poderia fazer novamente. Outras atitudes revolucionárias, outros discos fundamentais, outras auto-reinvenções, outros sucessos. Mas vá, eu entendo. Você já deixou o suficiente aqui para que nos deleitemos ainda por muito e muito tempo. É justo. Você estava mesmo precisando descansar. Descanse em paz. Você merece. Já nos deu muito.




autorretrato capa álbum "Outside"


David Robert Jones
(David Bowie)
08/01/1947 - 10/01/2016

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Copa do Mundo Legião Urbana - classificados para as semifinais


Ao que parece os álbuns "Dois" e "As Quatro Estações" querem mostrar mesmo que são os melhores da Legião Urbana. Dos quatro semifinalistas temos dois representantes de cada álbum. Ou seja, garantia de grandes jogos nas semifinais.
Agora o bicho pega.
A partir de agora os jogos não serão mais distribuídos entre os integrantes da bancada legionista. Agora todos os integrantes examinarão os dois jogos e da avaliação geral teremos os classificados.
Confira abaixo os comentários do colegiado dos confrontos das quartas-de-final que resultaram nos quatro classificados para as semis:






Luan Pires
ÍNDIOS x EU ERA UM LOBISOMEM JUVENIL
É como ver seu time do coração jogar contra seu time de admiração. Explico: "Eu era um Lobisomem Juvenil" é minha música de alma, de carinho. Apesar dos defeitos, acho ela perfeita. Acho que os defeitos a deixam perfeita para mim. Mas não posso simplesmente desconsiderar a qualidade técnica de Índios e sua importância histórica. Índios é um exemplo futebolístico do mundo Legião Urbana. Tem tudo que eu, particulamente, admiro numa música: Letra incrível, melodia linda, um grito de simplicidade e ousadia (e não me perguntem como isso é possível, mas é como eu vejo). Como bom libriano que sou, preciso balancear as coisas: não posso só falar com o coração, nem só com a razão. Música é uma mistura homogênea dessas duas coisas. Quando a música é boa, afeta teu racional e teu emocional. Mexe contigo pelo emocional e tem o poder de mexer com o mundo pela capacidade racional dela. Um exemplo perfeito disso é "Índios". Nesse jogo é ela que leva a melhor. Mas pra mim, como fã de "Eu era um Lobisomem Juvenil", é um orgulho ver minha música querida perder com dignidade para esse time histórico que é Indios. 1x0 para Índios. o jogo mais triste e feliz ao mesmo tempo, pra mim. E viva a contradição!
ÍNDIOS CLASSIFICA PARA AS SEMIFINAIS EM JOGO APERTADO


Jowilton Amaral da Costa
DANIEL NA COVA DOS LEÕES x HÁ TEMPOS
Agora o bicho pegou. Grande jogo. Dois timaços, duas grandes músicas. Uma do disco 2, o disco mais conhecido e se não me engano o mais vendido da banda. A outra do disco As Quatro as Estações, o álbum que muitos acham o melhor e o mais inspirado de todos. Sem dúvida são os dois discos com as canções mais conhecidas. Daniel na Cova dos Leões começa com tudo, vai pra cima de Há Tempos, encurralando-o em seu campo defensivo e no final do primeiro tempo abre o placar. Há Tempos volta modificado, deixando de lado a cadência do seu jogo e partindo para o ataque. Dá resultado e empata o embate aos quinze minutos. Daí em diante o jogo fica aberto, chances claras para ambos os times, no entanto, a bola não estufa mais as redes. A prorrogação termina como começou, 1 x 1. Vamos para os pênaltis. Daniel na Cova dos Leões desperdiça sua última batida. O jogador de Há Tempos parte confiante para a marca de cal, bate, faz e se classifica. Daniel na Cova dos Leões 4 x 5 Há tempos (Na disputa das penalidades máximas)
HÁ TEMPOS CLASSIFICA NAS PENALIDADES MÁXIMAS
PERFEIÇÃO x MENINOS E MENINAS
Perfeição não. Nanananananana nananana nananana Hey Jude. Hit menor da Legião assim como é este disco que a contém, O Descobrimento do Brasil. Disco "flôxo". Meninos e Meninas sim. Carro-chefe do Quatro Estações que por si só é um baita disco. Seria o melhor da Legião ? Pode ser hein... As Quatro Estações é meio que o time do Inter quando ganhar um próximo título nacional. Explico: O pessoal tava órfão de música nova da LU e veio este disco glorioso. Meninos e Meninas passa fácil com placar folgado de 4x0 e faz os adversários ficarem com as barbas de molho.
MENINOS E MENINAS CLASSIFICA COM TRANQUILIDADE


ACRILIC ON CANVAS x TEMPO PERDIDO
Jogaço, clássico local, uma Inter x Juve, Fla-Flu, Boca x River, desse naipe. Com seu futebol bem armado e mais cadenciado, “Acrilic” sai jogando com cautela, estudando o adversário, que, pelo contrário, vale-se do seu lema de futebol agressivo: “Sempre em frente”. Porém, com aquele baixo matador do Renato Rocha e a voz grave do Renato Russo, quase embriagada, “Acrilic”, aos 15 min, não se assusta com a correria de “Tempo Perdido” e abre o marcador. Cedo. “Acrilic”, que já tá bem descornada, se indigna com a empáfia de “Tempo Perdido” quando esta diz que o suor sagrado deles é bem mais belo que o sangue amargo do outro. Quê isso?! Agressão oral também não pode, seu juiz! Pois a indignação faz “Acrilic” aplicar mais um aos 37 min, e assim vão pro vestiário. Quê: banho de bola justo numa das favoritas ao campeonato? O que tá acontecendo? O técnico, puto da cara, enche a turma de osso no intervalo, e ele voltam, aí sim, com o brio de que faz jus ao nome, afinal, se os primeiros 45 min foram desastrosos, o negócio é recuperar o tempo perdido. Aos mesmos 15 min, desconta: 2 x 1. Placar perigoso pra quem tá ganhando, porque, se o adversário é forte e se determina, a qualquer hora pode haver o empate. Pois “Acrilic” não resiste à pressão e cede o empate. Faltam 15 min pra acabar. Acabará assim e irá para os pênaltis? Pois o time de “Tempo Perdido” estava decidido a vencer. Da casamata o técnico gritava: “não temos tempo a perder”. E deu resultado o chamado do professor, que queria terminar a partida dentro dos 90 min pra não desgastar mais ainda sua equipe. O terceiro gol sai num cruzamento na área que o atacante sobre mais que todo mundo e cabeceia pro chão, sem chance de defesa.
E TEMPO PERDIDO, DE VIRADA, AVANÇA PRAS SEMIFINAIS.



Sorteio dos enfrentamentos das semifinais nesta segunda-feira, dia 12/05/2014

sábado, 9 de junho de 2018

O Rappa - "Rappa Mundi" (1996)





"O futebol faz parte da cultura nacional não é à toa. 
É um esporte que representa pra caramba
a maneira que a gente vive.
O que é?
Você driblando as atrocidades,
as condições impróprias que a gente tem."
Falcão, vocalista



O rock nacional dos anos 80 já começava a dar sinais de desgaste. Cazuza já tinha morrido, Renato Russo agonizava em público e sua doença refletia nos discos da Legião, Lobão começava a perder o rumo, os Titãs perdiam integrantes e a identidade, os Engenheiros se afastavam do grande público e, só os Paralamas, mesmo com discos um tanto irregulares, tenham conseguido sustentar o sucesso comercial e o interesse do público. Nesse ínterim, naquele início de anos 90, um bom time de novas bandas nacionais começava a dar as caras vindas de diferentes lugares do Brasil e trazendo sonoridades e propostas interessantes: os calangos do Raimundos e seu hardcore irreverente e desbocado; os mineiros do Pato Fu com seu bom humor e criatividade; o pessoal do Skank, também de Minas, apresentando com um pop gostoso e contagiante; também das Gerais o Jota Quest com seu pop-soul, estes já um pouco mais apelativos comercialmente; os recifenses do Mangue-Beat misturando sons regionais com peso e tecnologia; e no Rio, O Rappa, um pessoal que fundia reggae, com hip-hop, com soul, com MPB, utilizando-se de peso de guitarras distorcidas e elementos eletrônicos como samples e batidas programadas. A banda já havia aparecido bem com seu álbum de estreia, de mesmo nome, de 1994, chamando atenção, além da sonoridade, pelas ótimas letras com abordagens de questões sociais de forma lúcida e consciente, veio a conquistar definitivamente público e crítica com seu segundo álbum, "Rappa Mundi" de 1996.
Produzido pelo mestre dos estúdios no Brasil, Liminha, "Rappa Mundi" teve uma série de grandes sucessos com suas faixas sendo executadas incansavelmente nas rádios e na MTV. Contando com as letras sempre críticas e engajadas do então baterista Marcelo Yuka e com o vocal poderoso e versátil do carismático vocalista Falcão, a banda discorria sobre temas como drogas, violência urbana, trabalho infantil, religião, racismo e pobreza, das formas mais criativas, desde a maneira mais incisiva à mais bem-humorada.
Em "A Feira", por exemplo, faixa que abre o disco, num raggae-pop descontraído e embalado, falam sobre a venda de "substâncias ilícitas" e a facilidade de se encontrar os produtos em qualquer esquina; em "Miséria S.A." Falcão interpreta como se recitasse um texto decorado a criativa letra do cantor e compositor Pedro Luís, que imita aqueles bilhetinhos que pedintes entregam aos passageiros nos ônibus, escancarando a realidade da pobreza no Brasil e as situações a que se sujeitam homens, mulheres e muitas vezes crianças; "Vapor Barato", clássico multi-regravado da música brasileira, ganha uma versão competentíssima, mais embalada e de interpretação marcante de Marcelo Falcão, incluindo-se entre as grandes versões que a canção de Waly Salomão e Jards Macalé já recebeu. "Ilê Ayê", conhecida na voz de Gilberto Gil no álbum "Refavela", vai perfeitamente ao encontro do discurso e da proposta dO Rappa e com uma pegada mais elétrica e vibrante, é outra cover que não decepciona. Assim como "Hey Joe", outra versão, esta da canção imortalizada por Jimi Hendrix, que, embora não tenha o brilho daquela do gênio da guitarra, garante uma boa releitura em português e completamente carregada no reggae.
Grande sucesso, a inspiradora "Pescador de Ilusões" é aquele trunfo radiofônico perfeito; "Uma Ajuda" juntamente com "Lei da Sobrevivência" talvez sejam as menos empolgantes do disco; já "O Homem Bomba" e "Tumulto", por sua vez são incendiárias, ambas abordando a indignação do home  comum, do cidadão tão desrespeitado no dia a dia. "Tumulto", em especial, muito a calhar, fala sobre manifestações populares, povo, não o povo da Paulista, mas o povo de comunidades, indo à rua por justiça, por igualdade, por necessidades básicas ou por conta da violência cotidiana. Mais uma porrada dO Raapa!
Altamente ligados a futebol, torcedores e frequentadores de estádios, tendo inclusive participado da coletânea de hinos de clubes brasileiros, da revista Placar, gravando o hino do Flamengo, o esporte, que segundo eles mesmos tem tudo a ver com a música e com a vida do brasileiro, aparece em vários momentos no disco. A ótima "Eu Não Sei Mentir Direito", por exemplo, começa com os versos "No país do futebol/ Eu nunca joguei bem..." revelando alguém que, numa terra de onda a malandragem é a lei, não consegue se adaptar à conduta dominante enraizada na cultura do brasileiro; "O Homem Bomba", fala em "tocar bumbo na garganta do Maracanã"; "Óia o Rappa", música que fecha o disco e que também fala sobre o jeito do cidadão se virar, refere-se a "pênalti" quando a situação fica crítica numa batida da polícia num negócio informal um tanto suspeito. Mas é em "Eu Quero Ver Gol" que a verve futebolística fica totalmente exposta retratando a realidade de um torcedor que enfrenta os perrengues do dia a dia, dá duro durante a manhã na praia, mas que não quer perder de jeito nenhum o jogo do fim da tarde e, mais do que qualquer coisa, ver seu time ganhar ("Tô no rango desdas duas e a lombra bateu/ O jogo é as cinco e eu sou mais o meu/ Tô com a geral no bolso, garanti meu lugar/ Vou torcer, vou xingar pro meu time ganhar"). A versão do especial acústico gravado para a MTV, que posteriormente viraria CD e DVD, gravada em 2005 é ainda mais "boleira" e tem mencionados, em seu final, os nomes de vários jogadores da Seleção Brasileira que estavam prestes a disputar a Copa de 2006, num final apoteótico para aquela apresentação.
Depois de "Rappa Mundi" a banda ainda apresentaria o bom "Lado B, Lado A" mas após um incidente urbano em 2001, infelizmente cada vez mais familiar a todos nós, uma tentativa de assalto que vira a deixar Marcelo Yuka, baterista e principal compositor da banda paraplégico, O Rappa, com sua saída, perdia bastante em qualidade de letras e criatividade mostrando-se irregular e inconsistente, embora ainda conseguisse sustentar um relativo sucesso comercial. Mas "Rappa Mundi" com toda sua atitude, gingado, irreverência e sonoridade já havia garantido o nome dO Rappa em destaque entre os grandes discos da música brasileira e por extensão, para nós, na galeria dos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS do ClyBlog.
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FAIXAS:
1. "A Feira" - Marcelo Yuka (3:59)
2. "Miséria S.A." - Pedro Luís (4:01)
3. "Vapor Barato" - Waly Salomão, Jards Macalé 4:23)
4. "Ilê Ayê" - Paulinho Camafeu (3:50)
5. "Hey Joe" (participação de Marcelo D2)  - Bill Roberts, versão: Ivo Meirelles, Marcelo Yuka (4:25)
6. "Pescador de Ilusões" -  Marcelo Yuka (4:29)
7. "Uma Ajuda" - Marcelo Yuka (4:29)
8. "Eu Quero Ver Gol" - Falcão, Xandão (3:41)
9. "Eu Não Sei Mentir Direito" -  Marcelo Yuka 4:03
10. "O Homem Bomba" - Marcelo Yuka (3:14)
11. "Tumulto" - Marcelo Yuka (3:14)
12. "Lei Da Sobrevivência (Palha de Cana)" - Falcão (3:05)
13. "Óia O Rapa" - Lenine, Sérgio Natureza (6:00)

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Ouça:
O Rappa - Rappa Mundi


Cly Reis