Detalhe de fachada de casario da Rua Quinze de Novembro,
em Satolep (foto: Leocádia Costa)
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quinta-feira, 6 de março de 2014
cotidianas #277 - Satolep
segunda-feira, 15 de abril de 2024
Ian Ramil - Show "Tetein" - Teatro Sicredi - Pelotas/RS (15/03/24)
A deriva de uma viagem talvez seja a melhor parte dela. Essa coisa de andar pelas ruas com os olhos atentos. Quando encarada com ânimo e receptividade, a deriva é capaz de trazer gratas surpresas. Foi assim quando, numa viagem a Curitiba, em 2014, durante um passeio de ônibus pela manhã, nos deparamos Leocádia e eu com o anúncio de um ótimo show na noite daquele mesmo dia. Em pleno Teatro Guairinha, assistirmos a uma homenagem a“O Grande Circo Místico”, a inesquecível obra de Edu Lobo e Chico Buarque. Foi quase sem querer que soubemos da programação. Só que não.
Desta feita, a quase coincidência foi em Pelotas, que por si
só já traz sentimentos bons a nós dois visto a ligação que temos com a cidade. Numa
despretensiosa visita ao Mercado Público, observamos colado em uma pilastra o
cartaz de um show. Olhando com atenção, vimos que se tratava de um show de Ian
Ramil, músico consagrado e que carrega nas veias o sangue de um dos clãs mais
talentosos da música do Rio Grande do Sul. Seria a apresentação de lançamento
de seu novo álbum, “Tetein”, e ainda por cima contaria com a participação de
seu pai, o célebre Vitor Ramil. E vendo com ainda mais atenção: o show era na
noite daquele mesmo dia – igual aconteceu conosco em Curitiba anos atrás.
Providenciamos os ingressos no Sesc de Pelotas, promotor do
show, ali mesmo no Centro, e fomos. Além de conhecer o belo e moderno Teatro
Sicredi, novo na cidade, o que mais nos interessava era, de fato, a música. Há
aí um porém: mesmo com todas as coincidências boas da fluidez das coisas, não
era necessariamente uma certeza para nós que fôssemos gostar. Explico, mas para
isso preciso voltar a 2018, quando, em Porto Alegre, assistimos a uma breve – e
desastrosa – apresentação do mesmo Ian. Fosse por inexperiência, má fase ou vaidade, o
fato é que aquilo que vimos foi um artista desleixado, tocando mal e sem sintonia
nenhuma com o público. Parecia que, pressionado com o peso do sobrenome, ele se
revoltava com a condição e jogava esse desconforto de volta na plateia. Saímos
com a pior das impressões.
Mas ainda bem que, como disse Claudinho para Buchecha, “todo
mundo merece uma segunda chance, ‘fassa’”. Haviam se passado 6 anos, Ian vencera
um Grammy Latino de melhor álbum de rock em português em 2016, esteve diretamente envolvido no projeto do supergrupo Casa Ramil e, no mais, a
tendência era que aquele jovem de mal com a vida pudesse ter amadurecido. E
valeu a pena reconsiderarmos, pois presenciamos um belo show. Com a sala praticamente
lotada de conterrâneos, familiares e amigos, estávamos lá, Leocádia e eu,
tornando-se mais pelotenses do que nunca. Às minhas costas, na fileira de trás,
por exemplo, o padrinho de Ian, a quem Vitor, na sessão de autógrafos do seu “A
Primavera da Pontuação”, na Feira do Livro de 2014, me disse ao me observar com
aquele seu olhar penetrante: “Tu te parece com o meu compadre, padrinho do meu
filho Ian”. Vejam só a especialidade e a simbologia desta ocasião.
Ian: revertendo qualquer impressão negativa |
Dono de uma musicalidade muito requintada, Ian e sua pequena
banda (Bruno Vargas, no baixo, e Lauro Maia, programação e teclados) trouxeram
ainda as excelentes “Lego Efeito Manada”, um chamamé moderno (e com lances de
canto gregoriano), que faz remeter à música de Milton Nascimento, Tiganá Santana e, claro, Vitor Ramil. O timbre de voz, aliás, não deixa mentir que se
trata de um Ramil, visto que, em vários lances, é possível ouvir a voz de seu
pai e seus tios, Kleiton e Kledir. O artista trouxe ainda coisas mais antigas
de sua carreira, como músicas do primeiro disco, de 2014, “Nescafé” e “Seis
Patinhos” (visivelmente as mais fracas do set-list), e a potente “Artigo 5º”,
um dos hinos da era “Fora Temer”, do seu premiado e combativo disco "Derivacivilização",
a qual convidou seu pai para dividir os microfones num dos momentos altos do
show.
Mas não cessou por aí. Ian realmente amadureceu como
artista, como performer e, a que se vê, como pessoa, visto que se mostrou
genuinamente simpático e acolhedor. Ainda tiveram a magnífica “O Mundo é Meu
País”, a questionadora “Quiproquó” e, principalmente, “Mil Pares”, um manifesto
distópico-utópico em que Ian imagina um cenário apocalíptico para o fim do
capitalismo. Nesta, além de sopros e percussões adicionadas, ainda houve a repentina
aparição de Davi Batuka com um atabaque africano, que fez o público vir abaixo. Na Pelotas das
charqueadas, que tanto sangue negro viu escorrer pelas águas do Rio Pelotas há
séculos, nada mais apropriado que, na mistura consciente e resistente de Ian, invocar
essa ancestralidade para o palco.
Mais do que admirar o espetáculo, o mesmo nos serviu para revermos e revertermos a imagem de um artista que provou valer a pena ser escutado. Mas ainda mais significativo foi ver Ian e Vitor cantando a
clássica “Joquin”, a versão de 1987 de Vitor para a música de Bob Dylan (“Joey”,
de 1976), em que transpõe para a nem tão fictícia Satolep a história do genial,
incompreendido e perseguido gênio inventor. Dadas as devidas proporções, a música de Vitor se tornou maior que a original, visto que, em terras gaúchas e brasileiras é um clássico e, no vasto e importante cancioneiro dylanesco, não passa de uma canção menor. Fato é que os versos iniciais do tema:“Satolep, noite”, ainda sem o acompanhamento dos instrumentos e ditos na voz de Vitor, traduziram a beleza
daquele acontecimento. Estávamos ali, em nossa Satolep, dita assim mesmo, ao contrário, provocando essa inversão de percepções que Pelotas nos proporciona e numa noite muito especial. Tudo soube fazer sentido. Um acontecimento tão inesperado para nós, mas ao mesmo tempo tão
significativo, que parecia estar previsto, como um presente da própria Pelotas para
quando aqueles dois filhos desagarrados voltassem à deriva por suas ruas de pedras antigas.
Ian ao centro em trio com Bruno Vargas e Lauro Maia |
Novamente com a excelente e versátil banda |
"Ares de Milonga": canto e musicalidade de Ian típica dos Ramil |
sexta-feira, 28 de outubro de 2016
Vitor Ramil & Orquestra de Câmara do Theatro São Pedro – Theatro São Pedro - Porto Alegre/RS (22/10/2016)
Visão geral do palco do Theatro São Pedro
com Vitor e a orquestra.
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No final do show, executando "Astronauta Lírico". |
quinta-feira, 28 de março de 2024
Exposição "Leopoldo Gotuzzo: de 1904 a 1971" - Museu de Arte Leopoldo Gotuzzo (MALG) - Pelotas (RS)
“Agora”, aliás, é um tanto defasado de minha parte, pois a mudança ocorreu em 2018, ou seja, desde quando – mesmo tendo ido a Satolep outras vezes neste meio tempo – não mais voltamos ao museu. E que prédio lindo! Como os belos construções históricas de Pelotas – várias delas muito mal preservadas, o que não era o caso do novo Leopoldo Gotuzzo, que certamente ganhou um bom restauro antes de tornar-se o novo espaço de arte. O antigo e imponente prédio do Lyceu Riograndense – diz-se, o primeiro do Brasil a oferecer curso de Agronomia nos idos do século XIX – guarda significativa relevância histórico-cultural, tanto para a comunidade pelotense como para a universitária.
Mas e a parte expositiva, ora essa!? Interessantíssima como sempre. Nada muito extenso, como as infindáveis exposições do MAR, no Rio de Janeiro, e nem diminuta a ponto de deixar vontade de querer mais, como as do Instituto Ling, em Porto Alegre. O tamanho das mostras manteve-se mesmo com a mudança de prédio. O que se viu foi, como de costume, um apanhado de quadros do autor que dá nome ao espaço, o pelotense Gotuzzo, a quem noutras ocasiões já foi motivo de Cly_art aqui no blog. Desta feita, algumas obras de 1904 a 1971, período que encerra toda a sua profícua produção.
Dono de um traço muito sensível e experimentado em diversas técnicas – como era comum aos adeptos das Belas Artes no passado –, Gotuzzo percorre desde carvão sobre papel impressionantes (que passam tranquilamente por retratos a um visitante mais distraído) até os tradicionais óleos sobre tela. As figuras femininas, as paisagens do campo (seja no Brasil ou em Portugal), e as características naturezas-mortas estavam lá também.
Posteriormente, para modo de dar o devido destaque, volto com a outra exposição em cartaz no Leopoldo Gotuzzo nesta recente visita ao museu pelotense. Por ora, fiquemos com alguns dos registros que fiz do anfitrião da casa. Nova casa.
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Paisagem de Porto, em Portugal, de 1929 |
Dois belos nus feitos no Rio... |
... e este da "Espanhola", de 1942 |
A riqueza de detalhe do interior de uma igreja da cidade do Porto |
Figuras humanas e paisagens, duas especialidades de Gotuzzo |
"O Velho de Capa", óleo feito não no Rio Grande do Sul, mas na Madri de 1916 |
Outra especialidade de Gotuzzo: as naturezas-mortas |
Um dos incríveis carvão sobre papel, tão real que parece foto |
Mais figuras femininas, estas de Bernardina Miranda, um óleo sobre tela e um sanguines sobre papel, ambas do início dos anos 30 |
E o próprio Gotuzzo, em autorretrato de 1934 |
segunda-feira, 30 de outubro de 2017
Vitor Ramil – Theatro São Pedro - Porto Alegre/RS (22/10/2017)
Vitor Ramil apersenta seu novo Campos Neutrais no São Pedro |
Como me disse o próprio autor, os arranjos de sopros foram realizados após a gravação das percussões. A mistura orgânica entre os metais e ritmos percussivos chamou a atenção da minha amiga Beatriz Gil e aponta para um outro caminho melódico. As participações da sobrinha Gutcha e do genro Felipe Zancanaro são perfeitas. As letras percorrem os afetos - "Isabel", para a filha; "Ana", com a "ajuda" de Bob Dylan, para a esposa e companheira de sempre - mas também enfocam situações e narradores diversos.
quinta-feira, 20 de novembro de 2014
Exposição “Naturezas Mortas”, de Leopoldo Gotuzzo – MALG – Pelotas/RS (Novembro/2014)
Uma das 28 telas da exposição |
'A Bailarina', a mais antiga e das mais belas telas |
Cebolas em rico detalhe |
Cores retratam uvas maduras que parecem vivas |
Detalhe de 'O Mandarim' |
Flores vivas no óleo sobre eucatex de Gotuzzo |
Natureza morta retrata flores suaves |
Obra da série 'O Mandarim' |
Ramalhete multicolorido pintado em grande proporção |
sexta-feira, 13 de novembro de 2020
Live "Hertha Spier - A Sobrevivente A21646", com Tailor Diniz, Mário Spier, Lúcio Spier, Luiz Gustavo Guilhermano e Cíntia Moscovitch - Ed. BesouroBox - 66ª Feira do Livro de Porto Alegre
Anne, Olga e Hertha
Recentemente quando iniciou a pandemia no Brasil senti uma atmosfera que me lembrou muito os relatos das Guerras, dos exílios e dos cárceres onde sempre a bestialidade, a violência, o medo, a vulnerabilidade física e mental, o genocídio estão presentes. Lembrei de Anne e Olga mas no verão de 2020 me deparei com Hertha Spier, uma sobrevivente do Holocausto recém-falecida, aos 101 anos de idade.
A história de Dona Hertha passa pelo Gueto de Cracóvia no campo de Plaszow, que é o cenário do filme "A Lista de Schindler", para o qual concedeu uma entrevista à equipe de Steven Spielberg, depoimento inclusive que integra o Acervo da Fundação Survivors of the Shoah: “A sua entrevista será preservada cuidadosamente como parte importante da mais completa videoteca de testemunhos até hoje coletada. Em um futuro longínquo, as pessoas terão a possibilidade de ver o seu rosto, ouvir sua voz e conhecer sua vida, a fim de aprender para sempre lembrar”. No dia 15 de abril de 1945, as tropas de libertação encontraram Dona Hertha inconsciente e muito enfraquecida no campo de Bergen Belsen, na Alemanha, mesmo campo onde poucos dias antes morrera a holandesa Anne Frank.
Convidado a transformar essa história em livro, o escritor e biógrafo Tailor Diniz entrevistou ela por inúmeras vezes e nos traz as lembranças e o aprendizado profundo de quem emergiu em meio a tanta dor, adversidade e conflito. Para mim a história de Dona Hertha poderia ser uma história sobre irmãs onde a presença e o espelhamento entre Gisi e Hertha foi um fator determinante de vida, de continuidade. Além disso, há inúmeras particularidades que nos fazem acolher com muita admiração Dona Hertha: a forma inteligente em adaptar-se e o amor que carregava consigo, todas resultantes da personalidade de uma mulher que sobreviveu à perda de toda a família e, sem casa e sem futuro numa Europa devastada, veio para o Brasil. Aqui, numa pátria diferente da sua de origem, sem nenhum familiar lida com todos esses traumas, abrindo espaço para a arte e a dedicação à família, sendo uma administradora dos negócios, em função da sua precoce viuvez.
Ao ler a biografia de Tailor Diniz, com prefácio de Moacyr Scliar sobre a diferença entre memória e história e posfácio com o ensaio sobre a resiliência pelo psiquiatra Dr. Luiz Gustavo Guilhermano, posso dizer que Dona Hertha une-se a Anne e a Olga, fechando a trilogia de histórias sobre mulheres que estiveram frente a frente com a morte, sobreviveram cada qual da sua forma, mas permanecem em meu coração por serem um exemplo do quanto o amor pode vencer e ressignificar tudo o que existe, principalmente o mal.
A LIVE com Tailor Diniz receberá os convidados, a escritora e Patrona da 62ª FLPOA Cintia Moscovich; os filhos de Hertha, Dr. Mario Spier e Lucio Spier, o médico psiquiatra, Dr. Luiz Gustavo Guilhermano e a mediação dessa que aqui escreve para vocês.
Agenda aí: dia 13 de novembro (sexta), às 19h30, no canal do YouTube: BesouroBox Editora Oficial.
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