Assisto Martin Scorsese no cinema há mais de 30 anos. Desde o célebre “Os Bons Companheiros”, em 1990, até hoje, acompanho a filmografia do cineasta nova-iorquino a cada lançamento, tendo perdido assim, na tela grande, talvez apenas uns dois nesse período. Vi desde produções menos empolgantes, como “Vivendo no Limite” e “O Irlandês” até obras-primas como “Os Bons...”, “Cabo do Medo” e “O Lobo de Wall Street”. Agora, em 2023, posso afirmar que presenciei mais uma de suas grandes realizações: “Assassinos da Lua das Flores”. Estrelado pelos dois atores favoritos do diretor, Robert De Niro e Leonardo DiCaprio, reúne pela primeira vez, por incrível que pareça, ambos em um filme sob suas lentes, celebrando o encontro de duas gerações de atores/parceiros da longa carreira.
O filme se passa no ano de 1920, na região norte-americana de Oklahoma, rica em petróleo, onde misteriosos assassinatos acontecem na tribo indígena de Osage. A série de ocorridos violentos desencadeia uma grande investigação envolvendo o recém-criado FBI, que passa a investigar um esquema maquinado pelo ganancioso pecuarista William Hale (De Niro), que convence seu sobrinho Ernest Burkhart (Di Caprio) a se casar com Mollie Kile (Lily Gladstone) para tirar-lhe as preciosas terras.
Llly no papel da rica indígena Mollie: atuação que comanda o filme
O entrosamento do diretor de “Taxi Driver” com a dupla de atores é evidente, e isso é uma das forças do filme, tendo trabalhado com De Niro por 9 ocasiões e com DiCaprio, 6, totalizando 15, quase 60% de toda a filmografia do cineasta. “Assassinos...” é conduzido pelo talento da dupla, porém, assim como já ocorreu com Sharon Stone e Margot Robbie, outra atriz tem um papel primordial na trama, formando com eles um tripé narrativo, que dá especial ação à história: Lily Gladstone, no papel de Mollie. Ela divide as atenções da câmera, não raro atraindo-a para si e, mais que isso, ditando o aspecto emocional da história. Além de bonita, Lily é daquelas figuras, que, sob o olhar de Scorsese, tem o poder de dominar a cena quando filmada, principalmente pela força de sua expressividade e olhar, misto de encantamento, força e fragilidade. Quão simbólica é a sua personagem, uma vez que evoca a importância dos povos originários formadores das Américas tão dizimados pela cultura branca europeia.
Para além das boas atuações (que se estende a todo o elenco), “Assassinos...” é tecnicamente perfeito, como é característico do perfeccionista Scorsese. A Direção de Arte, a cargo de Jordan Crockett, em especial, juntamente com a fotografia, a maquiagem e os figurinos, são impecáveis, creio que dignas de indicação ao Oscar para 2024. A trilha sonora, do amigo e ídolo Robbie Robertson, ex-líder da The Band (a qual Scorsese filmara em 1978 no doc “The Great Waltz”) falecido em agosto, é econômica, mas totalmente assertiva, misturando os sons folk do interior norte-americano, desde o blues de raiz e os spirituals de trabalho a temas indígenas típicos. Na edição, mais uma vez a parceira Thelma Schoonmaker, fazendo chover e contribuindo para que um filme de extensas 3 horas e 26 minutos de rolo não perdesse o ritmo.
A multipremiada dupla De Niro/DiCaprio: ao todo, 15 filmes com Scorsese
Aliás, embora a montagem contribua para a coesão da obra, é indiscutível que o resultado final (seja acertado ou não) se deve em última análise ao diretor. E aí entra Scorsese e sua maestria. Com o aval da indústria cinematográfica para fazer produções no formato que quiser, seja longa, curta, documentário, série ou especial, ele não abre mão de estender-se para contar a história a que se propõe. E o faz isso sem provocar sequer uma “barriga” em todo o decorrer da fita! Atuações, música, arte, edição, foto, tudo contribuiu. Mas nada disso funcionaria não fosse a mão habilidosa do cara que já experimentou diversas formas de fazer filme, mas que busca, mesmo passados dos 80 anos de vida, surpreender o espectador. Contumaz crítico da “tecnologização” exacerbada de Hollywood e suas intermináveis e interdependentes franquias Marvel, Scorsese – embora não desconsidere o uso de efeitos especiais, a se ver por “A Invenção de Hugo Cabret”, de 2011 – vale-se da gramática do cinema para extrair nuances narrativas e técnicas que produzam impacto ao espectador. Isso, sim, é inovação. O uso de imagens de arquivo em P&B antigas com imagens de arquivo ”fake”, por exemplo, embora não novos, é um recurso que funciona muito bem em “Assassinos...”, cabendo-lhe perfeitamente à narrativa.
Foto dos verdadeiros Osage usadas de forma documental no filme
O roteiro, contudo, é responsável por tamanho sucesso. Escrito pelo próprio Scorsese em conjunto com o premiado Eric Roth (Oscar de Roteiro por “Forrest Gump”, em 1994), a história se baseia no best-seller homônimo do escritor David Grann, o roteiro prevê todos os diversos pontos de flexão e inflexão, estabelecendo o ritmo de uma história complexa e rica em detalhes e delineamentos. A própria escolha do tema, aliás, faz parte de um entendimento maior e, em certo aspecto, “alternativo” de Scorsese como cidadão norte-americano. Assim como outro talentoso cineasta contemporâneo seu, Clint Eastwood, Scorsese ama seu país, mas nem por isso (e até por isso) deixa de evidenciar as barbaridades que constituíram sua sociedade. A mesma abordagem crítica de obras como “Cabo do Medo” e “Taxi Driver” se refletem na sua visão revisionista em filmes históricos, casos de “Gangues de Nova York” e “A Época da Inocência”. É preciso trazer a luz a podridão do passado para que os novos tempos corrijam os rumos.
A este aspecto o roteiro também traz méritos no que se refere à construção psicológica das personagens. A obra original favorece, mas dar corpo a personagens tão complexos no audiovisual ganha uma dificuldade diferente, visto que diversas nuances que a escrita absorve, a tela exige que se escancare. A personalidade contraditória de Ernest, por exemplo, ora um marido dedicado, ora um ganancioso induzido pelo tio, é facilmente indutora a erros, por mais talento que Di Caprio tenha.
Misturando drama histórico com faroeste, policial e filme de tribunal, Scorsese consegue forjar um filme rico em referências e qualidades diversas, que o colocam entre os melhores de sua longa filmografia. Se serão justos com o velho Scorsese ao indicá-lo ao Oscar, bem como DiCaprio como ator, Lily para atriz e DeNiro em coadjuvante, ainda é cedo para prever. É comum a Academia fazer “vistas grossas” a grandes realizadores como ele, Steven Spielberg, Spike Lee ou Brian De Palma como que fazendo de conta que eles sejam “premiáveis” por si só - erro que a leva, não raro, a ter que dar apressadamente um prêmio logo após cometerem uma descarada injustiça. Nestes vários anos que acompanho Scorsese seja na tela grande ou na televisão, ele ganhou apenas uma vez o Oscar de Direção pelo não mais que competente “Os Infiltrados”, em 2006, por terem-no esnobado pela superprodução “Gangues...” quatro anos antes. Porém, até o começo de 2024, quando começam a pipocar as previsões dos favoritos à estatueta, ainda tem bastante coisa para rolar e a indústria do cinema é muito programada para este período. Mas que seria justo, seria.
Não sei quanto a quem não é cinéfilo de carteirinha, mas mais de uma vez me surpreendi tanto com a abertura de um filme, que a sensação imediata era a de quem nem precisava mais continuar assistindo. Foi assim quando, em 1995, na companhia de vários amigos – em sua maioria absoluta amantes de cinema mas não necessariamente cinéfilos – reunimo-nos para ver o VHS locado de “Pulp Fiction: Tempo de Violência”, do Quentin Tarantino. Eu não havia visto “Cães de Aluguel” ainda, seu primeiro e anterior longa, embora já ouvisse todo o debate em torno do nome do cineasta que dizia-se estar revolucionando o cinema. Mas o que me despertava maior interesse era, principalmente, porque o filme em questão havia ganhado a Palma de Ouro em Cannes. Isso, mais do que toda a celeuma sobre Tarantino significar ou não um novo capítulo na história da 7ª Arte (o que poderia ser, escaldado que sou, um exagero proposital, comum na mídia), de fato me surpreendia. Cannes desde cedo em minha vida cinéfila fez muito sentido, pois cresci assistindo seus premiados e indicados, que não raro eram (ainda são) alguns dos melhores filmes que já assisti, como “A Balada de Narayama”, “Coração Selvagem” e “Mephisto”. No caso de “Pulp Fiction”, ainda mais por saber tratar-se de um filme “comercial” norte-americano e não algum cult europeu ou asiático, isso, sim, chamava-me mais a atenção e despertava a curiosidade de vê-lo.
Pusemos a fita no videocassete. A grande maioria sabe o que acontece nos primeiros minutos de “Pulp Fiction”, né? A sequência do diálogo entre Pumpkin (Tim Roth) e Honey Bunny (Amanda Plummer) antes de assaltarem o restaurante e a entrada triunfal dos letreiros iniciais com “Miserlou” de Dick Dale arrasando com um surf-rock na trilha e, ainda pelo meio dos créditos, a mudança de música, como se alguém tivesse mudado uma estação de rádio para o funkão “Julgle Boogie”, da Kool & The Gang. Tudo aquilo, o estilo; a atmosfera pop; a inteligência da montagem; o bom gosto musical; o tom de tele-seriado B; a referência a Godard no nome da produtora A Band Apart: toda essa sequência minimamente bem pensada de como iniciar um filme me fez ficar absolutamente estarrecido. Somava-se a isso a engenhosidade da montagem no momento em que Pumpkin e Honey Bunny levantam-se sobre o banco do restaurante (e Roth diz: “I love, Honey Bunny”, e eles se beijam em close antes de apontarem as armas) e anunciam o roubo, a imagem congela e mantém-se o áudio das falas – estas, aliás, extremamente musicais, tanto que se tornam inseparáveis da música de Dale que vem na sequência no próprio disco da trilha sonora. Apaixonei-me pelo filme que mal havia começado.
"Pulp Fiction", Quentin Tarantino (1994)
Excitado, eu olhava para meus amigos na sala enquanto aquela série de genialidades iam surgindo da tela para observar suas reações, mas todos, embora estivessem, sim, gostando, nem de perto se exaltavam como eu. Aquele sentimento de arrebatamento era única e exclusivamente meu. Cheguei a perguntar, incrédulo: “Gente, vocês estão vendo a MESMA coisa que eu?!”. A resposta? Com desdém adolescente: “Sim, Dani, o que é que tem? O filme tá recém começando”. Sim, o filme estava recém começando, mas não de um jeito normal. Para mim (e para muito cinéfilo e estudiosos do cinema) confirmava-se ali a tal revolução cinematográfica atribuída a Tarantino. Não precisava nem ver o filme por completo: era certo que o cinema, então a 4 anos de completar seu primeiro século de existência, mudava a partir dali, e isso era o máximo de eu estar presenciando. Aprendi, naquela situação, que não era uma pena meus amigos não estarem vendo o mesmo que eu: era, sim, o que me diferenciava do senso comum na forma de ver e sentir cinema.
Não foi a primeira abertura de filme que me surpreendeu a de “Pulp Fiction”, claro, mas é certo que esta sensação de entusiasmo se me repetiu várias vezes. Seja em casa ou numa sala de cinema, de vez em quando sou pego de surpresa com algum começo de filme que, como um bom disco de música, sabe dar o start certo e cativar de cara quem o está apreciando, mesmo que a obra em si não corresponda tanto a seu bom início – embora seja geralmente um bom indicativo. Pois essa lista se propõe a elencar justamente isso: não os filmes inteiros, mas seus primeiros minutos. A rigor, por “openning scene” entendemos não somente o design de créditos, mas o suficiente para apresentar o filme, embora não seja necessariamente uma regra.
A junção de fatores, a inventividade na disposição dos letterings, a edição, o prólogo, o design, o impacto da cena, o significado simbólico para com a história que será contada: tudo conta para impressionar e construir uma introdução digna de memória. As maneiras de fazer, assim como de se contar uma história em imagens, são infinitas, e não há um jeito melhor que outro. O critério para a escolha destes 30 exemplos sem ordem de preferência – e que pode tranquilamente ser ampliada por novos filmes ou por títulos aos quais não me ocorreram – é apenas o da sentir-se conquistado já na largada por uma obra cinematográfica. Aqueles filmes que, contrariando a lógica, recomendo que não sejam necessariamente vistos até o final. Os primeiros minutos já bastam.
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“Era uma Vez no Oeste”,Sergio Leone(1968)
São pouco mais de 7 min de puro deleite daquela que é
provavelmente a melhor abertura de um filme de todos os tempos. O filme de
Leone, aliás, por si merece essa alcunha, mas se se destacar apenas o seu começo
já está mais do que bem representado. O design, o cenário, os enquadramentos, a
disposição criativa dos letterings, o tempo da montagem, a arte e o figurino, a
fotografia. Tudo em perfeita sintonia e, mais que isso, conceitual, visto que
apresenta, sem precisar valer-se da poderosa música de Ennio Morricone e quase
sem nenhuma palavra dita, tal westerns do cinema mudo, as ideias centrais do filme:
o embate ideológico entre passado e futuro, entre vida e morte, entre instinto e consciência..
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“Cassino”,Martin Scorsese(1996)
Lembro também de, no cinema, sentir a reação da sala ao
surpreender-se com a explosão do carro do personagem Sam Rothstein, vivido por
Robert DeNiro, em “Cassino”, nos idos de 1996. Uma reação espontânea do
público, que, assim como eu, era abduzido para dentro da história em poucos
minutos de fita transcorridos. Scorsese, justificadamente fã de Saul Bass,
conseguira em vida trabalhar com o mestre do design de créditos
cinematográficos ainda em dois filmes: “Cabo do Medo”, de 1991, e neste, do ano
em que ele morreu.
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“Fahrenheit 451”,François Truffaut (1966)
A nouvelle vague foi o movimento que melhor soube subverter os padrões da linguagem cinematográfica. Esta ficção científica de forte crítica filosófica baseada na novela e Ray Bradbury, além de ser um dos melhores filmes de Truffaut e do cinema, inova desde o seu primeiro minuto. E de forma simples. Aliás: simples em formato, haja vista que se engendra apenas por uma sequência de imagens estáticas e monocromáticas em zoom in e uma locução que descreve aquilo que geralmente apareceria escrito. Porém, a simplicidade da sequência de "Fahrenheit 451" é de uma criatividade tamanha, visto que traduz conceitualmente o principal elemento da história, que é a proibição de qualquer material escrito num futuro distópico. Genial e simples.
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“Cidade de Deus”,Fernando Meirelles e Katia Lund(2002)
A experiência com "Cidade de Deus" também foi inesquecível. Fui assisti-lo pouco depois de seu lançamento já tomado pela fama em torno do filme. Na sala de cinema, pude comprovar estar diante da obra que demarca o antes e depois do cinema brasileiro, o filme que deu fim à dolorosa era da Retomada. E sua sequência introdutória (“Pega a galinha, pega a galinha!”), com a faca cintilante simbolizando o perigo, os fragmentos de imagens intercaladas por legendas, a foto em cores pulsantes, o som da lâmina sendo afiada misturado ao do samba para devorar a ave fujona. Uma cena de tensão que se cria em poucos minutos e que já diz a que o filme viera: para revolucionar o cinema nacional e mundial.
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“Um Corpo que Cai”,Alfred Hitchcock (1956)
Saul Bass foi, inegavelmente, o gênio do design de créditos em cinema. E quando a genialidade dele se encontrava com a de outros, como, no caso, Alfred Hitchcock, com quem colaborou mais de uma vez, aí era gol certo. Altamente conceitual, como os videoclipes musicais que passariam a existir apenas décadas depois, a entrada de "Vertigo", com o casamento perfeito com a trilha de Bernard Hermann e os efeitos especiais bastante ousados e criativos para sua época, ainda surpreendem. Se hoje fosse feito por computadores já seria louvável, imagina em 1956.
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“Psicose”,Alfred Hitchcock(1960)
Outro da colaboração Bass/Hitchcock, "Psicose" vale-se dos tradicionais grafismos que eram comuns ao trabalho de Bass, dono de um traço magnifico. A assustadora trilha de Hermann, sinônimo de thriller de suspense, é traduzida por linhas retas paralelas em p&b que se deslocam horizontal e verticalmente em conjunção com as letras, geram uma sensação de instabilidade e não-linearidade, ideia a qual, por sua vez, simboliza a perturbadora história do assassino psicótico Norman Bates. Junto com "Vertigo", aquele que é considerado o grande filme de Hitch. Não à toa.
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“O Segundo Rosto”,John Frankenheimer (1966)
Mais uma de Bass, esta perturbadora abertura de "O Segundo Rosto" é um verdadeiro exercício artístico. Valendo-se de potente trilha de Jerry Goldsmith e da trama de suspense psicológico do filme de Frankenheimer, Bass explora distorções como as do expressionismo alemão e carrega nas sombras e imagens projetadas em espelhos para, já de início, entrar na mente do espectador, que, a se confirmar pelo excelente longa, será conduzido a um mundo de medos e aflições internas. Poucas vezes uma introdução casou tão bem com a ideia central de uma obra.
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“O Jogador”,Robert Altman(1992)
Esta cena já esteve destacada aqui no Clyblog por outro
motivo: o plano-sequência. Pois Altman consegue com este engenhoso desenho de
cena não apenas criar uma das melhoras sequências sem corte da história do
cinema (afinal, o próprio filme trata sobre os bastidores da sua indústria) como, por conta
exatamente disso, causar um incrível impacto já no início do filme, visto que o
plano-sequência é justamente o que o abre. Altman, dos melhores do cinema autoral dos Estados Unidos, sabia como ninguém abrir suas obras, haja vista "Nashville", "M*A*S*H*" ou "Três Irmãs", mas nada bate a de "O Jogador".
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“Magnólia”,Paul Thomas Anderson(1999)
Outro dos que fui assistir no cinema é fui totalmente
arrebatado. Também pudera: que forma criativa de se começar um filme! P.T.Anderson põe pra baixo o queixo do espectador num prólogo ao mesmo tempo
divertido e instigante, que relaciona fortuitos momentos da história, para, ao final, triunfantemente, soltar a imagem da flor "Magnólia" abrindo-se em velocidade acelerada sobre a projeção de diversos vídeos. Além disso, tem a
apaixonante música de Aimee Mann, a quem nem conhecia e passei a adorar por
causa da trilha do filme. Inteligentemente, a aparente dissociação dos
acontecimentos do prólogo antecipa a trama coral proposta pelo roteiro e a nada
casual relação entre aquelas histórias paralelas. “Isto não foi uma
coincidência”.
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“O Homem do Braço de Ouro”,Otto Preminger(1955)
Bass de novo, aqui na sua forma mais naturalmente criativa e
genial: grafismos e desenhos com seu traço característico sobre um fundo preto
e legendas sendo dispostas em conjunto com a música de Elmer Bernstein. A
primeira parceria do designer com Otto Preminger, com quem trabalharia em vários
outros projetos, também explora os meandros obscuros da mente humana, no caso,
de um baterista de jazz viciado em heroína vivido incrivelmente pelo jovem (mas
já ídolo) Frank Sinatra. Só o desenho do braço distorcido já é uma das mais
felizes contribuições de Bass para a história do cinema e do design.
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“A Marca da Maldade”,Orson Welles (1958)
Outro que, assim como "O Jogador", também tem um dos grandes
plano-sequências da história cinematográfica para começar o filme. Porém,
havemos de dar ainda mais mérito para o sempre inquieto e criativo Orson Welles
em ousar abrir um filme deste jeito nos anos 50, quando o cinema e os
espectadores tinham como padrão o formato convencional de créditos iniciais. Nunca se
havia visto uma cena de abertura tão complexa, com vários atores e figurantes em cena,
câmara em travelling, mudança de enquadramento de primeiríssimo plano para
planos médios e grande, num espaço físico extenso e com direito até à explosão.
E tudo isso SEM corte. Caramba! Como se não bastasse, o longa confirma todas as
expectativas de seus de minutos iniciais naquele que é, talvez, o grande de
Welles.
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“Uma Mulher É uma Mulher”,Jean-Luc Godard(1961)
Godard, assim como Truffaut e seus companheiros de nouvelle
vague, nunca deixaram de inovar a maneira de começar a contar suas histórias. O
suíço, aliás, comumente radical, já fez muito filme que, a rigor, não começa
nunca – e nem “termina”, consequentemente, como “Je Vous Salue, Marie” ou “FilmSocialisme”. Mas uma das marcas que Godard nunca abandonou é o trato formal da
tipografia dos letterings, os quais se utiliza geralmente com fontes
não serifadas tipo Futura ou Arial (e nas cores da bandeira da França) sobre
fundo escuro, encurtando os limites entre poesia concreta, cinema, vídeoarte e
literatura. Caso de “Uma Mulher é Uma Mulher”, que ele faz a proeza de apresentar genialmente
em menos de 2 min.
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“Fellini 8 1/2”,Federico Fellini(1963)
Fellini não cria suspense nenhum em relação ao nome do filme, o
qual aparece já no segundo frame sobre fundo escuro na forma da conhecida logo.
Mas a partir dali o que se vê até os 3 min que se transcorrem é a mais absoluta
genialidade felliniana. A história do cineasta pressionado pela crise de
criatividade é expressa numa espécie de prólogo onírico minuciosamente bem
construído. O claustrofóbico engarrafamento, cuja mudez é ensurdecedora, e os
olhares condenatórios à sua volta, sufocam aquele homem sem rosto dentro de seu
carro a ponto de fazê-lo... sair voando! A lindeza do sonho se encerra numa
praia, sobrevoando o mar e sendo puxado por uma corda da areia por ele próprio,
que tem a companhia de um homem de capa sobre um cavalo negro. E o melhor: o oitavo filme (mais um média) de Fellini mantém esse nível até o fim.
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“2001: Uma Odisseia no Espaço”,Stanley Kubrick(1969)
A ficção científica
que estabeleceu o padrão do gênero para sempre é uma aula de narrativa para
realizadores até hoje, o que inclui sua marcante abertura. Copiado e
referenciado centenas de vezes, o início de "2001", de apenas 1 min30’, é,
contudo, dos mais originais da história da 7ª Arte. Traduzindo em imagens
siderais grandiosas a impactante abertura da sinfonia "Also Sprach Zarathustra",
de Richard Strauss, Kubrick mostra o raro alinhamento do planeta com Sol com a
Lua valendo-se, para isso, de poucos mas precisos elementos: tela escura que
vai aos poucos revelando a imagem e apenas três letreiros em tipografia Futura: “Metro-Goldwyn-Mayer Presents”, “A Stanley Kubrick Production” e o nome do
filme em tamanho maior (com o detalhe do Copyright abaixo bem pequeno). Separadamente
do filme, só esse trecho já pode ser considerado uma obra-prima.
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“O Poderoso Chefão”,Francis Ford Coppola(1972)
Este é um caso de uma forma própria de apresentar a
história. O nome, através da bela logo com a mão divina comandando a marionete com
o letreiro “Mario Puzo’s The Godfather” e os acordes da clássica música tema de Nino Rota, já
está garantido no segundo frame. Porém, os 6 minutos seguintes apenas de
diálogos traduzem diversos níveis narrativos e simbólicos que serão trazidos
nas quase 3 horas de fita subsequentes. As relações de poder, a inteligência
manipuladora do Padrinho, os valores familiares, os papeis sociais, os meandros
dos poderosos... muita coisa é dita ou subentendida até o momento em que Vito
Corleone (Marlon Brando, espetacular) cheira a rosa de sua lapela e dá-se continuidade
à “festa”.
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“A Terceira Geração”,Reiner Werner Fassbinder(1979)
Um dos maiores estetas do cinema, o alemão Fassbinder deve muito de suas criativas aberturas de filmes a um contemporâneo e conterrâneo seu ligado à arte moderna a quem muito se inspirava para isso: Joseph Beuys. Não raro, as introduções de seus filmes referenciam o estilo de Beuys, com tipografias monocromáticas dispostas sobre imagens em movimento ou estáticas, criando peças dignas de galerias expositivas. O começo de “A Terceira Geração” é um deles, com os créditos pulsando no ritmo de uma batida cardíaca enquanto vão sendo apresentados sobre um zoom out que vai descortinando um apartamento com telas, móveis e pessoas.
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“Assassinos por Natureza”,Oliver Stone(1994)
Cineasta pautado pelo experimentalismo, Oliver Stone desde
seu primeiro longa, “Platoon”, de 1986, sempre soube começar bem um filme.
Porém, 8 anos depois, ao invés de tornar-se mais conservador, Stone mostra-se
saudável e surpreendentemente ainda mais ousado com o altamente pop e
sarcástico “Assassinos por Natureza”. O começo do filme é visivelmente influenciado pela
linguagem dos videoclipes da MTV, emissora à época em alta, seja pelos enquadramentos
distorcidos, pelo movimento de câmera frenético, pela alteração brusca de ISO
ou pela montagem de ritmo musical. Tão musical, que, na cena, o violento casal
espanca e mata pessoas em um restaurante com absoluto prazer ao som do
punk-rock da L7.
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“Persona”,Ingmar Bergman (1960)
Um dos maiores cineastas de todos os tempos, Bergman tinha
total domínio da narrativa. Porém, a introdução de seus filmes invariavelmente
traziam a fonte Times sem serifa sobre fundo escuro. Mas Bergman sabia
quando contrariar o próprio estilo, e o profundo “Persona” incitou-lhe a isso.
Num conceito de vídeoarte – já existente nas galerias contemporâneas
mas pouco exploradas no cinema de arte –, o cineasta funde imagens em alta
profusão, usa fotos reais e ousa em enquadramentos e fotografia p&b. Tudo
de forma a criar uma atmosfera de sonho e fluidez do tempo/espaço o qual
Bergman tão bem constrói naquele que é considerado“o filme mais difícil de
todos os tempos”.
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“Cidadão Kane”,Orson Welles(1940)
Em seu primeiro longa, o então jovem Welles, com apenas 25
anos, inovava consideravelmente o modo de abrir uma história filmada. Aliás,
não somente essa parte, mas em diversos aspectos da linguagem cinematográfica
daquele que é ainda hoje para muitos o melhor filme de todos os tempos. Quanto
à introdução, mesmo com o título revelado imediatamente ao começo (seria muita
transgressão não informar pelo menos isso ao público da época), nunca havia se
visto um prólogo in média rés (com o qual se começa uma narrativa no auge da
ação antes de começar de novo para explicar como se chegou lá), tão comum hoje.
Enigmática (o que será aquele "Rosebud" dito antes do cara morrer?!), a primeira imagem que aparece traz uma placa com a mensagem “No
Trapessing” (“Não Ultrapasse”). Era Welles, o mesmo que anos antes havia
apavorado multidões com a transmissão em rádio d'"A Guerra dos Mundos", manipulando
o subconsciente do espectador.
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“Manhattan”,Woody Allen(1979)
Assim como Bergman, Allen tem um estilo geralmente muito próprio de iniciar seus filmes, quase que invariavelmente com legendas em fonte tipo Windsor Light Condensed e uma música inteligentemente bem selecionada para sonorizar. Porém, como o mestre sueco em "Persona", Allen também sabe transgredir a si próprio. Em "Manhattan", ao invés do fundo preto com letterings, ele monta uma pequena sinfonia urbana com uma sequência de imagens documentais e poéticas de sua Nova York num cristalino p&b. A sutileza da forma como anuncia o título (e nada mais que isso), num letreiro luminoso de uma rua qualquer do bairro, prevê a abordagem que será dada aos personagens do filme: todos meras continuações do próprio corpo da cidade. Poesia.
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“Laranja Mecânica”, Stanley Kubrick (1971)
Com total domínio do fluxo narrativo, Kubrick é um craque
das aberturas. "O Grande Golpe", "O Iluminado" e o já citado "2001: Uma Odisseia no
Espaço" são exemplos, mas outro diferenciado neste sentido é "Laranja Mecânica".
Uma música feita em sintetizador começa sobre uma tela vermelha até quase 30
segundos, quando finalmente surgem os primeiros letterings numa tipografia Arial
negritada. Percebe-se, então, que a tal música é uma versão eletrônica da peça “Music
for the Funeral of Queen Mary”, de Henry Purcell, do século XVII. O fundo
vermelho se transforma em azul e, de novo, em vermelho para anunciar o nome do
filme. Até que, num corte brusco, muda para o close da figura andrógena de Alex
(Malcom McDowell), personagem principal da história de Anthony Burgess. Dessa
imagem, Kubrick não corta novamente e, sim, a faz prosseguir num travelling frontal-out
sob o off do brilhante texto que reproduz o fluxo de pensamento de Alex, o qual
situa o espectador do universo de distopia que se verá a partir dali.
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“Arizona Nunca Mais”, Joel e Ethan Coen (1987)
A abertura do segundo e cativante filme dos irmãos Coen,
quando eles ainda eram uma revelação, no final dos anos 80, é tão criativa, engraçada,
pop e publicitária (no bom sentido), que serve como trailer. A história do assaltante
pé-rapado H.I. McDonnough (Nicholas Cage) contada em off por ele mesmo enquanto
as imagens vão sendo exibidas com a trilha magistral de Carter Burwell – suas idas
e vindas pra cadeia, os personagens bizarros que conhece no caminho – denotam, pelo
brilhante texto, principalmente, seu coração bom. O mesmo que o faz conhecer o
amor de sua vida, a policial Ed (Holly Hunter). Depois, eles resolvem
sequestrar um dos sete bebês da ricaça família Arizona, mas aí é que a história
mesmo começa...
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“Alien: O 8º Passageiro”, Ridley Scott (1979)
Lembrando a abertura de "2001", filme ao qual Scott bastante
homenageia neste revolucionário terror espacial, tem, assim como na obra de
Kubrick, um desenho de cena simples mas muito eficiente. Uma câmera se desloca
no espaço da esquerda para a direita em uma panorâmica enquanto veem-se
manchas brancas surgirem, as quais vão formando numa uniformidade não-sequencial o nome
“Alien” em uma fonte pesada e sem serifa. Não há nos créditos, mas diz que
também é obra de Saul Bass.
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“Monty Python em Busca do Cálice Sagrado”, Terry Gilliam e Terry Jones (1975)
Como avacalhar os créditos iniciais de um filme? O grupo Monty Python tem a resposta. Em “Monty Python em Busca do Cálice Sagrado”, usando praticamente só tipografia e tela preta, eles conseguem subverter tudo que se imagina de uma opening scene. Sob uma trilha austera, os subtítulos são exibidos, até que, bem abaixo, algumas palavras com caracteres escandinavos começam a aparecer. Frases totalmente desconexas como “Não vai ter feriado na Suécia este ano?” ou uma história esquisita de um alce que mordeu a irmã de alguém. Eis, então, que surge um crédito para explicar o erro nos créditos: “Nos desculpamos pela falta de subtítulos. Os responsáveis foram despedidos”. Muda a música, mas as intromissões continuam, e um novo aviso, agora de que os responsáveis por demitir os demitidos também foram demitidos. Já com uma absurda trilha mexicana, a confusão segue até o fim e, com muito “esforço”, conseguem dar o nome dos diretores: Terry Gilliam e Terry Jones, principais responsáveis por essa bagunça toda.
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“007: O Espião que me Amava”, Lewis Gilbert (1977)
Poderia citar vários tanto anteriores ou posteriores a este filme, mas esta de "O Espião que me Amava" se tornou uma referência dentro da própria franquia. A começar que a abertura com créditos nunca está dissociada do prólogo, que sempre começa com a famosa “gun barrel sequence”, em que um vilão qualquer está olhando por uma mira e vê 007 entrar em cena e atirar contra ele. Depois, os minutos de ação, neste caso, mostrando o agente em duas de suas situações comuns: namorando e se aventurando. Já a abertura em si, assinada pelo mestre Maurice Binder, designer gráfico que estabeleceu o estilo das clássicas aberturas dos filmes de James Bond, consolidaria os elementos que caracterizariam para sempre as chamadas iniciais da série: arte figurativa com efeitos de elementos da história, uso da figura/silhueta de figuras e pessoas - como a do próprio ator que faz JB (Roger Moore à época) -, a fonte Arial fina e branca, o disparo de pistola e, claro, uma trilha especial feita para aquele filme, no caso "Nobody Does it Are Bether", com a Carly Simon – das melhores.
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“Crepúsculo dos Deuses”,Billy Wilder (1945)
O sucesso de consagradas comédias como “Se Meu Apartamento Falasse” e “Quanto Mais Quente Melhor” fez com que Wilder ficasse pouco lembrado por outros gêneros como o suspense e o drama aos quais, contudo, ajudou a solidificar um novo padrão de qualidade na Hollywood dos anos 40 e 50. Este clássico do cinema é uma prova de sua versatilidade, o que deve bastante de seu impacto pela forma como inicia. O modo aparentemente fortuito como o título aparece, numa placa indicando o mítico endereço “Sunset Boulevard”, é precedido por uma câmera em travelling filmando o asfalto cinza na direção de algum lugar específico. É onde está o corpo desfalecido do narrador. Sim! Como em "Memórias Póstumas de Brás Cubas", em "Crepúsculo dos Deuses" é o morto, afogado numa piscina, quem está narrando pleno de consciência de seu estado moribundo. Impossível não ter curiosidade de assistir até o fim.
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“Apocalypse Now”, Francis Ford Coppola (1979)
Não há nenhuma palavra escrita dizendo que filme é. Mas nem precisa. O grande plano de uma floresta é aos poucos invadido por helicópteros que cruzam a tela e uma fumaça começa a levantar. Percebe-se, porém, que a fumaça não é de areia, mas, sim, o venenoso napalm. Até que várias bombas caem sobre a mata, provocando gigantescas explosões. A música que toca não podia ser outra: “The End”, da The Doors. É um presságio. É a guerra. É o Vietnã. É “o horror”. Diversas imagens apocalípticas se fundem ao rosto de um homem em close, o personagem principal do filme, o perturbado Capitão Benjamin Willard (Martin Sheen). A sensação de quebra no tempo perfaz todo o longo filme, que perscruta os mais terríveis meandros psicológicos da guerra.
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“Cléo das 5 às 7”, Agnés Varda (1962)
Outra grande esteta do cinema moderno, Varda pautou toda sua filmografia pela inventividade narrativa e estética, a qual passava por um filtro muito pessoal. Em "Cléo das 5 às 7", seu primeiro longa, fica clara esta criatividade seja na forma como no conteúdo. A mesa de uma cartomante é filmada em plongê mostrando somente o baralho e as mãos dela e da cliente. Os subtítulos em branco são gerados conforme a disposição das cartas sob um silêncio que provoca tensão. Que mensagem as cartas vão dizer? E dizem: a jovem Cléo tem apenas 2 horas de vida, o tempo que o filme transcorrerá: das 5 da tarde às 7 da noite. Varda dá um show em montagem e no jogo simbólico entre cor, que aparece somente quando as cartas são lidas (supostamente, enquanto ainda há vida), e p&b, que domina o filme, marcado pela agourenta previsão que atormentará a personagem.
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“A Pantera Cor-de-Rosa”, Blake Edwards (1963)
Um modo interessante de se abrir filmes – e que fecha muito bem para comédias – é a animação. No entanto, como as da série Pink Panther, não tem igual, principalmente a do primeiro da franquia. A atrapalhada mas elegante pantera de cor exótica criada pelo próprio Blake Edwards virou desenho animado para a TV depois do filme tamanho o sucesso que fez exatamente na abertura do filme, assinada pelos designers e animadores David H. DePatie e Fritz Freleng. Aliás, este é o único momento em que ela, fugindo do ainda mais atrapalhado inspetor Jacques Clouseau, aparece, visto que o nome Pantera Cor-de-Rosa é o de uma pedra preciosa na trama. Além da simpatia da Pantera, ainda tem a infalível trilha do genial Henri Mancini, uma música altamente charmosa e de fácil assimilação, tanto que virou o tema de jazz mais conhecido de todos os tempos.
Sondar as profundezas da natureza humana é uma das mais recorrentes propostas do cinema de autor. Neste universo, há inúmeros títulos que abordam o tema sob enfoques dos mais diversos. Determinados cineastas, no entanto, tomam este tipo de temática quase como uma obsessão – o que lhes faz soar formalmente ainda mais freudianos. O cinema europeu, mais dado a estes instigantes “intrincamentos psicologizantes”, tem em Bergman uma referência indissociável, mas ainda há Antonioni, Wenders, Resnais, Buñuel, Fassbinder e alguns outros. No cinema americano a prática de levar a câmera ao divã é mais incomum, porém, por sorte, não inexistente. Inspirado no cinema marginal americano dos anos 40-50 (Penn, Aldrich, Ray), no expressionismo alemão e pelas vanguardas dos anos 60 e 70 – que tomavam os corações de jovens cineastas pelo mundo todo àquela época –, o norte-americano John Frankenheimer (1930-2002) muito perseguiu em seus filmes a temática psicanalítica. Seu mais assertivo feito é, entretanto, “O Segundo Rosto” (Seconds, EUA, 1966), uma brilhante metáfora sobre a perda de identidade e a dilaceração do indivíduo na sociedade moderna.
Um dos livros mais importantes do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, “Modernidade e Holocausto”, traz, através da visão crítica e ampla peculiar do autor, a ideia de que os sintomas da Solução Final da Segunda Guerra Mundial ultrapassam o castigo aplicado ao povo judeu (o que já seria, contudo, suficientemente trágico). Para ele, as implicações do massacre praticado pelo regime nazista se estendem às esferas política, sociológica e psicológica com tal força que se torna, ainda hoje, problema não só de judeus, mas de não-judeus, de ocidente e oriente; da sociedade moderna como um todo. Trata-se, obviamente, de um fenômeno maligno, mas cujos fatores psicossociais formadores não são necessariamente perversos, visto que pautado no tripé da burocracia moderna, da eficiência racional-tecnológica e da mistificação – aspectos que, convenhamos, isoladamente, não inspiram essencialmente maldade.
Nesta linha, “O Segundo Rosto” traz à tona, num enredo envolto em mistério, ficção-científica e surrealismo, um dos resultados psicossociais dos efeitos devastadores que o genocídio impregnou no inconsciente coletivo: a divisão do “eu”. Afinal, a Crise dos Mísseis havia ocorrido há apenas 4 anos, a cisão entre as “Alemanhas” estava no auge e a Guerra Fria era “compensada” pelos Estados Unidos num conflito injustificável no Vietnã. Tal tensão fica explícita na construção do personagem-protagonista (s?). Na história, um homem de meia idade, John Hamilton (maravilhosamente interpretado por John Randolph), vice-presidente de um banco, vive com a esposa numa confortável casa de subúrbio. Angustiado e insatisfeito com sua vida burocrática e repetitiva, contrata uma empresa especializada em "renascimentos". A organização forja sua morte e, após avançados procedimentos cirúrgicos, faz com que ele renasça na figura de Anthiocus Wilson (Rock Hudson), um pintor de sucesso cuja história toda pré-programada ele, agora renovado por fora, terá de se incubar “por dentro”. Claro, não sem enormes desafios psicológicos.
Cena de "Seconds": modernidade e Holocausto
Frankenheimer concebeu um filme revolucionário, inspirador de grandes realizadores como David Cronenberg e Roman Polanski, de quem se vê em vários trabalhos elementos pescados de “O Segundo Rosto”. A relação carne/alma, recorrente discussão na obra de Cronenberg – “A Mosca” (1986) e “Crash” (1996), por exemplo –, é explorada numa brilhante metáfora no filme: a “companhia de renascimentos” usa como fachada um frigorífico. A utilização das perturbações mentais como elemento narrativo é também típica do cinema tanto de Cronenberg quanto de Polanski, que de “O Segundo Rosto” se valeu bastantemente para compor os roteiros e a atmosfera sombria de suspenses psicológicos como “O Bebê de Rosemary” (1968) e “O Inquilino” (1976).
De fato, “O Segundo Rosto” inova e surpreende. Começa com a hipnótica abertura do mestre Saul Bass, designer alemão que revolucionou o modo de apresentar os filmes ao adicionar, com técnica e criatividade, o conceito do filme já nos subtítulos, e cujos créditos iniciais de obras-primas como “Um Corpo que Cai”, “O Homem do Braço de Ouro” e “Cabo do Medo”, assinadas por ele, são um espetáculo à parte. Em “O Segundo Rosto”, Bass se vale de imagens em hipercloses distorcidas de um rosto casadas com a tensa música de outro mestre, Jerry Goldsmith, dando a tônica do que virá no decorrer da trama.
A marcante abertura assinada por Saul Bass
As interpretações são outro destaque, principalmente a de Rock Hudson, cuja mente perturbada consegue-se penetrar pelo espectador a ponto de causar uma quase náusea. Perversão, culpa, alucinação, medo, inocência; está tudo ali, embaraçado. As figuras que, por paranoia ou não, aterrorizam o mundo de Anthiocus parecem saídas de um tenebroso sonho, lembrando as caracterizações feitas por Orson Welles em “O Processo” (1962).
Afora o roteiro, eficiente e preciso, equilibrando densidade e didática, a direção e a fotografia merecem aplausos. O olhar de Frankenheimer é cirúrgico, usando os elementos fílmicos com precisão e clareza de objetivos. A câmera, por exemplo, é um artifício para, independente da forma como é empregada, transmitir desequilíbrio, seja em movimentos bruscos – como na fascinante cena inicial na estação (presa à altura da cabeça do ator, esta técnica de hiperrealismo ainda é muito usada hoje, na publicidade, por exemplo, para fortalecer a proximidade física do espectador com o “objeto” filmado) –, seja em enquadramentos fixos, ora em angulações distorcidas e inclinadas, ora aproveitando-se da profundidade de campo proporcionada pela lente objetiva.
O "eu" dividido: simbologia do espelho como terror
A propósito disso, a fotografia expressionista em P&B assinada pelo chinês James Wong Howe, outro craque de Hollywood que modificou a forma de fotografar em audiovisual, é um dos pontos mais marcantes do filme, tendo concorrido, inclusive, ao Oscar daquele ano. Não só o uso da perspectiva funciona como ressignificação da complexidade psicológica do protagonista como, igualmente, os closes nas texturas rugosas das peles, nas gotículas de suor que escorrem do rosto, no brilho artificial da íris dos olhos. Foco e desfoco andam juntos o tempo todo, e a composição dos cenários, às vezes propositadamente poluída de elementos visuais, reforçam o deslocamento psicológico de Hamilton-Anthiocus no mundo em que vive – embora o termo “viver” não seja propriamente o mais adequado nesta situação.
Falando em terminologias, este é outro fator expressivo no que se refere à metalinguagem que o filme suscita. O título original pode ser traduzido tanto como “segundo” ou “outro”, pontuando o conceito de dualidade marcante da obra, quanto por “segundos”, numa referência à passagem do tempo, seja este imagético ou físico, real ou psicológico, cronológico ou anacrônico. Outro termo que merece atenção é o “renome” que o protagonista recebe: Anthiocus. Ora: se alguém que busca reinventar-se na modernização forçada de suas feições e biografia recebe um nome etimologicamente referido a “antigo”, é porque alguma coisa está errada! Na sua nova vida, o agora artista, amante de uma linda jovem, conviva da alta classe burguesa e bonito feito um Deus submerso num novo inferno, na verdade, não se desfez daquele velho Hamilton que há dentro dele e cuja casa à art nouveau sempre pareceu um museu – e dos gélidos. Sua profissão de artista plástico, como o "Pintor da vida moderna" de Baudelaire – cuja existência servia para transpor à tela o momento presente –, soa como uma irônica metalinguagem da abstração da realidade pelo cinema enquanto arte.
Duas cenas de "Seconds": influência expressionista nas imagens distorcida e aterradoras
Este Fausto revisitado, como bem associou o crítico cinematográfico francês Jean Tulard, tem tudo a ver com as crias que o fantasma do Holocausto produziu e produz. Se pensarmos que a pós-modernidade em que vivemos hoje é fruto da modernidade e de que, embora o mundo globalizado e a era digital signifiquem um novo paradigma repleto de novas significações, a própria recentidade história do pós-Guerra intui que problemáticas advindas com este período não tenham sido ainda esgotadas. Tudo bem em se renovem os questionamentos; mas, conforme assinala Bauman, sofre-se ainda, como o personagem de “O Segundo Rosto”, do mal-estar característico da crise da modernidade, impelido pelo também recente advento da psicanálise, pela queda do materialismo histórico e pela quebra do Estado clássico. O resultado é a perda de direção e a criação de um grande “nada”, o qual se impõe à frente de tudo. Alguma semelhança com a falta de critérios e distinções morais da família, da sociedade, do Estado de Direito que se vê hoje?
Cena de "Brilho Eterno...": poesia do inconsciente
Fugir, então: eis a solução! Este “eu” que, do século passado para cá, de tão massacrado, não está mais se achando. “Eu” que se reduziu a suas meras limitações na filosofia existencialista; “eu” de um K. de “O Processo” de Kafka, que não sabe para onde vai e nem porque; “eu” que perde-se no labirinto das veleidades e da estética, como o hedonista fotógrafo Thomas de “Blow Up” (Antonioni, 1966); ou aquele “eu” lisérgico, marginal e impulsivamente desistente do sistema de Jack Kerouac, Para onde correr, se só há o nada em qualquer direção em que se vá? O jeito é reinventar-se – mesmo que artificialmente. Mais recente, o poético “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” (Michael Gondry, 2004) navega por mares bem parecidos com o de “O Segundo Rosto”. Neste lindo romance psicológico da era digital, Joel (Jim Carrey) vive um marido magoado por sua esposa Clementine tê-lo, como nos computadores, deletado de sua mente. Resolve, então, retribuir na mesma moeda. No decorrer da operação na “clínica”, Joel percebe que, na verdade, não quer excluí-la de sua vida, e sim manter em sua memória os momentos em que estiveram felizes. A partir disso, ele enfrenta uma incrível luta mental para que essas memórias continuem vivas dentro de si.
O conflito em que esses personagens se consumem e os leva a uma divisão de si mesmos está, em ambos os filmes, diretamente ligada à relação com suas mulheres. Elas lhes são o espelho de suas identidades. Analisando o filme Frankenheimer, a esposa de Hamilton-Anthiocus exerce um papel fundamental na trama, tanto no início da história, no descompasso entre eles, quanto no desfecho, quando se reafirma este desafino. Embora o objeto espelho seja recorrente no cinema para expressar duplicidade, divisão, diferenciação, afastamento, ruptura etc, a repetição deste no decorrer de “O Segundo Rosto” é ludicamente deliciosa ao mostrar a “distorção” da imagem tanto de Hamilton quanto de Anthiocus. Há, porém, na cena crucial do diálogo entre o ele e sua (ex) esposa na casa em que viviam, onde é ela quem se vê refletida e não se “reconhece”, tal como ocorre com o (ex) marido a todo instante, antes e depois da cirurgia.
"O Inquilino" de Piolanski: dissociação do "eu"
A formação do “eu” no olhar do “outro”, de acordo com o psicanalista francês Jacques Lacan, inicia na infância na relação do ser humano com os sistemas simbólicos fora dele mesmo. O que ele chama de "fase do espelho" é quando a criança, não possuindo qualquer autoimagem como uma pessoa "inteira", vê-se ou "imagina" a si própria refletida, figurativamente, no "espelho" que é o olhar do outro. Só aí ela pode se ver como uma "pessoa inteira". Mas o que ocorre quando este “espelho” está “quebrado”? Outro famoso psicanalista, o suíço C. J. Jung, disse que “não se cura a dissociação dividindo-a, mas dilacerando-a”. No já citado “O Inquilino”, o personagem principal, num processo semelhante ao de Anthiocus, a certa altura, questiona-se: caso mutilassem partes de seu corpo, poder-se-ia, mesmo assim, ele e suas partes continuarem se chamando pelo mesmo nome? Despedaçado, sua angústia está em perder a “unidade” de sua alma, de ser um mero “inquilino” dentro de si mesmo.
Embora este sujeito complexo e problemático esteja sempre partido, ele passa a vivenciar sua própria identidade como se ela estivesse reunida e "resolvida", como resultado da fantasia de si mesmo que ele formou naquele espelho em cacos. Aspectos tão profundos da psique humana e do inconsciente coletivo encontram, por sorte, leito na obra de autores do cinema americano como Frankenheimer (e aí se podem citar também Allen, Scorsese, Eastwood e Altman), coisa que o cinema de outras partes do mundo, infelizmente, muitas vezes não tem tanto poder em atingir um público maior valendo-se de recursos semelhantes. Apesar de pessimista, a visão de Frankenheimer supõe um alarme, um apontamento do erro de nossa pós-modernidade de que fugir de si esvazia e dilacera.
Um dos maiores realizadores vivos do cinema mundial chega aos 75 anos. Não seria necessariamente motivo de comemoração, afinal, não são poucos cineastas que, longevos, atingiram idades semelhantes nos últimos tempos. Porém, está se falando de Martin Scorsese, o mestre do cinema norte-americano, ao mesmo tempo um de seus principais renovadores e um autor de estilo muito próprio e cativante, que une a cultura pop, visíveis influências escolas de grandes diretores do cinema (Kazan, Kurosawa, Kubrick, Ford, Leone) e apuro técnico muitas vezes inigualável. Pra comemorar os 75 anos de Scorsese, completos no último dia 17, nosso blogger Paulo Moreira escolheu seus 10 filmes preferidos do mestre, cada um com com pequenos comentários:
The fucking best!! Perfeição a cada fotograma. TUDO é bom até a mini-participação do Michael Imperoli dos Sopranos como o cara que servia os drinks dos mafiosos e é morto pelo Joe Pesci na mesa de jogo. Trilha-sonora de luxo!
Scorsese com o elenco de 'Goodfellas'
Como ator em 'Taxi Driver'
2 – TAXI DRIVER(1976)
A paranoia americana e novaiorquina em seu apogeu. Jodie Foster nunca foi melhor do que aqui, assim como De Niro.
3 – CAMINHOS PERIGOSOS("Mean Streets", 1973) Onde o cinema do Scorsese começa a se mostrar. Outra trilha maravilhosa.
4 – DEPOIS DE HORAS ("After Hours", 1985) Kafka em NYC. Precisa dizer mais?? E ainda tem uma cena que tira sarro da minha ídola suprema, Joni Mitchell. Griffin Dunne no maior papel de sua diminuta carreira.
5 – TOURO INDOMÁVEL ("Raging Bull, 1980) Fotografia em P&B pra não chocar com tanto sangue - mal sabia ele que os Sexta-Feiras 13 iriam dar um banho de sangue sem pudor no público. De Niro engorda, emagrece, engorda, emagrece e dá um show. Cathy Moriarty fazendo seu próprio papel de loura platinada entediada. Gostossíssima!!
Com De Niro no ringue-cenário
Outra ponta como ator
6 - O REI DA COMÉDIA ("The King Comedy", 1983) Rupert Pupkin é o fã maluco do Jerry Lewis. De Niro sensacional e a Sandra Bernhardt incrível. Porque esta mulher não deu certo?
7 – CASSINO ("Casino", 1995) "Goodfellas" parte DOIS com a atuação estelar da Sharon Stone fazendo a mais louca das mulheres loucas. De Niro & Pesci se amando e se odiando.
9 – OS INFILTRADOS("The Departed", 2006) Duelo de titãs: DiCaprio & Nicholson mais Martin Sheen, Matt Damon e Mark Wahlberg de troco.
10 – CABO DO MEDO ("Cape Fear", 1991) Lembro quando saiu este filme o Pedro Ernesto - ele mesmo, o "Demóis" - dizia que tinha de trocar o nome pra ME CAGO DE MEDO!! HAHAHAHAH O casting é outra obra: o loucaço Nick Nolte fazendo o papel de bundão; a grande Jessica Lange da esposa mala, a chatinha Juliette Lewis da adolescente putinha e o De Niro, aqui sim como o Diabo, muito melhor do que no chatérrimo "Coração Satânico".
Conversando com De Niro nos bastidores de 'Cabo do Medo'