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quinta-feira, 1 de junho de 2023

CLICK Especial 15 anos do Clyblog - Lana Del Rey no MITA Festival 2023

 







A amiga Joana de Moraes esteve no festival MITA, no último final de semana, no dia 27/05, para assistir ao show da cantora Lana Del Rey e, instalada num ponto privilegiado da plateia para apreciar sua "ídola", compartilhou conosco alguns registros desse evento espetacular, os quais, por nossa vez, compartilhamos com vocês que acompanham o Clyblog.

Fiquem, então com algumas imagens que captam um pouco do ambiente, do clima, do local, no show de Lana Del Rey:

Tudo pronto para o festival!

Fãs deixando sua marca, sua assinatura, seu recadinho, no letreiro do festival.

Ela, Lana, no palco, com um look totalmente Marylin Monroe.

Doçura, delicadeza e melancolia desfiladas no palco do MITA

Mais um momento com a Musa da Tristeza

Lana no celular do celular. Ninguém queria perder um momento sequer.

Lana em tamanho gigante, no telão

FOTOS: J O A N A   M O R A E S


★★★★★


Joana Moraes é estudante do Ensino Fundamental




quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Lou Reed & John Cale - "Songs for Drella" (1990)


“Lou e eu tivemos uma conversa, e se tornou muito mais importante expor o que nós dois tínhamos [de relação com Andy Warhol], criando um show com apenas duas pessoas no palco, para que todos vissem nossa história. Achei que era mais importante – quase mais importante do que a música”.
John Cale

“O que você experimenta por meio desse registro é o relacionamento entre nós e Andy. Não se trata apenas de Andy; não é apenas, ‘oh! ele fez isso, ele fez aquilo’. Quando você experimenta ‘Drella’, é sobre John e eu, é sobre mim e Andy, e é sobre John e Andy. Queremos que você conheça melhor Andy Warhol, que você o sinta como John e eu o sentimos, para que você possa vivenciar a presença dessa pessoa única e incrível e se aproximar dela.” 
Lou Reed

Há quem contradiga o ditado de que “dois raios não caem no mesmo lugar”. Se for considerar a parceria entre Lou Reed e John Cale, essa máxima realmente não se aplica. Tanto pela raridade do fenômeno quanto por sua fugacidade, em todas as ocasiões em que os dois estiveram juntos ao longo de quase quatro décadas, o céu proporcionou um espetáculo irrefreável de belezas, mas também não demorou a se precipitar com violência. E isso, não apenas uma, mas duas, três vezes pelo menos. Tal como forças da natureza semelhantes e intensamente fortes, não suportam uma a outra pela tamanha atração que exercem entre si, repelindo-se mutuamente tão logo realizem seu feito. 

Foi assim com Reed e Cale desde sempre. Dois dos maiores talentos de sua geração de prodigiosos jovens artistas nascidos no pós-Guerra, são figuras essenciais para a cena da contracultura nova-iorquina, que mudou os rumos da vida social na segunda metade do século XX. Isso, contudo, não impediu que as desavenças se manifestassem. Pelo contrário, era-lhes como dar mais munição. Já na Velvet Underground, histórica banda que cofundaram com Moe Tucker e Sterling Morrison nos anos 60 e espinha dorsal do rock junto a Beatles, Bob Dylan e Rolling Stones, isso já acontecia. Mesmo com a alta sinergia artística que os unia e os colocava como o principal núcleo criativo do grupo – capaz de inventar algumas das mais elevadas obras da música contemporânea, como “Heroin”, “Venus in Furs” e “Sister Ray” –, as diferenças falavam mais alto do que as semelhanças. A Velvet continuou com Reed até este partir para sua própria carreira no início dos anos 70, mas Cale, incomodado com o parceiro, não suportou mais do que dois discos e saltou fora um ano após a estreia no clássico "Disco da Banana" para voos solo e na produção musical.

Já veteranos, os integrantes da banda promoveram uma nova aproximação somente 25 anos, em 1993, para o memorável show “Live MCMXCIII”. A turnê comemorativa, que vinha emocionando fãs por onde passava, entretanto, mal havia começado e teve de ser subitamente interrompida por causa de brigas entre os dois líderes. De novo os iluminados raios se chocavam e faziam fechar o tempo, transformando a situação festiva em um dilúvio de ferozes descargas elétricas.

A Velvet com Nico: apadrinhados por Andy
Somente um milagre da natureza para fazer com que tanto talento (e ego) pudesse permanecer minimamente em harmonia por algum tempo, mesmo que curto, sem que se provocasse imediatamente mau-tempo. Esse milagre tinha nome e lhes era um velho conhecido desde os tempos das performances multimídia da Exploding Plastic Inevitable, nos primeiros anos da Velvet. Chamava-se Andy Warhol. Fazia já três anos que o pai da pop art e padrinho artístico da turma havia dado adeus, deixando neles uma sensação de dívida para com a figura que, junto com eles – mas também abarcando-os –, havia transformado os cânones da cultura mundial para sempre com sua proposta artística ousada e conectada com a pós-modernidade. No entanto, ainda precisou que um segundo raio teimasse em se lançar no mesmo ponto: praticamente um ano depois, a cantora e modelo alemã Nico, parceira do histórico primeiro disco da Velvet e musa musical de Cale por vários anos, também morria. A despedida de Nico, que dera voz a alguns das principais composições da dupla, como “All Tomorrows Parties” e “Femme Fatalle”, deixou a Cale e Reed mais do que evidente que aquele 1990 lhes trazia um aviso do firmamento. Sim, precisavam unir-se. Foi então que, entre tempestades e quietações, nasceu “Songs for Drella”, o qual completa 30 anos de lançamento.

Precavidos do próprio histórico, a combinação foi a seguinte: por três meses, os dois – e somente os dois –, suportariam o confinamento e baixariam a cabeça para comporem conjuntamente um repertório inteiramente novo em memória a Andy. Três meses apenas. O que talvez seja muito pouco tempo para alguns, foi mais do que suficiente para que os conflituosos, mas não menos experientes e afinados companheiros, compusessem uma obra-prima única em vários aspectos. A começar pela ocasião em si, para a qual Reed e Cale conceberam também algo especial, uma vez que sabiam da responsabilidade que lhes cabia: somente eles podiam cumprir aquela tarefa. Embora a vastidão da influência de Andy para a arte, estabelecendo nesta um "antes" e um "depois" de si, eram Reed e Cale seus verdadeiros herdeiros na música. Por isso, entendiam que a homenagem a Andy pedia pompas. Afinal, somente um indivíduo ímpar na humanidade poderia juntar Drácula com Cinderella (daí, o apelido “Drella”). Com isso, “Songs” saiu não apenas um disco, mas uma ópera-rock, que respeita toda a estrutura clássica tal como o rock havia incorporado ao narrar uma história de apogeu e miséria e final necessariamente trágico. Outra excepcionalidade é ter apenas os dois no recinto tocando, cantando, gravando, mixando e produzindo a si próprios. O resultado é um disco de sonoridade minimalista mas altamente expressiva, em que não há percussão, sopros, orquestra ou outras vozes, apenas as cordas vocais dos dois falando pela de Andy e intercalando-se e a de seus instrumentos: guitarras, baixo, viola e piano/teclados.

Cale, Reed e Andy em 1976: relação antiga e muito cúmplice

Para narrar a trajetória de Andy, Cale e Reed determinam, então, 15 movimentos em que se ouvem a sofisticação do art rock, a fúria do punk, a ousadia da vanguarda, a tradição clássica europeia e o palpável da canção pop. Tudo que Andy lhes legou em ideias e conceitos, desde a Velvet até as suas carreiras solo, era revisado e revisitado de forma altamente madura e concisa, mas também emocional e devota. Num teor erudito, a provocativa “Smalltown” começa como uma espécie de minueto ternário em allegro em que a voz de Reed faz resgatar o desejo do jovem Andy antes de mudar-se para a cosmopolita Nova Yprk nos anos 50. Gay, estranho e totalmente deslocado em sua Pittsburgh natal, ele tinha uma única certeza: a de que queria sair dali. “De onde é que Picasso vem/ Não há Michelangelo vindo de Pittsburgh/ Se a arte é a ponta do iceberg/ Eu sou a parte mais ao fundo“. 

A percepção de que o destino de Andy era mudar os padrões da sociedade começa a ser desenhada a partir do momento em que ele pisa na Big Apple, mais precisamente quando “abre a casa” na 81st Street, em Manhattan, para receber toda a fauna de artistas e doidões de uma Nova York em plena ebulição criativa. Era a Factory, seu lendário estúdio de onde a arte ocidental entrou de um jeito e saiu de outro para nunca mais ser a mesma. A dupla dá a este momento ares litúrgicos e ambientais, mas ao mesmo tempo recorre ao minimalismo nas três notas repetidas que formam o núcleo melódico de "Open House", o mesmo que usaram em "Waiting for the Man", outra sua do repertório da Velvet. 

Enquanto Cale canta a busca de Andy por patrocínio junto aos mecenas endinheirados, a quem apresenta um portfólio com suas embalagens de Brillo e uma tal banda chamada Velvet Underground (“Style It Takes”), Reed, na sequência, sob um ruidoso e minimalista rock, traz o artista em atividade (“Work”) fazendo lembrar o som hipnótico e sequencial de contemporâneos de anos 60, mas estes, da cena avant-garde da Califórnia, Philip Glass e Steve Reich. Logo começam, entretanto, os problemas. “Trouble With Classicists”, numa melodia neo-renascentista quase declamada por Cale, traz as idiossincrasias entre a arte moderna e classicismo, bem como o embate com os críticos.  

A efervescência nova-iorquina agora está nas veias de Andy. A intensa “Starlight”, com as guitarras distorcidas de Reed e o toque atonal do piano de Cale, fala da casa LGBT que abrigou seus pares: Ingrid, Viva, Little Joe, Baby Jane, Eddie S. “Starlight aberto/ Luz das estrelas abre sua porta/ Isso se chama Nova York/ Com filmes na rua/ Filmes com pessoas reais/ Que você recebe é o que você vê”. Desses personagens reais surgem as famosas fotografias e serigrafias como as que imortalizou de Marylin Monroe, Elvis Presley ou Truman Capote. O genial e inquieto rapaz do interior agora se encontra totalmente consigo mesmo. Criador e criaturas se homogeneízam. Para Andy, cantado no elegante timbre de Cale numa das mais brilhantes do disco, “rostos e nomes são tudo a mesma coisa”. Kitsch, celebridades, sexo, drogas, noite, ruas. Em "Faces and Names" a arte sai pelos poros, seja pela pintura, cinema, teatro ou música. São os “15 minutos de fama” e muito mais. Andy, no auge, prossegue formando novas figuras, como Reed canta noutra maravilha de “Songs”, “Images”. A viola ao estilo La Monte Young de Cale e a guitarra com efeitos de pedal de Reed formam um corpo dissonante só para registrar que, além do figurativo, o abstrato também integra o repertório pictórico do artista visual. 

A dupla em 1990 na rara
reunião para homenagear
o pai da pop art
Tanta exposição resulta na primeira grande crise, fato presente nas cinco faixas seguintes, que é a tentativa de assassinato que Andy sofreu da feminista radical Valerie Solanas, a qual se sentira ofendida com ele em razão de um desacerto profissional. A melodiosa “Slip Away (A Warning)” fala justamente do conselho de amigos para que fizesse o movimento inverso do que vinha procedendo: ao invés de “open house”, fechar seu estúdio. Pressentimento do pior. A barra segue pesada com “It Wasn't Me”, em que Andy tenta convencer Solanas a não se suicidar e de que ele não tinha culpa. O tiro, literalmente, saiu pela culatra: em 3 de junho de 1968, ela invade a Factory armada e desfere três tiros contra Andy, o que lhe deixou sequelas físicas e emocionais para o resto da vida. “I Believe”, outra ótima, narra com detalhes e urgência a cena do atentado, da chegada dela ao local à agonia de Andy no hospital. Solanas, que passou três anos na prisão pelo ocorrido, morreria 14 meses depois de Andy (e dois antes de Nico) em abril de 1988.

O belo country “Nobody But You” versa ainda sobre o traumático episódio (“Eu realmente me importo muito/ Embora pareça que não/ Desde que eu fui baleado/ Não há ninguém além de você”), encaminhando o musical para um desfecho, como se sabe, melancólico como em todas as óperas. Na discursiva e etérea “A Dream”, Cale traz sua veia new age e neoclássica captada junto a outros parceiros, como Terry Riley, Brian Eno e Kevin Ayers. A letra é um fluxo de pensamento de Andy, cuja descrição de um sonho traça um panorama de vários momentos de sua biografia: os primeiros anos, a Velvet, pessoas de convivência, a amizade com Reed e Cale, o incidente na Factory e as feridas que a vida lhe trouxe. A indagação: “Puxa, não seria engraçado se eu morresse neste sonho antes que eu pudesse inventar outro?”, quase ao final da faixa, denota o pressentimento de que os últimos traços de um artista sublime estavam sendo dados. 

A arquitetura narrativa de “Songs” - que mantém um exemplar equilíbrio entre densidade e leveza, tonalismo e dissonâncias, agitação e calmaria, classicismo e vanguarda, agressividade e lirismo - surpreende mais uma vez na virada da contemplativa e extensa “A Dream” para o blues ultramoderno “Forever Changed”, talvez a mais impactante de todo o álbum. Ciente da proximidade da morte, Andy compreende igualmente a sina de todo grande artista: a permanência do seu legado. “Eu fui”, mas tudo “mudou para sempre”. A consciência da eternidade. Se Cale emenda as duas anteriores, é Reed quem tem o privilégio de desfechar este réquiem. Isso porque, ao invés de prosseguirem a narrativa na terceira pessoa, como que falando pela voz de Andy, são as próprias palavras de Reed que compõem a letra de“Hello It's Me” numa emocionante carta de despedida. “Andy, sou eu, não te vejo há um tempo/ Eu gostaria de ter falado mais com você quando você estava vivo”, abre dizendo na singela balada, mais uma como “Femme Fatale” e “Sunday Morning” composta pelos dois em meio aos vários proto-punks raivosos e sinfonias ruidosas dos tempos de Velvet. 

Terminada a gravação, também não durou muito a turnê de “Songs”. Após algumas apresentações, Cale e Reed separaram-se novamente, como raios excelsos que entram em choque depois de mal se aproximarem. A última ocasião, o reencontro da Velvet, três anos dali, foi sentenciada com a partida de Sterling Morrison dois mais tarde e a do próprio Reed, em 2013. Antes da tormenta, contudo, o tempo colaborou para que registrassem este impecável e sui generis disco, que evidencia o quanto figuras como Andy Warhol fazem falta sempre. E por quê? Porque, como um Michelangelo, um Mozart, um Picasso, um Shakespeare, ícones revolucionários invariavelmente deixam lacunas impreenchíveis, simplesmente. Ouvir “Songs” hoje, a três décadas de seu lançamento, dá a dimensão do que existências como as de Andy, Reed, Nico e Morrison significam depois que partem e da importância dos que ficam, como Cale e Moe. Raios muito raros que, incrivelmente, caíram no mesmo lugar. Justo por isso que o disco tenha se concluído com estes versos: “Bem, agora Andy, acho que temos que ir/ Espero de alguma forma que você goste deste pequeno show/ Eu sei que é tarde, mas é a única maneira que eu sei/ Olá, sou eu/ Boa noite, Andy”.

Show de "Songs for Drella", de Lou Reed e John Cale (1990)


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FAIXAS:
1. “Smalltown” - 2:03
2. “Open House” - 4:16
3. “Style It Takes” - 2:54
4. “Work” - 2:36
5. “Trouble With Classicists” - 3:40
6. “Starlight” - 3:26
7. “Faces And Names” - 4:11
8. “Images” - 3:28
9. “Slip Away (A Warning)” - 3:04
10. “It Wasn't Me” - 3:29
11. “I Believe” - 3:17
12. “Nobody But You” - 3:44
13. “A Dream” - 6:33
14. “Forever Changed” - 4:49
15. “Hello It's Me” - 3:03
Todas as composições de autoria de Lou Reed e John Cale

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OUÇA O DISCO:





Daniel Rodrigues

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Gal Costa - "Legal" (1970)

 

“Entramos em campo com o que tínhamos na mão. Gal já era a maior cantora do Brasil naquele momento e esse trabalho foi muito especial, pois nós juntamos os melhores músicos da época, como Chiquinho de Moraes e Lanny Gordin. A gente procurou pensar que tínhamos que fazer o melhor naquele clima de ditadura militar: Caetano e Gil exilados, a Copa do Mundo em cima, uma confusão danada. E fizemos o nosso trabalho".  
Jards Macalé

“Genial, contemporâneo e perturbador”. 
Assucena Assucena, da banda As Bahias e a Cozinha Mineira, sobre “Legal”

Ao mesmo tempo em que começa a se tornar cada vez mais comum ver os ídolos brasileiros da geração dos anos 50/60 se irem, caso de João Gilberto, Sérgio Ricardo, Moraes MoreiraLuiz Melodia e, mais recentemente, Gerson King Combo, em contrapartida, é uma enorme satisfação presenciar estas mesmas figuras referenciais chegarem à idade avançada. É mais do que só um motivo de comemoração, e sim de emoção. Caso da "água viva" da MPB: Gal Costa, que, mais do que viva, está operante e produzindo muito bem, obrigado. Gal chega aos 75 anos de idade e 55 de carreira celebrada como uma das maiores vozes do Brasil, posto que ocupa desde os anos 60 quando, junto com Gilberto Gil, Caetano Veloso, Tom Zé, Mutantes e toda a turma da Tropicália, revolucionou a musica brasileira para sempre. Parte dessa revolução, contudo, está de aniversario junto com ela: o genial disco da artista “Legal”, de 1970, que completa 50 anos de lançamento.

O contexto no qual o lançamento de “Legal” ocorreu, no entanto, não foi nada festivo. O que faz aumentar ainda mais seus méritos. AI5 em vigor há pouco mais de um ano; Caê e Gil exilados em Londres; Allende eleito no Chile; Seleção de Pelé e Jairzinho fazendo a alegria do povo; Estados Unidos bombardeando o Vietnã; Roberto Carlos tornando-se um rei “adulto”. Tudo isso sob a capa negra da “linha dura” da Ditadura Militar, que reprimia, perseguia, sequestrava, torturava e matava. Afora esta pior parte das violações à liberdade imposta pela ditadura, a repressão recaía, em maior ou menor grau, sobre qualquer um que se opusesse ao Estado. Para isso, os militares contavam, inclusive, com o policiamento da própria sociedade civil. Gal, que permaneceu no Brasil com a missão de manter tesa a sina do tropicalismo, não o fez sem vigília ou pressões. Ela conta que chegou, àquela época, a ser quase linchada em praça pública por "cidadãos do bem", que a viam como uma hippie subversiva e comunista. Afinal, pensar definitivamente não é um atributo de quem domina pela força.

Gal em 1970: cabelos repartidos
ao meio em novo visual, que
inspirou Oiticica
Toda essa brutal condição de medo e tensão – mas também de orgulhos e belezas inexoráveis – era despejada imediatamente na musica de Gal, e “Legal” é o seu álbum que melhor sintetiza esse momento. Amplificando a psicodelia e a postura rebelde dos seus trabalhos imediatamente anteriores, de 1968 e 1969, Gal vinha para não fazer concessões. Agora, ela explodia. A doce cantora que começara a carreira seguindo o estilo cool da bossa nova de João Gilberto agora soltava a voz da maneira mais aguerrida como jamais havia feito até então. Estridente, raivosa, intensa, provocadora - mas também doce quando quer. Com o auxílio nos arranjos e na banda dos igualmente arrojados Lanny Gordin – o histórico guitarrista inglês da Tropicália responsável aqui também pelas ensandecidas guitarras do disco – e do "maldito" Jards Macalé – antecipando o que este faria dois anos depois noutro LP clássico da música brasileira, “Transa”, de Caetano –, a “divina maravilhosa” baiana torna-se, agora, “terrível”. É com o então recente sucesso de Roberto que ela, num arranjo monstruoso, inicia o disco. Se “Eu Sou Terrível” soava como um ato de rebeldia na voz do seu careta autor, na de Gal, transformava-se num manifesto anti-ditadura. Na boca dela, versos como: "Estou com a razão no que digo" ou "Não tenho medo nem do perigo" significavam muito mais do que a mera e ingênua afirmação sexista da original. Ressignificadas, as palavras querem dizer, sem hesitação: "Não adianta me perseguir, que sou mais forte que vocês" e "vocês é que devem ter medo de mim".

E Gal tinha urgência. O rock com influências soul dessa indignada Etta James dos trópicos tem nos sopros arranjados por Chiquinho de Moraes e na guitarra rascante de Lanny a velocidade certa para acompanhar a cantora. Ou seja: com muita rapidez! Os garotos que andavam ao seu lado tinham certeza que ela andava mesmo apressada. Em resposta, a banda pratica o que em teoria musical se chama de “antecipação”, quando se encurta o tempo entre os acordes e joga-se uma nota estranha à harmonia, a qual, se verá logo em seguida que pertence ao acorde seguinte. Se Gal havia permanecido no Brasil, sua terra, ouvi-la dizer “Eu corro mesmo aqui no chão” fazia realmente muito sentido.

Se “Legal” começa assim, mostrando que não veio para brincadeira, o negócio era prender o fôlego e acostumar-se, pois seria assim até a última rotação da agulha no sulco. Em novo recado pros militares, Gal manda na sequência “Língua do Pe”, do exilado Gil. Já que o parceiro não podia como ela estar no seu próprio país, Gal dava um jeito de materializá-lo. Um novo rock se anuncia... só que não! Subvertendo a si mesma, de repente, a música torna-se um xaxado “pé de serra” animado no melhor estilo Luiz Gonzaga: zabumba, triângulo e sanfona. A letra, cifrada, tirava um sarro dos milicos: “Garanto que você/ Nãpão vapai não vai/ Compomprepeenpendeper/ Bulhufas”. Não compreenderam bulhufas, mesmo.

Não precisa mais do que duas faixas pra se notar que “Legal”, contrariamente ao vocábulo, não se presta a ser nada amigável com os hipócritas devotos da moral e dos bons costumes. De pura ironia e musicalidade, “Love, Try And Die”, este Broadway jazz chistoso tem a luxuosa participação de dois mitos da música pop brasileira: o jovem Tim Maia, que recém havia lançado seu exitoso disco de estreia, e de Erasmo Carlos, que, na direção oposta do pop romântico de Roberto no pós-Jovem Guarda, corajosamente alinhava-se aos tropicalistas. Autoria de Gal com seus fiéis escudeiros Macalé e Lanny, lembra a invencionice transgressora de "Cinderella Rockfella", de Rogério Duprat com os Mutantes, de 1968, e a galhofa que os próprios Roberto e Erasmo criariam em 1971 com a canção "I Love You", o solfejo tropicalista de RC.

Novos petardos: uma versão futurista de “Acauã”, de Zé Dantas, reafirmando a cultura do Nordeste como desde o início propôs o tropicalismo. A pegada regionalista, contudo, vem empunhando uma peixeira como Lampião. Inversamente a “Língua do Pe”, que inicia rocker e depois alivia, aqui é o folk regional que prevalece até boa parte da faixa, mas que ganha uma reviravolta para um baião-heavy de dar inveja a qualquer guitar band enfezada. Bem que dava para desconfiar quando Gal, no começo da música, calmamente entoa os versos: “Teu canto é penoso e faz medo/ Te cala, acauã/ Que é pra chuva voltar cedo”.

Mais uma inédita de Gil: a psycho-bossa “Mini-Mistério”. Uma só dele seria pouco pra confrontar os militares. E se “Língua do Pe” soa quase anedótica, o recado desta é bem mais direto: "Compre, olhe/ Vire e mexa/ Não custa nada/ Só lhe custa a vida". Ou que tal isso aqui?: “Procure conhecer melhor/ O cemitério do Caju/ Procure conhecer melhor/ Sobre a Santíssima Trindade/ Procure conhecer melhor/ Becos da tristíssima cidade/ Procure compreender melhor/ Filmes de suspense e de terror”. E Gal, que não tinha medo nem de filmes de suspense e de terror, repete ostensivamente a última palavra: “Terror, terror, terror, terror”. Afinal, este era o melhor termo para definir o sentimento que tomava conta daquele Brasil de terríveis minimistérios: delações, perseguições, olhos vigiando por todos os cantos, amigos presos, “amigos sumindo, assim, pra nunca mais”. Sob um suingue jazzístico acachapante, Gal ainda aconselha: “Ande muito/ Veja tudo/ Não diga nada/ Além de dois minutos”.

Gal e Macalé: alta qualidade musical contra a repressão

Jards, totalmente presente na concepção do disco, vem com outras duas suas. Primeiro, a emblemática e não menos provocativa “Hotel das Estrelas” (“No fundo do peito esse fruto/ Apodrecendo a cada dentada/ Mas isso faz muito tempo...”), que o próprio gravaria apenas dois anos depois em seu primeiro álbum solo. Interpretação tristonha e sensual de Gal na primeira parte, quando um blues jazzístico. Mas o andamento é bem mais variante que isso, e a banda acelera o ritmo para entrar numa soul quase gospel e, daí, voltar novamente à melancolia. Um arraso! De Jards e de Duda Mendonça também é o falso jazz “The Archaic Lonely Star Blues”. Falso até no idioma, pois, iniciando com versos em inglês, envereda, em seguida, para um samba-canção em que Gal deita e rola na interpretação sob o arranjo de cordas primoroso de Chiquinho de Moraes.

Transgressão pouca era bobagem para a combativa Gal. Ela guardava ainda mais munição em sua metralhadora sonora e poética. E, como as canções de Gil, vinham encomendadas também da Inglaterra as do mano Caetano. Primeiro, a carnavalesca “Deixa Sangrar”, cujo duplo sentido do título, obviamente, não é mera coincidência: “Deixa o coração bater, se despedaçar/ Chora depois, mas agora deixa sangrar/ Deixa o carnaval passar”. Alguma semelhança com a situação política de então? Neste aspecto, “Legal” ainda se beneficia pelo fato de ter sido lançado logo após o endurecimento da ditadura, ainda muito mais preocupada em reprimir a luta armada do que necessariamente censurar músicas – isso, até perceberam em seguida que o “perigo” era justamente a junção dos dois. Talvez por isso (e pela letra em inglês, esta na totalidade) tenha-se liberado “London London”, o tristonho canto de exílio de Caetano que atravessou o Atlântico trazendo ao Brasil os gélidos ventos do Velho Mundo poucos meses depois do próprio autor tê-la gravado no seu álbum londrino. Nesta rumba desenhada pela guitarra de Lanny e uma gaita de boca bem rithum n’ blues, toda a estridência que domina boa parte do disco dá lugar de vez à cantora melodiosa e de profundo apuro técnico. 

Igual à matadora versão de “Falsa Baiana”, reduzindo de vez o compasso em alta voltagem que havia iniciado o disco lá em “Eu Sou Terrível”. Bossa nova pura. Leve e melodiosa. Um contraste tremendo com o fervente início do disco. Os distraídos podem até achar que se trata de uma contradição por não perceberam mais uma ironia. “Falsa baiana” não é necessariamente aquela que "requebra direitinho", mas a que, contrariando a pecha de um povo "preguiçoso" e "acomodado", se levanta contra a atrocidade humana. Fora isso, Gal, saudavelmente apressada de novo, antecipa justamente seu mestre João Gilberto, que gravaria este samba de Geraldo Pereira somente três anos depois em semelhantes moldes.

Arte de Oiticica completa, com as
duas faces: capa e contracapa
A capa, autoria do célebre artista visual Helio Oiticica – pivô acidental no episódio da boate Sucata motivador da expulsão de Caetano e Gil do Brasil meses antes – emula o policulturalismo da capa clássica de "Sgt. Peppers", dos Beatles, ao reproduzir diversas fotos de referências constituidoras daquela proposta de obra. No entanto, além das diferentes figuras – por exemplo, Elis Regina, James Dean e a Marcha dos 100 Mil no lugar de Bob Dylan, Marylin Monroe e Karl Marx –, a arte de Oiticica direciona incisivamente esta intenção ao impregnar essas imagens fragmentadas nos cabelos de Gal (visual trazido de Londres, de onde ela recentemente viera de uma viagem) e cuja metade do rosto se agiganta em relação a todo o resto. O mundo pertence a ela, esta Medusa empoderada e resistente. Metáfora cortante de um álbum que cumpre a corajosa missão de falar por todos os exilados, os de fora e os de dentro do país. Se as vozes restavam sufocadas pelo poder das armas, havia a de Gal para representar-lhes. E acelerada, atenta e forte, sem tempo de temer a morte. Em “Legal”, como nunca ela foi porta-voz de toda uma geração. E quanta voz tem essa (verdadeira) baiana para portar!


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Gal Costa cantando "Acauã", programa Ensaio (1970)


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FAIXAS:
1. “Eu Sou Terrível” (Erasmo Carlos, Roberto Carlos) - 2:30
2. “Lingua Do P” (Gilberto Gil) - 3:40
3. “Love, Try And Die” (Gal Costa, Jards Macalé, Lanny Gordin) - 2:23 – partic.: Tim Maia e Erasmo Carlos
4. “Mini-Mistério” (Gil) - 4:16
5. “Acauã” (Zé Dantas) - 2:49
6. “Hotel Das Estrelas” (Duda Machado, Jards Macalé) - 4:22
7. “Deixa Sangrar” (Caetano Veloso) - 2:53
8. “The Archaic Lonely Star Blues” (Duda, Macalé) - 3:03
9. “London, London” (Caetano) - 4:00
10. “Falsa Baiana” (Geraldo Pereira) - 2:11


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OUÇA O DISCO:

Daniel Rodrigues

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Os mais sexy do cinema



O site Première, especializado em cinema, publicou sua lista dos 100 mais sexy do cinema em todos os tempos. Dessa vez gostei da lista. Tirando uma coisinha aqui, outra ali fora de lugar, como pro exemplo a Halle Berry estar entre os 10, o que acho demais pra bolinha dela, se bem que ruim é que ela não é, né? (Vamos combinar).

James Dean pra mim seria o que viria imediatamente após os três do pódio e Russel Crowe não deveria estar sequer relacionado. Mas são apenas questões de preferência. A lista está boa no geral.

Na ponta a quentíssima Marylin, seguido por Brando e pela Bardot. Trinca insuperável essa, hein!

Vejam aí o top 10:


Marilyn, no topo da lista.
1. Marilyn Monroe

2. Marlon Brando

3. Brigitte Bardot

4. Rudolph Valentino

5. Angelina Jolie

6. James Dean

7. Sean Connery

8. Raquel Welch

9. Brad Pitt

10. Halle Berry


Confira o resto da lista no site da Première no link aí embaixo: