Júri de Longas Gaúchos: ao lado das colegas Gabi e Keyti
Minha proximidade e intimidade com o Festival de Cinema de Gramado vem numa crescente desde que passei a, ainda na pandemia, a participar mais ativamente daquele que é o maior festival de cinema do Brasil. Se em outros anos compus Júri da Crítica, comissão de seleção de curtas-metragens brasileiros e, nas duas últimas edições, o júri do Prêmio Accirs, que revela o prêmio da crítica para a Mostra Gaúcha de Curtas-Metragens no Prêmio Assembleia Legislativa, ocorrido durante o evento, desta vez a experiência foi ainda mais completa. Segunda edição à frente da Accirs e primeira em tempo integral, desta vez minha participação foi para a composição do júri de longas gaúchos.
Juntamente com minhas queridas colegas, a gaúcha Gabrielle Fleck, atriz e produtora gaúcha baseada em Los Angeles, Estados Unidos, e Keyti Souza, produtora executiva baiana, formamos um júri coeso e harmonioso. E principal: saímos os três satisfeitos com o resultado de nossa deliberação, que distribuiu de forma meritocrática Kikitos para todos os cinco filmes da mostra.
Afora essa incumbência, claro, também integrei, assim como no ano passado, o nosso querido júri do Prêmio Accirs na 22º Prêmio Assembleia Legislativa – Mostra Gaúcha de Curtas no primeiro final de semana. Ao lado dos colegas Mônica Kanitz, Paulo Casanova, Roger Lerina, Cristian Verardi e Ivana Almeida da Silva, premiamos com certificado o filme “Gambá”, dirigido por Maciel Fischer, o qual tive novamente a alegria de entregar no palco do Palácio dos Festivais. Outro orgulho também foi a presença preta nos júris do festival, uma vez Keyti e eu estivemos acompanhados das ilustres Fernanda Lomba, Dríade Aguiar, Isabel Fillardis e Polly Marinho. O registro, pode-se dizer, resultou numa foto histórica para o festival de Gramado.
Entregando o Prêmio Accirs para o curta gaúcho "Gambá"
Mas o bom mesmo de festival de filmes é ver... filmes! Ao todo, assisti 45 deles, entre documentários, curtas e longas, dentre estes, “O Último Azul”, vencedor do Urso de Prata em Berlim que fez sua pré-estreia em Gramado. Da programação geral, o destaque realmente fica por conta dos longas brasileiros, praticamente 100% de acerto, a não ser o fraco “Querido Mundo” (RJ), de Miguel Falabella, um “Sai de Baixo” cinematográfico esquizofrênico e indeciso entre a linguagem do cinema e do teatro.
Afora este, só filmes de alto nível, como os ótimos “Cinco Tipos de Medo”(MT), grande vencedor do 53º Festival de Cinema de Gramado (levou para casa quatro Kikitos: Melhor Filme, Melhor Roteiro e Melhor Montagem para Bini, além do prêmio de Melhor Ator Coadjuvante paraXamã), “Nó” (PR) e “A Natureza das Coisas Invisíveis” (DF), meu preferido da mostra. Já as outras mostras foram bastante mais inconstantes. A de documentários brasileiros, por exemplo, continha filmes mais fracos que alguns da mostra de longas metragens gaúchos, tal “Uma em Mil” ou o grande vencedor, “Quando a Gente Menina Cresce”, melhores que qualquer um dos candidatos nacionais.
Momento histórico dos jurados pretos em Gramado: eu com Fernanda Lomba, Dríade Aguiar, Keyti, Isabel Fillardis e Polly Marinho
Na mostra de curtas nacionais, idem. A seleção trouxe um conjunto mais fraco em relação ao do ano passado, o mesmo para com os curtas gaúchos. O que talvez explique seja a enxurrada de inscrições justificada este ano por conta das produções realizadas a partir das leis de incentivo, como a Paulo Gustavo, que faz aumentar o número de filmes, mas não necessariamente de filmes bons, uma vez que dá espaço para realizadores ainda imaturos cinematograficamente falando. Melhor assim do que os recentes anos de falta de incentivo e negacionismo.
Chamou atenção, por fim, os vários filmes de criança nas diferentes categorias, tipo de temática não tão corrente no cinema brasileiro. Dos curtas gaúchos, os ótimos “Gambá”, laureado por nós da Accirs, e “Trapo”, grande vencedor da Mostra Gaúcha, são quase filmes irmãos, tamanha semelhança narrativa e temática. Ambos tratam do universo infantil e trazem, ludicamente, questões como amadurecimento, medos e anseios. Entre os longas gaúchos, outro filme nesta linha: o já mencionado “Quando...”, que trata sobre a passagem da infância para a adolescência de meninas na fase da primeira menstruação.
Nos curtas e longas brasileiros, idem. O curta paranaense “Quando Eu For Grande”, sobre um menino que volta para casa com sua mãe após uma visita ao pai e ao irmão na prisão, carregando dúvidas e incertezas sobre o futuro, e o longa candango “A Natureza...”, que trata da relação de duas meninas na faixa dos 10 anos, são exemplares.
A clássica foto final com os premiados
Ademais, confiram, então, os premiados da edição de 2025. Ano que vem tem mais.
🎥🎥🎥🎥🎥🎥🎥🎥🎥🎥
LONGAS-METRAGENS BRASILEIROS
Melhor Filme: "Cinco Tipos de Medo", de Bruno Bini
Melhor Direção: Laís Melo, por “Nó”
Melhor Ator: Gero Camilo, por “Papagaios”, de Douglas Soares
Melhor Atriz: Malu Galli, por "Querido Mundo", de Miguel Falabella
Melhor Roteiro: Bruno Bini, por "Cinco Tipos de Medo"
Melhor Fotografia: Renata Corrêa, por "Nó", de Laís Melo
Melhor Montagem: Bruno Bini, por "Cinco Tipos de Medo"
Melhor Trilha Musical: Alekos Vuskovic, por "A Natureza das Coisas Invisíveis", de Rafaela Camelo
Melhor Direção de Arte: Elsa Romero, por "Papagaios", de Douglas Soares
Melhor Atriz Coadjuvante: Aline Marta Maria, por "A Natureza das Coisas Invisíveis", de Rafaela Camelo
Melhor Ator Coadjuvante: Xamã, por "Cinco Tipos de Medo", de Bruno Bini
Melhor Desenho de Som: Bernardo Uzeda, Thiago Sobral e Damião Lopes, por "Papagaios", de Douglas Soares
Prêmio Especial do Júri: "A Natureza das Coisas Invisíveis", de Rafaela Camelo
Menção Honrosa: "Sonhar com Leões", de Paolo Marinou-Blanco
Melhor Filme pelo Júri Popular: "Papagaios", de Douglas Soares
Melhor Filme pelo Júri da Crítica: "Nó", de Laís Melo
Xamã, premiado como Melhor Ator Coadjuvante por seu papel e "Cinco..."
CURTAS-METRAGENS BRASILEIROS
Melhor Filme: “FrutaFizz”, de Kauan Okuma Bueno
Direção: Adriana de Faria, por “Boiuna”
Ator: Pedro Sol Victorino, por “Jacaré”
Atriz: Jhanyffer Santos e Naieme, por “Boiuna”
Roteiro: Ítalo Rocha, por “Réquiem para Moïse”
Fotografia: Thiago Pelaes, por “Boiuna”
Montagem: Lobo Mauro, por “Samba Infinito”
Trilha Musical: As Musas, por "As Musas"
Direção de arte: Ananias de Caldas e Brian Thurler, por “Samba Infinito”
Desenho de som: Marcelo Freire, por “Jeguatá Xirê”
Prêmio Especial do Júri: "Aconteceu a Luz da Lua", de Crystom Afronário
Menção Honrosa: "Quando Eu For Grande", de Mano Cappu
Prêmio Júri da Crítica: “O Mapa em que Estão Meus Pés”, de Luciano Pedro Jr.
Prêmio Canal Brasil de Curtas: “Na Volta Eu Te Encontro”, de Urânia Munzanzu
Melhor Filme Júri Popular: “Samba Infinito”, de Leonardo Martinelli
"Frutafrizz", melhor curta brasileiro no 53º Festival de Gramado
LONGAS-METRAGENS DOCUMENTAIS
Melhor Longa-metragem Documentário: “Lendo o Mundo", de Catherine Murphy e Iris de Oliveira
Menção Honrosa Documentário: "Para Vigo Me Voy!", de Lírio Ferreira e Karen Harley
O doc sobre Paulo Freire e seu método de ensino levou o principal Kikito na categoria
LONGAS-METRAGENS GAÚCHOS - MOSTRA SEDAC/IECINE
Melhor Filme: “Quando a Gente Menina Cresce”, de Neli Mombelli
Direção: Jonatas e Tiago Rubert, por “Uma em Mil”
Ator: Stephane Brodt, por “Passaporte Memória”
Atriz: Lara Tremouroux, por “Passaporte Memória”
Roteiro: Jonatas e Tiago Rubert, por “Uma em Mil”
Fotografia: Bruno Polidoro, por “Bicho Monstro”
Direção de arte: Gabriela Burck, por “Bicho Monstro”
Montagem: Joana Bernardes e Thais Fernandes, por “Uma em Mil”
Desenho de som: Rodrigo Ferrante e André Tadeu, por “Rua do Pescador n° 6”
Trilha musical: Renato Borghetti, por “Rua do Pescador n° 6”
Menção Honrosa: para o elenco feminino de "Quando a Gente Menina Cresce"
Melhor Filme pelo Júri Popular: “Quando a Gente Menina Cresce”, de Neli Mombelli
Prêmio Iecine Destaque: “Um é Pouco Dois é Bom”, de Odilon Lopez (recebido por Vanessa Lopez)
Prêmio Iecine Inovação: Victor Di Marco e Marcio Picoli
Prêmio Leonardo Machado: Araci Esteves
Prêmio Iecine Legado: Gustavo Spolidoro
Prêmio Sirmar Antunes: Glória Andrades
O belo "Quando...": merecia estar na mostra nacional
MOSTRA GAÚCHA DE CURTAS - PRÊMIO ASSEMBLEIA LEGISLATIVA
Melhor filme: ‘Trapo’
Melhor direção: Viviane Jag Fej Farias e Amalia Brandolff (‘Fuá – O Sonho’)
Melhor atriz: Mikaela Amaral, por‘Bom Dia, Maika!'
Melhor ator: Igor Costa, por ‘O Pintor’
Melhor roteiro: Cássio Tolpolar, por ‘Imigrante/Habitante’
Melhor fotografia: Takeo Ito, por ‘Gambá’
Melhor direção de arte: Clara Trevisan, por ‘Mãe da Manhã’
Melhor trilha sonora/música: Zero, por ‘Bom Dia, Maika!’
Melhor montagem: Alfredo Barros, por ‘Imigrante/Habitante’
Melhor figurino: Samy Silva, por ‘A Sinaleira Amarela’
Melhor edição de som/desenho de som: Vini Albernaz, por ‘Mãe da Manhã’
Melhor produção/produção executiva: Renata Wotter, por ‘O Jogo’
Melhor filme - Prêmio Accirs - Júri da Crítica: ‘Gambá’
"Trapo", um dos filmes de criança do festival, levou o troféu de Curta Gaúcho
Enfrentar um original consagrado já é difícil, encarar uma lenda, então, é uma tarefa ainda mais inglória. "O Corvo", 1994, como se não bastasse ser um filme cultuado entre os góticos, darks, o pessoal que curtia a cena alternativa dos anos 80, praticamente o representante cinematográfico dessas tribos, marca a morte trágica, dentro do set de filmagens, do ator Brandon Lee, o protagonista da história que interpreta nada menos que um homem que volta do mundo dos mortos. Era como se fosse o próprio personagem, ninguém mais poderia ter feito aquele filme senão ele. Brandon Lee em tela, na pele do personagem Eric Draven era por si só uma espécie de lenda em movimento.
Por si só o desafio de refilmar "O Corvo" era algo pouco recomendável. Teria que conquistar o fiel público que praticamente endeusa o original, e ainda conseguir algo parecido com o carisma e a aura de Brandon Lee.
Assim, a tarefa mais viável seria uma aproximação com a nova geração de modo a conquistar o público atual. Uma linguagem mais adequada ao século XXI, comportamento, costumes, anseios, etc. O visual, a música, a dinâmica, os hábitos, tudo isso teria que ser repensado. Mas a nova versão de "O Corvo" não atende praticamente nada. Não dialoga com os antigos fãs e nem fica marcante para os novos interessados. Se afasta do original exatamente em pontos que poderia tirar proveito, não consegue imprimir uma estética, uma identidade visual, não empolga, e não consegue personificar em Bill Skarsgard um protagonista carismático.
Em ambos os filmes Eric Draven e sua namorada Shelly Webster são assassinados mas uma entidade sobrenatural permite que aqueles que foram mortos injustamente retornem para realizar sua vingança. Eric então retorna ao mundo dos vivos, incólume fisicamente, imortal, e vai à caça daqueles que os mataram a fim de encontrar e ficar com Shelly no mundo dos mortos.
Basicamente isso mas com algumas diferenças: no primeiro, o casal é assassinado na chamada Noite do Demônio, uma data em que todos os crimes e atrocidades acontecem, sem controle, pelas ruas. O apartamento deles é invadido por uma gangue, ela é brutalmente violentada por todos eles e ele é morto com um tiro. Um ano depois, um pássaro negro misterioso, um corvo, aparece em sua sepultura, o desperta da morte, o guia até o antigo apartamento e, lá, diante das memórias do casal que vão aparecendo para ele em flashes, fica claro que sua alma só descansará mesmo ao lado da namorada quando se vingar daqueles que os mataram. Ele então vai atrás de cada um da gangue.
O cenário é sombrio, a Noite do Demônio é lindamente caótica, a angústia de Eric ao se descobrir morto, ao recuperar as imagens de Shelly é comovente, sua iniciativa de se disfarçar como uma figura assustadora é instintiva e inspirada, e sua maquiagem de arlequim das trevas é simplesmente icônica. Em uma cidade constantemente chuvosa, decadente e sem lei, uma trilha sonora empolgante embala a saga de vingança de Draven dando a morte adequada a cada um que lhes fizeram mal. Imortal, imune à dor, inatingível a balas ele elimina todos os capangas até chegar até o chefão, Top Dollar, um excêntrico figurão que descobre que a força vital do vingador das trevas está no pássaro que o acompanha. Em uma tocaia Top Dollar fere o pássaro e então fica praticamente condições de igualdade para encarar o palhaço imortal num duelo decisivo.
"O Corvo" (1994) - trailer
"O Corvo" (2024) - trailer
Na nova versão, a relação do casal é um pouco mais explorada. Os acompanhamos desde quando se conheceram em uma clínica de reabilitação para dependentes químicos onde se apaixonam e de onde fogem quando Shelley se diz perseguida por alguém. Ao saírem do sanatório, se refugiam na casa de um antigo amigo dela, onde são assassinados por homens que procuravam algo que estaria em poder da moça. Eric, interpretado por Bill Skarsgård, então acorda numa espécie de limbo onde uma entidade permite que ele retorne à vida para vingá-la desde que nunca duvide de seu amor por ela. Ele concorda mas ao retornar e entender os envolvimentos dela e do que os bandidos estavam atrás, ele fraqueza quanto a seu sentimento e morre novamente. Desesperado ela tenta um último acordo com o guia do além, de matar Roeg, o líder de uma seita satanista que estava atrás de segredos que Shelly escondia, de modo a trocar sua alma pela dela no inferno.
Aí, sim, Draven volta, empoderado, imortal, impenetrável a tiros, regenerado a ferimentos, e vai buscar o homem que prende a alma da namorada morta no inferno. Na trilha de sangue e vingança que Eric deixa, Roeg descobre os poderes sobrenaturais do jovem e resolve então roubá-los de modo a aumentar ainda mais seu poder demoníaco. Eles terão então um confronto final que definirá se Roeg conseguirá seus objetivos malignos ou se Eric conseguirá salvar a alma de sua amada.
A trama até tem mais complexidades, o casal, sua origem, a natureza de sua relação são mais explorados desde o início, a motivação inicial do vilão é menos simplória, mas nada disso garante maior qualidade. As nuances da história, personagens secundários dispensáveis, elementos pouco relevantes, afastam a trama de um ponto central; a introdução à relação de Eric e Shelly fica longa, maçante e ocupa uma parte significativa do filme sem que alguma coisa realmente avance; sem falar que a natureza do vilão, Roeg, tipo um 'demonista' ambicioso, seu envolvimento com a garota, o segredo que ela guarda é tudo simplesmente estapafúrdio.
Pra completar, cenários CGI tipo Marvel, personagens caricatos, atuações constrangedoras... "O Corvo" de 2024 dói de ruim.
De positivo, temos o bom confronto final com Roeg e as cenas de luta com muita violência gráfica e inventividade. No mais, é só buscar a bola no fundo da rede.
Um pelo visual, a ambientação, a cidade escura, decadente, chuvosa, em chamas. As vistas aéreas, as perseguições nos telhados a visão distorcida pelo olho do pássaro. Tudo demais! 1x0 .
Dois pelo figurino e maquiagem do protagonista, aquela cara branca de palhaço sorridente numa alma triste, sombria e torturada, aquele cabelo escorrido, desgrenhado, a roupa de couro preto. Uma figura sinistramente cativante que, como se não bastasse, toca guitarra pelos telhados da cidade. Muito rock'n roll, muito dark: 2x0 .
Três pela trilha sonora eletrizante e muito bem escolhida com nomes como Jesus and Mary Chain, Nine Inch Nails, Helmet, Violent Femmes e The Cure, talvez os grandes representantes e inspiradores de todo o visual do personagem. 3x0 .
E por falar na banda de Robert Smith, o quarto gol vai por conta da cena do 'surgimento' do Corvo, o momento em que, ao som da espetacular "Burn" do The Cure, no loft do casal, as memórias chegam torturando o jovem Eric, ele repassa angustiantemente o roteiro da noite de terror, entende seu destino de vingança, pinta o rosto inspirado numa máscara teatral de arlequim e, decidido, sob a luz de relâmpagos, olha do alto de sua janela redonda, a cidade onde começará sua caçada. 4x0 .
"O Corvo" (1994) -
A "transformação" de Eric Draven
O quinto vai pela importância do corvo, do pássaro em si, no original, enquanto que no remake ele é subutilizado, meramente alegórico e quase sem importância. É ele quem vai à cova de Draven trazê-lo de volta dos mortos, é nele que está a força vital do personagem vingador, e é ele quem guia nosso herói pelas cidade, e as cenas sobrevoando do alto, com a visão do pássaro, são simplesmente incríveis. Não tem Pato, Ganso, Falcão? Por que que não pode ter gol do corvo também! É gol do Corvo! 5x0 .
O sexto é dele, Brandon Lee. Além de ser filho de craque, do mítico Bruce Lee, Brandon era carismático e perfeito para o papel. Só que acabou infelizmente tornando-se legendário pelo pior motivo possível: uma arma disparada por acidente nas filmagens que veio a tirar sua vida. Mesmo incompleto, com cenas de dublês e remendos digitais, o mero fato de ter sido concluído depois de sua morte, fez do filme, sombrio sobre morte e ressurreição, algo ainda maior e só aumentou seu culto. Brandon é o nome do gol! 6x0 Corvo '94.
Como já mencionado, o gol de honra da nova versão fica por conta das ótimas cenas de luta, especialmente na da sequência da ópera em que nosso herói vai com uma espada katana atrás de seus inimigos. Ótimas coreografias de luta, mortes criativas, muito sangue e muita brutalidade. 6x1 para o original.
E é fim de papo. O time de '94 manda seu desafiante de 2024 para a cova sem direito a ressurreição.
À esquerda, o original e à direita o remake: 1.Brandon Lee e Bill Skarsgård como o vingador morto-vivo; 2. As duas Shelly Webster, a do primeiro, bem mais sombria; 3. A trilha de vingança do Corvo, no original mais estética, praticamente uma obra de arte para cada morte, no remake o que temos são boas cenas de luta; 4. O elegante e excêntrico Top Dollar, da primeira versão, e o caricato satanista Roeg da segunda; 5. No original, Eric Draven com sua guitarra pelos telhados da cidade decadente e chuvosa, na refilmagem, o único instrumento que ele empunha é uma espada samurai mesmo; 6. O 'surgimento' do corvo nas duas versões, apoteótico no primeiro e artificial no segundo.
"Não importa quantas vezes a gente se encontre na pista, ele [Halston] me agarra e me abraça e me beija e diz, 'É muito bom ver você, mr. Warhol'".
Andy Warhol, em "Diários de
Andy Warhol - vol. 1 (1976-1981)"
Não é errado dizer que o motivo que nos levou a esta curta mas proveitosa temporada em São Paulo foi ver Andy Warhol. A vontade de visitar a cidade já nos era acalentada há anos, mas sempre impossibilitada por uma série de fatores que não vêm ao caso enumerar. Porém, a presença de Warhol através da exposição temática a ele “Andy Warhol: Pop Art!”, no Museu de Arte Brasileira – MAB FAAP, era forte o suficiente para considerarmos a possibilidade, o que se concretizou em junho, pouco antes da mesma ser prorrogada até final de agosto.
Artista referencial em nossas formações tanto culturais e filosóficas como acadêmicas, Andy é daquelas admirações de anos. Aliás, para possivelmente qualquer ser humano que viveu os últimos 80 anos, visto que suas criações, tão emblemáticas quanto icônicas, são parte da vida social do mundo moderno. Já havíamos visto algumas obras dele em parceria com Jean-Michel Basquiat no CCBB de Belo Horizonte, em 2014, e na mostra individual de Basquiat no CCBB do Rio de Janeiro, em 2018, e já tínhamos nos embasbacado. Imagina agora, nesta exposição, que reúne mais de 600 peças do “pai da pop-art”!?
Como fãs e conhecedores de sua trajetória, não deixamos de sentir algumas ausências na seleção das obras. É o caso das belíssimas capas para LP’s de jazz do início da carreira, anos 50, ou mesmo os quadros coassinados com Basquiat, da segunda metade dos anos 80, de um Warhol já adoecido e “passando o bastão” ao pupilo. Porém, nada que desmereça a excelente curadoria, que dá, sim, a dimensão da magnitude de sua obra. Estão lá as bottle-lines da revista Glamour no começo da carreira; os anúncios para calçados e artigos de luxo dos anos 50; a arte kitsch dos anos 70; a Factory; o Studio 54; o lado designer; o publisher, a ligação com a música pop; os quadros clássicos (Marylin, Liz Taylor, Elvis, Pelé, Liza); o pioneirismo como “influencer”; a moda; o ativista político; o visionário do audiovisual e quantos Andy Warhol se queira imaginar.
Com textos muito bem escritos e informativos, ressaltando o que merece, a exposição recapitula os principais momentos históricos de sua carreira nas artes, sejam elas visuais, da música, da moda, do cinema, da televisão ou da fotografia. De um senso estético-visual impressionante, o qual ele ajudou a redefinir no cenário da arte contemporânea, Warhol tinha também domínio do desenho – como, aliás, todo grande artista visual que se preze, tal Picasso, Dali ou Pollock. Por trás das fotos manipuladas e das serigrafias havia sempre um traço apurado, como fica evidente seja nas naturezas mortas, dos anos 50, ou nas serigrafias e tinta acrílica sobre linho das figuras de Miguel Bose (1983) ou de Albert Einstein (1980), que lembram o traço leve e contínuo de Jean Cocteau.
Quadro de Miguel Bose: serigrafia que não esconde o lindo traço a la Cocteau
É muita coisa legal que Warhol produziu, e impressiona bastante ver isso tudo reunido. As séries com rostos de artistas, como as de Silvester Stallone, Debbie Harry, Alfred Hitchcock e Clint Eastwood é de cair o queixo. Igualmente, as centenas de polaroides das mais variadas pessoas, de Yoko Ono a Truman Capote, de Dennis Hooper a Mick Jagger, de Jane Fonda a Valentino. As fotografias das funções na Factory, os filmes experimentais (“Eat”, “Kiss” e “Velvet Underground”), as embalagens de Campbell’s e Mott’s, as capas de discos...
Famosos ou não, ninguém em NY escapava de sua Polaroid
Nada escapava a essa figura aglutinadora e em constante processo, uma força da natureza multimídia. Embora vivesse rodeado de famosos iguais a ele, Warhol nunca deixou que isso se sobrepusesse ao seu trabalho e relegasse a segundo plano sua arte. Pelo contrário: quanto mais se enfurnava nesses universos, mais tirava combustível para produzir. Warhol não se perde nessa fogueira de vaidades justamente porque ele sabia ser ferramenta para a materialização - e crítica - do que hoje é conhecido como showbiz. Ele era figura central e catalizadora de todos esses estímulos que o rondavam: Hollywood, universo queer, noite nova-iorquina, publicidade, moda, música pop, televisão. Dos famosos aos anônimos, todos deveriam ter pelo menos 15 minutos de fama, entendia ele. Warhol teve muitos 15 minutos multiplicados até os dias de hoje e assim certamente continuará.
No Jornalismo, reza que se deve evitar usar o termo "gênio" para qualquer pessoa com o perigo de vulgarizar o termo. Se for aplicar genialidade para qualquer um, o que dizer, então, de Mozart, Da Vinci ou Shakespeare? Embora não leve tanto assim a sério a regra, visto que me empolgo com "genialidades" alheias, hei de concordar, sim, que muitas vezes se vulgariza o termo. Mas com Andy Warhol não há esse receio. Warhol é gênio, sim, tanto quanto estes citados. Um Mozart, um Da Vinci, um Shakespeare de nossos tempos.
📺📺📺📺📺📺📺📺📺📺
As flores dos primeiros desenhos, anos 50
Rosas feitas em nanquim e corante de anilina sobre papel
"Cabeça de menino", de 1950, bonito traço feito a nanquim e grafite
Borboletas, do mesmo ano (grafite sobre papel)
"Lenço de seda" em grafite e têmpera
O universo da moda entra na sua vida em 1955
Como ilustrador exclusivo da marca de calçados I. Miller Shoes Company, faz anúncios para o New York Times
Anúncio para perfume Bottle, de 1953
"Pássaros e abelhas voando" (s/d): ideias de pop art
Dos anos 60, abstratos
Mais borboletas, espalhadas pelos anos 50 e 60
Brilhante anúncio para a Dior, já com cara do que Basquiat faria
Ainda a moda: torso de Paola Dominguim, de 1983. Moderníssimo
O estilista Halston ganharia alguns posters em 1982 para sua linha de casacos
"Abra este lado": a fantástica série baseadas em etiquetas de transporte e manuseio, de 1962. Muito pop
Vestido "Frágil" composto só de etiquetas "descartáveis"
As clássicas embalagens de Campbell's: arte como produto
Brillo, Mott's, Heiz, Del Monte, Campbell's:
o design industrial ganha status de arte
Embalagem de Campbell's virou um ícone
Elvis duplo: um clássico do mundo moderno
Por falar em clássico, o que dizer desta serigrafia de 1964, a obra mais cara do mundo?
Victor Hugo, amigo e modelo para diversos quadros, aqui neste díptico de tinta acrílica e serigrafia sobre linho de 1978
Mais um clássico: Elizabeth Taylor, de 1964
Liz Taylor num dos mais emblemáticos trabalhos de Warhol
A série feita para Jackie O. em 1964, logo após o assassinato de John Kennedy
As borboletas, as flores e as imagens
repetidas estampadas nos lenços
A criatividade das artes e capas da revista Interview
Mais da Interview: arte visual e gráfica
Como layoutar uma revista com criatividade
As estamparias de camisetas. O amigo Keith Hering está numa delas
Warhol nos domínios do seu estúdio Factory
Cenas das festas nova-iorquinas dos anos 70/80
A agitação cultural da Factory em fotos
Um jovem Sting fotografado por Warhol
Série "Ladies and Gentlemen", de 1975, sobre a cena queer de NY
Mais do tributo vibrante à comunidade trans e drag da Big Apple
Warhol faz seu próprio "Rorscharch", gigante acrílico sobre linho de 1984
"Estátua da Liberdade Fabis", de 1986, último ano de vida do artista
Da série Skulls, de 1976: crítica à tradição cristã, pegada punk e o desencanto do fim de século com a AIDS e a Guerra Fria
"Tunafish Disaster": o atum em lata que matou pessoas em 1963 virou crítica ao consumismo
Genial obra feita da oxidação provocada pela urina sobre metal
A impactante - e grandiosa - "A Última Ceia", de 1986
"A Última Ceia", dos trabalhos finais de Warhol
Fantásticas serigrafias para criticar a cadeira elétrica da série "Death and Disaster", de 1963
Série de Mao Tsé Tung, de 1972
Mais Mao
Lindas pinceladas sobre o desenho numa das 199 serigrafias de Mao feitas por Warhol
Filme "Kiss", de 1963
As lindas capas de discos e filmes. Pena que se expuseram poucas
Velvet Underground & Nico: projeto musical experimental
que mudou a história da música moderna
As incríveis polaroids, que invariavelmente viravam base para outra obra, como as de Mick Jagger e Pelé
Deuses dos esporte viraram também pop na série Atletas, de 1977
O gênio da bola pelo gênio da arte popular
Judeus célebres retratados: Einstein...
... e Freud. Anos 80
Beethoven num quádruplo originalíssimo
Joan Collins em acrílica e serigrafia sobre linho, de 1985
Neil Armstrong fincando a bandeira na Lua pop
Miss Aretha Franklin em díptico magnífico
E o que dizer desse poster de Liza para o show dela de 1981?
Michael e o estilo de Warhol combinam muito
Outra série espetacular, a de retratos. Aqui, mestre Clint Eastwood
Stallone em retratos de 1980 e 1981
Diane Keaton em acrílica e serigrafia sobre linho (1984)
Bill Murray também ganhou seu retrato
Mestre do suspense em arte do mestre da pop art
E nós escolhemos miss Debbie Harry para compartilhar nosso registro
Ah! E também viramos pop art a la Warhol, nossos 15 minutos de fama
📺📺📺📺📺📺📺📺📺📺
exposição "Andy Warhol: Pop Art!”
Obras de Andy Warhol
local:Museu de Arte Brasileira – MAB FAAP
endereço: Rua Alagoas, 903 - Higienópolis - São Paulo/SP
visitação:de terça-feira a domingo, das 9h às 20h (último horário de entrada às 19h)
período:até 31/08/2025
entrada: gratuita
texto:Daniel Rodrigues fotos e vídeos:Leocádia Costa e Daniel Rodrigues