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domingo, 24 de dezembro de 2023

"Noite Infeliz", de Tommy Wirkola (2022)


Eu não consegui decidir ainda se eu amo ou se eu odeio esse filme. É tudo tão clichê, tão primário, tão pueril, tão absurdo, tão inaceitável, que qualquer pessoa com um mínimo de juízo e senso crítico simplesmente viraria a cara para uma coisa dessas. Só que, por outro lado, "Noite Infeliz" é tão frenético, tão elétrico, tão empolgante, tão improvável, tão inusitado que é quase impossível não se deixar levar por ele. 

O Papai Noel, literalmente, está de saco cheio. Resmungão, beberrão, desestimulado, ele (ele mesmo!), se esforça para juntar algum ânimo para cumprir as entregas na noite de Natal. Enche a cara, dá bronca nas renas que cagam por todo lado, vomita lá de cima do trenó, mija por cima dos telhados, e ao chegar nas casas, só quer saber de comer os biscoitos que as crianças deixam, e procurar por uma boa garrafa de uísque. Só que numa dessas, o "Bom Velhinho" entra numa mansão que está sendo roubada por um grupo de bandidos armados e bem organizados, em busca de uma fortuna que a milionária Gertrude Lightstone, supostamente guarda num cofre de alta segurança no porão. Na casa, para as comemorações de Natal, também estão os filhos da bruaca filhos, gananciosos e egoístas, os sogros, e sua netinha, a adorável Trudy de 8 aninhos, todos mantidos como reféns sob a mira dos bandidos. Descoberto pelos criminosos dentro das dependências da casa, sem seus poderes de evasão pela chaminé, e abandonado pelas renas assuntadas com os tiros, o Santa Klaus vê-se obrigado a encarrar os bandidos e, surpreendentemente mostra-se bastante apto para o enfrentamento. Sabendo que uma criança está entre os cativos, conhecedor do bom comportamento da menina, após ter consultado seu pergaminho mágico, e comovido pelo biscoito que a pequena deixara para ele ao lado da árvore, nosso Noel recorre então a seus atributos de ex-viking pilhador para salvar a família, embora muitos ali não merecessem seu esforço, mas, sobretudo para garantir que nada aconteça à garotinha.

O bom velhinho , estropiado, defendendo a família refém.
Depois que ele encontra essa marreta, então..., a coisa fica séria!

"Noite Infeliz" é um improvável coquetel de ação, comédia, fantasia e... terror. Sim! Muitos filmes de terror não tem metade da violência ou das cenas sanguinolentas de morte e mutilações (decapitação com uma pá, picadinho num cortador de grama, "estalactite" de gelo cravada no olho...). Ao mesmo tempo, traz os elementos clássicos dos filmes de Natal, como crianças sonhadoras, reconciliações familiares, magia do Natal, etc. Pode isso? Pode! Por que não? "Noite Infeliz mostra que sim. O Papai Noel vivido por David Harbour, de "Stranger Things" é extremamente cômico e brutal, ou, em muitos momentos comicamente brutal, como, por exemplo, na cena em que põe a granada nas costas de um guarda, foge da explosão, mas solta um "Eu tenho que ver isso" e se vira para assistir ao soldado voar pelos ares. Os recursos de defesa do Papai Noel são criativos (bolas de bilhar no sapatinho da lareira, estrangulamento com o fio das luzinhas elétricas, bengala doce chupada até virar uma arma pontiaguda...), as lutas são intensas, os oponentes não são moleza, e o velho Noel vai ficando cada vez mais arrebentado ao estilo detetive McLane de "Duro de Matar", filme ao qual, declaradamente, o diretor Tommy Wirkola rende homenagens. O roubo ambicioso num cofre com códigos e travas, bandidos invadindo uma festa de Natal, a comunicação por walkie-talkie com a menina, tal qual a que acontece com o policial Powell, no primeiro "Duro de Matar"; e um esquadrão de defesa traidor, uma perseguição com trenós motorizados na neve, e a cena em que o Papai Noel está encurralado no depósito, muito semelhante à que o detetive McLane está cercado por granadas no avião e é obrigado a se ejetar, em "Duro de Matar 2", são claras homenagens aos dois primeiros filmes da clássica franquia de ação.

"Esqueceram de Mim", outro clássico natalino também é reverenciado, estando a referência mais direta no momento em que os criminosos vão tentar pegar a menininha no sótão mas ela está preparada para eles com armadilhas ao melhor estilo Kevin  McCallister, tipo prego na escada, carrinhos espalhados pelo chão, bolas de boliche, mas com funcionamentos um pouco diferentes e com consequências beeeem mais sangrentas.

Quem gosta de filmes de ação, vai gostar do ritmo de "Noite Infeliz", quem gosta de comédias vai rachar de rir com o mau-humor e boca-suja do Noel, quem quer um clima natalino vai encontrar os clichês habituais, quem quer fantasia vai encontrar renas voadoras, pergaminhos dos malvados e bonzinhos e saco de presentes mágico; e quem gosta de terror vai topar com algumas cenas daquelas dignas de fechar os olhos.

Mas, no fim das contas, eu amei ou odiei "Noite Infeliz"? Ora, é Natal. Vamos botar um pouco de bom humor nessa vida ranzinza e admitir que o filme é um barato. Não é nenhuma obra-prima, não é o melhor filme de Natal de todos os tempos mas é divertido e cumpre bem ao que se propõe.

Se não estou sendo muito benevolente com um filme medíocre? Ah, pode ser. Deve ser a magia do Natal que me pegou. Como o próprio Papai Noel do filme diz, "Não sei bem como isso acontece".


"Noite Infeliz" - trailer



Cly Reis

sábado, 11 de novembro de 2023

"Holy Spider", de Ali Abbasi (2022)




Outra cultura, outra realidade.
(mas que dá um ódio, dá)
por Vágner Rodrigues



Que filme necessário mas difícil de assistir ate o final. Vá sabendo disso.
O pai de família Saeed embarca em sua própria busca religiosa – para “limpar” a sagrada cidade iraniana de Mexede de prostitutas de rua imorais e corruptas. Depois de assassinar várias mulheres, ele fica cada vez mais desesperado com a falta de interesse público em sua missão divina.
Duas coisas importantes para você ver esse filme até o final são  que, primeiro: por mais que seja outra cultura, outros hábitos, você tem que estar preparado para o sentimento de revolta, em algum momento ele vai surgir. Outro ponto é um filme que você tem que estar atento a tudo, se você é da geração streaming e assiste a filmes fazendo outras coisas vai perder muito . 
Superadas algumas barreiras, você vai ter uma experiência magnífica, uma direção que sabe o tempo todo o que quer passar para o espectador. "Holy Spider" é muito imersivo e, tanto a narrativa quanto os  protagonistas colocam você em alerta o tempo todo, fazendo com que a gente fique constantemente no aguardo dos próximos passos de cada um.
Temos uma sequência que mostra a "interação" dos dois personagens principais e ela é de uma agonia que..., meu Deus. As interações entre eles, embora raras ao longo de toda a duração do filme, por conta das ótimas atuações dos atores são tão intensas que chegam a nos passar muita raiva.
Muito bem dirigido, "Holy Spider" tem o poder de transmitir  exatamente o que o diretor Ali Abbasi quer passar. Como falei, as atuações trazem uma verdade incrível, Zahra Amir Ebrahimi, como, Rahimi está maravilhosa, mas Mehdi Bajestani, como Saeed, faz facilmente você odiar seu personagem. Aquele ódio genuíno, sabe? Uma atuação assombrosa de boa.
As sequências dos assassinatos são regadas de tensão, porque a gente mais ou menos sabe onde elas vão terminar, sabe no que aquilo vai dar,  mas como são longas e começam desde Saeed andando de moto pela cidade à procura de vítimas, até chegar as lutas corporais em si, uma vez que o assassino gosta de métodos mais físicos, o clima é criado com sucesso e mantido com muita competência.
O longa, além do aspectos técnicos é muito bom por apresentar aspectos culturais. Você se sente em uma viagem ao Irã (mesmo que o filme não tenho sido gravado lá, uma vez que o governo não permite a filmagem de um filme tão crítico ao país). Todo ele é uma sequência de acertos, tanto na parte que aborda toda a cultura do país e sua crítica ao funcionamento das instituições como polícia, justiça e religião, como também tecnicamente é impecável, com uma narrativa imersiva e atuações  intensas, que prendem o espectador à história.
É difícil julgar uma cultura sem fazer parte dela, sem conhecê-la no dia a dia, e não é isso que pretendo, mas sim, salientar a importância de sempre estarmos abertos a conhecer novas realidades, muitas vezes até discordar de alguns costumes, sim, mas sabendo que aquilo é outra realidade.
Perseguidora e perseguido.
A dupla de protagonistas de brilhantes atuações





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"Um thriller policial diferente do que
você está acostumado a ver."
por Cly Reis



"Holy Spider" é um filme policial. Mas, espectador habituado aos padrões hollywoodianos, não espere as correrias, tiros, porradas e bombas. "Holy Spider" é um policial iraniano e como bom exemplar do cinema alternativo, independente, produzido fora dos Estados Unidos, traz uma abordagem mais sóbria e menos espetaculosa que a do cinema comercial para o gênero, além de manter a tradição de seus compatriotas como Abbas Kiarostami, Ashgar Farhadi e Jafar Panahi, de um cinema crítica e denunciatório em relação a assuntos polêmicos de seu país. "Holy Spider" é um filme de serial-killer, mas que envolve temas delicados como feminicídios, extremismo religioso, direitos humanos, liberdade de expressão, etc. Num sistema tão fechado quanto o do Irã, naturalmente, para realizar filmes assim, cineastas daquele país, não tem liberdade, autonomia ou permissão para mostrar essas realidades e, desta forma, não foi diferente com o diretor Ali Abbasi, que, assim como seus já citados compatriotas, teve que sair de sua terra para realizar seu projeto.
No filme, uma jornalista investiga um criminoso que mata prostitutas na periferia de uma cidade nos arredores de Teerã, sob o pretexto de estar realizando uma tarefa sagrada, tirando da rua aquelas pecadoras. Rahimi, indignada com a série de crimes e com a inação das autoridades, consegue a autorização de seu jornal para a investigação, embora essa permissão não signifique apoio. Tropeça na inação das autoridades, dribla a burocracia, esbarra no machismo, é emparedada pela religião, mas persiste e se aproxima perigosamente do assassino, que, por sua vez, inconformado pelo pouco reconhecimento público por seus atos "purificadores", continua a matar. 
Engana-se quem pensar que por não trazer a linguagem ocidental de produções deste gênero, com correrias, perseguições, lutas, o longa seja menos envolvente. Pelo contrário! Embora num ritmo contido, mais arrastado, como é característico desse cinema do oriente-médio, o espectador fica alerta o tempo todo, na expectativa a cada possível vítima, tenso a cada morte, a cada passo da jornalista, se frustra a cada percalço que a impede de se aproximar do criminoso, volta a se inquietar quando ela parece que finalmente encontrar o monstro, e fica verdadeiramente apreensivo, de roer as unhas, na sequência em que ela fica cara a cara com o fanático homicida.
Baseado em uma história real, "Holy Spider" é tão chocante pelos crimes quanto pela realidade do país em que a ação se passa. Os valores distorcidos, a religião, como pretexto, se sobrepondo a questões humanas elementares, a sociedade institucionalmente machista, o desprezo pela figura da mulher, a ação parcial e conveniente das autoridades, a ação nefasta do estado, tudo é tão condenável quanto a prática do assassino e, no fim das contas, incentiva que malucos como aquele do filme, e do fato acontecido na vida real, ajam dessa maneira.
Deve ser duro ser mulher no Irã...

 
"Holy Spider" - trailer





quinta-feira, 16 de julho de 2020

O (re)nascimento de uma nação: racismo no cinema norte-americano



Por mais reprimida que seja, toda desigualdade entre os homens será sempre um campo de conflito. O racismo é uma dessas instituições sociais cujo avanço da sociedade o faz ser cada vez mais discutido no caminho daquilo que se pretende: sua dissolução. Longe disso se está, infelizmente. A emergência atual do tema se dá não pela conscientização coletiva, mas pela via mais dolorida e revoltante. A morte do ex-segurança George Floyd, em Minneapolis, nos Estados Unidos, abriu novamente a cortina sobre a questão: a da confirmação de uma repetição de atrocidades enquanto não se enfrentar o monstro.

Aliados para isso há, e o cinema norte-americano – também resultante das mudanças sociais daquele país desde o movimento pelos Direitos Civis nos anos 60 e 70 – vem refletindo cada vez mais esse necessário espaço de conflito. Se hoje é possível ver a questão racial recorrentemente trazida para as telas, bem como profissionais negros mais atuantes atrás e à frente das câmeras, também é verdade que esse fenômeno acompanha a evolução da situação política nas duas últimas décadas. Desde que Doze anos de escravidão, de 2013, venceu o maior prêmio do Oscar, tal viragem em nome de um digno resgate e retratação histórica tem se mostrado recursiva e pulsante, com obras como "Moonlight" (2017), "Corra!" (2017), "Se a Rua Bale Falasse" (2018) e os recentes "Luta por Justiça" (2020) e "Destacamento Blood" (2020).

"O Nascimento..." de Griffith: serviço
ao cinema e desserviço à sociedade
Não foi sempre assim, obviamente. Os caminhos para se chegar ao âmago das coisas são tão tortuosos quanto a construção social de toda a população segregada e desvalorizada pelo preconceito. Como revoltar-se contra o que é tácito e de consenso? A representação do negro na história da indústria norte-americana vai desde a culpabilização à inexpressão. Mesmo com todos os méritos cinematográficos inquestionáveis, o desserviço civil que "O Nascimento de uma Nação", de D. W. Griffith, prestou, no início do século XX, estendeu-se por décadas. Noutro extremo, se não culpado, o negro era representado pelo “excêntrico”, tanto o raro quanto o animalesco. Isso, quando não relegado à completa inexistência uma vez que esmagado pela branquização. Precisou quase meio século para que, nos anos 60, com Adivinhe quem vem para jantar (1967) e No calor da noite” (1968), a questão racial fosse tratada, finalmente, como um problema. Mas não bastou. Se a Blackexplotation dos anos 70 trouxe o orgulho do Black Power e o protagonismo negro para as telas, também o fez reativa e brutalmente. Ser um negro de sucesso significava (re)afirmar o estigma reducionista (e altamente racista) da capacidade instintiva e “desbranquiçada” da imposição física.

Eddie Murphy: um ídolo que não se
leva a sério
Vieram os anos 80 que, embora começassem a venerar figuras como Eddie Murphy, essencial na iconografia negra, também, por contexto histórico-social, este simbolizava a imagem do negro “esperto” e “cômico”, seja o policial atilado Axl Foley de "Um Tira da Pesada" ou o vagabundo sortudo de "Trocando as Bolas". Traduzindo, o negro não precisa ser temido pela violência: ele pode encarnar o malandro para fazer rir. Os tempos andaram ainda mais um pouco e a questão continuava a ser desviada. Enquanto os avanços sociais e políticos pressionavam, o sistema respondia: “se acharam ofensivo serem agressivos ou piadistas, que tal, então, inteligentes?” O assaltante e gênio em computação de Clarence Gilyard Jr.em "Duro de Matar" (1988) não deixa mentir. Enfim, concedia-se aos negros mais esta branquificação: a da inteligência. Claro, novamente como “escada” e jamais protagonista em sua própria natureza.

Como se vê, a sina do estereótipo não é brincadeira e nem descuido. E a sociedade entendeu isso. Tamanha força opressiva, que carrega consigo séculos de escravidão e descaso de uma supremacia, precisava ser enfrentada com munição tão poderosa quanto. É quando, nos anos 80, surge Spike Lee. Se em um de seus primeiros trabalhos o jovem cineasta ia em cheio à raiz da questão ao criticar "O Nascimento de uma Nação" ("The Answer", de 1980), é em 1989 que seu "Faça a Coisa Certa", um marco da discussão aberta do racismo no cinema, traz de vez o olhar balizado tanto do opressor quanto, principalmente, do oprimido. Algo que se é capaz de fazer, quase que inequivocamente, somente quando se está na segunda posição. Seu cinema abertamente engajado à causa negra pode ser criticado pela apropriação artística para fins ideológicos. No entanto, é evidente que lhe é mais do que justificável a escolha e que esta faz muito sentido quando se olha para trás e se vê o rastro de desigualdade, desrespeito e desumanização deixado pelo preconceito racial.

O genial Spike Lee em seu "Faça a Coisa Certa", que ia à coisa certa há 31 anos atrás
O atual momento da representatividade do negro na indústria do cinema também tem outro elemento propulsor, que se chama Donald Trump. A esperança igualitária de Barack Obama, em certa medida, esgotou-se no Nobel da Paz ganho pela simbologia de um homem negro no mais alto cargo mundial. Deveria, mas não foi suficiente. As questões raciais estruturais, nos oito anos de seu mandato, permaneceram pouco tocadas, e tiveram que aumentar o volume quando da reassunção do conservadorismo abertamente racista de Trump. A intensa reação à morte de George Floyd, histórica e antropologicamente, passa por estes processos.

Por sorte, o caminho foi aberto por Spike Lee há pouco mais de 30 anos. Ava DuVernay, Barry Jenkins, Jordan Peele, Ryan Coogler, Steve McQueen, Kasi Lemmons e tantos outros cineastas negros que hoje, nutridos de consciência histórica e atribuição simbólica, fazem com que seja possível enxergar o negro não apenas pela lente distorcida do estereótipo, mas, principalmente, como agentes ativos deste espaço de conflito ideológico e sujeitos críticos da maior degradação moral que o ser humano pode conceber: o racismo. Não somente porque o cinema norte-americano é indústria cultural, mas porque, sendo isso, tem o poder de chegar a todos tanto com a negação quanto com o sim. E agora, não tem volta: é hora de toda essa nação acordar para renascer.

Daniel Rodrigues

Artigo publicado originalmente no site da Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (ACCIRS), vinculado ao debate sobre o tema no programa Cinema em Transe #1-racismo no cinema, com a participação de Daniel Rodrigues, no canal da Accirs no You Tube

terça-feira, 21 de agosto de 2018

"Missão: Impossível - Efeito Fallout", de Christopher McQuarrie (2018)



Missão Improvável
por Daniel Rodrigues

Não é por acaso que, em Hollywood, roteiristas sejam figuras míticas. Filmes clássicos e
cultuados abordaram isso: "Crepúsculo dos Deuses" (1950), “Barthon Fink” (1991) e "O Jogador" (1992) são exemplos. São esses autores das letras que dão a primeira e essencial forma a qualquer produto que venha a se tornar audiovisual. Por trás de um efeito especial há sempre alguma linha escrita. Porém, também não é novidade que, de tempos para cá, com o avanço abissal dos recursos de tecnologia, o cinemão norte-americano vem privilegiando cada vez mais a técnica e seu impacto sensorial no espectador do que o sentimento emocional ou a subjetividade da interpretação linguística. E o que acontece quando se supervaloriza o aparato técnico em detrimento do roteiro? Empobrecimento. Caso típico de “Missão Impossível: Efeito Fallout”, de Christopher McQuarrie. 
O sexto longa da franquia produzida e interpretada pelo astro Tom Cruise é mais um enlatado muito bem desenhado e trucado que pode dar-se ao luxo de desmerecer a inteligência do espectador. Na história, repleta de reviravoltas e referências a filmes anteriores da série, o agente secreto Ethan Hunt (Cruise), obrigado a unir forças com outro agente da CIA, August Walker (Henry Cavill) para mais uma missão impossível, vê-se novamente cara a cara com Solomon Lane (Sean Harris) e preso numa teia que envolve velhos conhecidos movidos por interesses misteriosos e contatos de moral duvidosa. Atormentado por decisões do passado que retornam para assombrá-lo, Hunt precisa impedir que uma catastrófica explosão ocorra, no que conta com a ajuda dos parceiros de IMF.
Como sempre, seguindo o modelo narrativo do programa televisivo dos anos 60 – que o diretor Brian De Palma magistralmente versou para o cinema no primeiro da franquia, de 1996, abrindo caminho para os subsequentes –, o diretor Christopher McQuarrie (“Missão Impossível: Nação Secreta”, 2015; “Jack Reacher: O Último Tiro”, 2013, “A Sangue Frio”, 2000) não consegue dar um equilíbrio ao filme enquanto obra, perdendo-se principalmente do meio para o final. Não por acaso, a coisa começa a descambar a partir do ponto em que o espectador, já amortecido pela avalanche de imagens, sons, luzes e movimentos em profusão, está devidamente receptivo a qualquer coisa que lhe apresentarem (e o quanto mais ralo, melhor). A proposta do argumento funciona até determinado ponto, mas, justamente pelo proposital desleixo com o roteiro, passa a precisar apelar para exageros, lugares-comuns e superficialidades.
Isso fica evidente quando comparadas as sequências em Paris e em Londres. A mais empolgante delas, haja vista que ainda na primeira metade do filme, é a da perseguição pelas ruas da Cidade-Luz. Ágil mas sabendo aproveitar a paisagem e as ruas parisienses como cenário, a fuga de Hunt da polícia e dos gângsters é ótima. A resolução da cena, melhor ainda, quando ele some em uma espécie de claraboia no meio da avenida, a qual vai dar justamente nas águas do subterrâneo da cidade, onde é resgatado pelos companheiros de IMF num barco. Tirada típica de “M:I”. O tiroteio nas docas e o uso das supermáscaras, também elemento tradicional da série, funcionam, igualmente, muito bem.
A perseguição em Paris, 
um dos melhores momentos do filme.
Em compensação, no que se progride mais na trama, o roteiro mostra que fraqueja. A corrida de Hunt pelas ruas londrinas para alcançar o agente Walker – então revelado vilão – sendo mal guiado remotamente pelo GPS do parceiro Benji Dunn (Simon Pegg) é embaraçosa. Jamais qualquer agente obrigatoriamente qualificado como Dunn cometeria tantos equívocos com tecnologia (o forte do próprio personagem, aliás) como se fosse uma vovó de 90 anos que nunca viu um computador. É a obrigação do elemento “gag”, da “comédia” em filmes de “não-comédia”, fator narrativo interessante, mas vulgarizado e, não raro, muito mal utilizado não só no cinema norte-americano. E o desfecho da sequência, então? Se na primeira parte o ápice da cena mantinha relação com as ideias originais de “M:I”, aqui, sucumbe-se ao clichê de qualquer filmeco de Domingo Maior da Globo: o bandido, com uma arma apontada para o mocinho, não apenas hesita em atirar como ainda desata a expor suas frustrações pueris – as quais só servem para que, mais adiante, ele, bandido, fique com aquela raiva incontida por não ter matado quando deveria.
Diferentemente do primeiro da saga ou de “Missão Impossível: Protocolo Fantasma” (Brad Bird, 2011), ambos bem escritos, o roteiro de “Fallout” o faz ser mais um entre milhares de filmes norte-americanos de alto orçamento e grande estrutura de marketing a serviço de uma obra fraca. Não é de se estranhar, pois não é para ser diferente, uma vez que o filme funciona para aquilo que se propõe, ou seja, reafirmar o status quo belicista e intransigente dos Estados Unidos. Para isso, as repetições ideológicas de sempre: idolatria à figura do mocinho macho, intrépido e sedutor, reafirmação do capitalismo e da supremacia yankee e alerta para a ameaça daquilo que difere desse sistema e ideologia. 
Isso tudo, claro, apresentado de forma competente tecnicamente e em cenas altamente ágeis, tanto no que se refere a movimentos de câmera, edição ou efeitos. Neste sentido, McQuarrie mostra-se muito hábil. Tudo muito bonito, mas vazio, vazio. Os diálogos vão caindo à medida que a história avança. E o aproveitamento excessivo dos elementos peculiares da série acaba por desgastá-los. Afinal, como acreditar em um filme em que dois helicópteros colidem no ar, não explodem e, ainda por cima, os tripulantes não morrem? E pior: mal se machucam?! Não se trata de missão impossível: é missão improvável. 
Afora isso, até Cruise, embora ainda bonito mas em irreversível fase de “embofamento”, parece ter perdido a naturalidade. Nada que comprometa o filme (afinal, não é a profundidade expressiva dos atores que mais conta aqui), mas ele, grande ator, mantém agora o rosto praticamente sem expressões, bem diferente do que normalmente fora enquanto tinha uma feição jovem e do próprio personagem Ethan Hunt, afeito a caras e bocas. Parece não querer desmanchar a figura do galã dos tempos áureos de “Top Gun” ou “Jerry Maguire” – o que, obviamente, já não o mais é. 
Chega a ser maldoso comparar o resultado de McQuarrie com o de um mestre do cinema como Brian de Palma. Porém, o “M:I” do diretor de “Dublê de Corpo” e "Scarface", em seu roteiro, além de privilegiar os artifícios da investigação, vai até o limite do aceitável nos arroubos. Como no primeiro "Duro de Matar" – outro bom exemplo de aventura em que se valoriza o “realismo” das ações de maneira a tornar a obra mais atraente e dialogável com o público –, o longa de De Palma também “estica a corda” do cabível tal como se usa em qualquer aventura hollywoodiana. Entretanto, nunca a ponto de perder a credibilidade pela tentação do efeito mimético que o absurdo gera ao valer-se da absorção do espectador para, justamente, mascarar-se por detrás do choque sensorial que a sétima arte é capaz de provocar com tanta eficiência.
Filmes como "Efeito Fallout" parecem dar vida ao que o célebre roteirista Jean-Claude Carrière sarcasticamente chamou de "filme-monstrengo", ou seja, um "filme bem dirigido, mas mal escrito".
Vale assistir “Efeito Fallout”? Despindo-se de entendimentos mais profundos e abstraindo-se as barbaridades que se irá presenciar, será divertido, principalmente numa sala de cinema. Mas que dá vontade de voltar pra casa e ver Ethan Hunt pendurado por um cabo em uma sala de sensores de movimento para roubar um simples disquete, ah, dá.


Haja fôlego
por Vágner Rodrigues

Vou ser sincero, eu gostei desse tiro.
Não sei dizer se a franquia continua com a mesma força, mas assim como Tom Cruise correndo, uma coisa é certa: ela não perdeu o fôlego.
Quando uma importante missão não sai como o planejado, Ethan Hunt (Tom Cruise) e o time do IMF unem forças em ação numa corrida contra o tempo para acertar as contas com os erros do passados.
Como a maioria dos filmes de ação modernos, "Missão: Impossível - Efeito Fallout" é uma bagunça no roteiro. Cheio de viradas e mudanças de lado entre os personagens, e vai e volta, não se sabe quem é amigo ou inimigo... É uma confusão! Devo confessar que cheguei mesmo a ficar perdido em determinado momento. O que compensa é a ação.
Tecnicamente o filme tem grandes acertos. O direto Christopher McQuarrie tem um ótimo controle de câmera, sabe filmar ação, suas sequências de perseguição seja de carro, moto ou helicóptero, são simplesmente espetaculares. A trilha também é algo que chama muito atenção no modo como dialoga bem com as cenas, fazendo realmente parte delas, o que é espetacular ainda mais que o tema da franquia aparece tocado várias vezes em ritmos diferentes.
Que Tom Cruise é louco não é nenhuma novidade, mas que é uma ótima loucura, isso é! O fato de ele fazer todas suas cenas de ação, sem dublês, faz com que o filme use menos efeitos e jogos de câmera nas seqüências de luta, tornando a ação mais frenética e também mais real. Fora Tom, que esta sempre bem nos filmes da franquia, o restante do elenco cumpre bem seus papeis, com destaque para  Henry Cavill que achei que não fosse gostar de seu personagem, mas até que acabou entregando algo; e Rebecca Ferguson, que consegue desenvolver um bom papel feminino de bastante força.
"M:I 6" é cheio de homenagens e referências aos filmes anteriores da franquia repetindo,  por exemplo, a cena da escalada na montanha. Se a historia está cada vez mais um fiapo, o que resta é se agarrar à ação e à adrenalina de “Missão Impossível” e às loucuras  de  Tom Cruise. Você não só não vai se arrepender, como ainda vai sair cansado de tanta ação.
Tem coisa mais linda e estranha que o Tom correndo?



quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

"Você é o Próximo", de Adam Wingard (2013)



Diversas razões podem fazer com que um filme de terror se destaque dentro de seu segmento. As mais comuns são delas é provocar medo e causar sustos, mas outros "atrativos" como o realismo, a perversidade, a brutalidade, a inquietação psicológica, a quantidade de vítimas, e até mesmo a repugnância ou a inverossimilhança podem tornar-se virtudes quando se fala num bom filme de terror. A violência gráfica, explícita, por sua vez tem ocupado lugar de destaque na preferência dos fãs do gênero e títulos como o sádico "O Albergue", a consagrada franquia "Jogos Mortais", ou o chocante filme francês "Martyrs" banido de diversos países,  têm se tornado cada vez mais comuns e cultuados. Só que o excesso de produções nesta linha e a repetição de ideias e elementos muitas vezes fazem com que a coisa toda fique cansativa se não vier acompanhada de uma boa trama ou de algo mais instigante. "Você é o Próximo", filme do norte-americano Adam Wingard só pode ser ser classificado como um terror exatamente pela violência e pela clareza como é mostrada porque se não fosse por isso poderia ser enquadrado como um mistério, um policial, ou mesmo um filme de ação desses com um protagonista duro de matar.
Miolos moídos no liquidificador, que tal?
Num final de semana, os quatro filhos de um casal que completa 35 anos de união, são convidados, com seus respectivos parceiros e parceiras, para um jantar em comemoração à data, só que naquela noite todos na bela mansão retirada no campo, começam a serem ameaçados por um grupo de criminosos mascarados. No início do filme, na primeira sequência, vemos um deles, com uma máscara de ovelhinha, matando um casal em outra casa qualquer mas não temos qualquer informação nem pista sobre sua origem ou finalidade. Quem seriam eles? Sádicos, loucos, criaturas sobrenaturais? Mas o fato é que independente do que pretendiam naquela casa, não contavam que um dos convidados estivesse um pouco mais preparado para um imprevisto como este do que eles imaginavam e é aí que a coisa fica feia e o sangue espirra de verdade. Flechas, fios de aço, machados, cérebros esmagados com martelo, vidros enfiados na coxa, liquidificador no cérebro... "Você é o próximo" usa um bom repertório de mortes e crueldades sempre mantendo a tensão e o interesse, deixando o espectador vidrado, ansioso pela próxima cena, pela próxima vítima.
Não gosto de dar spoiler e gosto de manter a curiosidade do leitor que por ventura ainda não tenha assistido ao filme, então creio que seja melhor ficar por aqui porque o filme apresenta uma série de pequenas surpresas e revelações e a própria identidade do convidado indesejável que estraga a festinha dos maníacos é uma descoberta interessante. O que posso afirmar é que, se você está interessado num "terror" violento, brutal e bem gráfico, porém mais instigante enquanto ação e proposta que outros títulos da mesma linha, esta pode ser uma boa pedida e quem sabe... sua próxima escolha.







Cly Reis

domingo, 31 de dezembro de 2017

12 Filmes de Ano Novo



Filmes natalinos são bastante comuns, desde gostosas comédias como "Esqueceram de Mim"; aventuras frenéticas como "Duro de Matar", terror de péssimo nível como o infame "Krampus"; até dramas europeus como o clássico "Fanny e Alexander" de Ingmar Bergman que tem seu momento de celebração de Natal. Mas, em se pensando nas festas de final de ano como um todo, os de ano novo são bem mais raros. Então o Claquete  fez um esforço de memória e alguma pesquisa pra ajudar e trouxe aqui para vocês doze filmes marcantes de virada do ano. Alguns melhores, outros piores, alguns clássicos, outros bem dispensáveis, mas todos de alguma maneira emblemáticos dentro do tema.
Confiram então a nossa lista e feliz ano novo.


Talentos desperdiçados
num filme medíocre
1. "Noite de Ano Novo", de Gary Marshall (2011) - Vou começar com este não por uma questão de qualidade ou preferência, mas sim porque ele, como o nome já propõe, trata direta e objetivamente do assunto. Porque se fosse pela qualidade... Meu Deus! "Noite de Ano Novo" de Gary Marshall tem o atrativo de contar com um elenco estrelar formado por nomes como Robert de Niro, Hillary Swank, Hale Barry, Ashton Kutcher, Michelle Pfeiffer e até o cantor Bon Jovi, mas faz extremo mau uso desse time de estrelas com uma série de histórias simultâneas que se passam poucas horas antes da entrada do novo ano até o momento da virada. Atuações caricatas, personagens estereotipados, diálogos ridículos e situações inverossímeis são alguns dos motivos que fazem de "Noite de Ano Novo" um péssimo filme. Todos os continhos são bobos, melosos, pueris e exagerados, mas o da disputa de dois casais para que um dos bebês que as esposas estão esperando seja o primeiro a nascer, é de pedir pra morrer.






A antiga estrela Norma Desmond
com seus trejeitos e gestual exagerados.
2. "Crepúsculo dos Deuses", de Billy Wilder (1950) - Pra compensar a ruindade do anterior, vamos com um clássico então: "Crepúsculo dos Deuses", um dos maiores filmes da história do cinema, conta a história de um roteirista fracassado e endividado, que, fugindo de seus credores, acaba na casa de uma estrela esquecida do cinema mudo, Norma Desmond, que sabedora da atividade do rapaz deseja que ele revise um de seus horríveis roteiros para sua sonhada volta triunfal ao cinema. Duro e procurado, Joe Gillis patrocinado pela ricaça excêntrica, fica por ali mesmo e torna-se seu amante. O fato é que a atriz, já meio lelé da cuca, recusa-se a admitir que seu tempo passou, que está esquecida e acha que é mada e idolatrada pelo público e pela indústria do cinema. Exemplo perfeito do que a estrela tornara-se para o que achava que ainda era é a festa de ano novo que promove na qual apenas ela, seu amante e... os músicos comparecem. A festa de reveillón é um dos momentos mais amargos e melancólicos do filme nesta que é uma verdadeira obra-prima da Sétima Arte. Uma abertura genial, diálogos afiados, tomadas improváveis e um narrador cadáver. Mestre Billy Wilder!






Gabriel Byrne encarna bem o belzebu
em "Fim dos Dias"
3. "Fim dos Dias", de Peter Hyams (1999) - A passagem para o século XXI suscitava grande expectativa, curiosidade mas também uma enorme quantidade de superstições e predições. Seitas, religiões, profecias prenunciavam que o mundo acabaria no ano 2000 e aproveitando-se dessa paranoia apocalíptica "Fim dos Dias" montava o enredo de um bom filme de ação sobrenatural estrlado pelo carismático Arnold Schwarzenegger. O lance todo é que o Demônio volta à Terra e quer que seu filho nasça na passagem do milênio e para isso escolhe uma jovem, Christine York, à qual Jericho Crane, nosso heroi, deve proteger a todo custo a fim de evitar o fim dos tempos. O roteiro não é lá muito bem desenvolvido, as coisas muitas vezes ficam sem fio da meada mas, vá lá, como filme de ação, de entretenimento, "tiro, porrada e bomba", até que funciona. Destaque para Gabriel Byrne que faz mais um dos bons demônios do cinema.






A grande luta na noite de ano novo
4. "Rocky, Um Lutador", de John G. Avildsen (1976) - Filme que consagrou definitivamente Sylvester Stallone e eternizou o personagem boxeador na galeria dos mais emblemáticos da história do cinema. Um lutador humilde, de subúrbio tem a oportunidade de lutar contra o campeão mundial dos pesos pesados, Apollo Creed. Como é costume nos Estados Unidos, grandes eventos esportivos são marcados para a noite de ano novo e é exatamente o que acontece com a luta. O que num primeiro momento parecia que seria uma barbada, um mero treino para o imbatível campeão dos pesados, aos poucos, pela garra, coragem e irresignação de Rocky, passa a tomar um rumo diferente daquele esperado. Clássico o cinema!







O ambiente pode modificar o homem?
Este é o mote da aposta dos irmãos Duke..
5. "Trocando as Bolas", de John Landis (1983) - Divertidíssima comédia com Eddie Murphy e Dan Aykroyd na qual dois irmãos empresários, donos de uma grande investidora, resolvem fazer um experimento sócio-antropológico transformando seu gerente, um empresário rico, bem nascido e bem sucedido num mendigo marginal, e um vagabundo de rua, delinquente num respeitável homem de negócios. A troca da certo e Louis Winthotpe (Aykroyd), sócio-gerente da Duke & Duke, é rebaixado ao último nível humano, enquanto o pé-rapado trambiqueiro Billy Ray Valentine (Murphy) é colocado na empresa dos irmãos, tornando-se um homem sério, trabalhador e responsável. Só que quando os dois descobrem que foram objeto de uma humilhante aposta que mexeu com suas vidas de tal forma por apenas um dólar, e que mesmo provada a teoria não pretendem desfazer aquela situação, se unem e resolvem se vingar dos velhotes. Para isso, tem que interceptar o relatório da colheita de laranja que os irmãos Duke pretendem ter em primeira mão antes da divulgação oficial no primeiro dia útil do ano, de modo a terem vantagens na compra de ações. Valentine, ainda dentro da empresa, descobre que o documento será levado por um informante num trem que sairá de Washington e deverá  ser entregue aos irmãos exatamente na hora da virada, à meia-noite, em Nova Iorque. No trem onde também acontece uma festa de ano novo à fantasia, Valentine, Winthorpe, o mordomo Coleman e uma prostituta que os ajuda (Jamie Lee Curtis), instalam-se disfarçados na cabine do informante com a intenção de trocar as maletas e pegar o relatório que chegue às mãos dos empresários e ali, cada um encarnando tipos diferentes, proporcionam alguns dos momentos mais engraçados do filme. A cantoria de Valentine, disfarçado de estudante camaronês de intercâmbio, Dan Aykroyd caraterizado de negão jamaicano, e a entusiástica saudação dos dois aos se encontrarem são motivos para boas risadas.






6. "O Destino do Poseidon", de Ronald Neame (1972) - Na noite de ano novo, pouco depois da virada, um transatlântico de luxo, lotado de passageiros, é atingido por uma onda gigantesca e virado de cabeça para baixo, começa lentamente a afundar. Aí é quando um pastor cético, vivido por Gene Hackmann, e um policial acovardado, Ernest Bornigne, tentam conduzir outros poucos passageiros ao casco do navio (que está na superfície) onde talvez tenham alguma chance de serem vistos e resgatados. 
Típico filme catástrofe bem característico da época, como "Inferno na Torre", "Krakatoa - O Inferno de Java", "Aeroporto 75", "Terremoto", e outros.
Tirnado um momento em que poderia ser mais ágil, "O Destino do Poseidon" é um bom filme e mantém a tensão o tempo todo depois do início da tragédia. Só cuidado para não enjoar. A câmera, em grande parte do filme, fica balançando angustiantemente, como se o espectador estivesse a bordo.



"O Destino do Poseidon" - trailer






O jovem Arnie é outra pessoa atrás do volante de Chritine.
7. "Christine, O Carro Assassino", de John Carpenter (1983) - Um Plymouth Fury vermelho com vida própria. Com vontade própria. Com crueldade própria. Capaz de "seduzir" seu dono a tal ponto de deixá-lo completamente irreconhecível. Esta é Christine, um caro comprado praticamente em sucata, remontado e tratado com amor por seu novo dono, Arnie, um garoto simplório e tímido, que ignora o passado sombrio e trágico que o automóvel carrega consigo. Aos poucos a atenção e o cuidado de Arnie vão tornando-se obsessão e o rapaz muda radialmente de comportamento passando a agir de forma egoísta, arrogante e até perigosa.
Na véspera de ano novo, Arnie chama o amigo Dennis pra dar uma voltinha na Christine e em meio a uma exibição de velocidade e imprudência, o amigo percebe o quanto aquela máquina maldita mudara o garoto que conhecera desde a infância. Prato cheio para amantes do terror e de rock'n roll uma vez que Christine adora ligar seu rádio por conta própria e tocar clássicos do rock.







O beijo da morte de Michael Corleone
"O Poderoso Chefão - Parte 2", de Francis Ford Copolla (1974) - Uma das cenas mais marcantes da Sétima Arte é a em que Michael Corleone, chefe da família desde a aposentadoria do pai Don Vito, na viagem a Cuba para negociações com o rival Hymann Roth, descobre a traição do irmão Fredo e na festa  de ano novo, em meio à revolução que ocorre em Havana, sela nele o chamado "beijo da morte". Ali estava decretado que Fredo, mesmo sendo sangue do próprio sangue de Michael, não teria tratamento diferente de qualquer outro que tentasse se colocar no caminho da família. A frase do momento do beijo ficou célebre e é uma das mais lembradas na história do cinema: "Eu sei que foi você, Fredo. Você partiu meu coração."






O atrapalhado mensageiro Ted vivendo
uma noite de ano novo um tanto agitada.
8. "Grande Hotel", de Allison Anders, Alexandre Rockwell, Robert Rodriguez e Quentin Tarantino (1995) - Quatro histórias que se passam na véspera de ano novo num decadente hotel de Hollywood onde apenas o mensageiro Ted (Tim Roth), em seu primeiro dia de trabalho, é abandonado à própria sorte para atender os pedidos dos hóspedes. Só que é cada coisa que aparece!!! Uma irmandade de bruxas liderada por ninguém menos que Madonna; um marido muuuuito ciumento; dois pestinhas deixados por seus pais para que ele tome conta; e uma aposta muito inusitada entre amigos, neste que é certamente o melhor dos capítulos. Quentin Tarantino, que dirige o episódio, interpreta um excêntrico diretor de cinema, Chester Rush, que aposta seu carrão contra o dedo mindinho de um dos amigos que encontram-se com ele na suíte, se aquele conseguir acender o isqueiro dez vezes seguidas como num filme do qual todos eles são fãs. A situação é hilária e tem toda aquela "enrolação" que Tarantino sabe conduzir como poucos. E o que é que o mensageiro tem a ver com isso? Está lá especialmente para, com o cutelo que levara, a pedido de Chester, cumprir a aposta caso o isqueiro não acenda.







10. "Boogie Nights - Prazer Sem Limites", de Paul Thomas Anderson (1997) - Um clássico imediato e um dos melhores filmes dos últimos tempos, "Boogie Nights - Prazer Sem Limites" é uma preciosidade. Impecável em todos os sentidos, roteiro, fotografia, atuações excelentes e uma direção primorosa, o filme traz dois planos sequência que só quem entende do assunto é capaz de fazer. Acompanhando a indústria pornográfica desde o final dos anos 70 e focando na vida de um rapaz que se torna astro do gênero Dirk Diggler (Mark Wahlberg), "Boogie Nights" também volta-se para outros personagens periféricos mas não menos interessantes e importantes dentro do contexto. É o caso de Little Bill, vivido por William H. Macy (espetacular no papel!), assistente do diretor Jack Horner (Burt Reynolds) que, casado com uma estrela pornô, convive humilhantemente com constantes traições da esposa, e não falo das atuações dela nos filmes, e sim de suas trepadas fora do set de filmagem.
Cansado daquilo, na festa de ano novo promovida por Horner, num plano sequência arrebatador, Little Bill entra na luxuosa casa de Horner, percorre os cômodos, pergunta pela esposa para os amigos e a encontra num quarto, mais uma vez transando com outro homem. Ele fecha a porta do quarto parecendo resignado, volta pelo mesmo caminho, chega ao pátio e vai até o carro. O espectador é levado por um breve momento a crer que ele, corno conformado como é, simplesmente vai ligar o carro e ir pra casa. Mas não. Ele se inclina, pega algo no porta luvas, não temos certeza mas logo percebemos que é uma arma. Ele sai do carro, volta pelo mesmo caminho, chega na porta do quarto e dali mesmo mata os dois. Só então a cena corta. Os outros convidados assustados correm para o local de onde ele sai com a arma e com uma expressão meio abobalhada no rosto. Ele sorri, mete a arma na boca e dispara.
Uma das grandes cenas da história do cinema e, sem dúvida um dos melhores e mais impactantes planos sequência já feitos e já que é o nosso tema, se passa na noite de ano novo.



"Boogie Nights" - plano sequência da Festa de Ano Novo




11. "Se Meu Apartamento Falasse", de Billy Wilder (1960) - Mais um de Billy Wilder e mais um grande filme. "Se Meu apartamento Falasse", vencedor de 5 Oscar, incluindo os de filme e direção, mistura com maestria drama, romance e comédia , abordando temas delicados como ética, adultério, depressão, suicídio, sem deixar o filme pesado.

Lemmon e MacLaine brilhantes
no filme de Wilder.
O apartamento que revelaria muitos segredos se pudesse fazê-lo, no caso, é o de C.C. Baxter, vivido brilhantemente por Jack Lemmon, funcionário de uma grande empresa de seguros que ambicionando cargos maiores, empresta o apartamento para o chefe, o dono da empresa, Jeff Sheldrake, ter encontros extraconjugais com garotas, em geral funcionárias da empresa. Só que os vizinhos pensam que ele é quem recebe mulheres, faz noitadas barulhentas e regadas a bebida e Baxter, um solteirão, é tido como o garanhão, fama que sustenta, até para compensar exatamente o contrário, que é sua personalidade tímida e recatada. Numa dessas da vida, Baxter descobre que uma das amantes do patrão é nada mais nada menos que Fran (Shirley MacLaine) a ascensorista do prédio onde ele trabalha e pela qual ele está apaixonado. A história se desenrola, ela percebe  que o amante nunca vai largar esposa e filhos, se frustra, percebe que é só mais uma entre tantas, tenta o suicídio dentro do apartamento, o que a aproxima do colega apaixonado. Na cena crucial, que se passa na noite de ano novo, jantando com Sheldrake, Fran descobre que o colega atencioso, mesmo depois de alcançar a posição desejada dentro da empresa, pedira demissão e negara-se a ceder o apartamento, e então percebe que aquele sim era o tipo de homem que valia  a pena, que lhe daria carinho, que realmente a amava. Ela então deixa o patrão-amante no restaurante sai correndo em direção ao apartamento e antes de entrar ouve um estampido. Teria ele, sem esperanças de tê-la, dado um fim à sua medíocre vida? Assista para saber o final.





12. "Harry e Sally, Feitos Um Para o Outro", de Rob Rainer (1989) - Não sou muito de comédias românticas mas essa, devo admitir, é das minhas preferidas. Provavelmente por seu realismo (sim, realismo) uma vez que em meio à comicidade que o filme se propõe, muito das situações vividas pelos personagens são baseadas em histórias reais, entrevistas, relatos de casais, terapeutas conjugais e amigos. Harry e Sally se conhecem desde que acabaram a faculdade e ele dá uma carona a ela até Nova Iorque. Num primeiro momento ele dá em cima dela, ela o odeia, se separam em Nova Iorque, se reencontram, tornam-se amigos, muito amigos, confidentes, compartilham amizades, apadrinham relacionamentos, servem de ombro um para o outro nas decepções amorosas, mas parece que a amizade acaba fazendo com que não percebam que o par ideal está ali, bem mais perto do que imaginam. O estalo ocorre exatamente na noite de ano novo quando Harry, entediado, anda solitário pelas ruas da cidade. Em meio à sua caminhada ele percebe que tudo que queria era estar com ela naquela noite. Ele então, como se o mundo fosse acabar, sai correndo em direção ao prédio onde acontece uma festa de ano novo na qual Sally está.  Na hora da contagem Harry chega, faz uma das declarações de amor mais apaixonantes do cinema e finalmente eles acabam juntos. Foi spoiler? Não! O título do filme já entrega tudo: são feitos um para o outro. O grande barato do filme mesmo é curtir cada fase da vida e do relacionamento deles até chegar naquele momento. No quesito cenas de ano novo, a de "Harry e Sally" sem dúvida alguma, é um das mais marcantes.



"Harry e Sally, Feitos Um Para o Outro" - Cena Final


* também podem ser lembrados, "200 Cigarros", "O Dário de Bridget Jones", "O Primeiro Dia", "Os Penetras", "O Acampamento", Primeiro Dia de Um Ano Qualquer", "Uma Longa Queda", "Onze Homens e Um Segredo" (1960), "O Amor Não Tira Férias", "Sex And The City - O Filme", "O Expresso do Amanhã", Em Busca de Um Beijo à Meia Noite" e "Fruitvale Station" (se lembrarem de mais algum, deixe nos comentários)


por Cly Reis

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Claquete Especial de Natal



Papai Noel passou por aqui


Nesta época de final de ano, o cinema, essa representação encenada e diegética da realidade, reforça sua função, seja ela de ajudar a refletir ou simplesmente entreter (ou os dois juntos, por que não?). Como n’"O Poderoso Chefão - Parte 2", em que os acontecimentos da máfia e da política estão fervilhando em plena virada de 1959 para 1960 em Cuba, ou em “Boogie Nights”, quando todos interrompem a chegada da década de 80 por causa de um suicídio em plena festa de Réveillon, o dia de Natal também (ou a passagem de 24 para 25) aparece em alguns filmes não necessariamente como tema central, mas como um pano de fundo essencial àquilo que se quer contar. Às vezes é um detalhe, mas extremamente simbólico para determinada obra de cinema. Um nexo narrativo que contribui para a história de forma a lhe trazer os ícones que a data representa (o nascimento e o significado simbólico de Cristo, a figura pop do Papai Noel, a valorização dos sentimentos de fraternidade e compaixão, a representação do consumismo, o pertencimento à sociedade capitalista ocidental, etc.).

Por isso, o Clyblog registra aqui algo nessa linha: não aquelas comédias natalinas típicas que, embora divertidas, são óbvias. Aqui, fugimos da obviedade. Listamos, sim, filmes que se nutrem dos elementos natalinos mais profundos por assim dizer, ainda que apenas como instrumento para dar um toque à trama, para gerar contraste entre a aparência e real ou apenas para contar melhor uma história. Se você está cansado de assistir as franquias “Esqueceram de Mim” ou “Meu Papai é Noel”, aqui vão alguns títulos que não esquecem da data, mas vão além da mesmice – e que, justo por isso, merecem ser vistos mesmo em outras épocas do ano. Mesmo que, porventura, apenas passem pelo tema, o Natal, com seus significados, está lá.


“Duro de Matar” (“Die Hard”, John McTiernan, EUA, 1988) 

Provavelmente o melhor filme de ação dos anos 80 junto com “Um Tira da Pesada”, “48 Horas” e alguns outros poucos, tem o Natal como pano de fundo para uma trama inteligente que mescla policial, comédia e realismo (sim, realismo) na medida certa. O policial nova-iorquino John McClane (Bruce Willis) vai visitar a esposa em Los Angeles, que está numa festa de Natal da empresa onde trabalha, no edifício Nakatomi Plaza. Durante a festa, terroristas alemães, liderados por Hans Gruber (Alan Rickman) invadem o prédio e sequestram todos os convidados com a intenção de roubar milhões em ações da companhia. McClane escapa de ser aprisionado pelo grupo de Gruber e, com grande dificuldade, mas com perícia e astúcia, passa a combatê-los.

A fórmula é muito parecida com o que Hollywood fazia de muito tempo no gênero ação/policial – as sequências com o gancho da tensão e as explosivas cenas de ação, entremeadas por tiradas engraçadas que aliviam a seriedade e a periculosidade – mas adiciona-lhe algo que passaria a servir de exemplo para trocentas produções posteriores: a pegada realista. McClane derrota os terroristas neste dia de Natal atípico, mas o consegue a custas de muito esfolamento. O conceito de anti-herói, humano e mortal, é uma quebra de paradigma no cinema norte-americano do gênero. Se há estilhaços de vidro no chão e McClane está descalço, ele vai cortar o pé, ora essa! É exatamente isso que acontece, numa ressignificação do tipo James Bond, perfeito e inatingível. Tanto é que, por tudo que passa, McClane sai um trapo no final do filme, o qual finaliza emblematicamente com o jazz natalino “Let It Snow! Let It Snow! Let It Snow!” na voz de Vaughn Monroe. Igualmente, o contraste dos elementos visuais e alegóricos da data com a violência (o vermelho da roupa do Papai Noel com o sangue dos ferimentos) funciona muito bem. Daqueles que sempre que estão passando na TV se assiste, inevitável.


  • "Duro de Matar" - "Ho-Ho-Ho!"




“Morte e Vida Severina” (Walter Avancini, BRA, 1981)

Uma obra-prima da teledramaturgia mundial (vencedora do Emmy daquele ano), é a encenação do poema de João Cabral de Melo Neto, o qual se chama também “Auto de Natal Pernambucano”. Com músicas primorosas de Chico Buarque e aproveitando parte do elenco que Zelito Viana usara na filmagem da história quatro anos antes para o cinema, esta é, sem dúvida, a mais bela versão do texto clássico do poeta pernambucano.

De forte cunho social e denunciador, narra a trajetória do retirante nordestino Severino (José Dumond, impecável) do sertão árido à capital Recife através de versos musicados ou recitados em busca de respostas à vida miserável que leva. O que encontra em muitas das etapas dessa cruzada é apenas morte através do descaso e da desassistência do povo, de “Severinos iguais em tudo na vida”, o que o faz pensar em “saltar fora da ponte e da vida”. Mas o nascimento de mais um “Severino”, filho de um carpinteiro pobre mas sábio, vem trazer cores à desesperança. É a “boa nova” que o Natal ensina, o Cristo incutido naquela pequena e franzina vida que se rebenta. “E não há melhor resposta/ que o espetáculo da vida?”.





“A Felicidade não se Compra” (“It's a Wonderful Life”, Frank Capra, EUA, 1946)

Capra é um dos mestres do primeiro cinemão norte-americano. Era capaz de criar filmes de marcantes conceitos estético e narrativo a um espírito fortemente nacionalista, seja na valorização dos símbolos de seu país, seja no recorrente tom moral típico daquele povo, o qual vai da puerilidade à arrogância. No caso, mais para onírico, “A Felicidade...” conta a história de um espírito candidato a anjo que, para ganhar suas asas, recebeu a missão de ajudar um empresário (James Stewart) que, em virtude de grave problema financeiro, tinha a intenção de se suicidar. O aspirante a anjo aparece-lhe na véspera do Natal quando este está prestes a saltar de uma ponte. Ele fala de sua missão e comentou que seria um desperdício matar-se, pois ele era importante para muita gente. Ante o ceticismo de seu protegido, que se sentia um fracassado, o amigo espiritual mostrou-lhe várias situações que teriam acontecido se não fosse sua interferência: a morte do irmão, o desespero da II Guerra (recém terminada quando o filme foi rodado), a tristeza da esposa, a situação lastimável de sua cidade, entre outras.

Com fotografia P&B impecável – bastante forjada no cinema soviético de Eisenstein e Vertov –, Capra amarra uma história cheia de acontecimentos com um domínio narrativo espantoso sem deixá-la confusa ou chata. Trata-se de um típico clássico natalino, eu sei, mas com tamanha qualidade não daria para deixá-lo de fora – até por que, atualmente, está em desuso assistir a filmes antigos ainda mais nessa ditatoriamente colorida época natalina. No final, a mensagem é evidente, o que não lhe tira a emoção – até por que muito bem escrito e realizado.



“Cortina de Fumaça” (“Smoke”, Wayne Wang e Paul Auster, EUA/Alemanha, 1995)

Uma ode à solidariedade e ao respeito às diferenças, sejam elas raciais, de gênero ou qualidades pessoais. Tem coisa mais a ver com Natal isso? Pois esta pequena obra-prima com cara de Jim Jarmusch traz isso e mais um pouco. O “isso” é a história envolvente e coral: Auggie Wren (Harvey Keitel) tem uma tabacaria onde circulam tipos bem peculiares (olha aí as diferenças subtextualizadas). Ele também tem um hábito próprio: o de fotografar, às oito da manhã, a fachada de sua loja. É assim que ele conhece o escritor em crise criativa e emocional Paul Benjamin (William Hurt), que, por um momento fortuito, acaba conhecendo um jovem negro morador de rua a quem ajuda a encontrar seu pai. A história é, na verdade, um reencontro das raízes pessoais e dos laços afetivos mal resolvidos no passado.

O “um pouco mais” a que me referi é, além desse instigante subtexto, há a célebre cena em que Auggie vai parar na casa de uma senhora cega cujo neto furtara-lhe a loja. Ela, amorosa e sem os pré-conceitos de quem enxerga apenas com os olhos, o recebe e o convida para cear com ela naquela véspera de Natal. Tudo ao som da belíssima canção “Innocent When You Dream”, de Tom Waits. Cena emocionante. Uma história tão linda que, renovadas as emoções de todos na trama, motiva o até então travado escritor Paul em seu novo romance, chamado: “Auggie When’s a Christmas Story”.


  • "Cortina de Fumaça" - História de Natal de Auggie Wren



“O Natal do Charlie Brown” ou “Feliz Natal, Charlie Brown” (“A Charlie Brown Christmas”, Bill Melendez, EUA, 1965)

Já havia me referido ao filme indiretamente aqui no blog no Natal de 2013 quando escrevi sobre a magnífica trilha sonora de Vince Guaraldi nos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS. Pois além da preciosidade que musica o episódio, a própria animação merece destaque. Com os elementos característicos da série de Charles Schulz, o curta “O Natal do Charlie Brown” é o primeiro desenho animado da turma dos Peanuts. Quando o questionador Charlie Brown reclama sobre o sentido materialista que as pessoas dão à data, Lucy sugere que ele se torne o diretor de uma peça teatral no colégio. Charlie Brown aceita, mas, claro, sua insegurança e os ingovernáveis fatores externos fazem com que ele perca o controle, frustrando-se. “Que puxa!” O amigo de todas as horas Linus, entretanto, lhe consola relembrando o verdadeiro sentido natalino.

Tem um Charlie Brown e Snoopy novo por estrear no Brasil que aproveita o Natal (comercialmente, inclusive) como pano de fundo, mas este aqui é insuperável, não só pela trilha original de Guaraldi mas pela precisão de Melendez na direção, que sempre imprimiu à série de TV a dose certa de doçura, comédia, entretenimento e ludicidade. Atração – e ensinamento – para crianças e adultos.


  • "O Natal do Charlie Brown" 






“Fanny e Alexander” (Ingmar Bergman, SUE/FRA/ALE, 1982)

Sou um tanto suspeito em falar desse filme, pois trata-se de meu preferido da longa, profícua e expressiva filmografia do gênio Bergman. Entretanto, como deixar de fora essa obra-prima que, além de alinhar-se bastante com o recorte que proponho, é o amadurecimento total de um artista que já nascera maduro para o cinema. Superprodução que encerra a carreira do cineasta na grande tela, transcorre-se em dois anos da primeira década do século XX na família Ekdahl. Após um alegre Natal, o pai de um casal de crianças morre. Deste momento em diante Alexander (Bertil Guve), o menino, passa a ver o fantasma do pai frequentemente. Tempos depois, sua mãe casa-se com um extremamente rígido religioso e as crianças são obrigadas a deixar a casa da avó paterna para viverem com a família do padrasto de hábitos severos, onde são tratados como prisioneiros. Na casa do padrasto o sensível e inventivo Alexander passa a ver o fantasma da primeira esposa dele e suas filhas, que haviam morrido tentando escapar dele. Decorrido algum tempo, a mãe se conscientiza da real personalidade do marido e de quanto seus filhos sofrem naquela casa e planeja um modo de tirá-los daquele lugar e levá-los de volta para casa.

O proposital clima espiritualista de toda a história faz cama para a impactante sequência da fuga, em que as forças divinas operam um milagre de Natal e os três conseguem escapar da prisão domiciliar. Haveria muito a se falar sobre “Fanny e Alexander” (a relação entre pais e filhos, a espiritualidade imanente, a percepção afinada da criança, a metáfora da vida como palco – e vice-versa –, os limites entre vida e morte, etc.) mas destaco aqui um fator primordial: o fato de o Natal estar presente no início e no final do filme. A data do nascimento de Jesus demarca dois momentos psicológicos e emocionais dos personagens, numa significação das possibilidades de mudança e desenvolvimento da vida e das pessoas. Cada um com suas qualidades e dificuldades, com suas personalidades e jeitos, mas passíveis de enxergarem o mundo para além de si mesmos. Afinal, é Natal.


  • "Fanny e Alexander" - Ceia de Natal









O ClyBlog deseja um
Feliz Natal a todos!