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quinta-feira, 28 de julho de 2022

"The Batman", de Matt Reeves (2022)




Detective Comics... Quadrinhos de detetive. 
O último filme do homem-morcego, "The Batman", honra as origens da editora que o publicou desde suas primeiras aventuras: é uma história de detetive. 

O novo Batman é um filme policial. Uma trama envolvente, instigante, na qual o vilão, por mais que originalmente seja um de seus caricatos arqui-inimigos dos quadrinhos, neste longa fica muito mais caracterizado como um perigoso psicopata do que por uma figura colorida com roupa extravagante.

"The Batman" faz uma espécie de "Ano Um" do homem-morcego. Um herói ainda jovem, idealista, tentando entender toda a sujeira dos subterrâneos de Gothan City e percebendo que a coisa toda é ainda muito maior do que imaginava. Ironicamente, quem mostra isso a ele é exatamente o vilão: um maluco autointitulado Charada passa a cometer assassinatos e deixar nas cenas dos crimes enigmas que vão desvelando verdades indesejáveis sobre peixes grandes da cidade, como o prefeito, o promotor e até, imagine só, o pai do nosso jovem magnata.

Bruce é um justiceiro ainda confuso, inseguro, o que torna seu personagem noturno, um herói vulnerável em muitos momentos, tanto física quanto psicologicamente. Em meio a essa roda-viva de crimes do Charada, brigas de poder no submundo, eleições para prefeito, policiais corruptos e prisões dos chefes da máfia de Gothan, o mascarado se vê às voltas com Selina Kyle, uma jovem dançarina e garçonete nas boates do mafioso Falcone, e que busca respostas sobre o paradeiro de uma amiga desaparecida que pode estar mais envolvida com coisas perigosas do que ela possa imaginar. Juntos, com motivações diferentes, os dois mergulham em toda a sujeira da cidade, que respinga nos dois e que é apresentada ao povo de Gothan, de maneira prazerosa e sádica, pelo Charada.

O jovem Bruce, tentando juntar as peças do quebra-cabeça
do Charada

"The Batman" é uma grande celebração ao herói mais humano dos quadrinhos. Além de voltar ao início da saga do órfão sedento por justiça, o filme de Matt Reeves, mesmo tão contemporâneo, rende discretas homenagens à série clássica dos anos 60 em detalhes como o da máscara de couro, o próprio nariz da mascara (os mais atentos perceberão), o Batmóvel, mais "carrão" mesmo, mais parecido com a máquina clássica de Adam West,  sem falar nas tomadas superiores dos ambientes e até mesmo as semelhanças com as sequências de luta.
O novo Charada, simplesmente assustador.
Um dos melhores psicopatas do cinema nos
últimos tempos.

Robert Pattinson, tão discutido, tão contestado, está perfeito no papel de um Batman hesitante; Paul Dano é um maníaco assustador lembrando muito John Doe, o psicopata fanático de "Seven", de David Fincher; a Mulher-Gato é sexy mas sua participação não se limita a seus dotes físicos; a amostragem de Pinguim é promissora; a "canja" de Coringa é instigante; e o final (sem querer dar spoiler) não caracteriza exatamente uma vitória do herói, o que torna o filme ainda mais interessante.

Um filme que dignifica o herói mascarado, dignifica os quadrinhos, que se justifica como um longa de Batman, que prende a atenção, nos deixa envolvidos, nos faz querer ver uma sequência... Isso, DC! Era isso que queríamos! "The Batman" é um filme policial, é um filme noir, é um thriller psicológico, é um suspense, para só depois de tudo isso, ser um filme de herói.



Cly Reis


segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Rio Comicon - Estação Leopoldina - Rio de Janeiro (23/10/11)









Fã de quadrinhos, desenhista, cartunista amador que sou, neste último domingo pela manhã dei uma fugida de casa, deixei minha bebê dormindo e fui dar aquela olhada na segunda edição do Rio Comicon. Nada de novo no que diz respeito ao formato, espaço físico ou distribuição em relação ao ano anterior, mas curiosamente, não sei porquê, este ano gostei mais, mesmo tendo menos tempo para apreciar. Não sei, talvez porque tenha me fixado mais na área de peineis mas, no geral, me pareceu ter destaques mais interessantes este ano do que no anterior. Mas o que se pode concluir facilmente desta pequena tour entre quadrinhos é que tem muita gente talentosíssima por aí e com os mais variados estilos.
painel dos irmãos Bá e Moon

no saguão principal
 Meus destaques para a dupla competentíssima de irmãos brasileiros Gabriel Bá e Fábio Moon, para o gringo Bob Schreck ex-editor da DC, para a paulista Erica Awano que fez uma adaptação mangá para Alice no País das Maravilhas e para o espaço da sensual personagem Valentina, do desenhista Guido Crepax.
O homenageado desta edição foi o norte-americano Will Eisner, criador do personagem Spirit, do qual não sou lá muito admirador. Nesta parte, devo admitir que gostei muito mais da homenagem da última edição ao italiano Milo Manara, ex-colaborador de Federico Fellini.
Também homenageadas a CLAMP, estúdio japonês de mangás, e a DC Comics, vovózinha com 75 anos de super-herois e aventuras, tiveram grandes murais ao longo da via férrea, mas particularmente, acho que ao menos esta segunda mereceria espaço melhor.
Este seu ilustre blogueiro entre quadrinhos
De quebra fiz algumas pequenas comprinhas: o sétimo número da irreverente e provocativa publicação Tarja Preta que conta com nomes como Alan Sieber e Matias Maxx; a Tune 8 de Rafael Albuquerque; e um independente bem legal que dá um ar todo macabro a algumas lendas brasileiras, chamado Salomão Ventura, o Caçador de Lendas, com roteiro e ilustrações do bom Giorgio Galli.
A ideia era dar uma passada rápida mas com tantas coisas pra ver, pra comprar, foi impossível ser breve. Só não pude participar de oficinas, debates e etc. (mas acho que não ia querer mesmo), mas de resto foi um ótimo programa para uma manhã de domingo.



***********************************



EXPOSIÇÃO, PAINEIS E DESTAQUES


O público viu, curtiu e comprou
Um artista mostra seu talento
A Comic Cow. Tem uma HQ nela, de verdade.
As mais diversas técnicas, temas e expressões

Bob Schreck, um dos mais legais
Trabalho do ilustrador Rafael Albuquerque

Painel do artista Rafael Coutinho

Ilustração do artista Dan Goldman
Chris Claremont, um dos destaques do evento...

... e seu trabalho com os X-Men


CLAP
A CLAP teve seus paineis expostos
ao longo da via férrea

A CLAP é um estúdo japonês conceituado
no que diz respeito a mangás

(gênero que não curto muito)


DC Comics


Assim como a CLAP, a DC Comics teve seus paineis
colocados ao longo dos antigos trilhos...
... e a meu juízo, merecia instalações melhores
Algumas das 'fardas' clássicas da DC:
Batman, Flash, Superman
Dois momentos marcantes do Homem-Morcego:
A clássica "Piada Mortal"...

... e o imortal HQ "Cavaleiro das Trevas".
O ensandecido Coringa de "Asilo Arkhan"


Valentina
O espaço dedicado à personagem
E ela, toda sensual


O Espírito Vivo de Will Eisner


A fachada do espaço dedicado a Eisner com seu
personagem marcante, The Spirit

Os diversos trabalhos de Eisner expostos

A loura fatal do The Spirit: Ellen Dolan

Projeções com imagens do material de Will Eisner
já na saída da exposição




Cly Reis

terça-feira, 16 de março de 2021

Oscar 2021 - Os Indicados

 



2020 foi uma no esquisito! Tudo parou, coisas foram suspensas, canceladas, adiadas, e não foi diferente com a indústria cinematográfica. Por conta disso, a premiação do Oscar, que, a essas alturas já teria sido realizada, em circunstâncias normais, só agora teve divulgados os indicados das produções da última temporada.
Mas se a época foi complicada, repleta de interrupções percalços e dificuldades, não foi por isso que deixamos de ter grandes filmes e ótimos concorrentes este ano. "Mank", filme de David Fincher, lidera as indicações com 10 categorias, incluindo melhor filme mas, contra minhas apostas iniciais, fica fora de melhor roteiro. original, contudo, o número de indicações não lhe garante nenhum favoritismo prévio considerando que "Minari", de Lee Isaac Chung, e "Nomadland", de Chloé Zhao, vêm abocanhando as principais categorias em outras premiações,
Por falar em Chloé Zaho, o Oscar desse ano marca o ineditismo de, pela primeira vez, ter duas mulheres concorrendo na categoria de melhor direção, tendo a sul-coreana a concorrência de Esmerald Fennel, por "Bela Vingança".
No que diz respeito a nós brasileiros, a expectativa que se alimentava de que "Bacurau" pudesse ter indicações, acabou não se materializando, mas, certamente, não é nada que desmereça a qualidade do filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, que já faturou o prêmio do júri de Cannes, no ano passado. 
No que diz respeito a atuações, Chadwick Boseman, a exemplo de Heath Ledger, foi indicado a prêmio póstumo por seu papel em "A Voz Suprema do Blues" e, assim como o brilhante Coringa, tem boas chances de ter premiada sua interpretação; na parte musical, a curiosidade fica por conta dos Nine Inch Nails, Trent Raznor e Atticus Ross, já vencedores por "A Rede Social" , que dessa vez tem dupla chance de ganhar, concorrendo por dois filmes, "Mank" e "Soul", filme da Pixar que, por sinal também tem grandes chances na categoria de animação.
A cerimônia de premiação acontece, dessa vez, em 25 de abril então a gente aproveita para deixar você a par de todos os indicados pra você aproveitar esses novos tempos em que, em parte por causa da pandemia, em parte por conta de novos hábitos e tendências, muitas das produções estão disponíveis, desde já, em plataformas de streaming.
Dá uma conferida na lista aí abaixo, prepara a pipoca e cai dentro dos aplicativos na Smart TV.


***************


Melhor Filme

  • Meu Pai
  • Judas e o Messias Negro
  • Mank
  • Minari
  • Nomadland
  • Bela Vingança
  • O Som do Silêncio
  • Os 7 de Chicago

 

Melhor Direção

  • Chloé Zhao – Nomadland
  • Thomas Vinterberg – Another Round
  • David Fincher – Mank
  • Lee Isaac Chung – Minari
  • Emerald Fennell – Bela Vingança

 

Melhor Ator

  • Riz Ahmed – O Som do Silêncio
  • Chadwick Boseman – A Voz Suprema do Blues
  • Anthony Hopkins – Meu Pai
  • Gary Oldman – Mank
  • Steven Yeun – Minari

 

Melhor Atriz

  • Viola Davis – A Voz Suprema do Blues
  • Andra Day – The United States vs. Billie Holoday
  • Vanessa Kirby – Pieces of a Woman
  • Frances McDormand – Nomadland
  • Carey Mulligan – Bela Vingança

 

Melhor Ator Coadjuvante

  • Sacha Baron Cohen – Os 7 de Chicago
  • Daniel Kaluuya – Judas e o Messias Negro
  • Leslie Odom Jr. – Uma Noite em Miami
  • Paul Raci – O Som do Silêncio
  • LaKeith Stanfield – Judas e o Messias Negro

 

Melhor Atriz Coadjuvante

  • Maria Bakalova – Borat: Fita de Cinema Seguinte
  • Glenn Close – Era Uma Vez um Sonho
  • Olivia Colman – Meu Pai
  • Amanda Seyfried – Mank
  • Yuh-jung Youn – Minari

 

Melhor Roteiro Original

  • Judas e o Messias Negro
  • Minari
  • Bela Vingança
  • O Som do Silêncio
  • Os 7 de Chicago

 

Melhor Roteiro Adaptado

  • Borat: Fita de Cinema Seguinte
  • Meu Pai
  • Nomadland
  • Uma Noite em Miami
  • O Tigre Branco

 

Melhor Fotografia

  • Judas e o Messias Negro
  • Mank
  • Notícias do Mundo
  • Nomadland
  • Os 7 de Chicago

 

Melhor Figurino

  • Emma
  • A Voz Suprema do Blues
  • Mank
  • Mulan
  • Pinóquio


Melhor Trilha Sonora Original

  • Destacamento Blood
  • Mank
  • Minari
  • Notícias do Mundo
  • Soul


Melhor Canção Original

  • “Fight For You” – Judas e o Messias Negro
  • “Hear My Voice” – Os 7 de Chicago
  • “Husavik” – Festival Eurovision da Canção
  • “Io Si (Seen)” – Rosa & Momo
  • “Speak Now” – Uma Noite em Miami

 

Melhor Design de Produção

  • Meu Pai
  • A Voz Suprema do Blues
  • Mank
  • Notícias do Mundo
  • Tenet


Melhor Edição

  • Meu Pai
  • Nomadland
  • Bela Vingança
  • O Som do Silêncio
  • Os 7 de Chicago

 

Melhores Efeitos Visuais

  • Lov and Monsters
  • O Céu da Meia-Noite
  • Mulan
  • O Grande Ivan
  • Tenet

 

Melhor Cabelo e Maquiagem

  • Emma
  • Era Uma Vez Um Sonho
  • A Voz Suprema do Blues
  • Mank
  • Pinóquio

 

Melhor Produção de Som

  • Greyhound
  • Mank
  • Notícias do Mundo
  • Soul
  • O Som do Silêncio


Melhor Documentário

  • Collective
  • Crip Camp: Revolução pela Inclusão
  • The Mole Agent
  • My Octopus Teacher
  • Time

Melhor Filme Estrangeiro

  • Another Round (Dinamarca)
  • Better Days (Hong Kong)
  • Collective (Romênia)
  • The Man Who Sold His Skin (Tunísia)
  • Quo Vadis, Aida? (Bósnia)

 

Melhor Filme de Animação

  • Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica
  • Over The Moon
  • Shaun, o Carneiro: O Filme – A Fazenda Contra-Ataca
  • Soul
  • Wolfwalkers

 

Melhor Documentário em Curta-metragem

  • Colette
  • A Concerto is a Conversation
  • Do Not Split
  • Hunger Ward
  • A Love Song For Latasha

 

Melhor Curta-metragem de Animação

  • Burrow
  • Genius Loci
  • Se Algo Acontecer… Te Amo
  • Opera
  • Yes-People

 

Melhor Filme em Curta-Metragem

  • Feeling Through
  • The Letter Room
  • The Present
  • Two Distant Strangers
  • White Eye



C.R.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

cotidianas #817 - A Lei do Ex





Renata havia sido casada com Kike Diaz. Argentino, pinta de galã, tão famoso pelas façanhas fora de campo como pelos gols dentro dele. A vida de escândalos, traições e incertezas ao lado do Galante Platense, em Paris, quando Kike jogava no Pont Neuf, fez com que Renata Maia, ex-modelo badaladíssima em sua época de passarelas, o deixasse e retornasse com os filhos para o Brasil. Agora era esposa de Ricardo Afonso, jogador típico bom moço, daqueles que não dão problema para o clube e são o sonho de qualquer treinador pois, além de não render preocupação por seu comportamento extracampo, dentro dele fazia o modelo do jogador moderno, daqueles que executam diversas funções, o típico jogador múltiplo, uma espécie de coringa do time.

O casal Renata Maia e Ricardo Afonso era o dengo da mídia brasileira. O jogador exemplar, atleta modelo, educado, articulado, que já começava a suscitar clamores por uma convocação para a Seleção por parte da imprensa esportiva, e a ex-modelo internacional cuja vida pessoal outrora atribulada, parecia agora ter encontrado a paz junto ao homem certo. No entanto, não era segredo para ninguém que o grande amor da vida de Renata fora Kike Diaz. Enquanto estiveram juntos, eram a sensação da mídia esportiva e social, fosse pelos bons momentos, viagens, extravagâncias e até fotos intimas vazadas, mas também pelas brigas, pelas agressões de Kike, suas prisões, fianças, separações temporárias e perdões. Não fosse pela vida intranquila, incerta, insegura, Renata nunca teria deixado Kike. Ela o amava. Mas todo amor tem limite e a bela modelo preferiu a tranquilidade de uma vida normal em seu país a um amor bandido.
Ricardo fora sua tábua de salvação. Ao voltar ao Brasil, logo se conheceram numa festa da Confederação, se aproximaram e em pouco tempo estavam casados. Ela o amava mas era um amor diferente do que sentia por Kike. Era um carinho. Era grata pelo fato do marido lhe proporcionar uma vida normal. Sentia-se respeitada, valorizada única. Kike era diferente... Era algo quente, algo que lhe queimava por dentro. De certa forma, agradecia o fato dele estar do outro lado do oceano.
Mas a distância oceânica seria reduzida a alguns estados de distância. Kike fora contratado por um clube brasileiro e a imprensa, que não dorme no ponto, vendo que aquele assunto rendia, não demorou a botar uma lenha numa fogueira que nem existia, só para ver se pegava fogo. Pegou! Manchetes de sites ou de jornais faziam, supunham, sugeriam um novo contato entre os dois, redes sociais pipocavam se perguntando como Renata reagiria à proximidade com seu ex-affair, e até mesmo programas esportivos respeitáveis não deixavam de largar, nem que fosse, uma frasezinha maliciosa a respeito do assunto.
Aquilo tudo começava a incomodar Ricardo. Ele passara a agir de maneira diferente com Renata. Nunca desconfiara dela mas agora, com toda essa coisa, ficava com uma pulguinha atrás da orelha. Qualquer deslocamento mais longo que ela tivesse que fazer, Ricardo já  pensava que pudesse ter pegado um avião, ido até o outro, e voltado algumas horas depois. Percebeu que era bobagem quando, solicitada por Kike a permitir que visse os filhos, Renata pediu para que sua mãe, a avó dos meninos, viajasse com eles e os levasse até o pai.
Era sinal que ela não pretendia vê-lo, não queria vê-lo, não tinha a menor intenção de reencontrá-lo.
Mas Ricardo sabia que haveria um momento em que os dois, inevitavelmente, estariam muito perto, na mesma localidade, e seria quando o time de Kike fosse jogar em sua cidade. E aquele momento chegara. Seus clubes se encontrariam pelo campeonato nacional e Kike viria junto com seu time. Às vésperas do jogo a imprensa recomeçou a jogar o veneno. "Renata Maia reencontrará seu grande amor", "Te cuida, Ricardo".
A cabeça de Ricardo Afonso foi a mil. Tinha que dar um jeito de tirá-la da cidade por aqueles dias. E se ela tivesse vontade de vê-lo? Se ele insistisse para encontrá-la? Se marcassem um encontro enquanto estava no treino? A inquietação  aumentou quando, certo dia, ao entrar no quarto, Renata interrompera abruptamente uma conversa ao celular assim que percebera sua presença, guardando o aparelho apressadamente. Perguntada sobre a ligação, respondeu que era a Kamille e não, não desligara rápido, já estava mesmo acabando a ligação no momento em que o marido adentrara o dormitório. Ricardo não engoliu muito aquilo. Até por isso, tratou de tomar as devidas providências quanto ao dia do jogo. Renata não iria! Ela que normalmente ia vê-lo no estádio, desta vez ficaria em casa. O marido a convencera a muito custo. Ela não via motivo mas Ricardo alegava que seria melhor assim. Embora jogadores e familiares não frequentassem áreas comuns no estádio, podiam se esbarrar por algum corredor e era melhor evitar que isso acontecesse, sem falar que a imprensa poderia armar um 'encontro surpresa' à  beira do gramado ou depois do jogo só para garantir audiência. Um tanto contrariada, Renata enfim concordou. Ficaria em casa naquela tarde.
Ricardo foi mais tranquilo para a concentração.
Horas depois, no vestiário, pensava em Renata enquanto amarrava as chuteiras. No quanto era feliz com aquela mulher, na sorte que tivera em encontrá-la. Seu pensamento, no entanto, fora interrompido pelo Sávio, o lateral do time: "Viu que o Kike não vai jogar?". Os olhos de Ricardo quase saltaram da cara. "Eu soube agora há pouco por um cara da rádio, aqui na porta do vestiário. Diz que brigou com o treinador. Nem concentrou...". Ricardo queria sair dali e correr pra casa mas era tarde demais. Era hora de entrar em campo e, de mais a mais, o que alegaria para o treinador? O que diria para a torcida? Que estava com medo que o sua mulher estivesse na cama com o atacante do time rival? Que temia que ela fugisse com o ex?
Entrou em campo e jogou.
Jogou mal. Intranquilo, errou passes, foi pouco participativo e acabou substituído. Desceu para o vestiário, nem tomou banho e, aproveitou a oportunidade para para sair mais cedo do estádio. A atitude de Ricardo Afonso, tido como bom moço como atleta exemplar, agora levantava especulações sobre racha no grupo e insatisfação com o treinador.
Não interessava o que pensassem. Queria chegar o quanto antes em casa e certificar-se que a sua Renata estava lá.
Abriu a porta.
"Renata...". Nada na sala. "Renata...?". Nada no quarto. "Renata!!!". Nada em lugar nenhum. Ricardo Afonso arriou no sofá. Ficou ali sentado por um bom tempo com os olhos fixos no chão. Minutos depois a tela do celular acendeu. A mensagem no celular nem deu tempo de lhe dar algum alento. Era a mãe de Renata dizendo que as crianças estavam bem e que mandavam um beijo.
Apenas deixou o aparelho cair a seu lado.
O jogador ainda estava naquele estado de prostração quando ouviu barulho da fechadura. A porta abriu. Era Renata.
Ele não perguntou nada mas seu olhar angustiado ansiava por uma resposta.
"Não aguentei ficar em casa, Ric. Fui te ver jogar.", disse deixando a bolsa no aparador. "Você saiu cedo? Não esperou o time, as entrevistas... Eu fiquei lá te esperando que nem uma boba. Depois que eu os repórteres começaram a dizer que você  tinha saído chateado de campo, que foi embora do estádio...Que que aconteceu?"
Ele não respondeu. Simplesmente levantou-se do sofá, andou em direção a ela, a abraçou e começou a chorar.



Cly Reis

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

"A Origem" de Christopher Nolan (2010)





Uma daquelas sessões que se sai com aquela sensação boa de ter-se assistido a um baita filme! Poucos diretores conseguem mexer tanto com a mente do espectador como Christopher Nolan. Desafia-nos, testa-nos. Foi assim em ‘Amnésia”, em “Insônia”, até em “O Cavaleiro das Trevas” com o lunático Coringa; e agora volta a levar-nos a uma viagem pelo consciente, pelo subconsciente, pelo mundo dos sonhos, pela alucinação, pelo real e irreal com o ótimo “A Origem”.
Com um roteiro inteligente, criativo, coerente e muito bem amarrado ele monta um enorme labirinto na cabeça do personagem, na trama, no espaço e na cabeça do espectador. Tudo é um grande sonho dentro de sonho e nele, um espião, especialista normalmente em invadir mentes durante o sono das vítimas para buscar informações confidenciais em seus subconscientes, desta vez tem a missão de implantar uma idéia durante o sono de um empresário. Nisso, realidade e sonhos se confundem o tempo todo, passado e presente, realidade e projeções, vivos e mortos, a ponto de sequer acabarmos com a certeza se toda a história não é um sonho.
Nolan eleva a outro patamar os filmes de ação, aventura, ficção e espionagem, com uma trama complexa e surreal mantendo as principais características destes gêneros. Outro grande mérito é a utilização de efeitos especiais e recursos que ficaram notabilizados, principalmente por “Matrix” mas que vinham ficando vulgarizados pela utilização banal e generalizada, em "A Origem" com propósito, inteligência, utilidade e contexto, o que a estas alturas já não se imaginava que fosse possível alguém fazer.
Um superdelírio! Um labirinto cinematográfico! Uma porrada na mente! Um dos melhores filmes dos últimos tempos!
Fascinante! Fascinante!


"A Origem" - trailer





Cly Reis

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Os 12 personagens mais assustadores do cinema


O cinema é capaz de mexer com as nossas emoções como pouca coisa consegue, mesmo a gente sabendo que, na grande maioria das vezes, aquilo que estamos vendo seja apenas uma encenação. Somos, com total aceitação, levados a acreditar na “mentira” e com ela se comover. Jean-Claude Carrière, fascinado por essa magia que talvez apenas o cinema tenha no universo das artes, comenta em seu “A Linguagem Secreta do Cinema” que os instrumentos de persuasão do cinema podem parecer simples: emoção, sensação de medo, repulsa, irritação, raiva, angústia. Mas, pontua ele, “na realidade, o processo é muito mais complexo”, provavelmente até indefinível. “Envolve os mais secretos mecanismos do nosso cérebro, incluindo, talvez a preguiça, a natural indolência, a disposição para renunciar às suas virtudes por qualquer adulação.”

Isso explica em parte porque sentimos tanto medo de alguns personagens. E não estou falando apenas dos assassinos dos filmes de terror: há pessoas (afinal, acreditamos que elas, mesmo lá dentro da tela, existam de verdade) que, mesmo num drama ou outro gênero menos horripilante nos provocam igual sensação de temor. Quando essa magia intrínseca do cinema observada por Carrière se junta ao talento de cineastas e atores, a química é bem dizer infalível. Aí, soma-se a isso ainda nossa aceitação quase pueril ao que vemos e dá pra imaginar o que acontece: frio na espinha.

Ainda por cima, o universo dos vilões aterrorizantes é inegavelmente fascinante. Quem, mesmo tremendo as pernas a cada gesto que o dito cujo venha a dar, não aprecia (ou pelo menos reconhece que é sui genneris) a figura de um Freddy Krueger ou Michael Myers? Mas, como disse, não tratamos aqui somente dos carniceiros, afinal, destes é até previsível que imputem medo. Elencamos aqueles personagens e seus respectivos atores cujos papeis são tão críveis que não faríamos nenhuma questão de cruzar com eles algum dia na vida – e não precisa nem ser uma pessoa, inclusive.



O penetrante olhar do canibal Lecter.
1 – Hannibal Lecter (Anthony Hopkins)
O absolutamente frio psiquiatra, que atravessou a fronteira da sanidade para passar a matar por prazer – às vezes, até se alimentando de suas vítimas, dando-lhe o simpático apelido de Hannibal “Canibal” –, é provavelmente o mais célebre psicopata da história do cinema. Hopkins, com talento e muita sensibilidade, dá vida ao personagem do escritor Thomas Harris, o qual aparece pela primeira vez na tela no clássico “O Silêncio dos Inocentes” (Demme, 1991). Continuou assustador em outros longas, “Hannibal” (2001), “Dragão Vermelho” (2002) e “Hannibal - A Origem do Mal” (2007), mas vê-lo no primeiro e disparado melhor da série é até hoje imbatível em termos de qualidade cênica – e de medo também.





2 – Norman Bates (Anthony Perkins)
É inegável que as patologias psíquicas dão muito substrato para a criação deste tipo de personagem, seja na literatura ou no cinema. E claro que os diversos transtornos mentais existentes são um prato cheio para roteiristas. Norman Bates, psicótico atormentando pelo Complexo de Édipo encarnado como jamais o próprio Perkins conseguiu igualar, é até hoje um enigma que desafia os psiquiatras. Mas numa coisa todo mundo concorda: o cara dá medo pacas! Com a mão habilidosa de Alfred Hitchcock"Psicose", de 1960, tem talvez o melhor personagem de um thriller no melhor filme do mestre do suspense.


Monólogo final de Norman Bates - "Psicose"


Pacino, mais assustador que
muito serial-killer.
3 – Michael Corleone (Al Pacino)
Os filmes de máfia são recheados de personagens marcantes e não raro assustadores, pois altamente violentos. Porém, talvez pelo tratamento literário de drama dado por Mario Puzo, pela escolha acertada de Coppola do jovem Pacino para o papel e, obviamente, pelo talento do ator, nenhum se compare ao filho mais novo de Don Corleone. Empurrado pelo destino para o crime organizado, o ex-oficial do Exército tornou-se, mais do que qualquer outro de seus irmãos, o chefão mais impiedoso e frio da cosa nostra. Se no primeiro longa vê-se sua conversão à máfia até a natural sucessão ao pai, em "O Poderoso Chefão - parte 2", de 1974, ele está mais apavorante do que muito serial killer. Com um olhar, ele faz qualquer um congelar. Poderoso, dá-se direito a qualquer coisa, e nunca se sabe o que está maquinando naquela mente obsessiva. Coisa boa, não é. Seja nos acessos de raiva, seja no mais contido e calculista silêncio, Michael é apavorante.





Close com um sorriso nada covidativo.
4 - Alex Forrest (Glenn Close)
Não são apenas homens que fazem o espectador arrepiar. A maníaca de Alex Forrest, de “Atração Fatal” (Lyne, 1988), vivida por Glenn Close, é o melhor exemplo. Inconformada com um “pé na bunda” que levara de um homem casado, Dan Gallagher (Michael Douglas), com quem tivera um caso, ela passa a persegui-lo e a assombrar não apenas a ele, mas toda a sua família. Memoráveis cenas, como a do coelhinho de estimação da filha de Dan cozinhando na panela ou quando, depois de uma briga em que ele quase a estrangula, ela solta um sorriso horripilante, não deixam dúvida da força dessa personagem. Aliás, através da psicopatia, um símbolo à época do novo comportamento feminino, que não aceita mais a imposição machista nas relações. Não tem mais perdão: traiu, é penalizado.





5 - Alien (Bolaji Badejo)
Na magia do cinema, o medo pode vir da maneira que se bem entender. Pois não é a forma humana do ator nigeriano Bolaji Badejo que configura o seu personagem mais marcante. É a fantasia que ele veste, a do extraterrestre mais apavorante do cinema: Alien. Vários da mesma espécie dão as caras no bom “Aliens - O Resgate” (Cameron, 1986) e nas desnecessárias sequências. Mas nada se compara à excelente ficção-terror de 1979, de Ridley Scott, em que apenas um exemplar da espécie vai parar dentro da nave espacial em uma missão cheia de problemas. Um, aliás, é mais que suficiente para botar terror em todo mundo. O mais interessante é que o bicho não é muito visto, pois há o recurso fotográfico e cênico de dificultação do olhar, como pede um bom thiller. O vemos de fato, por inteiro e em luz suficiente, apenas mais para o fim da fita, quando o clímax já está lá em cima. Aí, só resta se segurar na poltrona.


Cena do gato de Ripley - "Alien, o oitavo passageiro"


O Cady da primeira e o da segunda vaersão.
6 - Max Cady (Robert De Niro)
Um dos maiores atores da história, De Niro de tempo em tempo encarna figuras assustadoras, desde o taxista louco de “Taxi Driver’ até o comerciante de escravos Rodrigo Mendoza de “A Missão”. Mas nada se compara a Cady, em que revive o já ótimo personagem de Robert Mitchum na versão que inspirou Martin Scorsese a rodar "Cabo do Medo", de 1991 (“Círculo  do Medo”, 1962). União de QI elevado e músculos, o algoz da família Bowden é capaz de, aliado à abordagem do roteiro, confundir os papeis de vilão e herói. Quem é mais filha da puta ali: o ex-presidiário que se vale da liberdade para perseguir os outros, o advogado que o prendeu deliberadamente, a esposa conivente ou as leis da sociedade, interpretáveis e permissivas?






7 - HAL-9000 (Douglas Rain – voz)
Quem disse que só a violência do homem ou a selvageria do bicho podem assustar? A inteligência, quando direcionada para o lado ruim, é devastadora. Ainda mais quando essa inteligência for artificial, como a do computador HAL-9000, o cérebro-mãe da nave especial de "2001: Uma Odisseia no Espaço" (1968). Kubrick e Clarke criam o personagem mais estático e, talvez até por isso, amedrontador do cinema moderno. Mirar aquele seu “olho” de plástico é deparar-se com a frieza inumana capaz das piores coisas. Através de meticulosos comandos, a máquina, rebelde e neurótica, põe à sua mercê toda a tripulação, afetando, mesmo depois de “morto”, toda a expedição. Detalhe: a voz original de Douglas Rain já é suficientemente aterradora, mas a da dublagem para o português, feita pelo célebre Marcio Seixas na clássica versão da Herbert Richards, consegue superar.

Dublagem clássica de HAL-9000 - "2001: Uma Odisseia no Espaço"




8 - Zé Pequeno/Dadinho (Leandro Firmino da Hora/ Douglas Silva)
Tem que ser muito sem noção para dizer para um mal-encarado “como é que tu chega assim na minha boca?!” Não precisa ser cinéfilo pra conhecer a resposta que é dada, pois é naquela cena que um dos personagens mais incríveis do cinema dos últimos 30 anos surgia ainda mais temível. Se o pequeno Dadinho já apavorava por se ver uma criança com sede de matar nos olhos, o jovem traficante vivido magistralmente por Firmino em “Cidade de Deus” (2002), então, “lavou a égua” neste quesito. Violento, entorpecido, marginal, cruel. Como não esbugalhar os olhos quando esse cara manda matar uma criança pequena a sangue frio? Ninguém se meta com Dadinho! Ops! Agora é Zé Pequeno, foi mal aí.






O brilhante personagem de Barden.
9 - Anton Chigurh (Javier Barden)
Os irmãos Cohen são mestres do anticlímax, uma vez que seus filmes se valem largamente desse expediente, usado por eles com muita habilidade de forma a gerar impactos surpreendentes no espectador pelo jogo oportuno de quebra ou confirmação da expectativa. O personagem Anton Chigurh, encarnado por Javier Barden no faroeste moderno "Onde Os Fracos Não Tem Vez" (2007), é montado todo em cima dessa premissa. Absolutamente inexpressivo e unidirecional, o psicótico Anton não sente nada, apenas mata. A naturalidade com que ele elimina suas vítimas não tem glamour nenhum. Ele simplesmente pega e mata, e nada é capaz de freá-lo. Fora isso, dá um pavor danado sempre que ele aparece com aquela arma de ar comprimido.







10 - Harry Powell (Robert Mitchum)
“Lobo em pele de cordeiro” é a melhor definição para Harry Powell. Afinal, quem desconfiaria que um pastor aparentemente cheio de boas intenções se revelaria um tirano doméstico da pior espécie? Se a interpretação de Mitchum fora superada pela de De Niro como Max Cady, esta de "O Mensageiro do Diabo" (Laughton, 1955) fica para a história do cinema como uma das mais fortes e impressionantes já vistas nas telas. Filme impecável, também mas não apenas pelas atuações. Mas Mitchum, inegavelmente é o destaque.

"Amor-Ódio" - "O Mensageiro do Diabo"



Mais insano que qualquer outro Coringa.
11 – Coringa (Heath Ledger)
 O alucinado e diabólico vilão das histórias do Batman é um dos personagens mais originais da cultura pop mundial. Interpretá-lo é, obviamente, um privilégio. George Romero o fez muito bem na série e até o craque Jack Nicholson mandou muito bem no papel, mas nada se compara ao que Heath Ledger fez em "O Cavaleiro das Trevas" (Nolan, 2008). Ele encarna Coringa, a ponto de, dizem, amaldiçoar-se, haja vista que morreu logo depois das filmagens. Ledger achou como poucos atores para o limiar entre a loucura e a lucidez, entre o burlesco e o austero. Menção que não podia deixar de faltar na lista.






12 - Jack Torrance (Jack Nicholson)
Se Stanley Kubrick já conseguira assustar com um computador, imagina quando ele volta toda a história para isso. É o caso do perfeito "O Iluminado" (1979), outra das obras-primas do cineasta costumeiramente reconhecido como o grande filme de terror de todos os tempos e a melhor adaptação de Stephen King para as telas. Mas seu impacto certamente não seria o mesmo se não tivesse a força de Nicholson no papel de Jack Torrance. Ele vale-se de toda sua técnica e sensibilidade cênicas a serviço da construção do personagem que vai perdendo o controle de sua sanidade, pois, mediunicamente vulnerável, sucumbe aos espíritos “sanguessugas” ligados àquele que Jack foi na vida passada: um serial killer que matou toda sua família.

por Daniel Rodrigues