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sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Adriana Partimpim - "Adriana Partimpim" (2004)



“Quando eu era criança, as pessoas me perguntavam: ‘como é teu nome?’ Eu respondia: Adriana Partimpim. Meu pai até hoje só me chama de ‘Partimpim’.” 
Adriana Calcanhoto

"Os artistas japoneses do grande período mudavam de nome várias vezes na vida. Amo isso!!!" Adriana Partimpim

“ADRIANA CALCANHOTO:  Era possível, através da música, passar para o outro lado e adentrar o mundo fascinante dos adultos...?
ADRIANA PARTIMPIM: O disco foi feito para eu ser a criança que sou hoje e não a que já fui.
ADRIANA CALCANHOTO: Então o ‘disco infantil’... 
ADRIANA PARTIMPIM: Ao invés de música para crianças, tarja que não considero exata, preferi chamar de disco de CLASSIFICAÇÃO LIVRE. Que, no fundo, é tudo o que ele mais gostaria de ser.” 
Trecho da entrevista que Adriana Partimpim concedeu à Adriana Calcanhoto na época do lançamento do disco 

Vinicius de Moraes, depois dos vários projetos literários e musicais que encabeçou durante mais de 40 anos de vida artística, voltou seu olhar, no último deles, às crianças. Nada das mulheres, das paixões ardentes, da boemia, da praia ou dos orixás. O histórico “Arca de Noé”, em parceria com Toquinho e que envolveu vários outros artistas convidados, fez escola no Brasil no que se refere à produção cultural para os pequenos. Elevou-a – junto com outros igualmente célebres, como “Sítio do Picapau Amarelo”, “Pirilimpimpim” e “Plunct Plact Zum” – a um nível de igual qualidade ao que Vinicius fizera na bossa-nova e na literatura.

Com a morte do “Poetinha”, logo após o lançamento do primeiro volume de “Arca...”, em 1980, coincidindo com a acirrada competição televisiva dos programas infantis que tomariam os anos 80, essa proposta de oferecer alta qualidade de cultura para os baixinhos foi se esvaziando. Toquinho e Paulo Leminski bem que tentaram, mas sucumbiram a “Ilariês” e assemelhados. Parecia que não haveria jamais alguém que seguisse aquele caminho aberto por Vinicius em final de vida. Porém, passadas quase duas décadas e meia, o destino levou a gaúcho-carioca Adriana Calcanhoto a assumir esse espaço com o rico – e salvador – projeto “Adriana Partimpim”, de 2004.

A ideia de Adriana, a Calcanhoto, era antiga, de 10 anos antes. À época, ela já havia recolhido temas aos quais gostaria de propor uma nova roupagem sonora, mais solta, divertida e que agradasse tanto crianças quanto adultos. O parceiro Dé Palmeiro foi quem mais incentivou. Porém, imagina-se que deva ter contribuído em certa medida a forte ligação amorosa que Adriana passou a ter com a atriz e cineasta Suzana de Moraes, filha de Vinícius, com quem se casara quatro anos antes de “Partimpim” ser lançado. Pronto: havia juntado todo o necessário: a vontade de compor o repertório, sua experiência e qualidade artística, o apoio externo e o acolhimento emocional. Muito provavelmente, o universo viniciano dentro de casa (e do coração) contagiou Adriana ainda mais, quase que como uma bênção espiritual. O resultado é um disco com alma, diferenciado: ao mesmo tempo altamente musical, tanto no que se refere à escolha do repertório quanto em arranjos e sonoridade, mas também delicioso de se ouvir, pop no melhor sentido.

Não precisa mais de meia hora para isso. De grande experiência e rara sensibilidade, Adriana seleciona dez faixas tão certeiras que parecem, mesmo com idades de composição tão diferentes entre si, terem sido escritas para integrar somente esse disco. A beleza começa com um som de scratch de rap, seguido de uma batida de samba muito gingada e um violão digno dos melhores mestres do instrumento. É "Lição de Baião", canção do repertório de Baden Powell, gravada originalmente em 1961, e que tem a participação de ninguém menos que Louis Marcel Powell, filho e sucessor da maestria do pai nas cordas de nylon. Um barato a letra que brinca – como as crianças fazem! – com as palavras em francês e em português, construindo versos misturando os dois idiomas.

Quadrinhos que ilustram a canção "Oito Anos"
(adrianapartimpim.com.br/um/)
"Oito Anos", que Paula Toller compôs para responder às inúmeras (e, não raro, capciosas) perguntas do filho Gabriel, virou um grande sucesso na voz de Partimpim. É divertidíssima em sua enumeração de indagações típicas de criança que está conhecendo o mundo. “Por que as cobras matam/ Por que o vidro embaça/ Por que você se pinta/ Por que o tempo passa”, são alguns dos versos que dão ideia da encrenca que é para uma mãe responder  A própria autora comenta a respeito: "Quando cantei para o Gabriel fui mais mãe-artista que artista-mãe. Agora ouço Adriana interpretando ‘Oito anos’ como um menino esperto e adorável. Na leveza da voz dela, há espontaneidade e uma sutil implicância muito bem sacada, afinal, perguntar tanto é menos para saber a resposta do que para treinar a ferramenta perguntadora e a paciência do respondedor.”

A marchinha carnavalesca "Lig-Lig-Lig-Lé", dos anos 30, ganha um arranjo colorido em que se vale bem do clima com que Adriana orientou seus músicos: “tocaram com leveza, com delicadeza e espontaneidade, com muito humor e quase nenhuma coerência”. Querida desde a época de seu lançamento, no carnaval de 1937 (o noticiário da época a classificava como “sucesso fulminante” e “destinada a um recorde de bilheteria”), é das mais divertidas faixas do disco.

Mais do que “Oito Anos”, “Fico Assim sem Você”, na sequência, foi um verdadeiro hit de “Partimpim”, colocando o disco entre os mais vendidos da época. Versando um funk melódico de Claudinho & Buchecha – e cuja original já havia feito estrondoso sucesso nos anos 90 –, não só conquistou o grande público com sua bela melodia romântica e arranjo moderno – com a programação de ritmo funkeada, o violão bossa-nova de Adriana, bem como sua delicada voz, muito afeita à melodia da canção –, como, igualmente, prestou uma bonita homenagem à dupla carioca, desfeita tragicamente em 2002 por conta da morte de Claudinho. A letra, de certa forma, prenuncia a falta que um amigo faz ao outro caso se separassem (o que, fatalmente, ocorreu): "Avião sem asa/ Fogueira sem brasa/ Sou eu assim, sem você/ Futebol sem bola/ Piu-Piu sem Frajola/ Sou eu assim, sem você...". E o refrão não pode ser mais doce: "Eu não existo longe de você/ E a solidão é o meu pior castigo/ Eu conto as horas pra poder te ver/ Mas o relógio tá de mal comigo."

Outra delícia é "Canção da Falsa Tartaruga", em que o poeta concretista Augusto de Campos, fértil parceiro de Adriana (a Calcanhoto), e seu filho, o músico e também poeta Cid Campos, versam com muita habilidade e sensibilidade um trecho de “Alice no País das Maravilhas”, clássico do escritor britânico Lewis Carroll, de 1865. O resultado é uma canção delicada, com um refrão de notas abertas tão bonito que é impossível não cantar junto sempre que se ouve: “Quem não diz: - Ave!/  Quem não diz: - Eia!/ Quem não diz: - Opa!/ Que bela Sopa!” E por que uma sopa de uma falsa tartaruga? Ora, alguém já viu uma tartaruga de verdade fazer sopa?...

Rebuscando mais um pouco o variado conhecimento musical, Adriana traz a bossa nova meiga e melancólica “Formiga Bossa Nova”, adaptação do poema do português Alexandre O’Nell que ficara conhecida, em 1969, na voz da cantora lusa Amália Rodrigues. Outra mostra do quanto a proposta de “Partimpim” não é trazer somente temas de fácil assimilação, uma vez que abarca (também) o público infantil. Caso também de “Ser de Sagitário”, composta por Péricles Cavalcanti para sua filha, que ainda não havia nascido e que ele e sua esposa não sabiam nem que sexo teria, apenas que nasceria no começo de dezembro, ou seja, na vigência do signo de sagitário. “Você metade gente/ e metade cavalo/ Durante o fim do ano/ cruza o planetário”, diz a poética e tocante letra, fazendo uma metáfora com o centauro, símbolo do signo no zodíaco.

O poetinha Vinícius de Moraes: inspiração 
e bênção
Na mesma linha, outra brilhante canção de “Partimpim”: “Ciranda da Bailarina”. Se “Formiga Bossa Nova” e “Ser de Sagitário” não poupam as crianças de refletirem e aguçarem seus sentimentos, esta, clássico de Edu Lobo e Chico Buarque da trilha do balé “O Grande Circo Místico”, de 1983, vale-se da fantasia e da figura de linguagem da comparação para concluir aquilo que é óbvio, mas que nem todo mundo admite: que ninguém é perfeito. Ao dizer que só a bailarina, tão artificial quanto mítica, não tem pereba, marca de bexiga ou vacina e nem dente com comida ou casca de ferida, está se deixando claro que todo mundo é ser humano. E aí é que está a beleza! Afinal,“sala sem mobília/ Goteira na vasilha/ Problema na família/ Quem não tem?” Bela versão de Adriana em que seus violão e vocal apurados funcionam muito bem novamente. Fora que ainda lhe foi permitido finalmente dizer a ridiculamente proibida palavra “pentelho” sem o grosseiro corte da censura como ocorreu na versão original, ainda dos tempos de Ditadura.

Os craques da nova MPB Moreno Veloso, Kassin e Domênico, este último, autor de "Borboleta", canção encomendada especialmente a ele por Adriana para o disco, antecede outra das especiais de “Partimpim”: “Saiba”, que o encerra. Lindamente classificada como“uma canção para ninar adultos”, “Saiba”, de Arnaldo Antunes, fecha o disco com a mais doce e profunda poesia, pondo os baixinhos para refletirem sobre coisa séria, mas necessária - e, por que não dizer, comum. A música leva o ouvinte a pensar sobre a condição humana a partir de uma proposição óbvia, porém pouco elucubrada: a de que “todo mundo foi criança” e que o ciclo da vida, inevitavelmente, se encerra um dia. Como não ficar tocado por versos como estes? “Saiba/ Todo mundo teve infância/ Maomé já foi criança/ Arquimedes, Buda, Galileu/ e também você e eu”. A letra ainda tem a função educativa de apresentar versos e termos rebuscados, como os nomes estrangeiros Nietzsche e Sadam Hussein, ou rimas diferentes do comum: “Simone de Beauvoir” com “Fernandinho Beira-Mar” ou “Pinochet” com “você”, ambas rimas de classificação “preciosa”, um tipo raro que combina palavras de idiomas distintos. Um final emocionante e que lembra, em certa medida, as melancólicas “Menininha” e “O filho que eu quero ter”, que finalizam os dois volumes de “Arca de Noé”, respectivamente.

A brincadeira de assumir outra personalidade foi levada a sério (sic) por Adriana, a Calcanhoto, que deu vida à outra Adriana, a Partimpim. Com nome artístico independente de sua criadora, a criatura Adriana Partimpim deu tão certo, que, além deste primeiro álbum, outros dois ótimos vieram a seguir (2009 e 2012), além de dois DVD’s ao vivo igualmente imperdíveis. Mais do que isso: o projeto Partimpim pareceu simbolizar um salto qualitativo na obra e na carreira de Calcanhoto, um momento em que ela conseguiu reunir sua competência artística, estética e performática a seus mais íntimos sentimentos. E o resultado foi algo genuíno. Infantil? Adulto? Tanto faz. Como conseguira Vinícius de Moraes em “Arca...”, o trabalho das Adrianas, a Calcanhoto e a Partimpim, rompeu as fronteiras da idade dos ouvintes e da idade do tempo. Afinal, contempla, igualmente, as crianças grandes e os pequenos adultos.

Clipe de "Fico Assim sem Você"


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FAIXAS:

1. "Lição de Baião" (Daniel Marechal/Jadir de Castro) - 03:16
2. "Oito Anos" (Dunga/Paula Toller) - 03:08
3. "Lig-Lig-Lig-Lé" (Oswaldo Santiago/Paulo Barbosa) - 02:38
4. "Fico Assim Sem Você" (Abdullah/Cacá Moraes) - 03:08
5. "Canção da Falsa Tartaruga" (Augusto de Campos/Cid Campos sobre texto de Lewis Carroll) - 04:07
6. "Formiga Bossa Nova" (Alain Oulman/Alexandre O'Neill) - 02:28
7. "Ciranda da Bailarina" (Chico Buarque/Edu Lobo) - 02:49
8. "Ser de Sagitário" (Péricles Cavalcanti) - 03:03
9. "Borboleta" (Domênico Lancellotti) - 02:30
10. "Saiba" (Arnaldo Antunes) - 03:01

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OUÇA O DISCO:
"Adriana Partimpim"

Daniel Rodrigues

terça-feira, 23 de abril de 2013

Adriana Partimpim - "Partimpim Tlês" (2012)


Ganhei de presente de minha amada Leocádia Costa o último CD do projeto Partimpim, de Adriana Calcanhoto: o “Partimpim Tlês” (isso mesmo, três com “L”, bem queridinho e infantil). Como esperado, um encanto de disco. Assim como os dois primeiros, o já fundamental “Adriana Partimpim”, de 2004, e “Partimpim 2”, lançado somente cinco anos depois, o novo da série traz canções infantis (ou não) para crianças (ou não) com muita poesia e numa roupagem ao mesmo tempo lúdica e arrojada, tendo em vista os arranjos primorosos que vão do intimismo à vanguarda. 

Tudo é muito artesanal, mas não que se exima de usar toda uma parafernália tecnológica e uma produção caprichadíssima. A banda, por exemplo, conta com nada menos que craques como Kassin, Moreno Veloso, Domenico e Berna Ceppas. Enfim, um projeto que já dura nove anos e que tem como diferencial não subestimar a inteligência dos pequenos. A instrumentação rebuscada, o primor das harmonias, o alto nível dos autores e parceiros (que vão desde Augusto de Campos e Ferreira Gullar até Péricles Cavalcanti e Arnaldo Antunes, tudo mostra o quanto este público merece, sim, não só Xuxa ou coisa pior.

Mas o disco? Repleto de pérolas do cancioneiro infantil ou, melhor ainda, identificadas com muita sensibilidade por Adriana como sendo também música que criança pode ouvir. Por que não? É o caso da sacada de “Taj Mahal”, de Jorge Ben compositor cujas letras, de fato, sempre tiveram um quê de infantil. Também é o que acontece com a ecológica “Passaredo”, de Chico Buarque e Francis Hime, e a mais surpreendente e brilhante delas: “Lindo Lago do Amor”, hit de Gonzaguinha nos anos 80 mas que nunca havia sido identificada como podendo ser também para os pequenos ouvintes. Tem ainda, ao contrário do primeiro da série, que só continha músicas de outros compositores, canções próprias de Adriana – tal como já ocorrera a partir do segundo volume. Destas, “Salada Russa”, parceria com Paula Toller, é um verdadeiro barato com sua letra inteligente que brinca com divertidas e inteligentes antífrases (despertando, inclusive, a curiosidade nas crianças sobre as figuras de linguagem).

Das inéditas, também tem a graciosa “Criança Crionça”, do poeta concretista Augusto de Campos e seu filho, o compositor Cid Campos – que conta com a participação especialíssima nos créditos do ronronar da gatinha de Adriana, a Sofia; a poética e etérea “Por que os Peixes Falam Francês?”; e a fofa canção-de-ninar “Também Vocês”, feita, como diz na dedicatória, para Lucinda Verissimo cantar para seu avô (Luís Fernando Veríssimo).

Destaques ainda para “De Onde Vem o Baião”, de Gilberto Gil (feita originalmente para Gal Costa que a gravou em 1978), e o clássico da bossa-nova “O Pato”, que há tempos estava caindo de maduro para Adriana gravar no Patimpim.

O CD desfecha em tom leve e quase “soninho” com Dorival Caymmi e sua “Acalanto”, autor que também mereceu outra homenagem com a maravilhosa “Tia Nastácia”, feita originalmente para a trilha sonora do Sítio do Pica-Pau Amarelo da Globo, nos anos 70. Esse é o melhor exemplo de que Adriana Calcanhoto, que assumiu o sobrenome Partimpim até nos créditos, pegou pra si a responsabilidade de seguir adiante com a tradição de trilhas para criança inteligentes como se fizera tempo atrás em obras referenciais como "Plunct Plact Zum!!!", “O Grande Circo Místico” ou “Arca de Noé” mas que, em tempos de progressiva imbecilidade da sociedade, vinha se estabelecendo. Ainda bem que a Adriana (a Partimpim!) está aqui para salvar a nós e à criançada. Longa vida a Adriana, seja a Partimpim ou a Calcanhoto.

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quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Música da Cabeça - Programa #293

 

Semana de começo de Copa do Mundo, mas como a bola ainda não rolou, a gente repercute o que tá acontecendo na terrinha. Por isso, louvamos os 80 anos de Paulinho da Viola e relembramos a perda de Gal Costa numa devida homenagem à Divina Maravilhosa. Mas também tem The Cranberries, Velvet Underground, Bjork, Adriana Partimpim e mais. Confere, que o MDC é às 21h na aquecida Rádio Elétrica. Produção, apresentação e bola no centro do gramado: Daniel Rodrigues.



Rádio Elétrica

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quarta-feira, 25 de abril de 2018

Música da Cabeça - Programa #55


“O filme quis dizer: eu sou o samba”. Nelson Pereira dosSantos, cineasta fundamental para a construção estético-visual-cultural desse país que faleceu essa semana, simboliza essa frase da canção “Cinema Novo”. Ela e outras músicas estarão no nosso programa dessa semana, juntamente com coisas de Adriana Partimpim, Kraftwerk, Lou Reed, Criolo e mais. Tudo bem variado e eclético como os mestres do Cinema Novo nos ensinaram. Ainda, a volta do quadro “Cabeção” e, claro, os fixos “Palavra, Lê” e “Música de Fato”. Levamos tudo isso para a ilha de edição e montamos para vocês esse longa cuja sessão inicia às 21h, na sala da Rádio Elétrica. Produção, apresentação e câmera na mão (pois ideias temos sempre na cabeça!): Daniel Rodrigues.


Rádio Elétrica:

quarta-feira, 3 de julho de 2019

Música da Cabeça - Programa #117


Tem gente dizendo aí que o eclipse pode trazer incertezas. Mas de uma coisa a gente sabe: que não dá pra perder o Música da Cabeça desta quarta! Ainda mais quando se souber o que vai rolar! Confere: New Order, Ed Motta, Nick Drake, Ivan Lins, Adriana Partimpim e outros fenômenos sonoramente naturais. Ainda, claro, os quadros “Palavra, Lê” e “Música de Fato”, além de um “Cabeção” mais adequado impossível com a mística banda alemã Popol Vuh. Quando o sol estiver totalmente coberto pela lua é sinal de que é hora de ouvir o MDC de hoje. Será às 21h, do observatório da Rádio Elétrica. Produção, apresentação e sabedoria celeste: Daniel Rodrigues.



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quarta-feira, 6 de junho de 2018

Música da Cabeça - Programa #61


O Brasil parou por causa dos caminhoneiros, mas aqui a gente não para nunca. Afinal, não é gasolina o nosso combustível: é música! Teremos uma trilha interessantíssima neste programa, que contará, entre outras coisas, com: The Commodores​, Buffalo Springfield, Adriana Partimpim​, Air​ e Gilberto Gil em três versões distintas. Na nossa boleia tem ainda o “Música de Fato”, o “Palavra, Lê” e um “Cabeça dos Outros” do outro lado do mundo. Afivela o cinto e vem com a gente na estrada do Música da Cabeça. O ponto de partida é 21h, na parada da Rádio Elétrica​, que temos um tanque cheio de sonoridades. Produção e apresentação e pé no acelerador: Daniel Rodrigues.


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quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Música da Cabeça - Programa #344

 

Que calor é esse, mermão?! Deve ser o MDC se aproximando com o que há de mais quente em matéria de música. Esquentando as pick-ups, Wayne Shorter, Adriana Partimpim, Ira!, The Beatles e Tim Maia. Sem deixar cair a temperatura, tem ainda os Beatles voltando a hot parade 40 anos depois e Hubert Laws com sua flauta incandescente fazendo aniversário. Se hidrata bem, que não vamos dar refresco no programa de hoje, às 21h, na acalorada Rádio Elétrica. Produção, apresentação e maçarico: Daniel Rodrigues


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quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Música da Cabeça - Programa #78


Milhares de pessoas no Brasil e no mundo foram às ruas dizer “não” a “ele”, o impronunciável. Mas aqui a gente diz com todas as letras: Música da Cabeça! E diz também quem estará no programa de hoje. terá Tom Waits, Dom Mita, Adriana Partimpim, Joy Division, Lisa Germano e mais. Quer entrar nessa corrente? Então, escuta o programa hoje, às 21h, na Rádio Elétrica. Produção, apresentação e voto democrático: Daniel Rodrigues.



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quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Música da Cabeça - Programa #198

 

A vacina chegou, mas justo o "pulmão do mundo" está sem ar... Respiremos fundo, então, pro MDC desta semana. E oxigênio é o que não falta para Paul McCartney, Beastie Boys, Engenheiros do Hawaii, Adriana Partimpim, Koko Taylor e Legião Urbana, que teremos hoje. No Cabeção, lembramos o "amo del lounge" Juan Garcia Esquivel, pra perder o ar de vez, mas de emoção. Por isso, digamos a plenos pulmões: programa hoje, 21h, na calcogênia Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues. #OxigenioparaManaus e #ForaBolsonaro


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segunda-feira, 12 de outubro de 2015

“Pequeno Cidadão” - Arnaldo Antunes, Antonio Pinto, Edgar Scandurra e Ticiana Barros (2009)




“É sinal de educação
Fazer sua obrigação
Para ter o seu direito
de pequeno cidadão”.
refrão da música "Pequeno Cidadão"




Por um bom tempo, parecia que os memoráveis especiais de música infantil da Globo, os quais geralmente viravam LP’s de grande sucesso de público e vendas, tinham terminado. Do final dos anos 80 até a entrada do século XXI, estes ricos especiais como "A Arca de Noé" ou “Pirlimpimpim” sumiram das telas e das lojas – à exceção de “Castelo Rá-Tim-Bum”, único resistente dos anos 90. No mesmo período, não tão coincidentemente assim, os pequenos passaram a ficar cada vez mais emburrecidos pela computadorização limitadora do conteúdo educativo-cultural, desassistidos pelo desleixo das escolas e perdidos entre a superproteção e o desinteresse da “nova família” brasileira de classe média. Espaço para a criatividade, para o exercício do lúdico, para a valorização das coisas bonitas da vida – amigos, família, natureza, arte – restaram escanteados. Para que lançar produtos que elevam essas coisas “do passado”, já que não tem consumidor para tal? Resultado: desvalorização e consequente idiotização da criança.

A salvação veio a pouco mais de 10 anos pelas mãos dos paulistas da geração anos 80 – alguns dos responsáveis por, na minha infância/adolescência, fazerem-me aprender a gostar de música. São eles os criadores de um dos melhores exemplos de uma nova visão da condição infantil: “Pequeno Cidadão”. Desde este primeiro CD do conjunto, lançado em 2009, reúnem pais músicos e “mais um monte de filhos”, como eles mesmos dizem. Os protagonistas são alguns dos principais nomes da música brasileira daquela década para cá: o ex-Titã Arnaldo Antunes, o cabeça do Ira! Edgar Scandurra, a ex-Gang 90 Ticiana Barros e o multi-instrumentista Antonio Pinto (autor de várias e ótimas trilhas sonoras de filmes como “Cidade de Deus”, “Central do Brasil” e “Colateral”).

O grupo faz um som baseado no rock mas que investe também na psicodelia e nos ritmos brasileiros, passando pelo pop, funk e eletrônico. Conceitualmente, “Pequeno Cidadão” encerra a ideia de uma educação infanto-juvenil comprometida com o ser humano e com o planeta, sem perder o lado legal da brincadeira e da modernidade – ou seja, sem deixar esse “comprometimento” virar uma coisa chata e somente pró-forma. As músicas trazem como temas coisas normais (ou que deveriam ser normais) do universo infantil: alegrias, dúvidas, bichos, desafios, tristezas e aquilo que move a todos (ou deveria mover): amor. Afinal, criança não precisa de música bobinha: ela pode muito bem curtir um rock ‘n’ roll com poesia que lhe faça pensar. Multiplataforma e ativo, “Pequeno Cidadão” é, no entanto, mais do que apenas só música: o projeto conta com um segundo CD (2012), um precioso DVD de animações de todas as faixas do primeiro volume e quatro livros temáticos, além de jornal online e várias ações culturais que promovem em São Paulo. Tudo com ilustrações de Jimmy Leroy, que dá uma assinatura plástica muito peculiar em todos os materiais.

Uma das lindas artes de Jimmy Leroy.
Pontapé inicial do projeto, este CD começa pela faixa que lhe dá nome e que, de certa forma, o sintetiza, pois expressa a ideia de formar uma criança com responsabilidades mas a deixando ser aquilo que ela é: criança. E como Vinícius de Moraes ensinou: não duvidando da inteligência delas. Arnaldo, acostumado a escrever para esse público desde os Titãs, pratica isso se valendo de figuras de linguagem como anáforas, repetições no início de cada frase, e, principalmente, de anástrofes – e aí está já uma das sacadas pedagógicas da turma: mostrar para a criança a riqueza da língua portuguesa. A anástrofe é um caso especial dentro de nossa gramática, pois usa a inversão de maneira incomum: trocando sujeito e predicado, surpreende com a lógica que forma. Na letra, tudo que é brincadeira vira dever e vice-versa, estabelecendo uma dialética de correlação e não de condicionamento entre ambos. Por exemplo, o verso “Agora pode fazer a lição” ganha sentido de um consenso entre pais e filhos e não de obrigação como geralmente se entende daquilo que não é diversão. Em contrapartida, “Agora tem que jogar videogame” passa a ter a ideia de um convite à brincadeira, rejeitando o famigerado “tenke” imposto pelos mais velhos. Além de tudo, a música é um rock embalado e pegajoso, cujo gostoso refrão o resume clara e brilhantemente: “É sinal de educação/ Fazer sua obrigação/ Para ter o seu direito de pequeno cidadão”.

Antonio Pinto, coautor da primeira faixa, assina com Ticiana uma das mais lindas canções (infantis? De amor? Da música brasileira deste século?) do álbum: “O Sol e a Lua”. A música emociona a mim e a muitas pessoas que conheço, sejam crianças ou adultos. É um pop-rock cantado por ele e por um dos meninos, além do coro das crianças no refrão e das recitações na voz grave de Arnaldo. Voltada para os mais crescidinhos, fala sobre um acontecimento que ocorre com todo mundo na pré-adolescência: o amor não retribuído, aqui personificando nos dois astros. Apaixonado, o Sol pediu a Lua em casamento e disse que lhe amava há muito tempo, mas a Lua respondeu que seu coração não pertencia a ninguém, pois ela só servia para inspirar os casais, “dos grandes poetas aos mais normais”. O Astro-Rei, claro, ficou na fossa. Desesperado, foi pedir ajuda até para o Vento, que, apressado, nem parou para lhe escutar. Foi então que: “O Sol sem saber mais o que fazer/ Tanto amor pra dar/ E começou a chorar/ E a derreter/ E começou a chover, e a molhar/ E a escurecer”. E não é assim mesmo que nos sentimos quando ficamos tristes por amor: derretidos e sem brilho? No final, o consolo dito na delicadeza da voz infantil: “Se a Lua não te quer, tudo bem/ Você é lindo, cara/ E seu brilho vai muito mais além/ Um dia você vai encontrar alguém que com certeza vai te amar também”. Poesia da maior singeleza.

A doce canção de ninar “Meu Anjinho”, de Ticiana (“E aqui dentro/ no escurinho/ nos braços desta canção/ vou te ninar...”), se alinha à outra das ótimas do disco, o gostoso xote “Leitinho”, a qual traz a mensagem de que “um leitinho é muito bom” pro bebê e pros pais, pois, depois, vem aquele compensador “soninho” que descansa toda a família. Impossível não lembrar-me de uma vez com minha sobrinha Luna ainda pequena, com pouco mais de um ano, quando cantei essa música para ela, sabendo que gostava e que seu pai, meu irmão, costumava cantar-lhe e pô-la para ouvirem. A surpresa pura que ela ficou quando identificou que era a mesma música que o papai cantava foi engraçado e emocionante.

A funkeada “O ‘X’” e a agitada “Sobe Desce” são pura diversão, duas brincadeiras com palavras, letras e suas sonoridades. Mais pedagógica e profunda é “Tchau, Chupeta” (de Ticiana e Arnaldo), que versa sobre uma das maiores revoluções pessoais pela qual o passamos na infância: o momento de largar o bico. O complexo tema, que especialistas há muito discutem – os limites da chamada “fase oral” e a troca (nem sempre exitosa) de um substituto simbólico do seio materno –, é colocado de uma forma absolutamente poética e lúdica, propondo à criança nesse necessário rompimento o desapego em nome de uma nova fase de vida. “Todo mundo tem seu tempo de mamar”, diz um dos versos. Graciosa, a letra lança várias suposições de forma a demonstrar à criança que a chupeta não combina mais com alguém que não é mais neném: “Já pensou uma mãe chupando chupeta?/ Já pensou um pai chupando chupeta?/ E uma vó de bobs e chupeta?/ E um vovô de bengala e chupeta?”. E a proposta para deixar a tal peta? Libertar-se dela jogando-a no mar para, enfim, poder cantar “sem uma tampa de borracha pra atrapalhar”. O assunto é tão importante e passível de desdobramentos que virou um dos livros do projeto, de 2011 (Ed. Leya).
A banda Pequeno Cidadão, com os grandes e os baixinhos.

O tom educativo segue de outras formas. Tem as ecológicas “O Uirapuru”, bossa-nova que remete à “Passaredo”, de Chico Buarque, e a “Passarim”, de Tom Jobim, revelando a beleza linguística quase despercebida pelos brasileiros do tupi-guarani; e “Sapo-Boi”, um divertido rock ‘n’ roll urbano de Scandurra cantado por seu filho Lucas: “Se eu fosse o prefeito aqui da capital/ Pegava o sapo-boi e espalhava pela marginal (...)/ A dengue não passa de um mês/ pois o mosquito é o prato da vez”. Por falar em bichos, a punk-rock “Larga a Lagartixa”, além de ser mais uma quebra de paradigma – afinal, é saudável criança também gostar de barulho –, é igualmente educativa, uma vez que a frase principal, dita da forma acelerada para acompanhar o ritmo frenético, torna-se um trava-línguas, bom exercício para a garotada treinar a dicção.

Outra das mais queridas do disco é "Bonequinha do Papai", a qual minha sobrinha Luna gosta até hoje. Tecno bem dançante, põe a meninada na pista! Alem do mais, seu premiado videoclipe, algo como um retrô-futurista com desenhos estilo anos 20 (mas com uma animação dinâmica e moderna), é uma verdadeira obra-de-arte, o qual assisti pela primeira vez no Dia Internacional da Animação, em 2010.

Mas, claro, não podia faltar o futebol, esporte tão gostado no Brasil e praticado por meninos e meninas. Identifico-me com as duas faixas que tratam desse tema por trazerem-me lembranças de tempos passados. A primeira é mais uma bossa-nova: “Futezinho na Escola”, motivadora de outro dos livros do projeto, “1 drible, 2 dribles, 3 dribles — A história do futebol e outras informações interessantes”, de Marcelo Rubens Paiva (Companhia das Letrinhas, 2014). Nela, Scandurra aborda o que a mim era um corriqueiro hábito no 1º Grau: bater uma bola com os colegas na cancha da escola antes de começar os estudos. A letra descreve com muita sensibilidade as sensações e a dinâmica de um jogo: “O último lance, vâmo logo, passa a bola/ Recebi, quase perdi pro ladrão que eu nem vi/ Chegou primeiro pedalei e passei/ Chegou o segundo e eu também driblei/ Veio o terceiro e eu fiz uma tabela/ Tô livre parceiro, vou chutar de trivela/ É gol!”. Mas tem a hora do divertimento e a do dever. Acaba-se o jogo rapidinho, pois agora é preciso correr para ir a outro compromisso: a aula de português.

Tratando ainda do esporte bretão e fechando o disco, "Carrinho por Trás" é mais uma de Scandurra e novamente um samba. Neste caso, um partido-alto. Com uma pegada carioca e eletrônica, faz-me recordar de outra época, esta, da adolescência, quando jogávamos nos campos de várzea com nosso time de amigos, a Juventus. O universo das peladas é muito bem captado pelo compositor, que pega como mote um dos polêmicos lances que acontecem nas partidas: o carrinho (segundo a definição de Rubens Paiva, extraída do livro: “o jogador se lança no gramado e, deslizando pelo chão, tenta tirar a bola do adversário, arremessando os pés na direção dele.”). Como pode acarretar em uma jogada violenta, o carrinho é mal visto, ainda mais que nem todo jogador tem boas intenções e nem todo zagueiro tem habilidade para executá-lo. Eu, da posição, tenho lá minhas dificuldades, confesso. Porém, a canção fala sobre um defensor que entende do negócio: “O carrinho é perigoso/ No mínimo um tanto suspeito/ Mas se você acerta na bola/ É aplaudido com muito respeito”. João Nogueira merecia estar vivo para gravar essa música. Como extra, ainda tem “Pererê”, com participação do cartunista e escritor Ziraldo declamando um texto seu.

Ao escutar uma obra como essa, fica a sensação de que nem tudo está perdido no que se refere a conteúdo cultural para criança. Afora “Pequeno Cidadão”, outro projeto da mesma época, Adriana Partimpim, da cantora e compositora Adriana Calcanhoto, também teve continuidade e conquistou o público. No meu círculo, percebo, inclusive, que não são poucas as crianças que gostam de um ou de outro, desde Luna até outros pequenos que conheço como Bento, Dora e Gabriel. Bom sinal. Sinal de que há uma geraçãozinha aí antenada e bem orientada. Além disso, de que existe uma consciência do valor das coisas importantes da vida (muitas vezes, as simples), que não se resumem a consumo e tecnologia. Iniciativas como estas se mostram sintonizadas com tal mentalidade. E neste Dia das Crianças, é um alento perceber gente consciente de que, para se exercer a cidadania no mundo de hoje, começa-se desde cedo.
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FAIXAS:
1. Pequeno Cidadão
2. O Sol e a Lua
3. Meu Anjinho
4. Futezinho na Escola
5. O ´x´
6. Tchau Chupeta
7. Sapo-boi
8. Leitinho
9. Larga a Lagartixa
10. O Uirapuru
11. Sobe Desce
12. Bonequinha do Papai
13. Carrinho Por Trás
14. Pererê (extra)

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OUÇA O DISCO E VEJA OS CLIPES:



quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Edu Lobo & Chico Buarque - "O Grande Circo Místico” (1983)



 

Acima, capa do vinil original de 1983; a outra,
capa da versão em CD
"O médico de câmara da imperatriz Teresa – Frederico Knieps –
resolveu que seu filho também fosse médico,
mas o rapaz fazendo relações com a equilibrista Agnes,
com ela se casou, fundando a dinastia de circo Knieps
de que tanto se tem ocupado a imprensa."
Versos de abertura do poema "O Grande Circo Místico", de Jorge de Lima, 1938

"Uma enciclopédia da música brasileira."
Antônio Carlos Miguel, jornalista e escritor

Não é incomum ouvir de admiradores da música brasileira que “O Grande Circo Místico” é o melhor disco já produzido no Brasil. Mesmo que nessa seara naturalmente venha à mente obras como “Elis & Tom”, “Acabou Chorare” ou “Getz-Gilberto”, não é descabida a consideração atribuída a esta obra. Afinal, em que projeto se reuniu para cantar boa parte do primeiro escalão da MPB, leia-se Gilberto Gil, Tim Maia, Gal Costa, Milton Nascimento, Simone, Jane Duboc e Zizi Possi? E quando que esse time de estrelas estaria junto para interpretar temas de uma peça infanto-juvenil feita para o curitibano Teatro Ballet Guaíra sobre um poema clássico da língua portuguesa? Mais: quando contariam com o reforço de músicos do calibre de Oberdan Magalhães, Jamil Joanes, Cristóvão Bastos, Marcio Montarroyos, Antonio Adolfo, Leo Gandelman, Hélio Delmiro, entre outros? E, mais ainda: em que ocasião tudo isso gravitou em torno de um repertório inédito e tão qualificado, que é o sumo de uma então recente parceria de dois gênios da música do século XX?

Pois este disco adorado pelos fãs e cheio de significados chega a 40 anos de lançamento no mesmo ano em que um de seus artífices, Edu Lobo, completa o dobro de idade. Na linha do que foi produzido nos anos 70 e 80 para o público infantil, ”O Grande...” traz o espírito de especiais clássicos como “Plunct Plact Zum”, “A Arca de Noé” e “Pirilimpimpim”, a começar pelo primor musical e estético que não subestima o bom gosto da criança. Porém, neste caso, tal atmosfera vem encapsulada por um diferencial: o encontro de Edu com seu melhor parceiro: Chico Buarque. A dupla cria 11 temas novinhos em folha com o mais alto nível não apenas para aquilo que pode ser classificado como “música infanto-juvenil”, mas em toda a história da música popular brasileira. 

Se hoje esta dobradinha dourada se tornou uma das mais celebradas da MPB, muito se deve a ”O Grande...”. Até então, os caminhos de Edu e Chico haviam se cruzado apenas duas vezes: na orquestração que Edu fizera para a peça “Calabar”, de Chico e Ruy Guerra, em 1973, e numa única e frutífera composição, a música “Moto-Contínuo”, que o segundo gravara em seu disco “Almanaque”, de 1981. Pronto: estava dada a magia! Edu, que já havia produzido a excelente trilha para o balé Guaíra “Jogos de Dança”, sem letras e usando apenas as vozes dentro do arranjo instrumental, foi novamente convidado pelo cenógrafo, dramaturgo e figurinista Naum para um novo projeto da companhia. Porém, tratava-se de uma adaptação do singular poema surrealista de mesmo nome de 1938, de autoria do poeta modernista Jorge de Lima, composto de uma estrofe e 45 versos. O texto conta a trajetória de Knieps, que abandona a corte e a medicina, apaixonando-se pela equilibrista Agnes, começando a dinastia do Grande Circo Místico. Algo que Edu, desde os anos 60 envolvido com teatro, normalmente delegava a parceiros, como a Gianfrancesco Guarnieri em “Arena Canta Zumbi” (1965) e a Vinícius de Moraes em “Deus lhe Pague” (1975). 

Edu e Chico no início dos anos 80: encontro que não
os separaria jamais
Para aquela nova empreitada, a bola da vez era o mais recente parceiro. Afeito ao texto para palco, haja vista que já havia escrito, além de “Calabar”, ”Roda Viva”, em 1968, Chico também era mestre nas adaptações para teatro. Escreveu sozinho todas as composições sobre o poema de João Cabral de Melo Neto para “Morte e Vida Severina”, em 1966, adaptou, com Paulo Pontes, “Medeia” de Eurípides em “Gota D’Água” para a voz de Bibi Ferreira, em 1975, e trouxe Bertold Brecht e John Gay para a realidade brasileira noutro musical, “Ópera do Malandro”, de 1978. Porém, mais do que todos estes exemplos – que já seriam suficientes para justificar um convite –, Chico sabia lidar com o universo infantil. Além do livro “Chapeuzinho Amarelo”, que lançara em 1979, o pai de Sílvia, Luísa e Helena já tinha realizado, dois anos antes, a deliciosa peça musical “Os Saltimbancos”, inspirada no conto "Os Músicos de Bremen", dos irmãos Grimm, junto a Sergio Bardotti e Luis Bacalov, amigos italianos dos tempos de autoexílio na terra de Michelangelo. Ali se revelava mais uma faceta do Chico plural: afora o malandro, o militante político, o cronista, o amante, a voz feminina e vários outros, via-se agora o autor para os pequenos. Edu, que enfileirara parceiros da categoria de Joyce, Cacaso, Dori Caymmi, Ferreira Gullar, Paulo César Pinheiro e outros, sabia ter achado a pessoa ideal para letrar suas músicas.

O resultado é um desbunde capaz de encantar crianças e adultos há quatro décadas. Começando pela instrumental “Abertura do Circo”, com fantástico arranjo escrito por Edu e orquestração do maestro Chiquinho de Moraes, um tema circense tão marcante, que dá a impressão de se tratar daquelas melodias folclóricas antigas e de autor desconhecido. Mas tem autor, sim, e é Edu Lobo. Na sequência, uma pausa na rotação do planeta, pois é Milton Nascimento cantando a balada “Beatriz”. “Olha/ Será que ela é moça/ Será que ela é triste/ Será que é o contrário/ Será que é pintura/ O rosto da atriz...” Considerada por oito entre 10 uma das maiores canções da música brasileira de todos os tempos, este clássico não pode ser classificado de outra coisa, que não de perfeito. Em melodia, em arranjo, em letra e, principalmente, na interpretação de Milton. A voz do gênio de Três Pontas é de uma afinação tão precisa e atinge registros tão improváveis, que fica impossível imaginar outro ser capaz de cantá-la. Além, claro, da emoção transcendente que Milton transmite. Uma obra-prima, que apenas Zizi, numa permissão para o Songbook de Chico, ousou regravar. Também, pudera.

Seguindo adiante, Jane Duboc entra no picadeiro e usa de toda sua brandura e sentimento na linda “Valsa dos Clowns”, cuja letra fala da famosa dicotomia da tristeza do palhaço, escondida por detrás da figura sempre engraçada: “Em toda canção/ O palhaço é um charlatão/ Esparrama tanta gargalhada da boca pra fora/ Dizem que seu coração pintado/ Toda tarde de domingo chora”. Cantada em coro, na sequência, "Opereta do Casamento”, como uma breve e alegre história popularesca, antecede outra história: a de Lily Brown. Personagem criada no poema de Jorge de Lima, mas cuja saga é totalmente inventada pela mente de Chico. Ele dá vida à “deslocadora” Lily Brown, a que “tinha um santo tatuado no ventre”, atribuindo-lhe contornos de uma moça sonhadora, que acredita ter encontrado o “homem de seus sonhos”. Ao fim, entretanto, não concordando com sua vida mambembe, ele a abandona. Num estonteante jazz bluesy, a melodia e o primoroso arranjo de Edu acompanham os versos de Chico, que deita e rola na poética. Por exemplo: o raro uso de rimas “preciosas”, que combina a fonética de palavras de idiomas distintos, é largamente usada. Caso de “cheese” com “feliz”, “dancing” com “romance” e “azul” com “flou”. Outro elemento-chave para a canção é, novamente, a adequação da interpretação, que não poderia ser mais exata, pois toda a sensualidade que a música exige está devidamente contida na voz de Gal e seu timbre de cristal.

Outra linda balada: a sentimental “Meu Namorado”, interpretada por Simone, é das mais perfeitas do repertório. Os teclados de Cristóvão Bastos comandam o toque da arpa, da gaita e das cordas, fazendo cama para os versos potentes e líricos emitidos pela voz da baiana: “Meu namorado/ Minha morada é onde for morar você”. De arranjo bem mais enxuto, mas não menos brilhante, "Sobre Todas as Coisas” tem no violão de Gil a única do álbum apenas com um instrumento acompanhando o vocal. De fato, não precisa mais, pois a genialidade do autor de “Aquele Abraço” é tão inata, que desta rara interpretação de Gil a uma canção de Chico e Edu sai o tema mais contemplativo e filosófico do disco. Gil dá ares de um spiritual à canção, tal uma canção-prece dos trabalhadores negros escravizados dos Estados Unidos, clamando pelo entendimento da existência e de um amor não correspondido. “Ao Nosso Senhor/ Pergunte se Ele produziu nas trevas o esplendor/ Se tudo foi criado - o macho, a fêmea, o bicho, a flor/ Criado pra adorar o Criador”. Caetano Veloso bem captou tamanha profusão de significados ao mencionar na sua música “Pra Ninguém”, de 1997, em que enumera músicas de autores da MPB cantados por outros autores/cantores da música brasileira, justamente esta entre tantas que poderia escolher do vasto repertório de versões de Gil a outros compositores. 

Contracapa do álbum com desenhos de Naum,
que reproduzem a ideia da cenografia da pela

Congele-se o firmamento mais uma vez, pois é hora de Tim Maia soltar seu vozeirão para a incrível "A Bela e a Fera”. Jazz-soul surpreendente de Edu – ainda mais após um número tão melancólico como o anterior – com seu arrojado arranjo de metais a la Quincy Jones, a bateria suingada de Paulinho Braga e o baixo vivo e inconfundível do “Black Rio” Jamil Joanes. Toda esta qualidade a serviço do “Síndico” em uma de suas melhores performances. Tim escalando as notas para cantar versos como: “Ouve a declaração, ó bela/ De um sonhador titã/ Um que da nó em paralela/ E almoça rolimã” é simplesmente histórico! Chico, também em uma de suas melhores letras, repete a dose em uma nova rima “preciosa” ainda mais improvável: “rolimã” com “Superman”! Musicando a saga do bruto boxeur Rudolf, da história original, Chico recria o personagem sob a perspectiva da famosa fábula do século 16, produzindo versos de admirável beleza como: “Não brilharia a estrela, ó bela/ Sem noite por detrás/ Sua beleza de gazela/ Sobre o meu corpo é mais/ Uma centelha num graveto/ Queima canaviais/ Queima canaviais/ Quase que eu fiz um soneto”. Para terminar arrebatando e elevando a emoção, Tim promove um dos lances mais sublimes da música brasileira, aumentando cirurgicamente o registro vocal para dizer: “Abre o teu coração/ Ou eu arrombo a janela”. De arrombar o coração, sim. O de quem escuta!

Quebrando mais uma vez a sequência rítmica, aquela que certamente é a mais infantil de todo o repertório. Se “Opereta...” contava com coro adulto, "Ciranda da Bailarina” traz agora vozes de crianças sobre uma lúdica ciranda de tons medievais, ainda mais pela sonoridade marcante de cravo e flauta doce forjados no sintetizador. E quem são as crianças? Os filhos de Chico e Edu, mais a pequena Bebel Gilberto (desde sempre envolvida com a música) e outros dois meninos. A sessão com a criançada é tal como recentemente a turma experimentava na trilha sonora do filme “Os Saltimbancos Trapalhões”, que Chico versara de sua peça para o famoso quarteto humorístico um ano antes. E que versos! Semelhantemente aos “Saltimbancos”, a letra de “Ciranda...” era, ironicamente, a mais política de todo o disco. Mesmo se tratando da aparentemente mais ingênua faixa, “Ciranda...” foi a única afetada pela ainda ativa censura. A palavra “pentelho”, ridiculamente, foi cortada na execução, provocando um hiato bizarro na audição. Se nos Anos de Chumbo uma música como esta seria sumariamente vetada pelo simples fato do autor se chamar Chico Buarque, ao menos os ventos da Abertura Política não a subtraíram totalmente. E ainda bem que, anos depois, com a democracia conquistada e consolidada, foi possível regravá-la e reencená-la diversas vezes, incluindo as belas versõesde Adriana Partimpim, em 2009, e a do próprio Edu, em 2013.

Poster original do show no Teatro Guaíra,
em Curitiba
Quase finalizando, Zizi vocaliza com brilhantismo o tema-título, o preferido do disco para o próprio Edu. Mas para finalizar mesmo, não havia de serem outros, que não os autores. Intercalando uníssonos e combinações vocais, "Na Carreira” é uma comovente marchinha circense de despedida, que deixa um sabor de pipoca e algodão-doce na boca ao final do espetáculo. Uma tradução poética da vida mambembe: “Hora de ir embora/ Quando o corpo quer ficar/ Toda alma de artista quer partir/ Arte de deixar algum lugar/ Quando não se tem pra onde ir”. A arte do palhaço presente em “Piruetas”, que Chico coescrevera para “Os Saltimbancos Trapalhões” (”Salta sobre a arquibancada/ E tomba de nariz/ Que a moçada/ Vai pedir bis”) empresta inspiração para “Na Carreira” quando esta diz: “Palmas pro artista confundir/ Pernas pro artista tropeçar”. Pode-se ler, aliás, como uma metáfora de artistas brasileiros como eles, saídos da Ditadura e vislumbrando um país livre e democrático com a então nascente campanha das Diretas Já!. Artistas estes que, igual ao que as duas músicas tratam, não desistem de apresentar sua arte, independentemente das condições. “O espetáculo não pode parar”, diz uma, e a outra: “Ir deixando a pele em cada palco/ E não olhar pra trás/ E nem jamais/ Jamais dizer/ Adeus”.

Desde então, Chico e Edu nunca mais se distanciaram. Vieram, na esteira de “O Grande...”, outras três trilhas para teatro da dupla: "O Corsário do Rei" (1985), "Contos da Meia-Lua" (1988) – também para o Guaíra – e "Cambaio" (2001), além da coletânea "Álbum de Teatro", de 1997. Desses, mais joias do cancioneiro nacional saíram, a exemplo de "Choro Bandido", "A Permuta dos Santos", "Bancarrota Blues" e "Ode aos Ratos". Mas nada se compara ao que realizaram naquele efetivo encontro no início dos anos 80 tanto na excelência das músicas quanto na coesão da obra, lindamente ilustrada por Naum. Revisitado várias vezes, seja nos palcos e até no cinema, "O Grande..." guarda qualidades incontestes, que o credenciam a ser considerado um marco na música brasileira. Quiçá, o maior. Se o próprio Edu a tem como uma das suas cinco melhores obras da assertiva, longa e nobre carreira, um indício bastante forte há nisso. O exigente Ed Motta, músico e colecionador, acha o mesmo. O tempo, sem dúvidas, ajudou a formar tal reputação. Fato é que, há 40 anos, esta trilha vem sendo notícia nos principais meios e consta não raro em listas de melhores discos da música no Brasil. “O Grande...” consolidou-se neste patamar e no imaginário do público. Um feito tão maravilhoso "de que tanto se tem ocupado a imprensa" há quatro décadas.

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clipe de "O Circo Místico", com Zizi Possi, no programa Bar Academia (1983)


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FAIXAS:
1. "Abertura do Circo (Instrumental)" (Edu Lobo) - 2:30
2. "Beatriz” (Milton Nascimento) - 5:01
3. "Valsa dos Clowns” (Jane Duboc) - 3:39
4. "Opereta do Casamento” (Coro) - 3:55
5. "A História de Lily Braun” (Gal Costa) - 3:51
6. "Meu Namorado” (Simone) - 2:44
7. "Sobre Todas as Coisas” (Gilberto Gil) - 5:00
8. "A Bela e a Fera” (Tim Maia) - 2:55 
9. "Ciranda da Bailarina” (Coro Infantil) - 2:22
10. "O Circo Místico” (Zizi Possi) - 3:41
11. "Na Carreira” (Chico Buarque & Edu Lobo) - 4:06
Faixas-bônus da versão em CD:
"Oremus - Coro (Instrumental)" (Edu Lobo) - 1:57
"O Tatuador (Instrumental)" (Edu Lobo) - 3:26
Todas as composições de autoria de Edu Lobo e Chico Buarque, exceto indicadas

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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues