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terça-feira, 25 de dezembro de 2018

The Sonics, The Wailers & The Galaxies - "Merry Christmas" (1965)


“Gozação com alegria e contemplação particular. A The Sonics capturou o espírito dessas duas atmosferas na contribuição para o álbum”.

“Em ‘Christmas Album’, eles [The Wailers] capturaram o clima que desejavam: a sensação de Natal em um novo estilo”.

“A The Galaxies expressa sons frescos e velozes como a neve do Natal” 
Textos da contracapa do disco

Convenhamos: não é todo mundo que gosta de Natal. Talvez até mais pessoas que se suspeite, porque tem um monte das que verbalizam não gostarem e aquelas que se entristecem nessa época, resgatando tudo de ruim que aconteceu na vida inteira assim que dezembro entra. Quem não tem um parente ou amigo assim, que jogue a primeira pedra. Pois foi celebrando essa desconformidade, esse descompasso com as festas natalinas que o selo alternativo norte-americano Etiquette Records lançou, em 1965, “Merry Christimas”, o qual reúne faixas de três grupos de seu cast: The Sonics, The Wailers e The Galaxies.

No álbum “descomemorativo” está a raiz daquilo que se fortaleceria a partir de então nos EUA e na Inglaterra: as garage bands. Psicodélicas e arraigadas no rock e no blues, elas passariam a ser chamadas de proto-punk anos mais tarde por terem aberto caminho – mesmo sem saberem que estavam fazendo isso – para que Sex Pistols, Ramones, The Clash, Dead Boys, Buzzcocks e outras reivindicassem de vez a anarquia punk. Pois as três bandas de “Merry...”, juntamente com contemporâneas como The Chocolate Watchband, The Seeds, Deviants, The Troggs, Monks e outras, já criavam, quase uma década antes da onda punk explodir em Nova York e Londres, um som inconformado, agressivo e fora dos padrões da grande indústria. O pop-rock eles deixavam para os astros Beatles, Rolling Stones, Byrds e cia. Eles queriam mesmo era dar sua mensagem de contrariedade e fazer barulho. Muito barulho. Filhos dos mesmos traumas e transformações sociais do pós-Guerra, cabia a eles escancarar o grito contra o establishment. Nada mais apropriado para se criticar, então, do que um dos símbolos do capitalismo: o Natal.

Nessa, sobrou, claro, para o Papai Noel. A desavença com o Bom Velhinho fica clara na primeira faixa: “Santa Claus”, dos Sonics. Na letra, o jovem roqueiro cheio de ilusões pergunta: “Papai Noel, onde você tem andado?/ Eu estive esperando aqui apenas para deixá-lo entrar/ Sim, Papai Noel, o que você tem nas suas costas?/ Existe algo para mim que dentro de saco?/ Eu quero um carro novo, uma guitarra twangy/ uma pequena bonita e muito dinheiro/ Papai Noel, você não vai me dizer, por favor?/ O que você vai colocar debaixo da minha árvore de Natal?”. A resposta não poderia ser mais insensível e decepcionante. “E ele simplesmente disse:/ "Nada, nada, nada, nada.”  Suficiente para suscitar a fúria juvenil. A guitarra fuzz rosnando, o riff básico quase "pogueante" e o jeito indolente de cantar do vocalista Gerry Rosie mostram o quanto a batata (ou o peru) do Papai Noel assou.

Num tom de rock embalado e romântico, a The Wailers vem com sua primeira do disco: “She's Comin' Home", em que o rapaz está implorando à garota para que volte para casa no Natal. A The Galaxies, por sua vez, abre a participação numa versão apimentada de "Rudolph the Red Nosed Reindeer", clássico do cancioneiro infanto-natalino, dando-lhe um ritmo entre a surf e o country rock. 

A The Wailers não só retoma o country ao estilo Bob Dylan na batida de violão encorpada e na sonoridade “rancheira”, como também a contrariedade ao “espírito natalino”. É "Christmas Spirit??", assim mesmo, com DUAS interrogações. O órgão mantém-se permanente, enquanto a letra critica, já naquela época, o consumismo da sociedade moderna que engole a todos no Natal: “Entre numa fila/ Compre uma grande bola de barbante/ Qualquer coisa que você possa colocar em suas mãos/ Não importa o que você dá/ Só tenho que pegar um presente/ Não sabe o que você está dando/ A única coisa que conta é a marca e o valor/ Que vem de uma loja cara”. 

Irascíveis, os Sonics voltam à carga contra o Papai Noel. Lembram do desaforo que ele fez deixando o cara na mão na música de abertura? Pois “The Village Idiot” é diretamente em homenagem a ele, o “Idiota da Aldeia”. Irônicos, dizem: “Como é divertido rir e cantar/ A canção hoje à noite num trenó”. A famosa melodia de “Jingle Bells” é totalmente avacalhada pela debochada turma. Gritos e alaridos de chacota acompanham o órgão, que desenha os acordes enquanto a bateria castiga as caixas e o bumbo. Tudo com doces sininhos tinindo ao fundo. Um desavisado poderia dizer tranquilamente que se trata de uma faixa de “The Great Rock ‘n’ Roll Swindle”, dos Sex Pistols, de 1979, haja vista a semelhança, inclusive, da galhofa de “Friggin’ in the Riggin’”. Subversiva ao extremo.

Cabe aos Sonics dar sequência, ou seja, uma nova pedrada: “Don't Believe in Christmas". Precisa dizer mais alguma coisa? Precisa. Olha a letra: “Bem, mamãe e papai disseram que podíamos/ Então eu fiz o que deveria/ Eu pendurei minha meia em uma parede/ Eu não entendi nada/ Porque eu não recebi nada no ano passado/ Bem, ficando acordado até tarde/ Para ver Santa Claus voar/ Bem, com certeza você não sabe/ O gordo não apareceu”. Como se vê, o velho furão frustrou a Noite Feliz da galera mais uma vez. Com refrão pegajoso e ritmo alucinante, daqueles que dá vontade de entrar numa roda punk, lembra a versão de “Too Much Monkey Business”, de Chuck Berry, feita pelos pais das garage bands, a The Kinks.

Depois disso, Wailers e Galaxies intercalam as quatro últimas faixas: as baladas "Please Come Home for Christmas" e “Christmas Eve”, ambas da Galaxies; e "Maybe This Year" e "The Christmas Song", da Wailers, que também apostam em duas canções açucaradas para terminar a coletânea. Afinal, a mensagem já estava dada. Entendem agora quando os Garotos Podres cantam: “Papai Noel, velho batuta/ Aquele porco capitalista”? Pois é, a primeira pedra estava lançada lá, em 1965, por estes heróis da contracultura. Nada mais rock ‘n’ roll do que um Natal de contestação.

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FAIXAS:
1 – "Santa Claus"- The Sonics (Gerald Roslie) - 2:49
2 - "She's Coming Home" – The Wailers (K. Morrill/R. Gardner) - 2:55
3 - "Rudolph The Red Nosed Reindeer" - The Galaxies (Johnny Marks) - 2:31
4 - "Christmas Spirit??" - The Wailers (K. Morrill/R. Gardner) - 3:05
5 - "The Village Idiot" ("Jingle Bells") - The Sonics (J. Pierpont) - 2:35
6 - "Don't Believe In Christmas" - The Sonics (Gerald Roslie) - 1:41
7 - "Please Come Home For Christmas" - The Galaxies (C. Brown/G. Redd) - 3:04
8 - "Maybe This Year" - The Wailers (K. Morrill/N. Anderson/R. Gardner) - 3:15
9 - "Christmas Eve" - The Galaxies (R. Gardner) - 4:05
10 - "The Christmas Song" ("Chestnuts Roasting On An Open Fire") - The Wailers (M. Torme/R. Wells) - 3:09

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OUÇA
The Sonics, The Wailers & The Galaxies - "Merry Christmas"

Daniel Rodrigues
Agradecimento a João Carneiro pela dica

terça-feira, 23 de maio de 2017

The Stooges – “Fun House” (1970)



"Em Fun House, tentamos fazer um som mais 
parecido com a banda original antes do primeiro 
álbum – uma coisa mais livre, improvisada.” 
Scott Asheton


“Os Stooges são originais. Eles têm espírito.” 
Miles Davis


O script da carreira de qualquer artista da música pop é o de, à medida que sua obra avança, a sonoridade e o estilo irem se aperfeiçoando. Embora depois possa fazer incorrer numa amenização ou até perda do viço inicial, isso acontece porque uma banda ou cantor do rock faz muitas vezes do jeito que dá o primeiro disco. O debut, por conta disso, acaba ou deixando a desejar em relação ao que ainda se virá a produzir ou, pela falta de recurso, não consegue expressar com completude as qualidades que já se tem – o que caberá, aí, aos discos seguintes mostrarem. Afinal de contas, todos querem melhorar com o tempo, certo? Errado em se tratando de The Stooges.

A avassaladora estreia no disco homônimo, de 1969, trazia a secura e a energia do punk, porém encapsulado pela minuciosa produção do craque John Cale. O ex-Velvet Underground conseguira tornar consideravelmente pop – mas sem perder o vigor – o baixo feroz de Dave Alexander, as guitarras barulhentas de Ron Asheton e a bateria alta de seu irmão Scott Asheton. Isso, claro, sem falar na intensidade irrefreável do vocalista e líder Iggy Pop, o mais alucinado front band do rock norte-americano à época. Uma banda normal chegaria à lógica conclusão: “Galera, deu certo a receita do nosso primeiro trabalho. Vamos melhorar no nosso próximo disco?”. Bem, como disse, não se trata de um grupo comum. Oriundos da cena underground de Detroit, os Stooges encarnavam uma massa de jovens deslocados, sem emprego e desvalorizados. Eram verdadeiros transgressores vindos de baixo para lutar contra o sistema. Então, por melhor que tenha sido a experiência com Cale, eles eram mais toscos que aquilo. Tanto que propositadamente deram um “passo atrás” em seu segundo e, para muitos, melhor álbum: “Fun House”, de 1970.

“Fun House” é daqueles acontecimentos em que se confundem vida e arte. A contestação típica do rock ‘n’ roll toma a forma mais punk que poderia: com niilismo e sarcasmo. Disponibilizando um orçamento mais modesto do que da primeira vez, a gravadora Elektra chamou para dar um jeito naquela gurizada outro tarimbado produtor Don Galucci (lendário, aos 14 anos tocara órgão na versão de "Louie, Louie", da garage band Kingsmen, sucesso em 1963). Afinal, o primeiro disco, mesmo cultuado, vendera mal e a turma só queria saber mesmo era de se chapar e de putaria. A genial resolução veio da cabeça de Galucci: por que não registrar, então, EXATAMENTE isso? “Se é de sexo, drogas e rock ‘n’ roll que os Stooges entendem, vamos colocá-los a fazer o que sabem”. 

Reproduzindo a atmosfera selvagem e performática dos shows da banda e da própria Fun House – a casa em que todos viviam entre picos de heroína, sexo, confusões e muita música –, eles entraram no estúdio em Los Angeles para tocar ao vivo. E de forma a se sentirem totalmente ambientados, com o aparato usado durante os shows. Iggy se pintando de tinta, trocando roupas, esfarrapando outras ou se lambuzando com cobertura de bolo, cujo branco se misturava ao vermelho do sangue que tirava de si mesmo cortando-se com cacos de vidro. Para completar, depois das sessões de gravação, a “Casa dos Prazeres” se transformava num motel onde orgias e drogas, em looping, geravam o conteúdo musical e conceitual que compõe o disco.

O resultado é uma sonoridade consideravelmente mais tosca do que a do primeiro disco, com a cara de som de garagem que queriam, onde prevalecem a guitarra em altíssimo volume; um baixo grave e permanentemente presente; uma bateria que parece uma lata sendo socada; e... Iggy. Ah! Iggy estava mais junkie e ensandecido do que nunca, o que se nota tanto nos vocais quanto nas letras. Perceptível isso na estupenda faixa de abertura, “Down on the Street”. Um cartão de visitas furioso, cru, liricamente violento. “Descendo a rua onde os rostos brilham/ Flutuando ao redor dela cabisbaixo/ Visualizando coisas bonitas/ Sem muros!/ Sem muros! Sem muros!...” Um dos melhores riffs de todo o cancioneiro punk-rock.

“Loose” segue no embalo “from hell”, mandando ver noutro riff matador da guitarra de Ron, enquanto ele mesmo executa noutra guitarra distorções que emporcalham o fundo. “Eu levei uma gravação de músicas lindas/ Agora as mostro pra você direto do inferno”, dizem os versos. O início da faixa, clássico, com a virada de Scott e os gritos de Iggy, virou sample da Chico Science & Nação Zumbi na faixa "Manguetown", de “Afrociberdelia” (1997).

Uma das músicas que melhor traduzem o clima de “Fun House” é a pogueda "T.V. Eye", gíria inventada pela irmã de Ron e Scott, Kathy, que significa algo como “Interesse sexual”. Um reflexo direto das noitadas da banda e do conhecido sex appeal de Iggy, àquelas alturas um símbolo sexual da cena. Scott parece que vai furar a caixa tamanha força das batidas, repetidas energicamente. O baixo de Dave está destacado sobre todo o resto, fazendo evoluções inteligentes sobre a base. A guitarra rasga o ar, mais rosnando do que outra coisa, haja vista que é do baixo que se percebe o riff. Iggy, por sua vez, é um caso à parte. Que performance! O número não começa: irrompe! O Iguana solta um grito literalmente animalesco, que chega a dar um susto em quem escuta. Sexo. Drogas. Rock ‘n’ roll. Na veia! “Vê aquela gata?/ Sim, eu a quero/ Você vê aquela gata?/ Sim eu quero você/ Ela está com um T.V. Eye sobre mim...” Importante não só para aqueles que viam nos Stooges uma referência, como Richard Hell, Ramones, Suicide, Dead Boys e outros, mas também dentro do repertório da banda, “T.V. Eye” inspiraria pelo menos duas canções de cunho altamente apimentado do disco seguinte da banda, “Raw Power”: “Penetration” e “Shake Appeal”.

“Dirt”, conforme o próprio Scott define, “é um exemplo perfeito de como era nossa atitude: ‘Foda-se toda essa merda! Somos lixo e não nos importamos.’” São 7 min lisérgicos sobre uma base 1x5 cuja batida cadenciada e a linha do baixo abrem campo para a guitarra literalmente sujar o ambiente com distorções de wah wah e muita viagem sonora. Isso sobre as frases soltas, gritadas, destroçadas de Iggy, que dizem a certa altura: “Ooh, eu estive sujo/ E eu não me importo/ Porque eu estou queimando por dentro/ Eu sou apenas um anseio interior/ E eu sou o fogo da vida”. 

Se o pessimismo de “Dirt” dizia que os sentimentos eram todos suplantados diante da realidade irremediavelmente imunda daquele início de década (Guerra do Vietnã, ditaduras nas Américas, reflexos de 1968, crise do petróleo, desemprego, inflação), o que salvava era extravasar por meio das emoções mais instintivas. “1970”, outro petardo punk – cuja métrica propositadamente lembra a de “1969”, do disco anterior –, fala que os loucos sábados à noite daquela época eram, afinal, a escapatória: o prazer carnal: “Linda gata/ Alimente o meu amor a noite toda/ Até eu explodir/ Toda a noite até que eu exploda/ Eu me sinto bem/ Baby, oh baby, queime meu coração”. Para completar a sonoridade de uma das grandes faixas do disco e de todo o repertório da banda, o sax de Steve Mackay, tão enlouquecido que, dissonante e estridente, lembra o dos “loucões” do free-jazz Ornette Coleman e Albert Ayler.

A faixa-título, um blues ruidoso e quebrado, tem uma bateria martelada e a guitarra solando desde o início junto com o sax – e claro, também dos gemidos e urros de Iggy. O baixo, que de início segura a base, passa a ter o acompanhamento de Ron e Mackay por um tempo, mas logo em seguida estes desvirtuam novamente e passam a solar cada um para um lado. O vocal de Iggy é extraordinário, capaz de impor seu belo timbre a serviço da mais assustadora insanidade. “Iggy era perigoso”, declarou certa vez o amigo e empresário da banda à época Danny Fields.

Fechando esse soco sonoro que é “Fun House”, "L.A. Blues", como não poderia deixar de ser, mais um soco. Quase 5 min de gritos lancinantes, improvisos, distorções, microfonias, dissonâncias. O blues mais sórdido que se pode ter notícia. É possível enxergar a performance de Iggy e Cia. somente ouvindo-os. Conforme conta Alan Vega, do Suicide, no livro “Mate-me, Por Favor – A História sem Censura do Punk”, Iggy Pop “não era teatral, era teatro. Alice Cooper era teatral, ele tinha todo o aparato, mas com Iggy não era encenação. Era a coisa real”. Neste sentido, “Fun House” soa tão honesto que não pode ser considerado um retrocesso, mas, sim, uma obra genuína. Ao contrário da maioria, os Stooges precisavam regressar para serem eles mesmos. Tamanha originalidade faz com que o disco, presente entre os primeiros em qualquer lista de melhores da história do rock e dos anos 70, seja cultuado por toda a geração desde que foi lançado – e não apenas de roqueiros, haja vista que o jazzista Miles Davis, pai do cool jazz, era fã declarado da banda.

Se “Fun House” já representava uma devolução, os Stooges conseguiram se superar em “Raw Power”, de 1973, em que as músicas eram ainda mais furiosas e a produção foi relegada a segundo plano, tornando-o (saudavelmente!) inaudível em alguns momentos. Mais um passo em direção ao depauperamento deliberado que Iggy Pop e Stooges promoviam na indústria fonográfica, provando aquilo que os punks entenderam muito bem: no rock, menos pode muito bem ser mais.

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FAIXAS
1. "Down on the Street" – 3:43
2. "Loose" – 3:34
3. "T.V. Eye" – 4:17
4. "Dirt" – 7:03
5. "1970" ("I Feel Alright") – 5:15
6. "Fun House" – 7:47
7. "L.A. Blues" – 4:57

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OUÇA O DISCO

por Daniel Rodrigues

terça-feira, 2 de maio de 2017

Talking Heads – “77” (1977)



“Sem essa de Elvis, Beatles, ou Rolling Stones/
(...) Em 1977, eu espero ir para o céu.”
Da letra de “1977”, do The Clash


O ano de 1977 pode ser considerado o do nascimento oficial do punk-rock. As duas principais bandas da cena, Sex Pistols e The Clash, lançavam seus primeiros discos naquele ano, empestando o ar do Velho Mundo com o mau cheiro de um som cheio de fúria e crítica junto com Buzzcocks, Damned, Wire, The Stranglers e outros. Do outro lado do mundo, “Rocket to Russia”, do Ramones, tornava-se um clássico imediatamente que chegava às lojas; a dupla do Suicide trocava guitarras por teclados, forjando um som tão sujo quanto o de qualquer grupo de formação tradicional; “Marquee Moon”, do Television, espantava público e crítica pela inventividade de Paul Verlaine e Cia.; e Richard Hell, com “Blank Generation”, carimbava seu documento definitivo na história do rock. Decididamente, o espírito do “faça você mesmo”, surgido no underground norte-americano desde a segunda metade dos anos 60 – através da música, da moda, da arte gráfica, entre outros –, chegava, enfim, ao grande público. Sem mais Baetles, Rolling Stones ou Elvis Presley: a vez era do punk.

Porém, a contestação ao establishment, elemento chave da cultura punk, era nutrido de múltiplas interferências. Tanto que não era preciso necessariamente andar esfarrapado como Joey Ramone, arranjar confusão como os arruaceiros dos Dead Boys ou ser um junkie declarado como Syd Vicious. Havia aqueles que comungavam das mesmas ideias transgressivas, mas à sua maneira: sem briga, sem drogas e, universitários que eram, vestindo a roupa que seus pais lhe enviavam de presente no Natal. Com cara de bons moços, os Talking Heads contribuíam sobremaneira para a cena mandando ver, isso sim, no som.

Foi no hoje mítico bar CBGB, em Nova York, que David Byrne (voz, guitarra), Chris Frantz (bateria), Tina Weymouth (baixo) e Jerry Harrison (guitarra e teclado) trouxeram a gênese do som que conquistaria o mundo pop por mais de uma década. Este rico embrião está num dos discos mais marcantes do ano de 1977, cuja história, hoje, transcorridos 40 anos, mostra não ser coincidência chamar-se justamente “77”. O debut da banda une a crueza da sonoridade punk a um estilo muito peculiar das composições, cujos elementos melódicos e harmônicos já apontavam claramente para referências além da combinação de três acordes do punk. Byrne, líder e principal compositor, já denotava preferências por harmonias fora do tempo, variações bruscas no compasso, a incursão de ritmos latinos e exóticos, a desaceleração em comparação ao ritmo frenético do tipo “hey, ho, let’s go!” e, claro, seu inigualável vocal, de timbre bonito e considerável alcance mas não raro propositalmente rasgado ou picotado. Resultado dessa química esquisita é um disco que abre portas para aquilo que viria na esteira do punk, a new wave.

Produzido por Lance Quinn e Tony Bongiovi – este último, responsável por dar corpo a outro marco do punk naquele mesmo ano, o já mencionado “Rocket to Russia” –, “77” traz uma sonoridade potente e muito bem equalizada, dando destaque a todos os instrumentos, que soam com vivacidade. "Uh-Oh, Love Comes to Town" abre mostrando que, além disso, eles não eram convencionais de fato na composição. Nada de batida acelerada e guitarras arrotando distorção. Os Heads dão seus primeiros acordes num funk estilo “I Want You Back“, dos Jackson Five, porém com as guitarras sujando o espaço sonoro e a voz de Byrne funcionando quase como um arremedo yuppie à do pequeno Michael Jackson.

Uma das joias do disco, “New Feeling”, por sua vez, já começa a apresentar a faceta atonal de Byrne e sua turma. As duas guitarras cumprem, cada uma num tempo, duas linhas melódicas diferentes. Isso fora o ritmo quebrado, que dá a sensação de desequilíbrio e descompasso que tanto explorariam em discos como “Fear of Music” (“Paper”, “Mind”), de 1979, ou “Speaking in Tongues” (“Swamp”), de 1983. A paródia militar "Tentative Decisions" – cuja ideia se verá noutras canções do grupo mais adiante, como “Thank You for Sending Me an Angel” e “Road to Nowhere” – abre caminho para uma canção mais linear, “Happy Day”, balada quase pueril que traz outras peculiaridades da banda, que são o refrão criativo – um dos motivos dos Heads se tornarem empilhadores de hits – e a guitarra “percutida”, em que as cordas são raspadas, friccionadas, extraindo do instrumento um som exótico, africanizado, diferente do tradicional.

“Who Is It?” retraz o funk, agora mais desengonçado (ou seria “com atitude punk”?) do que nunca. É muito interessante ver como Byrne desmembra os ritmos da raiz da música pop para, logo em seguida, reescrevê-lo à sua maneira. A faixa antecede uma das melhores do álbum e das principais sementes plantadas pelos Heads em termos de musicalidade: “No Compassion”. A exemplo de outros temas que a banda viria a escrever, como “Warning Sing” (1978) e “Give Me Back My Name" (1985), esta carrega uma atmosfera densa e que a faz naturalmente soar como um clássico desde que se ouvem os primeiros acordes. A batida forte e cadenciada de Frantz; o baixo de Tina impondo-se; a primeira guitarra de Harrison executando uma base dividida em dois tempos; a guitarra solo desenhando um riff sinuoso. A sonoridade é tão bem produzida que servirá de matriz para o que desenvolveriam junto a Brian Eno em “More Songs About Buildings and Food”, no ano seguinte. Além disso, é das poucas que tem momentos de punk-rock pogueado, mostrando que o Talking Heads estava, sim, muito próximo de seus companheiros de CBGB.

O segundo lado do formato vinil começa ainda melhor que o primeiro com "The Book I Read". A guitarra “percutida”, como um cavaquinho ou algo parecido, anuncia um riff um tanto dissonante. Mas o que se apresenta quando a banda e o vocal entram juntos é um belíssimo pop-rock em que Byrne dá um show de vocal – ao menos, a seu estilo, que vai do melódico ao rascante. Destaque especial para o baixo da competente Tina, que além da base muito bem executada é quem faz o “solo” num acorde de quadro notas junto com o cantarolar (“Na na na na”) de Byrne. Diz-se “solo” entre aspas pois, afinal, eles são uma banda punk, sem a habilidade dos dinossauros do rock de então, mas que sabiam resolver ideias com muita criatividade – o que, convenhamos, é até melhor em muitos casos.

Mais um exemplo típico da musicalidade diferenciada de Byrne é “Don't Worry About the Government”, canção cheia de sinuosidades, mas bastante melodiosa, visto que sua base é um toque semelhante ao de uma delicada caixa de música. Outra das brilhantes é "First Week/Last Week... Carefree", um rock com toques latinos e a cara do que os Heads formaram enquanto estilo ao longo dos anos haja vista várias outras músicas de semelhante ideia como: “Crosseyed and Painless” (1980), “Slippery People” (1983), "The Lady Don't Mind" (1985) e “Blind” (1988). Estão em “First Week...” elementos como os instrumentos afro-latinos (reco-reco, marimba), o canto gaguejado de Byrne, seus vocalizes malucos e o uso de metais, que lançam frases sonoras típicas de um “Ula Ula” havaiano.

Como todo grande disco, “77” tem seu hit. E neste caso é a imortal (com o perdão da expressão) "Psycho Killer". Engenharia de som perfeita: o baixo inicial e todos os outros instrumentos que entram são claramente notados, conjugando-se com a voz mais uma vez liberta de Byrne para um riff matador (sic) e uma melodia de voz daquelas que não desgrudam da mente – ou da psique. Tanto que é quase impossível os acordes tocaram e alguém não saber cantarolar o refrão: “Psycho killer/ Qu'est-ce que c'est/ Fa, fa, fa, fa, fa, fa, fa, fa, fa, far better/ Run, run, run, run, run, run, run, away”. Ouvem-se sem erro em “Psycho...” Gang of Four, P.I.L., Polyrock, Replacement e outras bandas advindas com o post-punk anos mais tarde. Além de um clássico, revela o estilo próprio da banda e porque ela foi/é tão influente a toda uma geração do rock.

A talvez mais punk-rock, a agitada “Pulled Up", encerra o disco, um dos grandes de estreia da história do rock – figura em 68º da lista dos 100 melhores primeiros álbuns pela Rolling Stone, entre os 300 dos 500 maiores da história da música pop, pela mesma revista, e entre os 1001 essenciais de se ouvir antes de morrer, conforme livro de Robert Dimery. “77” aponta a rota que a banda e, mais amplamente, a própria cena punk iriam tomar. Fora os já mencionados grupos post-punk, dá para dizer com segurança que um ano depois o álbum já se fazia essencial: a Devo, produzida por Eno, não existiria sem o exemplo dos Heads e nem o Blondie rumaria com tamanha assertividade a uma “popficação” de seu som sujo original. Junto ao que os também estreantes Sex Pistols, The Clash, Television, Richard Hell e outros, o Talking Heads assinalava aquele ano como um dos mais estelares da história do rock, um ano capitulado como “77”.

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Talking Heads - “Psycho Killer”



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FAIXAS:
1. "Uh-Oh, Love Comes to Town" – 2:48
2. "New Feeling" – 3:09
3. "Tentative Decisions" – 3:04
4. "Happy Day" – 3:55
5. "Who Is It?" – 1:41
6. "No Compassion" – 4:47
7. "The Book I Read" – 4:06
8. "Don't Worry About the Government" – 3:00
9. "First Week/Last Week ... Carefree" – 3:19
10. "Psycho Killer" (Byrne, Chris Frantz, Tina Weymouth) – 4:19
11. "Pulled Up" – 4:29
Todas as faixas compostas por David Byrne, com exceção da indicada.

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OUÇA O DISCO


por Daniel Rodrigues

sábado, 29 de abril de 2017

"Mate-me Por Favor - Uma História Sem Censura do Punk", de Legs McNeil e Gillian McCain - ed. L&PM (2005)


"A primeira vez que eu vi Richard Hell,
ele entrou no CBGB's usando uma camiseta com um alvo
e as palavras "Mate-me Por Favor".
Aquilo era uma das coisas mais chocantes que eu já tinha visto."
Bob Gruen,
fotógrafo e cineasta

"Lendo 'Mate-me Por Favor' me senti como se estivesse lá...
Espere um pouco, eu estava lá.
Este livro conta como foi.
É o primeiro livro a fazê-lo."
William Burroughs,
escritor



Um dos meus livros preferidos mas que curiosamente nunca falei aqui no blog e que sempre achei que merecia deferência por ser um dos meus livros de cabeceira, é o excelente "Mate-me por favor - Uma História Sem Censura do Punk", de Legs McNeil e Gillian McCain, um retrato do punk desde seus primórdios até seus últimos suspiros contado de forma magnífica pelos personagens que fizeram essa história. Montado a partir de inúmeras entrevistas com músicos, produtores, jornalistas, empresários, fãs, groupies, roadies ou seja lá quem tivesse participado ou presenciado todo aquele alvoroço, "Mate-me por favor" consegue graças a uma organização impecável, que deve ter dado um trabalho enorme, conferir um ritmo quase de romance à série de relatos, resultando num livro empolgante de tirar o fôlego.
O livro "narra" o processo de formação do punk rock partindo ainda lá do final dos anos 60 com o The Doors e seu comportamento transgressor, Velvet Underground e sua música revolucionária; passando pela sujeira dos Stooges, a crueza do MC5, a provocação dos New York Dolls e pela sofisticação do Television; encontrando a cena norte-americana do CBGB's da qual os Ramones podem ser possivelmente considerados os principais representantes; chegando à cena londrina com Sex Pistols, Clash; e ainda dando uma passada pelo que resultou dessa trajetória toda.
A frase inconsequente e niilista que deu título ao livro escrita na camiseta  Richard Hell, como tantas outras naquele momento, é apenas um exemplo da inconformidade dos jovens naquele final de anos 70, muitas vezes não compreendida com exatidão nem por eles mesmos, mas que acabaria resultando numa identidade visual e comportamental até hoje inevitavelmente associada ao punk e que curiosamente hoje vemos com frequência em todo lugar na forma de calças rasgadas, acessórios de couro, cabelos moicanos, etc. Malcolm McLaren que o diga! Um dos que tiveram visão e deram um jeito de faturar o seu com aquela rebeldia toda. E isso também é contado lá.
As páginas de "Mate-me Por Favor" trazem e alternam momentos emocionantes, empolgantes, tensos e hilários. Gravações, shows, brigas, noitadas, excessos, putarias estão presentes na brilhante compilação de entrevistas que compõe o livro. O episódio da briga dos Dead Boys em que o baterista Johnny Blitz fora esfaqueado é tenso e dramático. "...Então vejo a camiseta e percebo que é Johnny quem está n chão (...) Estava cortado desde a porra da virilha té o pescoço e com o peito aberto de um lado a outro. Estava aberto. Ele estava... aberto", conta Michael Sticca, ex-roadie da banda. O que Iggy Pop é solto da cadeia vestido de mulher é hilário. Ray Manzareck, dos Doors, foi lá pagar a fiança: "Jim, isto é um vestido de mulher!", "Não, Ray. Devo tomar a liberdade de discosrdar. Isto é um vestido de homem.". Bem como é hilário o episódio do show em que o vocalista dos Dead Boys ganha um boquete no palco, contado por Babe Buell, a mãe da atriz Liv Tyler: "Alguém me disse para ir no CBGB's ver a melhor banda do mundo, os Dead Boys. Então fui lá uma noite quando eles estavam tocando, entro e a primeira coisa que vejo é Stiv sendo chupado no palco.". Um dos mais emocionantes, no entanto, é o que Jerry Nolan, ex-baterista dos Dolls, nos últimos dias de vida relata o show em que viu a sola furada do sapato de Elvis Presley. "Este show, embora aos 10 anos de idade, realmente mudou minha vida. Fui dominado por Elvis. Pude sentir o que é tocar música. Mas acima de tudo lembro de duas coisas daquele show: minha irmã perdendo completamente o controle e o buraco no sapato de Elvis.". Uma espécie de síntese poética do que é ser rock'n roll.
Livro que é obrigatório para amantes de música e sobretudo para os que tem especial admiração, respeito, curiosidade por aquele período, por aquele "movimento" que com toda suas limitações, sua anarquia, suas loucuras foi definidor de atitudes, comportamento e tendências, deixando um inegável e valioso legado para as gerações posteriores. Foi relançado posteriormente em versão pocket em dois volumes, sendo ainda hoje facilmente encontrado até em bancas de jornal por conta do formato prático. Ou seja, não tem desculpa pra não ter e não ler.
Um dos meus livros preferidos e frequente fonte de pesquisa, "Mate-me Por Favor" é a história do punk contada por quem esteve lá, por quem quem a viveu, inclusive os próprios autores, o que confere autenticidade e credibilidade ainda maior ao livro. Ali estão os fatos apresentados sem frescura, sem panos quentes ou papas na língua. A verdade nua, crua, suja, chapada, barulhenta e furiosa.


Cly Reis

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Elton John - “Captain Fantastic and The Brown Dirt Cowboy" (1975)



Este é um dos melhores álbuns de Elton John.
Ele não tentou repetir
 os principais sucessos do passado,
apenas dar continuidade ao bom trabalho
que vem fazendo.
E ele conseguiu.”
Jon Landau,
para a Rolling Stone, em 1975



Em 1975, todas as grandes bandas de rock estavam na ativa e bombando. Rolling StonesLed ZeppelinDeep PurpleBlack Sabbath, entre outras. O rock progressivo nunca viveu um melhor momento. E o punk ainda não tinha chegado. Mas o mundo da música pop tinha um único rei: Reginald Dwight Kenneth, mais conhecido no circo pop como Elton John.

Desde 1970, quando lançou seu disco chamado “Elton John”, ele vinha colecionando um sucesso atrás do outro. E não eram só LPs! Na época, o cara gravava muitos compactos, que nem sempre entravam nos discos de carreira. Elton já tinha em seu currículo “Your Song”, “Skyline Pigeon” (em duas versões), “Rocket Man”, “Daniel”, “Crocodile Rock”, “Goodbye Yellow Brick Road”, “The Bitch is Back”, “Saturday Night’s Alright for Fighting”, “Pinball Wizard”, “Don’t Let The Sun Go Down on Me”, “Bennie and The Jets”, “Candle in the Wind”, "Philadelphia Freedom", sua versão pra “Lucy in the Sky with Diamonds”, ufa!, não termina nunca. Isso sem falar em grandes canções como “Levon”, “Burn Down the Mission” e “Tiny Dancer” (que só fez sucesso 29 anos depois ao ser incluída no filme “Quase Famosos”).
O que mais poderia querer um garoto a não ser tocar numa banda de rock, perguntaram Mick Jagger e Keith Richards. Chegar ao primeiro lugar da parada da Billboard no dia do lançamento. E Elton conseguiu este feito com um dos meus 5 discos favoritos: “Captain Fantastic and The Brown Dirt Cowboy", lançado em maio de 1975.

Uma das chaves é a seguinte: Elton e Bernie Taupin, seu letrista, resolveram contar a história de sua própria escalada ao sucesso. A outra é o amor pela música americana de Elton (um inglês) e de Bernie, nascido nos Estados Unidos. Especialmente a country music. Isto fica explícito na faixa-título do disco, que abre o lado 1. Nela, o violão e o mandolin de Davey Johnstone abrem o caminho para Elton e o resto da banda começarem a contar esta história. A letra fala, inclusive, dos fracassos que eles enfrentaram: "Jogamos a toalha muitas vezes/ Cansados quando estamos baixo astral/ Capitão Fantástico e o Cowboy sujo/ Do fim do mundo pra sua cidade".

Na faixa seguinte, "Tower of Babel", a situação começa a pesar. Os clubes obscuros e a dificuldade de tocar em lugares legais faz Elton dizer que: "É hora da festa na Torre de Babel/ Sodoma encontra Gomorra, Caim encontra Abel/ e todos se divertem". Tudo com o apoio da incrível banda que o acompanhava na época: Além de Johnstone nas guitarras, violões e todos instrumentos de cordas, Dee Cooper, no baixo, Nigel Olsson, na bateria, e Ray Cooper, na percussão. E todos cantavam! Backing vocais dignos dos Beach Boys.

Em "Bitter Fingers", a banda dá um show de vocais e de dinâmica. A canção começa dominada pelo piano de Elton e, de repente, explode um rockão daqueles irresistíveis com um refrão chiclete que gruda no seu ouvido e faz você ficar cantando a música o dia inteiro. Elton conta sua dificuldade em ter de compor músicas de encomenda no formato que todo mundo quer: "É difícil compor com dedos amargos/ Muito a provar e poucos a te dizer porque... Parece que uma mudança é necessária/ estou cansado de de tra-la-las e la-di-das". Nesta música, a guitarra de Davey Johnstone brilha como nunca, fazendo um solo que percorre todo o final da canção.

Na sequência, Elton – sempre uma esponja dos sons que estavam no mundo pop – faz sua incursão no "Som da Filadélfia", de muito sucesso na ocasião, com "Tell me When the Whistle Blows". Pra tanto, chama o arranjador de The Three Degrees, The O'Jays e da orquestra MFSB, Gene Page, para fazer as cordas. E os músicos de Elton dão conta desta soul music com desenvoltura. Novamente, Johsntone se destaca com sua guitarra. Por incrível que pareça, ele é o único músico da banda que continuou todos estes anos com EJ e se apresentou aqui em Porto Alegre em 2013.

Depois vem o momento mais dramático do disco, "Someone Saved my Life Tonight", no qual Elton conta sem rodeios sua tentativa de casamento e a subsequente tentativa de suicídio. "Alguém salvou minha vida esta noite/Quase teve suas garras em mim, não é querida?/Você quase me teve amarrado e preso/ Direto pro altar, hipnotizado/ A doce liberdade soprou no meu ouvido/ Você é uma borboleta/ E borboletas são livres pra voar/ Voar pra longe, bem alto, adeus". Este refrão dá à medida o drama que Elton viveu neste momento. Tudo apresentado numa moldura pop onde todo o grupo chega ao ápice de uma balada. E os backing vocais... nossa!

O lado 2 começa com rock'n’roll de "Meal Ticket". Só mesmo Elton pra falar de ticket refeição e da falta de comida num rockão. "Enquanto os outros sobem, atingindo alturas O mundo está na minha frente em preto e branco/ Estou no fundo do poço, estou no fundo do poço... E eu tenho que conseguir um ticket de alimentação/ pra sobreviver eu preciso de um ticket de alimentação". As coisas não estavam exatamente boas pra Elton e Bernie neste momento.
Já "Writing" fala das dificuldades que eles enfrentavam, mas a salvação estava em compor. No entanto, a incerteza sempre rondando: "As coisas que escrevemos hoje/ Vão soar tão boas amanhã?". Como o disco inteiro não teve uma música de trabalho, como diziam os executivos das gravadoras, "Writing" é a canção que mais se aproxima deste conceito. Uma melodia marcante bem pop com o piano elétrico e o violão carregando o som.

"Better Off Dead" tem um tom dramático usando o piano e a bateria em uníssono e a letra dizendo que: "Se a chaleira está fervendo e o carvão está no fogo/ Se você pergunta como estou eu digo inspirado/ Se o espinho da rosa é o espinho cravado em você/ então é melhor você estar morto se ainda não morreu". Uma constante neste disco é a intervenção da banda de Elton nos backing vocais. Poucas vezes se ouviu num disco pop um grupo tão coeso e inspirado como este. Eles dão um show nesta canção.

A música mais dolente do disco vem a seguir: "We All Fall In Love Sometimes". Como o título diz, todos nós nos apaixonamos às vezes. Uma canção de amor com o piano de Elton segurando a melodia, enquanto um sintetizador faz a cortina. A banda entra mas é Elton quem brilha. "A lua está cheia/ E a luz das estrelas encheu a noite/ Compusemos e eu toquei/ Alguma coisa aconteceu, é estranha esta sensação/ Noções tímidas que são infantis/ Canções simples que tentaram esconder/ Mas quando chega/ Todos nós nos apaixonamos às vezes". A doçura de EJ se descortinando inteira nesta canção.

E como todo disco pop da época, o final é bombástico. "Curtains" traz Elton e sua banda com todo o gás pra fechar esta história de luta, sofrimento e superação. É a cortina que fecha o palco onde este drama se desenvolveu. Tem até sinos e um "Lum-de-lum-de-lay" nos vocais. E a letra diz: "Mas tá certo/ Tem tesouros que as crianças sempre procuram/ E como nós/ Você deve ter/ O seu era-uma-vez". Esta crônica destes tempos difíceis iria ser retomada 31 anos depois com um disco bom chamado "The Captain and The Kid", no qual o resto da história é contado. Mas posso fazer um resumo pra vocês. Até 1970, Elton lutou muito e sofreu todo este calvário que um músico enfrenta, aqui ou em qualquer lugar, E, então, o sucesso chegou. Durante cinco anos, Elton John Silva foi o rei do mundo pop. E, em 76, lançou "Rock of the Westies", que não fez tanto sucesso assim. Logo, outro rei foi colocado no trono: Peter Frampton, com seu "Frampton Comes Alive". Mas essa é outra história.
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FAIXAS:
1. Captain Fantastic and the Brown Dirt Cowboy - 5:46
2. Tower of Babel - 4:28
3. Bitter Fingers - 4:33
4. Tell Me When the Whistle Blows - 4:20
5. Someone Saved My Life Tonight - 6:45
6. (Gotta Get A) Meal Ticket - 4:00
7. Better Off Dead - 2:37
8. Writing - 3:40
9. We All Fall in Love Sometimes - 4:15
10. Curtains - 6:15

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OUÇA:






terça-feira, 10 de setembro de 2013

ClyBlog 5+ Músicas


Cinco amigos e as 5 músicas que, por algum motivo, qualidade, emoção, memória, referência, ou qualquer outro que seja, fazem suas cabeças:




1 Cláudia de Melo Xavier
funcionária Pública
(São Paulo)
"Da minha vida de morcega no início do Madame Satã e nos anos 80.
Bem clássicas. Na época pirei quando ouvi.
Amo"

1. "Bela Lugosi is Dead" - Bauhaus
2. Should I Stay or Shoud I Go - The Clash
3. Anarchy in the U.K. - Sex Pistols
4. The Boy With the Thorn in His Side - The Smiths

5. Boys Don't Cry- The Cure


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2 Roberto Freitas
empresário e vocalista da banda
The Smiths Cover Brasil
(Rio de Janeiro)
"As minhas não estão na ordem, pois acho que seria injusto."

1. "Well I Wonder" - The Smiths
2. "Human" - Human League
3. "The More You Ignore Me The Closer I Get" - Morrissey
4. "Butterfly on a Wheel" - The Mission
5. "Back on a Chain Gang" - Pretenders

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3 Eduardo Wolff
jornalista
(Porto Alegre)
"Saiu essa lista... com muito pesar de várias outras, hehe!"


1. "She is Leaving Home" - The Beatles
2. "My Generation" - The Who
3. "Tumbling Dice" - The Rolling Stones
4. "Layla" - Derek and the Dominos
5. "Blitzkrieg Bop" - Ramones


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4 Patrícia Rocha
vendedora
(Rio de Janeiro)
" 'Sete Cidades' passou a ter um significado importante pra mim
e as do Cure e dos Smiths me lembram a juventude
e a época de boas músicas."

1. "Sete Cidades - Legião Urbana
2.  "In Between Days" - The Cure

3. "Thre's a Light That Never Goes Out" - The Smiths
4.  "Infinite Dreams" - Iron Maiden
5. "Once" - Pearl Jam

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5 Guilherme Liedke
arquiteto, cartunista, músico
(Las Vegas, USA)

"Bom bixo, definir 5 musicas sob vários conceitos é complicadíssimo,

mas digamos assim, que eu tenha definido as

5 musicas melhores escritas e gravadas no meu conceito geral."

1. "Blowing in the Wind" - Bob Dylan

2. "Bridge Over Trouble Water - "Elvis Presley
3. "Free Bird" - Lynyrd Skynyrd
4. "God Only Knows" - The Beach Boys
5. "(Just Like) Starting Over" - John Lennon





quinta-feira, 11 de abril de 2013

The Cure - Arena Anhembi - São Paulo / SP(06/04/2013)



Just Like Old Days!
por Christian Ordoque


foto:Iris Borges
Toda década tem o U2 que merece. “Mas tu não foi num show do The Cure seu doente ? E vem me falar em U2 ?!?!?”. Explico. Nos anos 60, teve Beatles/Stones, nos 70 teve Pink Floyd/Led, nos 80 teve Cure/U2, Iron e AC/DC/Bon Jovi, Kraftwerk e Depeche/Pet Shop Boys e Erasure, nos 90 teve Metallica/Guns, e a partir dos 2000 teve R.E.M./Radiohead e Nirvana/Foo Fighters. O que eu quero dizer com isso. Tem bandas que são as que aparecem para a mídia (e que permanecem no tempo), que se consolidam como “A cara” do momento, da época.

Entretanto existe outro tipo de banda que faz um som um pouco mais elaborado e não tão pop / radiofônico que são tão boas ou até mesmo melhores que as da vitrine. Grosso modo coloquei as de som elaborado como as primeiras e as mais pop como o segundo exemplo na comparação acima. E é bom que assim seja, pois uma faz o papel de fundamentação do estilo musical da década e outra o de divulgação. Mais ou menos como trabalhos de academia e revistas de divulgação científica. American Journal of Medicine e Superinteressante. Ok ?

“Eu vou, retomar o raciocínio”. Show The Cure. Começou antes com o show bem indie e bem bonzinho da Lautmusik com uma vocalista muito afinadinha e uma banda tocando competentemente músicas pops curtas e rápidas. Sobre a segunda banda me lembrou um Pink Floyd com distorção. “Vamos falar de coisa boa ? Vamos falar de Tekpix ?”.

Começaram com 'Tape', música de abertura da época do Show e mantendo o clima veio a 'Open' que é música de passagem de som disfarçada, distorções, correções, “Aumenta o baixo, dá um gás na guitarra, não ta pegando o tom tom” e essas coisas. 'High' e 'The End of The World' bem meia boca. "Lovesong" ainda arrumando o som com uma musica mais suave. (pensa que me engana seu Bob Smith, em matéria de Cureologia conheço suas manhas seu Bob Smith. “20 anos de curso !”).

E daí o bicho pegou pela primeira vez na noite com a (ainda não inventaram adjetivo para descrever, quem quiser colaborar, por favor, a casa é sua) "Push". O cara ouve esta música desde sempre e ficava imaginando com era ao vivo e quem tocava o que etc e tal. E daí a banda tá ali na tua frente e os guitarristas esmerilhando de forma parelha neste clássico. A bem da verdade, o Gabrels algumas vezes fazia a cama para o Smith deitar e rolar, o que se repetiu várias vezes durante o show. Uma hora ia um, outra hora ia outro a solar ou fazer base. Lá pelas tantas pensei: “Vai faltar voz na ‘The only way to beeeeeee’”. Não faltou. "In Between Days" empurradaça na base do violão assim como a 'Just Like Heaven' termina o primeiro bloco radiofônico da noite que tinha começado com a supracitada "Push".

A banda durante a execução de "Lovesong"
(foto: Iris Borges)
E daí vem a 'From the Edge of the Deep Green Sea'. Musicaço guitarreiro no último grau, quebrando de modo magistral o bloco anterior e serviu para mostrar que o “novo” guitarrista do Cure toca horrores quando quer. E é isso que faz de um instrumentista um músico, saber quando é necessário encher de notas e firulas uma canção e não sempre. Não precisa ficar em toda santa música se debulhando, só quando precisa, e ele sabe disso.

"Pictures of You", "Lullaby", "Fascination Street" e 'Sleep When I´m Dead'. "Pictures of You" e "Fascination Street" são duas aulas de baixo. Aliás como o Cure é uma banda que é fundamentada no baixo. E o Simon é um monstro, um absurdo.

'Play for Today', como estávamos ali entre as 15 primeiras filas, a galera cantava junto e coisetal e esta foi muito legal com o coro de “O oo oo oo” que ouvi pela primeira vez no ao vivo 'Paris' e 'A Forest' com toda a cerimônia que a música evoca e necessita. Música extremamente envolvente que eu de novo eu pensei: “Vai faltar voz no ‘Againandagainandagainagainandagainagainandagain’”. Não faltou.

Bananafishbones do "The Top" foi um presente para os fãs hardcores, Começou com o Robert tocando uma gaitinha de boca das mais bizarras e um show de guitarra do Reeves, de como utilizar o pedal de wha-wha. E emendou direto e reto na Shake Dog Shake, como teclado um pouquinho acima do tradicional nas partes de suspense e no “Wake up, wake up!” o povo cantou todo em volta. Me senti em casa cercado de fãs hardcores.

'Charlotte Sometimes'. Que beleza ! Comecei a prestar atenção nesta música através de um cover que tem num CD que comprei no primeiro show que vi deles (agora posso dizer isso, já vi 2 :P). Não gostava por causa do clipe, mas ao vivo... Bah ! Depois veio a dançante e que na boa, deveria ser tocada só em baixo e bateria 'The Walk' e que mostrou que finalmente o Jason ta tocando muito direitinho e nessa música, enfiando o braço. 'Mint Car' e 'Friday...' para o povo do rádio, ok. 'Doing the Unstuck' foi outro regalo do Disco 'Wish', música alegre e faceira.

'Trust'. Poisé né... Outra do 'Wish'. Teclados com climão e dedilhados e bom... né. Quem conhece sabe do que eu tô falando. 'Want', a única música que presta do 'Wild Mood...' e que abriu o show de 96. 'Hungry Ghost', whatever... A bem da verdade trocaria taco a taco a 'Hungry Ghost', a 'Sleep when I´m Dead' e a 'The End of The World' por 'M', "Strange Day", e 'There Is no If', mas enfim, nada é perfeito, nem o show do Cure, nem o do Macca e nem eu, veja você...

'Wrong Number' foi outra que cresceu em peso, velocidade e revezamento entre os guitarristas. Fui surpreendido pela execução ao vivo desta música. E já estávamos chegando ao final do show com a "One Hundred Years". Que coisa séria. O cara já acha uma baita música e aqui toda a banda carrega o piano para ele tocar, fazer solo e cantar. Baixo e bateria excelentes, lembrando os primeiros discos ao vivo e bootlegs do Cure. E terminou com 'End'.

Bis. Quando vi o setlist do RJ, me dei conta que eles tocaram 'Plainsong', 'Prayers for Rain' e 'Disintegration' e achei péssimo #prontofalei. E em SP o que aconteceu ? Tocaram 'The Kiss' com o botão de F*&%-se ligadaço no máximo, como se dissessem. “Agora vamos mostrar como se toca de verdade !”. O momento instrumentista da banda com muitas, mas muitas notas por minuto. Em seguida a maravilhosa 'If Only Tonight We Could Sleep' e terminaram com o tijolo quente nos tímpanos 'Fight' !!! Daí sim ! Trocaram as mais xaropentas por 3 clássicos.

Bis 2. Jogando pra torcida e dando olé agora, só sucessos pop. 'Dressing Up', 'Lovecats' (outro baixo absurdo !), 'Catterpilar'. Na "Close to Me" (foi quando ele fez, segundo a Iris Borges, a dança de "Bonecão do Posto", que já tinha arriscado lá na "Lullaby") o povo da frente ficou batendo palmas como no clipe. Ele o o O´Donnel ficaram faceiros e sorriram com esta interação. Aliás, faceiro tava o tecladista, credo ! 'Hot, Hot, Hot!!!', 'Let´s go to Bed', 'Why Can´t I Be You', encerram esta fase pop do segundo bis.

E daí vem o triunvirato 'Boys Don´t Cry', '10:15 Saturday Night' e a impressionante 'Killing An Arab' com uma pitadinha punk na bateria e o Robert mostrando que quem faz os solos nessa música é ele. Terminando com a rotação em alta ! E para mim uma referência muito bacana, pois descobri o Cure ouvindo o 'Concert' que termina justamente com esta música.

No chorômetro (aparelho que marca quantas vezes a pessoas chora em músicas nos shows) ficou assim: "Push", 'Play for Today', 'A Forest', 'Charlotte...', 'Trust', "One Hundred Years", 'If Only Tonight...' e 'Boys Don´t Cry'.

Olha Mr. Smith, acho que o Sr está errado. This boy “craiou” horrores.
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foto: Christian Ordoque
SETLIST
Open
High
The End of the World 
Lovesong 
Push
In Between Days
Just Like Heaven 
From the Edge of the Deep Green Sea 
Pictures of You 
Lullaby
Fascination Street
Sleep When I'm Dead
Play for Today
A Forest
Bananafishbones
Shake Dog Shake
Charlotte Sometimes
The Walk
Mint Car
Friday I'm in Love
Doing the Unstuck
Trust
Want
The Hungry Ghost
Wrong Number
One Hundred Years
End


Bis:

The Kiss
If Only Tonight We Could Sleep
Fight


Bis 2: 
Dressing Up 
The Lovecats 
The Caterpillar 
Close to Me 
Hot Hot Hot!!! 
Let's Go to Bed 
Why Can't I Be You? 
Boys Don't Cry 
10:15 Saturday Night 
Killing an Arab