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quinta-feira, 14 de setembro de 2023

"Robert Johnson - Pacto de Amor à Música", de J.M. Dupont e Mezzo - ed. Darkside / selo Macabra (2022)

 



"Se você é alucinado por blues,
vai adorar este livro.
Mas não é necessário amar o estilo
para apreciar este retrato do bluesman
mais famoso de todos os tempos.
Verdadeira obra-prima,
tanto pela qualidade das ilustrações
quanto pela narrativa,
esta história é mais do que 
uma simples graphic-novel
graças à poética de seu texto e 
à grandeza de seus quadros,
que são, por si só, verdadeiras obras de arte."
Lawrence Cohen, produtor musical do álbum


Algumas biografias, às vezes, podem ser melhores nos quadrinhos do que escritas. Embora tenha assistido a alguns documentários, nunca li, efetivamente, nenhuma biografia de Robert Johnson, mas o que posso afirmar é que a graphic-novel "Robert Johnson - Pacto de Amor à Música", cumpre muito bem seu papel em contar a trajetória do nome, possivelmente, mais importante da história do blues e, certamente, um dos mais importantes da história da música em todos os tempos. 

Nome sempre cercado por lendas, polêmicas e histórias mal contadas, Robert Johnson figura que mudou a forma de fazer, de tocar o blues e influenciou diversos nomes de expressão como Bob DylanRolling Stones, Led Zeppelin, Eric Clapton e outros, teve uma vida conturbada desde a infância, como era comum aos negros norte-americanos sulistas no pós-escravidão. Dotado, na juventude, de um "misterioso" talento, conquistou respeito e até uma certa inveja dentro do meio musical, ao mesmo tempo que causava a ira de produtores musicais por sua irresponsabilidade e tendência à bebida, e provocava o ódio de maridos por conta de sua reputação de mulherengo. Mas é claro, que o principal elemento que envolve o nome de Johnson é o suposto pacto com o Diabo, que teria proporcionado a ele todo aquele absurdo talento. 

Arte que remete ao impressionismo de Van Gogh
com a tradição dos negros sulistas das garrafas nas árvores
 para capturar os maus espíritos

O livro roteirizado pelo jornalista e escritor J.M. Dupont e pelo quadrinista Mezzo, como não podia deixar de ser, explora a lenda na própria narrativa, proporcionado uma condução interessante e constantemente instigante. Com as devidas liberdades artísticas e criativas diante da falta de informações precisas, com uma arte robusta e com um traço marcante, os autores nos entregam uma biografia gráfica convincente ao mesmo tempo poética e documental.

Mais uma biografia em quadrinhos que não fica devendo nada a outras em outros formatos e que comprova, mais uma vez, o valor das HQ's. Documento indispensável para amantes da música, aficcionados pelo blues, fãs de Robert Johnson e, até mesmo... adoradores do Diabo.

Arte maravilhosa de Mezzo!
O blues embalando a loucura durante a grande depressão norte-americana dos anos '30



por Cly Reis


sábado, 26 de agosto de 2023

ÁLBUNS FUNDAMENTAIS Especial de 15 anos do ClyBlog - "Simple Pleasures", Bobby McFerrin (1988)



 

“Bobby McFerrin é um gênio. É muito legal você transformar uma coisa que não existe em coisas que existem. Essa é a função do artista para mim, e o Bobby McFerrin é um dos grandes artistas que existem”. 
André Abujamra


O Daniel Rodrigues me pediu pra eu escrever sobre um dos discos que eu gostaria de falar e um deles é o “Simple Pleasures”, do Bobby McFerrin. A primeira música, "Don't Worry, Be Happy", quando eu escutei, eu fiquei tão apaixonado, porque foi uma música que tocou muito nas rádios em 1988, e é muito legal. O arranjo, a harmonia, a melodia. É uma música muito fofa e muito bonita. Uma harmonia simples, maravilhosa. E dizem que essa foi uma das mais tocadas naquele ano e que, por isso, bateu um recorde mundial para uma música que não tem instrumentos. E é hiper pop! "Don't Worry, Be Happy”, para mim, me remete a muita alegria, felicidade, e dizem que as músicas que te fazem lembrar de coisas boas, fazem você lembrar de uma época boa da sua vida. O que não acontece com música triste - ou até uma música triste pode te lembrar coisa boa, né? 

A seguinte desse disco é “All I Want”. Eu cheguei a ir a dois shows do Bobby McFerrin,e fiquei impressionado, porque só tinha ele e um microfone no palco. É algo inacreditável! E ele tem um grave e uma extensão, uma tessitura de voz maravilhosa. E uma coisa que me impressiona muito nessa música é o contrabaixo que ele faz. Além de ser uma extensão muito grave, tem um timbre muito louco. Parece que tem uma distorção no baixo. Essa música é genial: “All I Want”.

Esta outra também tem essa coisa do grave, que é “Drive my Car”. McFerrin tem uma coisa dos harmônicos, que ele faz com a voz, no agudo, pois ele está cantando em falsete. Quando o homem não consegue cantar muito agudo, ele faz uma coisa chamada “falsete”. Só que o falsete do Bobby McFerrin é tão maravilhoso, que tem uns harmônicos inacreditáveis! Eu soube que o McFerrin sabe tocar clarinete, que é um instrumento que tem muito harmônico e uma extensão muito grande. Então, eu comparo a extensão vocal do Bobby McFerrin com a de uma clarineta. Essa, “Drive my Car”, é realmente uma bênção! E a batera, tudo que você escuta é tudo ele que faz com a voz e o corpo. Para a bateria, ele bate no peito para fazer o bumbo. É uma coisa muito maravilhosa. 

Bem, a próxima música é “Simple Pleasures”, que dá nome ao disco. Nesse disco inteiro, como ele gravou todas as vozes num overdub dele mesmo, ele faz uma coisa interessantíssima, que é a harmonia que ele faz para as coisas. É uma coisa muito louca, porque é muito natural. Mas com certeza, tem um estudo por trás de cada nota que esse cara canta. Outra coisa também é a interpretação dele. McFerrin é praticamente um ator quando canta, porque o timbre, a variação de colocação, o sotaque, enfim. Essa música é quase uma ópera.

A próxima música, "Good Lovin'", que me faz lembrar muito de quando eu fui para Nova York uma vez numa igreja evangélica e vi uma banda de gospel. Aquilo é uma coisa que faz ferver o coração de se ouvir! Essa música é mais ou menos isso: "Good Lovin'" é uma coisa de banda evangélica. E é muito louco, porque a única coisa que a gente precisa num lugar desses é um: "good lovin'", como a letra diz. Eu fico muito emocionado quando escuto sempre. Estou escutando e me sentindo feliz. Afinal, é muito legal você transformar uma coisa que não existe em coisas que existem. Essa é a função do artista para mim, e o Bobby McFerrin é um dos grandes artistas, um dos grandes compositores, um dos grandes músicos que existem. E dizem que ele agora é maestro também.

A seguinte faixa é “Come to Me”, que tem uma harmonização de quatro vozes! É muito inacreditável o que ele faz. Existe uma coisa em música que é fazê-la em bloco. Joe Pass fazia isso na guitarra, por exemplo. Como ele tocava muito sozinho, ele tocava toda a melodia e harmonia da música ao mesmo tempo. Essa música aqui é mais ou menos isso: McFerrin pega quatro vozes e canta inteiro e ainda faz harmonização junto. “Come to Me” é uma música que, para quem gosta de estudar harmonia, é realmente um é arroz, feijão, bife e batata frita.

"Susie-Q". Ele tem nessa música aquela coisa que eu falo de timbre. Tem um baixo sempre impressionante, mas tem uma questão de harmonização no timbre, que é inacreditável! Realmente é “chover no molhado” falar desse disco, porque é um disco que eu escuto há muito, desde 88. E ele ainda dobra uma voz em "Susie-Q", fazendo a voz do homem e da mulher numa oitava acima com falsete. É inacreditável, pois nessa época não tinham tantos recursos no estúdio para afinar voz - afinal, ele nem precisava afinar. É um presente ouvir esse disco.

“Drive”, a próxima música, ele faz um grave numa linha de baixo incrível. Chega a ser um walking bass, mas numa música pop. Também, ele faz uma harmonização com as vozes agudas em “Drive”. Praticamente se escuta ele dizer palavras no baixo, mas não têm palavras. Se você tira a cabeça, e fica imaginando que nesse disco não tem nenhum instrumento além da voz dele, e se você o ouve inteiro, você se fala: “não é possível!”. Ele transforma a voz dele em vários instrumentos. E ele canta “Drive” como a anterior, "Susie-Q": ele faz a voz aguda é a voz grave dobrado. E tem uma coisa de articulação também, pois não é muito fácil você dobrar a voz, ainda mais em oitava, assim, desse jeito. Essa música é foda!

Depois tem "Them Changes", que é maravilhoso também. Essa música tem novamente a questão da extensão. Tem alguns instrumentos, por exemplo, como eu já falei da clarineta, que vai de um grave até um agudo muito agudo. Tem uma brincadeira que a gente fala, que a clarineta é um instrumento alienígena, porque quando você toca oitava, não é a oitava que você está tocando: é a décima quinta, justamente para ter uma extensão maior. E o McFerrin tem uma extensão absurda! Nesta música ele tem o grave fazendo o baixo e depois ele dobra esse baixo com uma oitava acima. É outra inacreditável , que dá pra dizer que é uma música “instrumental”!

E a última de “Simple...” é "Sunshine of Your Love", que é um Jimi Hendrix, né? Ele imita uma guitarra na voz, mas é lindo, porque ele não imita para parecer o instrumento. Parece, sim, que o instrumento é que está imitando a voz dele, de tão lindo que é.


por A N D R É  A B U J A M R A


★★★★★★

clipe de "Don't Worry be Happy", dirigido por Drew Takahashi e estrelado por McFerrin, Robin Williams e Bill Irwin


★★★★★★

FAIXAS:
1. "Don't Worry, Be Happy" - 4:54
2.. "All I Want" - 2:56
3. "Drive My Car" (Lennon, McCartney) - 2:44
4. "Simple Pleasures" - 2:08
5. "Good Lovin'" (Rudy Clark, Artie Resnick) - 2:58
6. "Come to Me" - 3:38
7. "Susie-Q" (Eleanor Broadwater, Dale Hawkins, Stan Lewis) - 2:50
8. "Drive" - 3:58
9. "Them Changes" (Buddy Miles) - 3:55
10. "Sunshine of Your Love" (Pete Brown, Jack Bruce, Eric Clapton) - 3:43
Todas as composições de autoria de Bobby McFerrin, exceto indicadas


★★★★★★

OUÇA O DISCO:


★★★★★★


André Abujamra é um músico, ator, produtor musical, arranjador e diretor paulistano. Em 1986, junto com o músico e compositor Maurício Pereira, fundou a banda “Os Mulheres Negras”, a terceira menor big band do mundo. Tambem comandou os grupos Karnak, Vexame, Gork e Okê Arô, além da vasta carreira solo. Assinou a trilha sonora de mais de 75 trabalhos parra filmes em longa metragem para cinema, entre eles, "Carlota Joaquina", "Bicho de Sete Cabeças" e "Carandiru". Recebeu prêmios como Candango, Kikito, Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e Moliére, além de indicação ao Grammy Latino.


domingo, 28 de agosto de 2022

ÁLBUNS FUNDAMENTAIS Especial 14 anos do Clyblog - The Beatles - "The Beatles" ou "White Album" (1968)

 



"Todo clichê tem uma razão e o motivo pelo qual este disco é citado em 11 de 10 listas é pelo simples fato de ser genial.
Ele tem lugar quase sagrado no meu coração, inclusive fico períodos longos sem escutá-lo para sempre ter a mesma reação a cada música, um arrepio que começa na base da coluna e vai até o topo da cabeça.
Essa sensação não muda desde o meu primeiro contato com ele, aos 13 anos."
Titi Müller, 
atriz, apresentadora e ex-VJ da MTV




Branco.
O branco pode ser o nada, o vazio. Uma folha de papel sem desenho, sem palavras, sem ideias, um lapso de pensamento, uma breve falha de memória, um cegueira por excesso de luz ou mesmo a ausência total de cor. Por outro lado, é a soma de todas as cores. Todo o espectro, girando tão rapidamente, que o olho humano sequer é capaz de distinguir todas as variações cromáticas para apenas enxergar... o branco.
Branco...
Uma capa totalmente branca apenas com um nome gravado em relevo.
A aparente simplicidade por trás de uma capa totalmente branca guarda, na verdade, a complexidade de uma das obras mais sofisticadas da história da humanidade. Talvez seja exatamente essa impressão errônea do nada que, no fundo, contém tudo. Uma obra tão cheia de variedades, elementos, possibilidades, cores, que os olhos da percepção humana mal sejam capazes de assimilar tudo, de ordenar todas as informações. "The Beatles", de 1968, mais conhecido como "White Album" traz tantos elementos que muitas vezes é impossível classificar se aquele quarteto genial fizera um rock, um jazz, um blues, um foxtrote, uma suíte clássica, um folk, ou tudo isso junto numa mesma peça musical.
"White Album" tem trinta faixas e seria cansativo falar de todas, desta forma destaco aqui aquelas que na minha opinião não podem deixar de ser mencionadas, pelas razões e méritos mais diversos, embora fãs mais fervorosos e conhecedores mais eruditos possam contestar minha seleção. "Back in the U.S.S.R." que abre o disco é um rock no estilo do velho yeah, yeah, yeah mas que, claramente, com toda a bagagem adquirida de uma banda mais madura, segura e ousada, está alguns passos à frente da sonoridade da banda lá dos primórdios; "While My Guitar Gently Weaps" é uma das mais belas canções do grupo e um dos melhores trabalhos coletivos do quarteto, com o acréscimo, ainda, de Eric Clapton que dá a canja do lindíssimo solo de guitarra, um dos mais marcantes da história do rock; "Blackbird" é solar, iluminada, à primeira vista uma canção aparentemente simples, mas que apreciada com a devida atenção, revela-se um peça musical da mais alta sofisticação; o blues choroso de "Revolution 1" que eu costumava ouvir numa vinheta da Rádio Ipanema em Porto Alegre e sempre tinha a curiosidade de saber o que era aquilo; e  "Dear Prudence", linda, doce, suave, que conheci com a Siouxsie e seus Banshees e, devo admitir, nesse caso, que divido a preferência com a original. A propósito, outra que conheci com a Rainhas das Trevas do gótico, mas que, aí sim, prefiro disparado a original, é "Helter Skleter", por sinal, um das minhas preferidas do álbum e da banda, exatamente por toda a sujeira, barulheira, fúria, características pouco comuns na obra dos Beatles.
Os quatro, no estúdio, durante as
gravações do álbum, em 1968

Mas tem o rock empolgante de "Glass Onion", com todas as autorreferências; tem as "mutações" constantes de Rocky Racoon"; tem os vocais intensos de John em "I'm So Tired"; tem também o blues envenenado "Yer Blues"; a energia e o psicodelismo de "Everybody's Got Something to Hide..."; a belíssima melodia vocal de "Sexy Sadie"; a loucura psicodélica de "Revolution 9"... Ah, tudo!!!
Se "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" havia, praticamente criado o conceito de álbum, o "Álbum Branco", mesmo em meio a um ambiente convulsionado de uma banda em processo de fragmentação interna, levava a ideia a um nível superior. O que, pensando bem, de certa forma, possa ter colaborado para um álbum tão genial, diversificado e com um conjunto tão contraditoriamente "harmonioso". Cada membro, tão independente e autossuficiente, estava, naquele momento, maduro, seguro e plenamente apto a produzir algo tão grandioso individualmente, que o material, colocado dentro da obra do grupo, praticamente complementava o dos demais criando um produto final incrível e inigualável.
Branco também pode simbolizar pureza e tal como fazem as crianças, de maneira belíssima, a pureza permite a alguém ser o que quer ser, falar o que quer falar sem se preocupar com nada. Simplesmente ser verdadeiro.
Segundo o artista, criador da arte, Richard Hamilton, a ausência total de qualquer cor era proposta em contraste ao excesso de informação da capa do disco anterior,  "Sgt. Pepper's...". Sim, entendo... Mas, aprofundando um pouco o pensamento a esse respeito, talvez o branco do álbum signifique algo mais, Talvez signifique exatamente o momento em que cada um tenha sido totalmente puro, totalmente verdadeiro consigo mesmo, o que, assim como a verdade das crianças, sempre resulta em beleza.
E nós, que não temos nada a ver com as diferenças que eles tinham, ganhamos, aquele que tenha sido, possivelmente, o momento mais brilhante daqueles quatro caras.
Brilhante...
Sim, tão alvo, tão claro que chega a ser... brilhante.
Branco.

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FAIXAS:
(no formato LP)

Lado 1

1. "Back in the U.S.S.R." (voz de Paul McCartney) 2:43
2. "Dear Prudence" (voz de John Lennon) 3:53
3. "Glass Onion" (voz de Lennon) 2:17
4. "Ob-La-Di, Ob-La-Da" (voz de McCartney) 3:08
5. "Wild Honey Pie" (voz de McCartney) 0:52
6. "The Continuing Story of Bungalow Bill" (voz de Lennon) 3:14
7. "While My Guitar Gently Weeps" (composição e voz de George Harrison) 4:45
8. "Happiness Is a Warm Gun" (voz de Lennon) 2:43

Lado 2
9. "Martha My Dear" (voz de McCartney) 2:28
10. "I'm So Tired" (voz de Lennon) 2:03
11. "Blackbird" (voz de McCartney) 2:18
12. "Piggies" (composição e voz de Harrison) 2:04
13. "Rocky Raccoon" (voz de McCartney) 3:33
14. "Don't Pass Me By" (composição e voz de Ringo Starr) 3:51
15. "Why Don't We Do It in the Road?" (voz de McCartney) 1:41
16. "I Will" (voz de McCartney) 1:46
17. "Julia" (voz de Lennon) 2:54

Lado 3
18. "Birthday" (vozes de McCartney e Lennon) 2:48
19. "Yer Blues" (voz de Lennon) 4:04
20. "Mother Nature's Son" (voz de McCartney) 2:48
21. "Everybody's Got Something to Hide Except Me and My Monkey" (voz de Lennon) 2:24
22. "Sexy Sadie" (voz de Lennon) 3:15
23. "Helter Skelter" (voz de McCartney) 4:29
24. "Long, Long, Long" (composição e voz de Harrison) 3:04

Lado 4

25. "Revolution 1" (voz de Lennon) 4:15
26. "Honey Pie" (voz de McCartney) 2:41
27. "Savoy Truffle" (composição e voz de Harrison) 2:54
28. "Cry Baby Cry" (vozes de Lennon e McCartney) 3:02
29. "Revolution 9" (vocalizações de Lennon, Harrison, George Martin e Yoko Ono) 8:22
30. "Good Night" (composição de Lennon e voz de Starr) 3:11

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Ouça:
The Beatles - "The Beatles" A.K.A. "White Album" (1968)





por Cly Reis

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Bento Jazz & Wine Festival - Casa das Artes - Bento Gonçalves/RS (19, 20 e 21/11/2021)

 

Estive no último final de semana em Bento Gonçalves acompanhando a segunda edição do Bento Jazz & Wine Festival, que tem a curadoria do meu amigo Carlos Badia. Depois de uma abertura festiva com o Secretário da Cultura, Evandro Soares, o ex-prefeito Guilherme Pasin e do atual Diogo Siqueira, foi feita a homenagem à pianista, tecladista e cantora Ana Mazzotti, que deu nome ao palco da Rua Coberta. Pra começar a função na sexta-feira, tivemos o Quarteto New Orleans, formado por Roberto Scopel no trompete; Luis Carlos Zeni no sax tenor; Jhonatas Soares na tuba e Edemur Pereira, na percussão. Nos moldes da POA Jazz Band, o grupo toca clássicos do dixieland, como a clássica "When The Saints Go Marching In". No final da apresentação, o Quarteto New Orleans desceu do palco e se misturou ao público, bem ao estilo da cidade americana. 

Na sequência, no palco do teatro da Casa das Artes - um moderno centro cultural incrustrado na Serra - o Quartchêto iniciou as comemorações de seus 20 anos de estrada. Com sua formação inusitada de trombone, violão, acordeon e bateria e percussão, a banda desfilou composições de seus três discos com destaque para "Mas Tá Bonito". A novidade nesta apresentação foi a adição de Matheus Kleber no acordeon em substituição a Luciano Maia, que segue sua carreira solo. Como sempre, o Quartchêto demonstrou sua competência em mesclar os ritmos gaúchos à sonoridade do trombone de Julio Rizzo. Hilton Vacari mantém a base rítmica enquanto Ricardo Arenhaldt mostra todo o veneno do percussionista brasileiro. 

Depois tivemos uma das surpresas do festival: o trio Blue Jasmine, formado por Fran Duarte na voz, Débora Oliveira na harmônica e Karina Komin na guitarra. As meninas fizeram um repertório de blues, R&B e rock com segurança e musicalidade. Entre as músicas apresentadas, estava "See See Rider", gravada originalmente pela blueseira Ma Rainey. A primeira noite foi fechada pelos caxienses do De Boni Quarteto. Liderada pelo acordeonista Rafael De Boni, a formação, que tem ainda Lázaro Rodrigues na guitarra, Gustavo Viegas no baixo elétrico e Cristiano Tedesco na bateria, passeia pelas sonoridades portenhas, com forte influência de Astor Piazzolla. 

A El Trio, abrindo a tarde de sábado com jazz moderno

A tarde de sábado iniciou com as evoluções jazzísticas do DJ Zonatão, tocando Miles Davis, Jeff Beck e George Benson. A música ao vivo começou com El Trio, que tem Leonardo Ribeiro no violão e voz, Cláudio Sander nos saxes tenor e alto e Giovani Berti na percussão. Com forte acento nos ritmos latino-americanos, o El Trio também acerta no repertório de clássicos do jazz como "Tutu", de Miles, e "A Night in Tunisia", de Dizzy Gillespie. Leonardo mantém a harmonia e Giovani no ritmo, enquanto Sander mostra porque é um dos melhores saxofonistas do estado. 

O trio de Leonardo Bitencoutrt
Seguiu-se o Mazin Silva Trio, com o guitarrista de Blumenau com um trio integrado por Caio Fernando no Baixo e o sensacional Jimi Allen na bateria. Mazin circulou pelas composições de seus inúmeros discos, com muita qualidade instrumental, mesmo que calcada nas sonoridades de Pat Metheny. Um dos grandes pianistas da novíssima geração da música gaúcha, Leonardo Bittencourt, apresentou um trio All-Star com seu colega de Marmota, André Mendonça no baixo acústico, e a revelação da bateria dos últimos anos, o riograndino Lucas Fê. Eles interpretaram standards do jazz com altíssima octanagem. 

Uma das bandas mais interessantes surgidas no Rio Grande do Sul, o Quinteto Canjerana cativou o público da Rua Coberta com as músicas de seus dois discos gravados. Com Zoca Jungs na guitarra, violão e viola; Maurício Horn no acordeon, Alex Zanotelli no baixo elétrico, Maurício Malaggi na bateria e Fernando Graciola no violão, o grupo mostrou como se pode fazer música gaúcha instrumental contemporânea, dosando as sonoridades dos ritmos do Sul com uma abordagem moderna. A noite de sábado encerrou com um dos destaques de todo o festival, o violonista Lúcio Yanel. Argentino mas radicado há 38 anos aqui no Brasil, Yanel deu uma verdadeira aula do violão portenho e pampiano, passando por chacareras, milongas e valsas. Somente com seu violão, o músico conseguiu fazer com que o público ficasse hipnotizado com sua técnica exuberante. 

Yanel: aula de violão portenho

O domingo começou com o trio de Bento Teia Jazz, que misturou composições próprias com standards. A proposta é interessante e mais estrada vai solidificar o som do grupo. O blues esteve representado pelo Alê Lucietto Trio que interpretou Muddy Waters, Jimi Hendrix e Eric Clapton junto com músicas da banda e animou o público com uma linguagem mais roqueira. 

Um dos shows mais esperados do Bento Jazz & Wine Festival foi o de Renato Borghetti Quarteto, que mostrou uma grata surpresa: a participação de Jorginho do Trompete, substituindo o flautista e saxofonista Pedrinho Figueiredo, que estava em outro compromisso. Foi muito interessante ver e ouvir como as composições de Borghetti como "Passo Fundo" e "Milonga Para as Missões" se modificaram com a sonoridade rascante do trompete. Acompanhando os dois e mostrando suas habilidades musicais, estiveram os habituais Daniel Sá ao violão e Vitor Peixoto ao teclado. 

Após a música vibrante de Borghettinho, o teatro da Casa das Artes recebeu um dos grupos mais instigantes surgidos no estado, a Marmota. Com os integrantes Leonardo Bittencourt e André Mendonça, que já haviam participado no sábado, tivemos o baterista Bruno Braga e o substituto de Pedro Moser, a revelação Lucas Brum na guitarra. Este se mostrou plenamente integrado ao intrincado e desafiador som da banda. Apresentando as músicas de seus dois discos, "Prospecto" e "À Margem", o quarteto ainda deu lugar a novas composições. O público aplaudiu de pé as evoluções instrumentais de rapaziada. 

Para fechar o Bento Jazz & Wine Festival, o palco da Rua Coberta recebeu o Paulinho Cardoso Quarteto em sua formação clássica: Paulinho no aocrdeon, Zé Ramos na guitarra, Miguel Tejera no baixo e Daniel Vargas na bateria. Fazendo sua mistura bem sucedida de música regional com ritmos brasileiros, o grupo foi o perfeito fechamento para três dias de intensa atividade musical. Obrigado, Carlos Badia, e à cidade de Bento Gonçalves por abrir espaço para o instrumental, especialmente após a pandemia. Esperamos ansiosamente a terceira edição do evento em 2022.

Confira mais fotos dos shows do Bento Jazz & Wine Festival:







Paulo Moreira
fotos: Facebook Bento Jazz & Wine Festival
(@bentojazzwine) 



segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Stephen Stills - "Stephen Stills" (1970)

Como fazer um disco clássico em 10 lições


“Sou uma das pessoas mais preguiçosas que conheço, mas quando eu pego fogo, fico obsessivo.”
Stephen Stills

Quem acessa as páginas do livro “1001 Discos para Ouvir Antes de Morrer” talvez nem se aperceba de um dado interessante: há mais álbuns do combo Crosby-Stills-Nash-Young do que dos Beatles. Enquanto os ingleses somam 12 discos seja da banda quanto dos trabalhos solo de seus ilustres integrantes, os americanos mandam ver em nada menos que 16 registros considerando-se os dos quatro juntos, em trio, em duo, seus respectivos solo, um da Buffalo Springfield e os três da The Byrds com David Crosby na formação. Mais do que curiosa, essa comparação diz muito principalmente quando se refere ao rock do início dos 70. Enquanto os Beatles separavam-se e dispersavam suas produções, a turma da Costa Oeste mantinha-se firme e forte. E unida. Somente nos primeiros três anos daquela década, são 6 memoráveis discos em que todos se visitam, entre estes o primeiro solo de Stephen Stills

Acontece que, mesmo sendo um ativo integrante da Buffalo e autor do maior hit da banda, a clássica "For What It's Worth", de 1966, que colocara a banda no rol das vendedoras de 1 milhão de cópias, pairava uma inexplicável desconfiança sobre a verdadeira capacidade de Stills. Claramente, o jovem cantor e compositor texano, de apenas 25 anos à época, talvez pela personalidade mais acanhada ou preguiçosa, não gozava da mesma idolatria que seus companheiros, principalmente em relação a Crosby, já considerado uma lenda do rock, e, claro, ao carismático e talentoso Neil Young, consagrado em carreira solo havia dois anos. 

Se não lhe faltava igual talento, então, o que precisava? Vencer a própria indolência e agir. Stills disse a si mesmo: "Querem que eu prove que sei fazer sozinho? Então, vou ser bem didático". Munido de todo seu amplo conhecimento musical, Stills compõe, então, um disco como quem prepara uma aula. São 10 lições... quer dizer: 10 canções, que percorrem o rock em todas as suas vertentes originárias faixa a faixa e de maneira não apenas pedagógica como, principalmente, com rara inspiração. Casando ousadia e melancolia, o doutrinamento começa com “Love the One You're With”, sucesso do disco. Rock com levada latina, seu marcante refrão, a voz rasgada de Stills e os acachapantes coros são de tirar o fôlego. Até os reconhecíveis melismas “tchu ru ru”, ouvido em temas como a suíte “Judy Blue Eyes", da Crosby, Stills & Nash, de um ano antes, estão presentes. Aliás, os colegas estão reunidos fazendo-lhe o coral juntamente com John Sebastian, Priscilla Jones e Rita Coolidge, praticando a mensagem central da canção: “Ame quem está com você”. Com esse cartão de visitas impactante, é como se Stills entrasse pela porta da classe e dissesse à turma: “cheguei!”

Agora que os alunos estão estaqueados nas carteiras, é hora de vir com a segunda lição: “como compor um rock melódico”. A resposta é "Do for the Others", em que o próprio autor faz praticamente tudo sozinho: toca baixo, guitarra, percussão e, claro, canta. Aliás, canta lindamente. Ouvindo-a, fica muito claro de onde vem parte das harmonias da Buffalo e da CSN&Y - e também de onde Ben Harper tirou a melodia de "Diamonds on the Inside". Parte do ensinamento é o de saber variar e aproveitar suas próprias capacidades compositivas. Por isso, a próxima, o rhythm and blues gospel "Church (Part of Someone)", seja talvez ainda tão mais impressionante e marcante. Esplendorosa, pode-se dizer, com direito ao vozeirão de Stills a la Joe Cocker e um coro simplesmente arrebatador.

Tema de casa nº 4: “se forem tentar fazer um hard rock psicodélico em plena fase áurea de Led Zeppelin, Steppenwolf, The Who e Queen, façam-no por completo”. Com a companhia de Calvin "Fuzzy" Samuels no baixo, Jeff Whittaker na percussão e Conrad Isidore na bateria, Stills ataca o Hammond e o microfone e deixa a guitarra para ninguém menos que o maior de todos do instrumento: o amigo Jimi Hendrix, em uma de suas últimas gravações antes de morrer prematuramente um mês depois de “Stephen Stills” ser lançado e a quem, por isso, o disco é dedicado. É visível a proeminência de Hendrix ao lançar suas frases de guitarra, sendo que a música o ajuda muito a desenvolver sua técnica insuperável: embalada, de refrão pegajoso, performances empolgadas e arranjo na medida.

Momento importante da aula, quando o professor Stills excede o ensinamento da disciplina em si e contribui filosoficamente com seus aprendizes: “se você já foi ao Céu, então, não perca a oportunidade de estar com Deus”. Stills faz exatamente isso. Se na faixa anterior ele conta com as palhetadas do gênio da guitarra, em "Go Back Home" é o Deus do instrumento, Eric Clapton, que é convocado. Comandando os pedais de distorção, o autor de “Layla” escreve um blues eletrificado abençoado pelos anjos. Um show nas nuvens.

É a vez de aliviar novamente o andamento e trazer o delicioso pop-rock "Sit Yourself Down", em que conta mais uma vez com um poderoso coro dos amigos, agora ainda ajudados por Cass Elliot e Claudia Lanier. Mais uma melodiosa, a balada triste “To a Flame”, além de emocionar, tem a primeira aparição de orquestra, claro, estrategicamente reservada para surpreender os ouvintes no sétimo número, já se encaminhando para o final do disco. Com arranjo e condução do maestro Arif Mardin, as cordas e metais entram na segunda metade da faixa e acompanham o piano e a voz agora suave e afinadíssima de Stills. Que perfeição!

O conteúdo até aqui teve R&B, hard-rock, blues, gospel, balada, country e tudo mais, certo? Pois Stills guarda ainda três joias diferentes entre si para completar seu compêndio musical. O músico traz, agora, a acústica “Black Queen”, limite entre o folk e o blues: ao estilo Muddy Waters em "Folk Singer", conta com violão de corda de aço e voz. Aliás, o vozeirão rouco e inebriado de Stills! Com esta nova batelada de conhecimento, Stills encaminha-se para o encerramento de seu tutorial.  "Cherokee", a nona preleção, é o intermeio entre tudo o que veio antes e o aguardado final. O que não significa que o mestre desperdice esse momento. Aliás, faz num rock soul com rico arranjo de metais e madeiras e outra participação ilustre, a do multi-instrumentista Booker T, líder da Booker T & The MG's, esmerilhando no órgão.

Ufa! Quanta variedade! Mas ao mesmo tempo, quanta coesão do disco até aqui. Porém, antes da sirene tocar, Stills guarda o melhor para a última página do polígrafo. Com versos de esperança a uma América livre e afetiva (“Todos são estranhos, todos são amigos/ Todos são irmãos”), "We Are Not Helpless" é o gran finale que qualquer disco de rock gostaria de ter – e que poucos, muito poucos conseguem. Balada rascante e melodiosa, que resume todas as vertentes trazidas anteriormente, com a voz possante de Stills sobrando em intensidade. A música, no entanto, vai além disso. Se o começo remonta à melancolia do folk-rock de origem, a melodia avança para um crescente emocional, principalmente quando voltam, triunfantes, as cordas, os metais e o coral. Mas ainda tem mais! Para arrebentar o coração de quem acompanhou o álbum até então, "We...” transforma-se, como “You Can't Always Get What You Want” dos Rolling Stones, de um ano antes, num rock gospel embalado. O final, apoteótico, junta tudo: banda, voz, cordas e o órgão, o qual tem a primazia de pronunciar o último acorde. Como disse o policial Malone a Elliot Ness em “Os Intocáveis”: “aqui termina a lição”.

Mais do que um apanhado de temas que exercitam o arsenal estilístico da música pop dos anos 60/70, o álbum de estreia de Stills é uma aula também de como fazer um grande disco, com ritmo narrativo envolvente e, principalmente, construído com músicas de qualidade inquestionável. Depois de “Stephen Stills”, nunca mais ninguém se meteu a besta em colocar a capacidade do músico à prova. Como um professor que avalia uma prova, ele foi passando a régua nas desconfianças uma a uma e cravando pontuação máxima em todas. A recompensa, por fim, não poderia ser outra: nota 10 pra ele.

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FAIXAS:
1. "Love the One You're With" - 3:04
2. "Do for the Others" - 2:52
3. "Church (Part of Someone)" - 4:05
4. "Old Times Good Times" - 3:39
5. "Go Back Home" - 5:54
6. "Sit Yourself Down" - 3:05
7. "To a Flame" - 3:08
8. "Black Queen" - 5:26
9. "Cherokee" - 3:23
10. "We Are Not Helpless" - 4:20
Todas as composições de autoria de Stephen Stills

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OUÇA O DISCO:
Stephen Stills - "Stephen Stills"

Daniel Rodrigues

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Meu Babaca Favorito


Em tempos de idolatrias tão efêmeras, edificadas sobre méritos mínimos, e cancelamentos quase automáticos motivados pelo primeiro deslize, posicionamento ou frase mal colocada de um ídolo que, não muito tempo atrás, era elevado à condição de semideus, pessoas com um pouco mais de critério, de apego a suas influências e referências, têm uma certa resistência em, simplesmente, adotar o tão usual procedimento vigente de CANCELAR uma personalidade que, de alguma forma sempre admirou e que fora seu referencial, por mais que este faça por merecer um belo "block" por conta de procedimentos, atitudes, declarações, que revelam uma pessoa diferente daquela que se imaginava ou que demonstrava ser.
Os caras se esforçam pra fazer merda, cagar pela boca, demonstrar o quanto são desprezíveis, pessoas que a gente não aceitaria no nosso meio social, mas aí a gente pensa no que já fizeram de fantástico na sua arte, o quanto foram (e são) importantes pr'a gente, o quanto os admiramos, e não conseguimos, meramente, virar as costas e dizer que não os admiramos mais. E aí que com muito esforço, colocamos seu trabalho, sua figura, suas músicas, suas letras, acima de tudo e, separamos o ser-humano de sua obra. Só assim mesmo pra aguentar uns, ó, que, vou te contar...
Muitos desses, os mais recentes, já tinham seu espaço para dizer o que pensavam, tiveram microfone, seus próprios álbuns, palco, livros, espaço na imprensa, mas com a ascensão das mídias sociais, uma verdadeira terra-de-ninguém, onde todo mundo tem opinião formada sobre tudo mesmo, muitas vezes, sem qualquer embasamento ou informação, pareceram encorajados a assumir posições, que não são decepcionantes por serem divergentes da minha ou de determinado segmento, mas sim por serem lamentáveis do ponto de vista humano.
Listamos, aqui, alguns dessas criaturas que a gente só não "cancela" porque não dá pra deixar de lado o que já fizeram e, cá entre nós, porque a gente adora esses caras mesmo. Mas que estão pedindo, estão...
Uns são de hoje, outros tem histórias que vem de muito tempo, uns se revelaram por conta da pandemia, outros revelaram preferências políticas bem preocupantes, enfim, tem um monte nessa barca, mas aqui vamos pegar apenas alguns desses "caraterzinhos" duvidosos, que a gente sabe que são uns idiotas, uns babacas, mas que odiamos amar.


Tá certo é esse cachorro!
Eric Clapton - "Clapton é Deus". A inscrição frequentemente vista em muros de Londres nos anos 60, quando o guitarrista inglês hipnotizava os fãs com sua técnica e habilidade, está longe de ser verdade. Ao contrário, hoje, muitos fãs preferem ver o diabo do que o gênio da guitarra.
Recentes declarações de Eric Clapton, acerca da situação da Covid-19 e do isolamento, comparando os protocolos de segurança à escravidão, reforçadas pela gravação de uma canção anti-lockdown, "Stand and Deliver", de Van Morrison, por sinal, outro que tem se revelado um grandíssimo feladaputa, provocaram indignação entre seus admiradores e de quebra ainda tiraram alguns velhos esqueletos do armário. Os atuais posicionamentos de Clapton fizeram com que pessoas lembrassem de um episódio em 1976 em que ele, durante um show em Birmingham, "convocou" os estrangeiros e imigrantes a se retirarem do país. Na ocasião, Clapton disse, se dirigindo ao público, “Vamos impedir o Reino Unido de virar uma colônia negra. Expulsem os estrangeiros, mantenham a Inglaterra branca. Os negros, árabes e jamaicanos não pertencem a este país e nós não os queremos aqui (...) “Precisamos deixar claro que eles não são bem-vindos. A Inglaterra é um país para brancos, o que está acontecendo conosco?” . Pois é... Clapton pode até ser um deus na guitarra, mas passa longe de ser um santo.
Ao que parece, até seus amigos músicos perderam a paciência e não aguentam mais tanta baboseira, uma vez que o lendário guitarrista tem reclamado de se sentir abandonado pelos colegas do meio musical.
Toma!
Mas não adianta: tem como odiar o cara que fez "Layla", "Cocaine", "Crossroads" e outras tantas maravilhas? Não, né?


Roberto sendo homenageado
pelos militares, nos anos 70
.
Roberto Carlos - Sabe aquele cara que sempre que se fala dele tem aquele asterisco ao lado do nome? Sim, esse cara é ele. As coisas que depõe contra o Rei não são de hoje e não são relacionadas com pandemia, isolamento, redes sociais nem nada tão atual, mas acompanham sua figura pública já de bastante tempo e, de certa forma, embora seja inegável sua contribuição para a música brasileira e seu talento para composições, nunca conseguimos perdoá-lo totalmente.
O problema de Roberto Carlos, na verdade, foi mais seu silêncio do que o que teria dito. Enquanto seus colegas do meio cultural, musical, das artes bradavam contra a ditadura militar no Brasil, sofrendo suas consequências de censura, prisões e exílios, Roberto, confortável e convenientemente não só não se manifestava em relação ao regime e as reprimendas sofridas pelos colegas e continuava, simplesmente, gravando suas canções alienadas com temas românticos ou de "curtição", como ainda não se esforçava em esconder uma proximidade com os generais e até mesmo era agraciado com comendas e homenagens pelos tiranos governantes brasileiros daquele nefasto período da nossa história.
Como se não bastasse, Roberto é conhecido no meio artístico por seu comportamento egoísta, mesquinho e antiético, sabotando outros artistas, reivindicando vantagens e benefícios junto a produtoras, gravadores, emissoras, etc., e, como se diz popularmente, "puxando o tapete" de colegas de profissão. Tim Maia foi um exemplo de um que, depois de ter sido parceiro de banda, ter convivido junto, foi ignorado e menosprezado por Roberto, assim que o Rei começou a estourar nas paradas de sucesso e tornar-se o fenômeno que veio a ser. O anglo-brasileiro Ritchie, sucesso nos anos 80, é outro que teria sofrido pelas mãos de Roberto que, segundo se sabe, e é confirmado por outros artistas, teria "mandado" a gravadora boicotar o sucesso de Ritchie, dificultando a distribuição do material do músico, sua participação em eventos e programas e negligenciando a divulgação em rádios do material do próprio contratado.
Mas não dá pra ignorar o tamanho desse cara na música brasileira, a qualidade de suas composições e a quantidade de grandes e inesquecíveis canções com que ele nos brindou. Se sua atividade no microfone, no estúdio, nos palcos é incontestável e proporcionou a todos nós momentos mágicos em músicas como "Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos", "Emoções", os DETALHES das suas atuações nos bastidores, de alguma forma sempre mancharão um pouco seu nome, pois, como diz aquela canção, são coisas muito grandes pra esquecer.


Não se orgulhar mais de ter usado
camiseta do MST, tudo bem, mas Bolsonaro?
Lobão - O cara foi, simplesmente, uma espécie de símbolo da democracia da geração rock dos anos 80. Tinha a Plebe Rude que era contundente, tinha a Legião que se posicionava com ênfase e inteligência, o Capital Inicial correndo por fora mas ainda assim engajado, mas o Lobão era o cara que gritava. Ele participava de comício, ele fazia música que avacalhava o Sarney, chamava a galera pra votar consciente, tocava o hino nacional na guitarra, ao melhor estilo Hendrix, em pleno Globo de Ouro, na maior emissora de TV do país... e tudo isso pra quê? Pra acabar apoiando o Bolsonaro. Putaquiuparil
Ele alega ter se decepcionado com a esquerda, se arrependido de ter votado no PT, ter perdido a confiança em quem governou o país e acabou em tribunais respondendo por corrupção... Ok, Lobão. Mas daí a apoiar a eleição de uma criatura, visivelmente, incapaz, limitada e mal-intencionada como o atual presidente brasileiro, é muita ignorância, ingenuidade ou burrice. Um cara que tinha tudo pra dar errado, não apresentou nenhuma proposta durante a campanha se apoiando somente em um montão de bravatas e, por isso mesmo fugiu dos debates como o diabo da cruz; baseou sua campanha em notícias falsas; destilou ódio e preconceitos contra negros, indígenas, homossexuais, além de manifestar contumaz desprezo pela classe artística, da qual, exatamente o senhor João Luiz Woerdenbag, mais conhecido como Lobão, faz parte, não podia dar outra coisa senão o que deu.
Faz parte do meio artístico mas, a bem da verdade, por outro lado, também faz parte de uma classe-média alta elitista, mimada que, nos anos 80, recém saída da ditadura, via seus filhos, rebeldes sem causa, lutarem sem saber bem pelo quê, por causas como diretas, igualdade social, contra a fome, muito mais pelo embalo e pela modinha, do que por qualquer convicção. Tudo uns filhinho de papai que, na hora que perceberam que estavam perdendo privilégios, deixaram cair a máscara.
Lobão até se arrependeu - pelo menos é o que ele diz. Mas agora, depois de ajudar a eleger aquele ser ignóbil que ocupa a cadeira da presidência, aí já é tarde e já condenou o país a um retrocesso vai ser duro de reverter. Quando criaturas como Lobão, Roger, do Ultraje, Paula Toller, Rodolpho do Raimundos, mostram esse tipo de atitude, de posicionamento de caráter, eu tenho que dar razão para a aquela música que um cara muito legal do rock nacional dos anos '80 compôs: O rock errou.


O cara que bradava contra o sistema...  
John Lydon - O Rei dos Punks, o cara que gritava por anarquia, que bradava contra o poder, contra a caquética monarquia britânica, quem diria..., apoia Donald Trump. Pois é. Preferências políticas à parte, de direita, esquerda, democratas, republicanos, liberais, socialistas, já estar cansado das "bobagens intelectuais" da esquerda, como o próprio Lydon afirma, tudo bem, a gente entende, mas, agora, um cara que já simbolizou a atitude contra o poder, contra o opressor, daí a se manifestar, veementemente, a favor de uma pessoa elitista, odiosa, arrogante, egoísta, megalomaníaca, racista, xenófoba, um negacionista que, por conta de sua ignorância, falta de humanismo e empatia, ignorou a presente pandemia e, por conta de seu discurso, sua falta de ações efetivas, condenou milhares de seus compatriotas (e, por tabela, outros tantos milhões, indiretamente, pelo mundo afora) à morte, é inaceitável.
Como se não bastasse apoiar abertamente um maluco egocêntrico e considerá-lo a "última esperança e o verdadeiro representante da classe operária (???), o ex-líder dos Sex Pistols, vêm dando indesculpáveis demonstrações de intolerância e racismo. Além de "passar pano" no episódio de George Floyd, dizendo que existem policiais brancos ruins mas que aquilo teria sido apenas um episódio isolado, e ter ofendido com injúrias racistas o integrante da banda Block Party, Kele Okereke, durante um festival, diante de pessoas que confirmam o incidente, Joãozinho Podre ainda vem afirmando e reafirmando que os jovens ingleses que participam de manifestações contra o racismo são uns "mimadinhos" que, segundo ele, "têm merda na cabeça". Tá certo que a simpatia nunca foi mesmo uma marca forte na vida de John Lydon, mas agora com essas ele não se ajuda a que continuemos tendo algum respeito por ele ou pelo que já representou.
"Eu posso estar certo, eu posso estar errado", era o que ele mesmo cantava, já nos tempos de PIL, e creio que, diante das últimas atitudes não é muito difícil constatar qual das alternativas prevaleceu.


Morrissey exibindo, sem pudor,
 seu apoio à direita britânica.
Morrissey - O que mais me dói ver o lixo humano que se tornou. Morrissey era uma espécie de amigo, o cara que a gente ouvia porque parecia que sentia como a gente e exprimia suas dores, seus problemas, suas angústias, da maneira como gostaríamos de manifestar, com sinceridade, sem medo de se expôr, como um ser humano que só quer ser amado. Pois bem..., como é que essa pessoa se tornou esse ser deplorável que temos acompanhado ultimamente é algo misterioso para mim. Talvez nem tanto. Se formos prestar atenção alguns sinais já vinham sendo dados mas, nós fãs, nem levávamos em consideração, tipo, "Morrissey não é assim", ou passávamos um pano, bem bonito, justificando por alguma descontextualização ou má interpretação. Achávamos graça das declarações mal-educadas do ídolo, classificando como uma acidez típica dos gênios, quando efetivamente, deveríamos estar preocupados com o que aquilo representava.
Na verdade, aquele "England is mine...", de "Still Ill", ainda da época do The Smiths, já era um indicativo e eu é que não entendia totalmente... As coisas começaram a ficar mais claras em "National Front of Disco", canção de 1998, uma evidente alusão à Frente Nacional, partido de extrema direita inglês, contestada por alguns mas que, naquele momento, muita gente (inclusive eu) preferiu interpretar como uma "figura" compositiva dentro do contexto poético da música. Só que de uns tempos pra cá, Moz resolveu confirmar publicamente o que insistíamos em negar: tornara-se (se é que em algum momento não fora) um fascista de direita, racista, xenófobo e desprezível. Depois de usar, durante a turnê de seu álbum "Low in the High School", um broche do partido For Britain (foto), de perfil excludente e xenófobo, o cantor reafirmou em um programa de TV norte americano seu apoio às plataformas do partido e ainda, durante a entrevista, minimizou, e até ridicularizou o racismo, afirmando que, atualmente, a expressão é sem sentido e que uma pessoa será acusada de racista, nos dias de hoje, simplesmente, por discordar da opinião dos outros. No balaio de disparates, Morrissey ainda comparou a suposta perseguição que a imprensa impõe a ele, e o boicote que alega sofrer de gravadoras e da mídia ao nazismo e, a propósito de Terceiro Reich, de quebra, afirmou que Hitler seria de esquerda. 
Ah, e tem a que chineses são uma "subespécie", que fronteiras são coisas maravilhosas e foram feitas para serem respeitadas" (sobre imigrantes), que Obama, na verdade, era "branco por dentro", tem a de expulsar fãs do próprio show acusando-os de terem sido mandados pela imprensa, a de sugerir que a criança assediada por Kevin Spacey sabia o que estava fazendo ao ir para o quarto com um homem adulto... Olha..., eu não sei como eu ainda ouço as músicas dê-se cara! Pra falar a verdade, hoje, sempre que eu tenho vontade de ouvir alguma coisa dos Smiths ou de sua carreira solo, eu penso, "Eu vou ouvir esse merda?". Aí eu, a muito custo, separo o homem do artista e lembro do que ele mesmo falou em uma de suas letras: "Não se esqueça das canções que lhe fizeram chorar/ e das canções que salvaram sua vida"
Aí ele me convence e eu o ouço mais uma vez.
(Por enquanto...).


Cly Reis

quinta-feira, 10 de junho de 2021

Protagonistas coadjuvantes

Michael dando um confere bem de perto no que seu
mestre Stevie Wonder faz em estúdio, nos anos 70
Não é incomum artistas da música que, mesmo sendo astros, têm por hábito participarem de projetos de outros, seja tocando em gravações, shows ou como convidados. George Harrison, por exemplo, muito tocou sua slide guitar em discos dos amigos John Lennon e Ringo Starr. Eric Clapton, igualmente, além da carreira solo e de bandas próprias como Cream e Yardbirds, também emprestou sua guitarra para Beatles, Yoko Ono, Tina Turner, Phil Collins e vários outros. Como eles, diversos: Brian Eno, Robert Wyatt, Flea, Eddie Van Halen ou brasileiros como Herbert Vianna, Gilberto Gil, Frejat e João Donato. Todos comumente contribuem com seus instrumentos e/ou voz na música que não somente a deles próprios.

Há também aqueles que dificilmente se supõe que fariam algo fora de seus trabalhos pelos quais são mais conhecidos. Mas vasculhando com atenção as fichas técnicas dos discos, acha-se. Vez ou outra se encontra um artista que geralmente é visto apenas como protagonista atuando, deliberadamente, como um coadjuvante. E não estamos nos referindo àqueles principiantes que, posteriormente, tornar-se-iam ilustres, caso de Buddy Guy em “Folk Singer”, de Muddy Waters, de 1959, na primeira gravação do jovem Guy, então com 18 anos, com o veterano bluesman, ou Jimi Hendrix nas gravações de 1964 com a Isley Brothers anos antes de transformar-se num ícone do rock.

Aqui, referimo-nos àqueles que, já consagrados, abriram mão de seu status em nome de algo que acreditavam seja para um disco, um projeto, uma música ou um show. São momentos em que se vê verdadeiros mitos descerem de seus altares para, humildemente, colaborarem com a música alheia, seja por admiração, amizade, sentimento de dívida ou o que quer que explique. O fato é que esses “protagonistas coadjuvantes”, mesmo que estejam escondidos ou somente encontráveis nas miúdas letras da ficha técnica, abrilhantam com seus talentos peculiares a obra de outros.


Robert Smith para Siouxsie & The Banshees

Os anos 80 foram de inquietude para Robert Smith, líder da The Cure. Sua banda já era uma das mais celebradas do pós-punk britânico em 1983 quando ele, que havia lançado um ano anos o disco único “Blue Sunshine”, da The Glove, projeto em parceria com Steven Severin, decide dar um tempo com o grupo. Mas para quem estava a pleno naquela época, Bob “descansou carregando pedra”, como diz o ditado. Ele decide fazer parte da Siouxsie & The Banshees, banda coirmã da The Cure, mas estritamente como integrante. Com os vocais e o palco já devidamente preenchidos por Siouxsie, Robert assume as guitarras e une-se a Severin (baixo) e Budgie (bateria) para compor a melhor formação que a Siouxsie & The Banshees já teve. Não deu outra: dois discos, duas pérolas, para muitos os melhores da banda: “Hyenna” e o ao vivo “Nocturne”




Miles Davis
para Cannonball Adderley
Mais do que na música pop, é comum no jazz grandes astros e band leaders tocarem na banda de colegas. Isso não funciona, entretanto, para Miles Davis. O talvez mais exclusivo músico do jazz havia tocado no início da carreira para Sarah Vaughan, mas depois jamais fez nada que não fosse tão-somente seu. Até que, com jeitinho, em 1958, o amigo Cannonball Adderley convida-o para participar das gravações de um disco que ele estava por lançar e no qual teria ainda Art Blakey, na bateria, Hank Jones, no piano, e Sam Jones, no baixo. Uma sessão de gravação apenas, só cinco números, algumas horinhas de estúdio com Rudy Van Gelder na mesa, engenheiro com quem Miles tanto estava acostumado a trabalhar. "Não vai custar nada. Diz, que sim, diz que sim!" Tanto foi, que Miles topou, e saiu "Somethin' Else", aquele que é o disco que antecipa a obra-prima “Kind of Blue”, em que, reassumido o posto de front man, aí é Miles que conta com o parceiro saxofonista na banda. Tudo de volta ao normal.


Paul McCartney para Foo Fighters
É conhecida a versatilidade de Paul McCartney. Multi-instrumentista, ele é capaz de tocar, em apenas um show, vários instrumentos ou gravar um disco inteirinho sozinho sem precisar de mais ninguém no estúdio. Quem também fez isso foi Dave Grohl, líder da Foo Fighters, que, no álbum de estreia da banda, em 1995, toca não apenas a bateria, que era seu instrumento na Nirvana, como todos os outros. A amizade e talvez essa semelhança tenham feito com que chamasse o eterno beatle para uma empreitada 12 anos depois. Fã de Macca, ele convidou o veterano músico para gravar para ele não a guitarra, o piano ou a voz. Isso, muita gente já havia feito. Ele pediu para Paul tocar justamente bateria. A “brincadeira” deu super certo, como se vê na canção "Sunday Rain" presente no disco "Concrete And Gold".


Michael Jackson para Stevie Wonder
É uma música apenas, mas considerando o tamanho deste “coadjuvante”, vale por um disco inteiro. A linda e melodiosa “All I Do”, que Stevie Wonder gravaria em seu “Hotter than July”, de 1980, conta com ninguém menos que Michael Jackson nos vocais. E não se trata da voz principal, e sim do backing vocals! Surpreende ainda mais que o Rei do Pop já havia lançado à época o megassucesso “Off the Wall”, de um ano antes, com o qual revolucionaria a música pop e que quebrara os paradigmas de vendas da música negra no mundo. Mas a devoção de Michael para com Stevie era tamanha, que ele nem se importou em fazer um papel secundário. Para quem era conhecido pela habilidade de canto e arranjos de voz, no entanto, o que seria uma mera participação contribui sobremaneira para a beleza melódica da canção.



David Bowie
 para Iggy Pop
Em meados dos anos 70, Iggy Pop e David Bowie estavam bastante próximos. Bowie havia chamado o amigo para uma temporada em Berlim, na Alemanha, onde desfrutariam do moderno estúdio Hansa para erigir alguns projetos, dentre estes, “The Idiot”, no qual dividem todas as autorias e gravações. O período foi tão fértil, que rendeu também uma turnê, registrada no álbum ao vivo “TV Eye Live 1977". Acontece que, no palco, não dá para apenas os dois se resolverem com os instrumentos. Foi então que chamaram os Sales Brothers para o baixo e bateria, Ricky Gardiner, para a guitarra, e... quem assumiria os teclados? Ah, chama aquele cara ali que tá de bobeira. O próprio David Bowie. Quando se escuta as versões ao vivo de “Lust for Life”, “I Wanna Be Your Dog” e “Funtime”, acreditem: os teclados que se ouvem são do Camaleão do Rock. 



Phlip Glass
 para Polyrock
O cara já tinha composto de um tudo: ópera, concerto, sinfonia, madrigal, trilha sonora, sonata, estudos. Faltava uma coisa: música pop. Próximo do músico e produtor Kurt Monkacsi, o gênio da vanguarda californiana Philip Glass “apadrinhou” junto com este a new wave art rock Polyrock. Dizem nos bastidores, que o cérebro da banda é Glass e não só os irmãos Billy e Tommy Robertson tamanha é a identificação com a música minimalista do autor de "Einsten on the Beach". Seja por grandeza, timidez ou algum problema legal, o fato é que isso não consta nos créditos. O que consta, sim, é a participação do maestro tocando piano e teclados nos dois discos do grupo, “Polyrock”, de 1980, e “Changing Hearts”, de um ano depois, no qual, inclusive, assina oficialmente o arranjo de cordas da faixa-título. Daqueles raros momentos em que a música de vanguarda se encontra com o rock.





João Gilberto para Rita Lee
Se hoje a participação de João Gilberto tocando violão para Elizeth Cardoso em duas faixas de “Canção do Amor Demais”, de 1958, é considerado o pontapé inicial para o movimento da bossa nova, àquela época o gênio baiano era apenas um músico iniciante ao qual não se havia ouvido ainda toda sua arquitetura sonora de instrumento, voz e harmonia. 24 anos depois, já um mito, João dificilmente repetia uma ação como aquela do passado. Quisessem tocar com ele, ele que convidava. Exceção feita nos anos 80 para sua então esposa, Miúcha (e somente o violão), mas especialmente para Rita Lee. Admirador confesso da Rainha do Rock Brasileiro, João topou o convite de gravar ele, seu violão e sua atmosfera única a faixa “Brasil com S”, do disco “Rita Lee & Roberto de Carvalho”, autoria dos dois. Pode-se dizer que, como todo o cancioneiro de João, é mais uma obra-prima, porém a única em que põe sua voz à serviço de um outro artista fora da sua discografia. Privilégio.


Daniel Rodrigues