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quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Crosby, Stills & Nash - “CSN” (1977)



“CSN&Y nunca fará uma turnê de novo, jamais... mas eu amo esses caras.” 
Neil Young


Como falei noutra ocasião sobre o disco "Zuma", do Neil Young, pra fazer justiça pros meus velhos queridos Stephen Stills, Graham Nash e David Crosby, falo agora de “CSN”, de 1977. Aquele dos três no barco do Stills. Comprei este disco no segundo semestre de 1977, quando terminava o 2º Grau no glorioso Colégio Estadual Inácio Montanha, em Porto Alegre, e fazia o IPV (Lembram? Claro que não!). Já tinha ouvido os discos deles em casa de amigos, mas nunca tinha comprado um. E acertei na mosca. O disco é maravilhoso, talvez o melhor deles, mesmo que não tenha um sucesso estrondoso da carreira do trio. Nesta época, em plena era punk, os já veteranos apostavam na música para se manter acima da superfície do mercado. Conseguiram: o disco chegou ao segundo lugar entre os mais vendidos na ocasião.

E o que se pode dizer de um disco que começa direto com uma obra-prima como “Shadow Captain”, composta por Crosby e pelo tecladista Craig Doerge. Segundo o próprio Crosby, ela foi feita no seu barco, 220 milhas longe da costa, quando acordou num dia e resolveu escrever toda a letra numa sentada. O piano de Doerge e a guitarra slide de Stills dão o tema musical que carrega as harmonias vocais. Neste disco, uma curiosidade: Crosby ainda não tinha mergulhado nas drogas de forma absoluta. Portanto, eles não precisavam de ajuda nas vozes, como no disco posterior, “Daylight Again”, de 1982, no qual ArtGarfunkel dá uma força. No refrão, “Shadow Captain” diz “Quem guia este barco/ sonhando através do mar/ Virando e procurando/ Qualquer que seja o jeito que te agradar/ Fale comigo/ Preciso ver seu rosto/ Capitão ensombreado/ num lugar escuro”.

“See the Changes” tem o violão de Stills e aqueles vocais pelas quais eles ficaram conhecidos. Na canção, Stills fala das mudanças pelas quais um homem passa e do encontro com uma mulher que, finalmente, o entende. “Ela tem me visto mudando/ não tem sido fácil rearranjar/ E fica mais difícil à medida que se envelhece/ Ficando cada vez mais longe quanto mais perto você chega”.

“Carried Away” é a primeira contribuição de Graham Nash no disco. Uma balada com direito a solo de harmônica. De acordo com o próprio Nash, sua esposa Susan não gosta desta música, pois fala de uma paixão platônica que o compositor teve na Flórida por uma mulher que viu numa cafeteria. A letra é bem explícita: “Você veio dos céus/ Sua pele e seus olhos/ As cores do bronze/ A lua em seu ouvido/ Brilhou e resplandeceu/ Em breve, você terá ido embora... mudando através das minhas mudanças/ tão rápido quanto possa/ tentando trazer o balanço entre eu e o homem/ Parte de mim está gritando para dizer/ que quero ser carregado pra longe”. É claro que Susan não gostou. Só ver esta mulher na rua fez Nash querer ir embora. A suavidade de Nash aflorando.

A faixa seguinte, “Fair Game”, tem uma levada latina, bem ao estilo caribenho do gosto de Stills, que dá um show no violão. Na época, separado da cantora francesa Dominique Sanson, ele estava pronto pro jogo e “Fair Game” conta uma história assim. “Encontre uma maneira de chegar nela, se faça de bobo/ Mas faça com um pouco de classe, não siga as regras/ porque este cara sabe que chegar ao fundo do poço não vai te conseguir uma namorada/ o patinho feio ataca novamente e ele vai decidir seu destino/ e você é um alvo/ Nunca vai saber o que ela vai decidir/ Você é o alvo/ apenas relaxe e aproveite”.

“Anything at All” traz a ironia sempre presente de Crosby em dia. Um contestador pro bem e pro mal, David Crosby sempre fez da metáfora e da linguagem figurada o mote para suas canções. Vide “Almost Cut My Hair”, do disco “Déja Vu”, onde fala da briga do establishment com os cabelos compridos no final dos anos 60. Aqui, ele vai um pouco mais longe: “Tudo que você quiser saber/ me pergunte/ eu sou o cara mais opinativo do mundo/ Te darei uma resposta se eu puder/ pegue uma que estiver passando/ se for legal pra você... tudo que você quiser saber apenas pergunte/ vale cada centavo/ mas pra você é de graça/ liquidação especial/ Tudo que você quiser saber/ você vê apenas abaixo da superfície da lama/ tem mais lama aqui/ Surpresa...”.

Já “Cathedral” conta uma experiência de Nash na Winchester Cathedral em Londres, após tomar LSD no dia do seu 32º aniversário. Esta canção e “Dark Star” são as únicas que eles mantêm no repertório de seu show. Vi eles em SP em 2012 e pirei. A viagem literal de Nash começa na catedral, passa por um túmulo de uma pessoa que morreu em 1779 e vai terminar em Stonehenge. Põe viagem nisso! “Abre as portas e me deixe sair daqui/ Muitas pessoas mentiram em nome de Cristo/ para qualquer um considerar o chamado/ muitas pessoas morreram em nome de Cristo/ que não posso acreditar de jeito nenhum/ e agora estou sobre um túmulo de um soldado que morreu em 1779/ E o dia em que ele morreu era um aniversário/ e notei que era o meu/ e na minha cabeça não sabia quem eu era/ comecei a voltar no tempo/ e estou chapado no altar/ chapado no altar, chapado”. Tudo isso com um arranjo de cordas que dá uma sensação de grandiosidade à faixa.

O lado 2 começa com “Dark Star”, mais uma música latina de Stills com Ray Barretto nas congas e Russ Kunkel na bateria, tirando um mezzo samba de americano dos couros e pratos. A canção tem ainda os solos de piano elétrico de Doerge e do violão de Stills que valem o ingresso. Na letra, ele fala de um amor que rolou. Como namorou Judy Collins, Joni Mitchell e Rita Coolidge, não se sabe quem é a “vítima”, mas a música é ótima e os vocais vêm com tudo. “Estrela negra, te vejo pela manhã/ Estrela negra, dormindo perto de mim/ estrela negra, deixe a memória da tarde/ ser a primeira coisa que você pensa/ quando abre seus olhos e me vê, estrela negra”. A convivência, às vezes, não é pacífica, mas Stills tem esperança que as coisas se ajeitem.

”Just a Song before I Go” foi o sucesso radiofônico da época, mais uma daquelas baladas românticas de Nash. Mais uma vez, Nash se envolve com uma mulher, agora no aeroporto, depois de uma turnê. “Ela me ajudou com minha mala/ Ela parou em frente aos meus olhos/ me carregando ao aeroporto/ e pelos céus amigáveis/ passando pela segurança/ eu a segurei por muito tempo/ ela finalmente olhou pra mim com amor/ e se foi”. Um daqueles amores efêmeros que rolam durante uma turnê. Rendeu o 7º lugar na parada dos compactos da Billboard na época.

“Run From Tears” é o momento roqueiro de Stephen Stills. Mais uma vez, os amores desfeitos são o mote da canção: “Não fujo das lágrimas/ esta é a minha fraqueza/ E sei que você ainda me ama/ apesar de não acreditar nisso..você está me punindo/ pela minha fraqueza/ quando souber a meu respeito/ não vai poder bater tão forte/ e não quis te subestimar/ apenas sabia que me sentia bem em casa/ mas você me deixou tão desencantado/ estava cego é claro até que você foi embora”. A guitarra de Stills sola furiosamente sob uma base do órgão de Mike Finnigan, ex-músico de Jimi Hendrix e que integrou a banda de CS&N no final dos 70 e começo dos 80.

“Cold Rain” é mais uma música de Nash composta lembrando seus tempos de Inglaterra, quando fazia parte do grupo The Hollies. Ele fala em terceira pessoa de si mesmo. “Chuva fria cai sobre meu rosto/ ônibus se apressam/ Trabalho terminou, aí vem a turba/ Pessoas indo pra casa/ Não te conheço?/ Não te vi antes?/ Você parece com alguém que eu conheço/ ele viveu aqui, e se foi/ quando achou que tinha mais”.

A penúltima música, “In My Dreams” traz Crosby e um clima jazzístico acústico, com direito a vibrafone de Joe Vitale. Como Crosby sempre foi apaixonado por músicas com vocalize, esta realmente ter sido composta sem letra e o autor resolveu contar um pouco da história de camaradagem e desavenças do trio (ou quarteto, se lembrarmos que Neil Young entrou e saiu deste grupo milhões de vezes, ou ainda da dupla que mantém com Nash há anos). “Duas ou três pessoas entrando e saindo do ar/ como uma emissora de rádio que fico pensando/ mas não consigo ouvir/ quem traz o café da manhã?/ Quem traz o almoço?/ Quem é o líder desta turma?/ Quem vai conduzir?”

Pra encerrar a fatura, Stills volta com sua guitarra enlouquecida solando sobre uma cama de cordas arranjadas por Mike Lewis em “I Give You Give Blind”. Ele também toca o piano, que carrega a melodia. Como em todo o disco, a busca do amor não é fácil e Stepehn Stills reclama: “Ei, você gosta de ficar sozinha?/ E me diga quando vai voltar pra casa/ Por que me deixou abandonado/ Você me fez pirar... Então o amor não pode se perder tão fácil/ e viver não vai ser tão tranquilo e sereno/ olhe em meus olhos e veja o que estou falando”.

Um belo disco, com vocais maravilhosos e atuações musicais perfeitas. O que se pode querer mais? Quem não conhece, tá aqui. E pra quem já ouviu, mais uma chance de se deliciar com os três.

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FAIXAS

1. "Shadow Captain" (David Crosby, Craig Doerge) - 4:32
2. "See the Changes" (Stephen Stills) - 2:56
3. "Carried Away" (Graham Nash) - 2:29
4. "Fair Game" (Stills) - 3:30
5. "Anything at All" (Crosby) - 3:01
6. "Cathedral" (Nash) - 5:15
7. "Dark Star" (Stills) - 4:43
8. "Just A Song Before I Go" (Nash) - 2:12
9. "Run from Tears" (Stills) - 4:09
10. "Cold Rain" (Nash) - 2:32
11. "In My Dreams" (Crosby) - 5:10
12. "I Give You Give Blind" (Stills) - 3:21

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OUÇA O DISCO

por Paulo Moreira

sábado, 8 de outubro de 2011

Crosby, Stills, Nash & Young - "Dèjà Vu" (1970)





Um disco memorável... lembrou?



"'Déjà Vu': expressão francesa que significa, literalmente, já visto.
Termo usado para indicar
um fenômeno de origem neurorítmica
que acontece no cérebro que faz com que tenhamos a impressão
 de já termos visto, presenciado ou experimentado
 uma sensação anteriormente."


Para recordar a origem deste déjà vu, o quarteto surgiu a partir de desmembramentos de bandas de sucesso. David Crosby e Graham Nash tiveram músicas negadas pelos componentes dos grupos que participavam: o The Byrds e o The Hollies, respectivamente. Estes conjuntos, por estarem consolidados perante o público, tinham um apelo nas composições cada vez mais puxando para o pop. Desta insatisfação e desvirtuação artística aliado ao fim do Buffalo Springfield, de Stephen Stills e Neil Young, o resultado foi essa química que culminou num excelente álbum que mistura rock, country, folk e blues: o Dèjà Vu.

Retrocedendo um pouco, em 1969, Crosby, Stills e Nash já haviam lançado um grande disco, com título homônimo. Já nessa ótima fase que entra Young. O quarteto havia realizado diversas apresentações marcantes, tendo como especial a do Woodstock, sendo aclamados pelo público presente como um dos melhores shows do festival.

Além de Déjà Vu, Neil Young só voltou a gravar com seus parceiros (conhecidos pela sigla CSNY) no álbum Looking Forward, de 1999. Segundo Nash, foram 800 horas de estúdio para conceber o Dèjà Vu. Um disco bem dividido nas participações e nas composições. Ou seja, duas músicas para cada um, com a exceção da última, parceira de Stills e Young. Apenas uma é versão da cantora canadense Joni Mitchell. O álbum também conta com as participações Dallas Taylor (bateria e percussão) e Greg Reeves (baixo). A importância dos dois é tão relevante que estão na capa com seus respectivos nomes creditados. Esse registro impressiona pela combinação das quatro vozes, numa sincronia perfeita muitas vezes, e pelas afinações dos violões, bem atípicas.

Já que foi referida a combinação de vocais, um exemplo é Carry on, a primeira faixa. A música é praticamente cantada pelo quarteto CSNY (uma espécie de ópera), com leve destaque para a voz de Nash. Em certa parte, a canção migra para um ritmo oriental, talvez uma influência de Sargent Pepper´s, dos Beatles. Além disso, conta com um baixo bem elaborado de Reeves. Teach your children é um dos grandes hits do álbum, com uma levada extremamente country. A letra também é interessante de se destacar: “Teach your children well, Their father's hell did slowly go by, and feed them on your dreams. The one they picked, the one you'll know by” (Ensine bem suas crianças, porque o inferno dos pais delas vai passando devagar. E alimente o sonho delas, o que elas escolherem, aquele que você ficará sabendo). Essa música tem a contribuição de Jerry Garcia, do Grateful Dead, que toca uma pedal steel guitar (aquela guitarra elétrica “deitada” que se usa um bastão de metal).

Em Almost Cult my hair, Crosby monopoliza o vocal, com um som mais rock. Tem dois solos de guitarra simultâneos, bem característico do The Byrds. Adiante, com muita melancolia e desespero, vem Helpless, primeira contribuição de Neil Young mais destacada. A música é bem ao seu estilo, que consolidou sua exitosa carreira solo.

Como já referido antes neste texto (lembram?), uma música não é de autoria do CSNY e é justamente Woodstook. De certa forma, tem um forte vinculo com o grupo. Isso porque a compositora Joni Mitchell era namorada de Nash durante o período do festival, que intitula a música. Stills apresenta um vocal agressivo, comparado com outras canções do disco, além de uma pegada rock, com guitarras mais estridentes. Já Déjà vu é a mais psicodélica, apesar dos instrumentos convencionais, principalmente os violões. No início, ocorre um erro proposital, com Crosby fazendo a contagem para retomar a canção. Esta começa em ritmo acelerado e logo tem uma grande quebra, para deixar numa atmosfera mais “viajante” a quem escuta. Quem sabe seja uma situação déjà visite, um estranho conhecimento de um novo lugar.

Num momento déjà vécu (já visto) tem Our house com Nash cantando e comandando o piano. De certa forma, recorda algumas composições de Paul McCartney como, Lady Madona, por exemplo, junto com Fixing a hole, de John Lennon, isso de forma mais lenta. É uma balada bem interessante do disco. Em 4+20 a conta fica por responsabilidade de Stills, somente ele e violões. Mas também, não precisaria de mais. É a música mais introspectiva, que basicamente fala da perda de uma mulher, tendo como destino cair “nos abraços do diabo”, isso por causa de pensamentos negativos.

Country girl tem a volta de Young ao vocal principal e é a música mais produzida do disco, que contêm diversos instrumentos de cordas e percussão, além de pianos para deixá-la mais “épica”. Já a faixa Everybody I love you fecha esse registro com aquela já escrita fusão de vozes nunca vista, um jamais vu. Stills solta a voz com os seus graves em alguns momentos. O álbum termina com todo vigor e energia.

Talvez no final deste texto, você já tenha esquecido algumas coisas que escrevi. Mas, no final das contas, esse disco vai ficar muito provavelmente armazenado na memória em longo prazo do seu cérebro. Se algum dia você tiver um ótimo déjà senti musical, pode ter certeza que este álbum pode ter proporcionado este sentimento.

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FAIXAS:
1 Carry On (Stills) 4:25
2 Teach Your Children (Nash) 2:53
3 Almost Cut My Hair (Crosby) 4:25
4 Helpless (Young) 3:30
5 Woodstock (Mitchell) 3:52
6 Déjà Vu (Crosby) 4:10
7 Our House (Nash) 2:59
8 4 + 20 (Stills) 1:55
9 Country Girl (Young) 5:05
10 Everybody I Love You (Stills, Young) 2:20

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Ouça:

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Stephen Stills - "Stephen Stills" (1970)

Como fazer um disco clássico em 10 lições


“Sou uma das pessoas mais preguiçosas que conheço, mas quando eu pego fogo, fico obsessivo.”
Stephen Stills

Quem acessa as páginas do livro “1001 Discos para Ouvir Antes de Morrer” talvez nem se aperceba de um dado interessante: há mais álbuns do combo Crosby-Stills-Nash-Young do que dos Beatles. Enquanto os ingleses somam 12 discos seja da banda quanto dos trabalhos solo de seus ilustres integrantes, os americanos mandam ver em nada menos que 16 registros considerando-se os dos quatro juntos, em trio, em duo, seus respectivos solo, um da Buffalo Springfield e os três da The Byrds com David Crosby na formação. Mais do que curiosa, essa comparação diz muito principalmente quando se refere ao rock do início dos 70. Enquanto os Beatles separavam-se e dispersavam suas produções, a turma da Costa Oeste mantinha-se firme e forte. E unida. Somente nos primeiros três anos daquela década, são 6 memoráveis discos em que todos se visitam, entre estes o primeiro solo de Stephen Stills

Acontece que, mesmo sendo um ativo integrante da Buffalo e autor do maior hit da banda, a clássica "For What It's Worth", de 1966, que colocara a banda no rol das vendedoras de 1 milhão de cópias, pairava uma inexplicável desconfiança sobre a verdadeira capacidade de Stills. Claramente, o jovem cantor e compositor texano, de apenas 25 anos à época, talvez pela personalidade mais acanhada ou preguiçosa, não gozava da mesma idolatria que seus companheiros, principalmente em relação a Crosby, já considerado uma lenda do rock, e, claro, ao carismático e talentoso Neil Young, consagrado em carreira solo havia dois anos. 

Se não lhe faltava igual talento, então, o que precisava? Vencer a própria indolência e agir. Stills disse a si mesmo: "Querem que eu prove que sei fazer sozinho? Então, vou ser bem didático". Munido de todo seu amplo conhecimento musical, Stills compõe, então, um disco como quem prepara uma aula. São 10 lições... quer dizer: 10 canções, que percorrem o rock em todas as suas vertentes originárias faixa a faixa e de maneira não apenas pedagógica como, principalmente, com rara inspiração. Casando ousadia e melancolia, o doutrinamento começa com “Love the One You're With”, sucesso do disco. Rock com levada latina, seu marcante refrão, a voz rasgada de Stills e os acachapantes coros são de tirar o fôlego. Até os reconhecíveis melismas “tchu ru ru”, ouvido em temas como a suíte “Judy Blue Eyes", da Crosby, Stills & Nash, de um ano antes, estão presentes. Aliás, os colegas estão reunidos fazendo-lhe o coral juntamente com John Sebastian, Priscilla Jones e Rita Coolidge, praticando a mensagem central da canção: “Ame quem está com você”. Com esse cartão de visitas impactante, é como se Stills entrasse pela porta da classe e dissesse à turma: “cheguei!”

Agora que os alunos estão estaqueados nas carteiras, é hora de vir com a segunda lição: “como compor um rock melódico”. A resposta é "Do for the Others", em que o próprio autor faz praticamente tudo sozinho: toca baixo, guitarra, percussão e, claro, canta. Aliás, canta lindamente. Ouvindo-a, fica muito claro de onde vem parte das harmonias da Buffalo e da CSN&Y - e também de onde Ben Harper tirou a melodia de "Diamonds on the Inside". Parte do ensinamento é o de saber variar e aproveitar suas próprias capacidades compositivas. Por isso, a próxima, o rhythm and blues gospel "Church (Part of Someone)", seja talvez ainda tão mais impressionante e marcante. Esplendorosa, pode-se dizer, com direito ao vozeirão de Stills a la Joe Cocker e um coro simplesmente arrebatador.

Tema de casa nº 4: “se forem tentar fazer um hard rock psicodélico em plena fase áurea de Led Zeppelin, Steppenwolf, The Who e Queen, façam-no por completo”. Com a companhia de Calvin "Fuzzy" Samuels no baixo, Jeff Whittaker na percussão e Conrad Isidore na bateria, Stills ataca o Hammond e o microfone e deixa a guitarra para ninguém menos que o maior de todos do instrumento: o amigo Jimi Hendrix, em uma de suas últimas gravações antes de morrer prematuramente um mês depois de “Stephen Stills” ser lançado e a quem, por isso, o disco é dedicado. É visível a proeminência de Hendrix ao lançar suas frases de guitarra, sendo que a música o ajuda muito a desenvolver sua técnica insuperável: embalada, de refrão pegajoso, performances empolgadas e arranjo na medida.

Momento importante da aula, quando o professor Stills excede o ensinamento da disciplina em si e contribui filosoficamente com seus aprendizes: “se você já foi ao Céu, então, não perca a oportunidade de estar com Deus”. Stills faz exatamente isso. Se na faixa anterior ele conta com as palhetadas do gênio da guitarra, em "Go Back Home" é o Deus do instrumento, Eric Clapton, que é convocado. Comandando os pedais de distorção, o autor de “Layla” escreve um blues eletrificado abençoado pelos anjos. Um show nas nuvens.

É a vez de aliviar novamente o andamento e trazer o delicioso pop-rock "Sit Yourself Down", em que conta mais uma vez com um poderoso coro dos amigos, agora ainda ajudados por Cass Elliot e Claudia Lanier. Mais uma melodiosa, a balada triste “To a Flame”, além de emocionar, tem a primeira aparição de orquestra, claro, estrategicamente reservada para surpreender os ouvintes no sétimo número, já se encaminhando para o final do disco. Com arranjo e condução do maestro Arif Mardin, as cordas e metais entram na segunda metade da faixa e acompanham o piano e a voz agora suave e afinadíssima de Stills. Que perfeição!

O conteúdo até aqui teve R&B, hard-rock, blues, gospel, balada, country e tudo mais, certo? Pois Stills guarda ainda três joias diferentes entre si para completar seu compêndio musical. O músico traz, agora, a acústica “Black Queen”, limite entre o folk e o blues: ao estilo Muddy Waters em "Folk Singer", conta com violão de corda de aço e voz. Aliás, o vozeirão rouco e inebriado de Stills! Com esta nova batelada de conhecimento, Stills encaminha-se para o encerramento de seu tutorial.  "Cherokee", a nona preleção, é o intermeio entre tudo o que veio antes e o aguardado final. O que não significa que o mestre desperdice esse momento. Aliás, faz num rock soul com rico arranjo de metais e madeiras e outra participação ilustre, a do multi-instrumentista Booker T, líder da Booker T & The MG's, esmerilhando no órgão.

Ufa! Quanta variedade! Mas ao mesmo tempo, quanta coesão do disco até aqui. Porém, antes da sirene tocar, Stills guarda o melhor para a última página do polígrafo. Com versos de esperança a uma América livre e afetiva (“Todos são estranhos, todos são amigos/ Todos são irmãos”), "We Are Not Helpless" é o gran finale que qualquer disco de rock gostaria de ter – e que poucos, muito poucos conseguem. Balada rascante e melodiosa, que resume todas as vertentes trazidas anteriormente, com a voz possante de Stills sobrando em intensidade. A música, no entanto, vai além disso. Se o começo remonta à melancolia do folk-rock de origem, a melodia avança para um crescente emocional, principalmente quando voltam, triunfantes, as cordas, os metais e o coral. Mas ainda tem mais! Para arrebentar o coração de quem acompanhou o álbum até então, "We...” transforma-se, como “You Can't Always Get What You Want” dos Rolling Stones, de um ano antes, num rock gospel embalado. O final, apoteótico, junta tudo: banda, voz, cordas e o órgão, o qual tem a primazia de pronunciar o último acorde. Como disse o policial Malone a Elliot Ness em “Os Intocáveis”: “aqui termina a lição”.

Mais do que um apanhado de temas que exercitam o arsenal estilístico da música pop dos anos 60/70, o álbum de estreia de Stills é uma aula também de como fazer um grande disco, com ritmo narrativo envolvente e, principalmente, construído com músicas de qualidade inquestionável. Depois de “Stephen Stills”, nunca mais ninguém se meteu a besta em colocar a capacidade do músico à prova. Como um professor que avalia uma prova, ele foi passando a régua nas desconfianças uma a uma e cravando pontuação máxima em todas. A recompensa, por fim, não poderia ser outra: nota 10 pra ele.

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FAIXAS:
1. "Love the One You're With" - 3:04
2. "Do for the Others" - 2:52
3. "Church (Part of Someone)" - 4:05
4. "Old Times Good Times" - 3:39
5. "Go Back Home" - 5:54
6. "Sit Yourself Down" - 3:05
7. "To a Flame" - 3:08
8. "Black Queen" - 5:26
9. "Cherokee" - 3:23
10. "We Are Not Helpless" - 4:20
Todas as composições de autoria de Stephen Stills

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OUÇA O DISCO:
Stephen Stills - "Stephen Stills"

Daniel Rodrigues

domingo, 26 de agosto de 2018

SUPER-ÁLBUNS FUNDAMENTAIS DE ANIVERSÁRIO DO CLYBLOG - 5 discos fundamentais de Lucio Brancato






"Mudei o pedido do Daniel Rodrigues
para escrever sobre um disco importante na minha vida.
Foram tantos que ficaria muito difícil selecionar apenas um.
E mesmo assim, esta lista nunca é definitiva.
Resolvi listar cinco fundamentais na minha formação
e talvez os discos que mais escutei na vida."
Lucio Brancato


Crosby, Stills, Nash & Young - Déjà Vu (1970)

Um disco que reuniu um time espetacular não tinha como dar errado. Depois do estrondo causado pelo primeiro disco do trio David Crosby, Stephen Stills e Graham Nash lançado em 1969, o segundo disco trouxe ainda de Neil Young. Como não delirar com a junção destas vozes? "Déjà Vu" é um álbum sutil e denso ao mesmo tempo. Reinam guitarras e violões num diálogo sincronizado. Daqueles discos que servem para os mais diferentes momentos da vida. Um navegador mais atento pode tranquilamente se jogar depois nos mares musicais de cada integrante num mergulho infinito na discografia de cada um. E eles ajudam bastante. Tanto nas junções de duplas como nos discos solos. Talvez um dos discos capazes de ramificar ainda mais as nossas discotecas.

FAIXAS1. Carry On; 2. Teach Your Children; 3. Almost Cut My Hair; 4. Helpless; 5. Woodstock; 6. Déjà Vu; 7. Our House (Nash); 8. 4 + 20; 9. Country Girl; 10. Everybody I Love You




Yes - Close to The Edge (1971)

Esta aí um dos discos que mais escutei na vida. Fica até difícil escrever sobre o impacto dele na minha cabeça. Como um disco com apenas três canções pode ser tão grandioso? Ok, dentro de cada faixa a música se divide em diferentes peças. Um quebra-cabeças de pura habilidade técnica e e inteligência musical. Cada um dos músicos extremamente apurados, mas sem deixar que malabarismos afetem o sentimento de cada nota. Para mim (e muitos outros) é a obra-prima máxima do Rock Progressivo. Difícil qualquer disco do gênero bater a perfeição desta obra. A diversidade de instrumentos de cordas tocados pelo Steve Howe junto com a coleção de teclados do Rick Wakeman dão o tom costurado perfeitamente com o maior baixista de todos os tempos, Chris Squire e seu toque espetacular nas quatro cordas do Rickenbacker.

FAIXAS: 1. Close to the Edge - (The Solid Time of Change), (Total Mass Retain), (I Get Up I Get Down), (Seasons of Man); 2. And You and I - (Cord of Life), (Eclipse), (The Preacher the Teacher), (Apocalypse) ; 3. Siberian Khatru 




Dillard & Clark - The Fantastic Expedition of Dillard & Clark (1968)

É conhecido como a “pedra fundamental” do que veio a ser o country-rock. Quando escutei um novo portal se abriu na minha mente. Me levou para o campo e seu aromas. Gene Clark e Doug Dillard foram buscar na raiz da música norte americana a calmaria necessária depois de tanta loucura musical e experimentalismos do ano anterior onde todo mundo mergulhou na psicodelia. Cantaram a pedra antes de todo mundo e dali pra frente a maioria das grandes bandas fizeram a mesma trajetória buscando uma simplicidade musical. Gosto de chamar de “Capim Loucura”. É o rock buscando novas energias nas suas origens mais remotas ainda com pílulas líricas da lisergia batendo como um flashback.

FAIXAS: 1. Out on the Side"; 2. She Darked the Sun; 3. Don't Come Rollin'; 4. "Train Leaves Here This Morning"; 5. With Care from Someone; 6. The Radio Song"; 7. Git It on Brother"; 8. In the Plan; 9. Something's Wrong




Faces - Oh La La (1973)

Este gastei o CD que hoje repousa na prateleira como um fiel escudeiro da discoteca depois de ter rodado tanto nos aparelhos e me acompanhado nos mais diversos lugares. Hoje a versão em LP é a que roda em casa e de lá não sai. Era aquele disco obrigatório para pegar a estrada para qualquer lugar. Se ia para casa de alguém ouvir um som, levava ele sempre junto. Infalível para qualquer fã de rock. Um disco que tem de tudo. Do rock mais pegado a baladas de ir no cantinho ficar escutando com atenção. Um disco de rock que se preze tem que ter estes dois ingredientes na receita. E se você não for impactado pelos vocais do Rod Stewart bom sujeito não é. 

FAIXAS: 1. Silicone Grown; Cindy Incidentally; 3. Flags And Banners; 4. My Fault; 5. Borstal Boys; 6. Fly In The Onitment; 7. If I'm On The Late Side; 8. Glad And Sorry; 9. Just Another Honky; 10. Ooh La La




The Kinks - Face to Face (1966)

Em meio a tanta mudança que acontecia na música em 1966, este disco merece atenção. Merecia muito mais inclusive. Tenho uma teoria de que a genialidade do Ray Davies como compositor nunca recebeu os devidos méritos. Talvez um dos motivos seja a sua sagaz ironia nas letras. Sua crítica cheia de veneno nas letras. Sua maneira única de tocar o dedo na ferida do povo britânico satirizando todo o establishment. E não fica somente nas letras a qualidade. Musicalmente ja estava a frente do seu tempo. Foi o momento onde se deixava de lado uma simplicidade na musica pop da época e buscavam novas formas de contar uma nova história. Muito se fala de discos do mesmo ano como "Pet Sounds" e "Revolver". Esquecem que esta turma liderada pelos irmãos Davies corria por fora trazendo um humor único e muito sábio.

FAIXAS: 1. Party Line; 2. Rose Won't You Please Come Home; 3. Dandy; 4. Too Much On My Mind; 5. Session Man; 6. Rainy Day In June; 7. A House In The Country; 8. Holiday In Waikiki; 9. Most Exclusive Residence For Sale; 10. Fancy; 11. Little Miss Queen Of Darkness; 12. You're Lookin' Fine; 13. Sunny Afternoon; 14. I'll Remember



Como já escrevi, esta lista não é definitiva. Ela é mutante. Porém, em algum momento, pelo menos um deles sempre estará em qualquer Top Five que eu venha a elencar. Ah, cadê os Beatles e os Stones na lista? Jamais entrarão. Estes dois já alçaram o status de Entidades. Acima de qualquer coisa.



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Lucio Brancato: Com mais de 15 anos de mercado, é jornalista, colunista musical e colecionador de discos. Já passou por emissoras como RBS TV, TV Com, Octo, FM Cultura e Canal Brasil, exercendo funções de apresentador, produção, edição, repórter e colunista de música e cultura. Fez também a coordenação de coberturas de grandes shows como os de Paul McCartney e Rolling Stones. É codiretor do documentário "Rock Grande do Sul: 30 anos" (2015) e colabora com o Ama Jazz.








quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Art Garfunkel – “Breakaway” (1975)





"Não tenho o poder de harmonia de Paul (Simon),
 nem suas lindas canções,
mas sinto que tenho muito a ver com a construção dos álbuns e
com a riqueza e sonoridade
que os tornam tão interessantes."


"Quando junto as canções e as coloco em sequência,
seja com ou sem Simon,
vejo o trabalho de uma vida todo
e fico extremamente orgulhoso.
Assim fica muito fácil dizer:
'Aí está o que fiz: cantei bem!'."
Art Garfunkel,
em 2012



Ouvi “Breakaway”, do Art Garfunkel, pela primeira vez na indefectível Rádio Continental 1120. Anos depois, o reencontrei na casa de uma amiga, que me emprestou. A partir daí, surgiu uma história de amor com os discos solo do Garfunkel para um romântico inveterado como eu. Esse é o favorito da casa.

A história desde disco começa em 1970, quando Paul Simon e Art Garfunkel resolveram desfazer a dupla. Enquanto Simon lançava seu primeiro LP solo em 1972 com muito sucesso, Garfunkel aparece com “Angel Clare”, só em 73, depois de tentar uma carreira no cinema. Havia então a necessidade de conseguir um sucesso. Para tanto, foi contratado o bem-sucedido produtor Richard Perry, recém-saído do terceiro disco solo de Ringo Starr e dos clássicos de Carly Simon. Perry foi muito esperto ao produzir “Breakaway”. Quando se tem uma voz límpida, afinadíssima e bonita como a de Garfunkel, a instrumentação não deve atrapalhar e fazer apenas uma moldura sonora aos gorjeios do canário. O disco é um dos melhores da carreira do cantor exatamente por isso. Com vocês, “Breakaway” de Art Garfunkel.

O clima começa com uma regravação de Stevie Wonder, “I Believe (When I Fall in Love It Will Be Forever)”. A partir do piano de Larry Knetchel, Garfunkel mostra toda a extensão de sua voz na época (1975). O arranjo de cordas de Del Newman dá aquele ar de música pop dos anos 70. E os backing vocals de Andrew Gold garantem o romantismo da letra que diz: “Acredito que quando me apaixonar desta vez será pra sempre”. Uma versão digna de Stevie, mesmo que mais melosa, por assim dizer.

“Rag Doll” usa a metáfora da boneca de pano para falar do amor de um homem por uma mulher. No início da música, o narrador está vendo uma mulher num campo, colhendo flores e usando um capuz de veludo azul e o vermelho em suas bochechas lhe dá um ar de boneca de pano. No refrão, diz: “O vento nas árvores canta uma canção triste, triste, triste, triste/ deitado em minha cama ouvindo a noite inteiro/ o vento nas árvores canta uma canção só pra mim/ e traz de volta esta boneca de pano pra mim”. Aqui é o piano elétrico de Knetchel que percorre a música lhe dando a suavidade que a letra requer.

A faixa-título do disco, composta por Gallagher & Lyle, uma dupla de muito sucesso naquela metade dos anos 70, traz Bill Payne, do Little Feat, nos teclados, e os backing vocals de Bruce Johnston, David Crosby, Graham Nash e de Toni Tenille (é, aquela mesma do “Love Will Keep Us Together”). A produção de Perry é tão sutil que mal se notam baixo e bateria nas músicas. Na ponte, Garfunkel canta: “Não é sol que vocês está procurando/ Outra coisa está em sua mente/ Você precisa um pouquinho de espaço e tempo/ para se soltar/ Não é o lugar que você está indo/ É apenas uma fase que está passando/ Não vou te parar, apenas não quero que você/ se solte, voando através do seu oceano/ Se solte, tempo chegou pra você...”.

“Disney Girls”, do Beach Boys Bruce Johnston, parte da premissa que a realidade é muito difícil de aguentar e que o mundo da fantasia proposto por Walt Disney seria um bom substituto para as agruras do dia a dia. Lá pelas tantas, o narrador diz: “Realidade, não é pra mim e me faz rir/ Mas o mundo da fantasia e garotas da Disney estou de volta”. Rola também uma trip nostálgica: “Toda minha vida passei as noites sonhando com você/ O calor que senti pelas coisas que desejei estão se tornando verdade/ Tenho meu amor pra dar e um lugar pra viver, acho que vou ficar/ será uma vida pacífica com uma esposa pra sempre e um filho algum dia/ seus começos de noites e brigas de travesseiro e sua risada suave/ Mas o mundo da fantasia e garotas da Disney estou de volta”. A música é toda armada num clima Disneylândia, com os backing vocals percorrendo a canção.

Aí, vem o “corpo estranho” do disco: uma versão de "Águas de Março" de Tom Jobim, apropriadamente chamada “Waters of March” e que tenta fazer uma tradução literal: “A stick, a stone, it’s the end of the Road...”. A vantagem é que tanto o violonista Louie Shelton, o baixista Max Bennett e o baterista John Guerin se saem bem tentando emular a batida da música brasileira. O interessante é que, mesmo sendo um “strange body” no disco, esta versão funciona como uma pausa no clima romântico que perpassa todo o álbum. Estranho mesmo é o sintetizador de Bill Payne no lugar da flauta de Tom.

Nesta época, tanto Garfunkel quanto Simon eram contratados da Gravadora Columbia, que jamais aceitou a separação da dupla. E para “tentar” uma reconciliação, acertou uma gravação que iria aparecer nos dois discos de 1975 dos rapazes; “Breakaway” e “Still Crazy After All These Years”, de Simon. Ainda bem que a música é mais um clássico composto por Simon chamado “My Little Town”, outra faixa nostálgica que fala de uma cidade pequena – no caso, Nova Jersey – onde o narrador “cresceu acreditando que Deus cuidava de todos nós”. A conhecida ironia de Paul Simon aparece no verso em que diz: “Depois que chove/ tem um arco-íris/ E todas as cores são preto/ Não é que as cores não estejam lá/ é que elas não tem imaginação/ Tudo é igual/ lá na minha cidadezinha”. E o refrão é matador: “Nada além dos mortos e dos moribundos/ voltam pra minha cidadezinha”. Musicalmente, “My Little Town” excede com a turma do estúdios Muscle Shoals de Alabama composta por Pete Carr (guitarra); Barry Beckett (piano); David Hood (baixo) e Roger Hawkins (bateria) mais produção de Phil Ramone. Difícil ficar melhor.

Depois disso, só mesmo um standard: “I Only Have Eyes for You”, de Al Warren & Harry Dubin, com direito a piano elétrico de Nicky Hopkins e backing vocal de Stephen Bishop. Vinda de uma tradição de música romântica da década de 30, “I Only Have Eyes...” começa dizendo “Meu amor deve ser do tipo cego/ não consigo ver ninguém a não ser você/ Tem estrelas no céu esta noite?/ Não sei se o céu está limpo ou cheio de nuvens/ Apenas tenho olhos pra você”. Garfunkel usa sua voz maravilhosa para dar credibilidade a uma conversa romântica da antiga.

Já que falamos em Stephen Bishop, o autor de “On and On” e de “It Might Be You” (tema do filme “Tootsie”), ele contribui com duas canções no disco. A primeira é a minha preferida, “Looking for the Right One”, uma faixa ultraromântica onde Garfunkel tem sua melhor performance de todo “Breakaway”. E a dor de Bishop é bem traduzida pela voz de Garfunkel, que diz: “Não tenho sido nada sortudo, não sou bom em fazer joguinhos/ lembro de seus rostos e esqueço os nomes/ Encontrei a pessoa certa mas ela não me encontrou/ Então eu empacoto minhas emoções e começo/ a procurar pela pessoa certa/ algum dia ela virá?”. Depois, o narrador sofre com o que dizem as outras pessoas: “Eles dizem que não tem sentido correr atrás de algo que nunca se vai conseguir/ Mas meu coração afirma: ‘não diga não’/ em algum lugar desta cidade solitária existe uma mulher pra mim/ Mas espero outra vida para/ procurar pela pessoa certa”. Bem ao estilo de clássicos da música pop, Perry leva toda a canção para um clímax, onde a voz de Art Garfunkel faz arrepiar.

“99 Miles From L.A.” é uma composição de Albert Hammond (o mesmo da também clássica canção pop “It Never Rains in Southern California”, aquela em que os locutores de rádio da antiga chamavam de "Carambô” devido à sua primeira frase “Got on board...”) e o letrista de Burt Bacharach, Hal David. Nesta canção, o produtor permite que os teclados, a bateria e o baixo apareçam mais, reforçando a batida pop, cercada de cordas por todos os lados. Na letra, o narrador está de carro se aproximando de Los Angeles e espera encontrar seu amor. “Mantendo meus olhos na estrada, te vejo/ mantendo minhas mãos na direção, te seguro/ 99 milhas de L.A, te beijo, sinto tua falta, por favor esteja lá”. A letra é toda construída por David neste clima: o motorista chegando à cidade na expectativa de reencontrar a mulher amada.

No final do disco, mais um lamento de Stephen Bishop chamado “The Same Old Tears on a New Background”. De cara, Garfunkel vai direto nas emoções ao som do piano de John Jarvis, secundado pelas cordas de Del Newman. A letra é tão triste que merece ser lida inteira: “São as mesmas velhas lágrimas num novo cenário/ Te ver como uma fotografia desbotada/ Me dói muito sorrir nestes dias/ Estou bem, estou bem/ é a mesma canção com uma nova melodia/ mas a velha chama está quase extinta/ te ver de novo é tudo que me mantém/ estou bem, estou bem/ lembrando, lembrando o familiar sofrer de amor/ ninguém a não ser você/ É mesmo velho eu chorando as mesmas velhas lágrimas/ e eu me afasto como sempre fiz/ ainda apaixonado por você/ mas eu estou bem”. Quando a coisa chega neste nível, é impossível não sofrer junto com Garfunkel, Bishop ou seja lá quem for. A canção é triste demais. Como quase todo o disco. Não recomendável para quem está sofrendo de amor. Mas quem gosta de boa música certamente vai gostar de “Breakaway”, um dos melhores discos da carreira de Garfunkel, que sempre ficou alguns degraus atrás de seu ex-parceiro, o incrível Paul Simon.
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FAIXAS:
1. I Believe (When I Fall In Love It Will Be Forever) 3:48
2. Rag Doll 3:05
3. Break Away 3:34
4. Disney Girls 4:31
5. Waters Of March 3:37
6. My Little Town 3:50
7. I Only Have Eyes For You 3:38
8. Lookin' For The Right One 3:20
9. 99 Miles From L.A. 3:31
10. The Same Old Tears On A New Background 3:43

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OUÇA O DISCO:







quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Música da Cabeça - Programa #303

 

Tentaram acertar, mas a gente se esquiva. Desviando dos atiradores, o programa vem só com aqueles que acertam no alvo: Chico Buarque, Mundo Livre S/A, McCoy Tyner, Marlui Miranda e outros. No "Música de Fato", a catástrofe humanitária dos Yanomami e no "Sete-List' sete chances para acertar uma homenagem a David Crosby. Mira no MDC, então, às 21h, na certeira Rádio Elétrica. Produção, apresentação e pontaria para o que merece: Daniel Rodrigues


www.radioeletrica.com

terça-feira, 5 de março de 2013

Dossiê ÁLBUNS FUNDAMENTAIS


E chegamos ao ducentésimo Álbum Fundamental aqui no clyblog .

Quem diria, não?

Quando comecei com isso ficava, exatamente, me perguntando até quantas publicações iria e hoje, pelo que eu vejo, pelos grandes discos que ainda há por destacar, acredito que essa brincadeira ainda possa ir um tanto longe.

Nesse intervalo do A.F. 100 até aqui, além, é claro, de todas as obras que foram incluídas na seção, tivemos o acréscimo de novos colaboradores que só fizeram enriquecer e abrilhantar nosso blog. Somando-se ao Daniel Rodrigues, Edu Wollf , Lucio Agacê e José Júnior, figurinhas carimbadas por essas bandas, passaram a nos brindar com seus conhecimentos e opiniões meu amigo Christian Ordoque e a querida Michele Santos, isso sem falar nas participações especiais de Guilherme Liedke, no número de Natal e de Roberto Freitas, nosso Morrissey cover no último post, o de número 200.

Fazendo uma pequena retrospectiva, desde a primeira publicação na seção, os ‘campeões’ de ÁLBUNS FUNDAMENTAIS agora são 5, todos eles com 3 discos destacados: os Beatles, os Rolling Stones, Miles Davis , Pink Floyd e David Bowie , já com 2 resenhas agora aparecem muitos, mas no caso dos brasileiros especificamente vale destacar que os únicos que tem um bicampeonato são Legião Urbana, Titãs, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jorge Ben, Engenheiros do Hawaii e João Gilberto, sendo um deles com o músico americano Stan Getz. A propósito de parcerias como esta de Getz/Gilberto, no que diz respeito à nacionalidade, fica às vezes um pouco difícil estabelecer a origem do disco ou da banda. Não só por essa questão de parceiros mas muitas vezes também pelo fato do líder da banda ser de um lugar e o resto do time de outro, de cada um dos integrantes ser de um canto do mundo ou coisas do tipo. Neste ínterim, nem sempre adotei o mesmo critério para identificar o país de um disco/artista, como no caso do Jimmi Hendrix Experience, banda inglesa do guitarrista norte-americano, em que preferi escolher a importância do membro principal que dá inclusive nome ao projeto; ou do Talking Heads, banda americana com vocalista escocês, David Byrne, que por mais que fosse a cabeça pensante do grupo, não se sobrepunha ao fato da banda ser uma das mais importantes do cenário nova-iorquino. Assim, analisando desta forma e fazendo o levantamento, artistas (bandas/cantores) norte-americanos apareceram por 73 vezes nos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, os ingleses vem em segundo com 53 aparições e os brasileiros em, 3º pintaram 36 vezes por aqui.
Como curiosidade, embora aqueles cinco destacados anteriormente sejam os que têm mais álbuns apontados na lista, o artista que mais apareceu em álbuns diferentes foi, incrivelmente, Robert Smith do The Cure, por 4 vezes, pintando nos dois da própria banda ("Disintegration"  e "Pornography"), em um tocando com Siouxsie and the Banshees  e outra vez no seu projeto paralelo do início dos anos ‘80, o The Glove. Também aparece pipocando por aqui e por ali John Lydon, duas vezes com o PIL  e uma com os Pistols; Morrissey, duas vezes com os Smiths e uma solo; Lou Reed uma vez com o Velvet e outras duas solo; seu parceiro de Velvet underground, John Cale uma com a banda e outra solo; Neil Young , uma vez solo e uma com Crosby, Stills e Nash; a turma do New Order em seu "Brotherhood" e com o 'Unknown Pleasures" do Joy Division; e Iggy Pop 'solito' com seu "The Idiot" e com os ruidosos Stooges. E é claro, como não poderia deixar de ser, um dos maiores andarilhos do rock: Eric Clapton, por enquanto aparecendo em 3 oportunidades, duas com o Cream e uma com Derek and the Dominos, mas certamente o encontraremos mais vezes. E outra pequena particularidade, apenas para constar, é que vários artistas tem 2 álbuns fundamentais na lista (Massive Attack, Elvis, Stevie Wonder, Kraftwerk) mas apenas Bob Dylan e Johnny Cash colocaram dois seguidos, na colada.

No tocante à época, os anos ‘70 mandam nos A.F. com 53 álbuns; seguidos dos discos dos anos ‘80 indicados 49 vezes; dos anos ‘90 com 43 aparições; 40 álbuns dos anos ‘60; 11 dos anos ‘50; 6 já do século XXI; 2 discos destacados dos anos ‘30; e unzinho apenas dos anos ‘20. Destes, os anos campeões, por assim dizer são os de 1986, ano do ápice do rock nacional e 1991, ano do "Nevermind" do Nirvana, ambos com 10 discos cada; seguidos de 1972, ano do clássico "Ziggy Stardust" de David Bowie, com 9 aparições incluindo este do Camaleão; e dos anos do final da década de ‘60 (1968 e 1969) cada um apresentando 8 grandes álbuns. Chama a atenção a ausência de obras dos anos ‘40, mas o que pode ser, em parte, explicado por alguns fatores: o período de Segunda Guerra Mundial, o fato de se destacarem muitos líderes de orquestra e nomes efêmeros, era a época dos espetáculos musicais que não necessariamente tinham registro fonográfico, o fato do formato long-play ainda não ter sido lançado na época, e mesmo a transição de estilos e linguagens que se deu mais fortemente a partir dos anos 50. Mas todos esses motivos não impedem que a qualquer momento algum artista dos anos ‘40 (Louis Armstrong, Ella Fitzgerald, Cole Porter) apareça por aqui mesmo em coletânea, como foi o caso, por exemplo, das remasterizações de Robert Johnson dos anos ‘30 lançadas apenas no início dos anos 90. Por que não?

Também pode causar a indignação aos mais 'tradicionais', por assim chamar, o fato de uma época tida como pobre como os anos ‘90 terem supremacia numérica sobre os dourados anos 60, por exemplo. Não explico, mas posso compreender isso por uma frase que li recentemente de Bob Dylan dizendo que o melhor de uma década normalmente aparece mesmo, com maior qualidade, no início para a metade da outra, que é quando o artista está mais maduro, arrisca mais, já sabe os caminhos e tudo mais. Em ambos os casos, não deixa de ser verdade, uma vez que vemos a década de 70 com tamanha vantagem numérica aqui no blog por provável reflexo da qualidade de sessentistas como os Troggs ou os  Zombies, por exemplo, ousadia de SonicsIron Butterfly, ou maturação no início da década seguinte ao surgimento como nos caso de Who e Kinks. Na outra ponta, percebemos o quanto a geração new-wave/sintetizadores do início-metade dos anos ‘80 amadureceu e conseguiu fazer grandes discos alguns anos depois de seu surgimento como no caso do Depeche Mode, isso sem falar nos ‘filhotes’ daquela geração que souberam assimilar e filtrar o que havia de melhor e produzir trabalhos interessantíssimos e originais no início da década seguinte (veja-se Björk, Beck, Nine Inch Nails , só para citar alguns).

Bom, o que sei é que não dá pra agradar a todos nem para atender a todas as expectativas. Nem é essa a intenção. A idéia é ser o mais diversificado possível, sim, mas sem fugir das convicções musicais que me norteiam e, tenho certeza que posso falar pelos meus parceiros, que o mesmo vale para eles. Fazemos esta seção da maneira mais honesta e sincera possível, indicando os álbuns que gostamos muito, que somos apaixonados, que recomendaríamos a um amigo, não fazendo concessões meramente para ter mais visitas ao site ou atrair mais público leitor. Orgulho-me, pessoalmente, de até hoje, no blog, em 200 publicações, de ter falado sempre de discos que tenho e que gosto, à exceção de 2 ou 3 que não tenho em casa mas que tenho coletâneas que abrangem todas as faixas daquele álbum original, e de 2 que sinceramente nem gostava tanto mas postei por consideração histórica ao artista. Fora isso, a gente aqui só faz o que gosta. Mas não se preocupe, meu leitor eventual que tropeçou neste blog e deu de cara com esta postagem, pois o time é qualificado e nossos gostos musicais são tão abrangentes que tenho certeza que atenderemos sempre, de alguma maneira, o maior número de estilos que possa-se imaginar. Afinal, tudo é música e, acima de tudo, nós adoramos música.
Cly Reis

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PLACAR POR ARTISTA:
  • The Beatles: 3 álbuns
  • The Rolling Stones: 3 álbuns
  • David Bowie: 3 álbuns
  • Miles Davis: 3 álbuns
  • Pink Floyd: 3 álbuns

  • Led Zeppelin; Massive Attack, Elvis Presley, Siouxsie and the Banshees; Nine Inch Nails, The Who; The Kinks; U2; Nirvana; Lou Reed; The Doors; Echo and the Bunnymen; Cream; Muddy Waters; Johnny Cash; Stevie Wonder; Van Morrison; Deep Purple; PIL; Bob Dylan; The Cure; The Smiths; Jorge Ben; Engenheiros do Hawaii; Caetano Veloso; Gilberto Gil; Legião Urbana; Titãs e João Gilberto: 2 álbuns

PLACAR POR DÉCADA:
  • Anos 20: 1 álbum ("Bolero", Maurice Ravel)
  • Anos 30: 2 álbuns ("The Complete Recordings", Robert Johnson e "Carmina Burana", de carl Orff)
  • Anos 50: 11 álbuns
  • Anos 60: 40 álbuns
  • Anos 70: 53 álbuns
  • Anos 80: 49 álbuns
  • Anos 90: 43 álbuns
  • Anos 00:  6 álbuns

PLACAR POR ANO:
  • 1986 e 1991: 10 álbuns
  • 1972: 9 álbuns
  • 1968 e 1969: 8 álbuns
  • 1987 e 1969: 7 álbuns

PLACAR POR NACIONALIDADE (ARTISTAS):
  • EUA: 73
  • Inglaterra: 53
  • Brasil: 36
  • Irlanda: 4
  • Escócia: 3
  • Alemanha: 2
  • Canadá: 2
  • Suiça; Jamaica; Islândia; França; País de Gales; Itália e Austrállia: 1 cada