Faz já alguns dias, mas segue valendo a pena o registro do sarau literário com os autores gaúchos da editora Caravana, grupo do qual faço parte agora por conta do meu “Chapa Quente”. Foi no agradável Macunaíma Gastro Bar, na Cidade Baixa, que reuniu cerca de 15 escritores do “cast” gaúcho da editora. Teve poesia, ensaio, crônica e, claro, conto, garantida por outros e de minha parte com um trecho lido do meu “Abrindo-se”, história que abre o livro.
A coincidência do sarau com o Dia Internacional da Mulher fez com que, além de várias menções e homenagens, eu tivesse clareza de que trecho ler da minha obra, uma vez que cada um tinha em torno de 3 min com o microfone. O pedaço do conto que li falava exatamente da personagem Nina, uma sofrida jovem de classe alta que, em desavença com os pais, morava sozinha em um apartamento simples para seus padrões financeiros e sob o jugo dos homens da sua vida: o agressivo namorado e, principalmente, o pai opressor. Contudo, como ressaltei no preâmbulo que fiz em minha fala ao público presente, a história só se move por conta da ação interna transformadora a qual a personagem se dispõe.
Eis o trecho:
"Acontece que Nina, ao contrário do que alguns tentavam imputá-la, tinha muita capacidade e inteligência. A ponto de buscar no fundo de seu íntimo forças para sair daquele poço emocional. Tudo que não queria era transformar-se no que sua mãe se transformou. Porém, por outros caminhos, via que era justamente isso que estava acontecendo. E afinal, não era exatamente isso que seu pai queria, que as mulheres se anulassem diante dele? Reflexões que a música de Felipe lhe dava condições de fazer nas horas a fio de ensaio dele e de ostracismo dela. “Como esta melodia consegue ser tão delicada e intensa ao mesmo tempo?”, questionava. Impressionava-a que, ali, as repetições eram salutares, diferentemente do que costumavam lhe dizer ao demonizarem a repetição. Através daqueles acordes encadeados, quase hipnóticos, ficava-lhe claro ser possível evoluir e conjugar leveza e força, tudo em que sempre fizeram Nina desacreditar.
Tanto que buscou ajuda: adotou um cachorro, parou com as drogas, desfez-se das garrafas de álcool, passou a escancarar todas as manhãs as janelas por muito tempo cerradas e começou a fazer terapia online. Quase sempre as sessões eram embaladas pelo toque daquele mesmo tema tocado repetidamente por Felipe, como uma trilha sonora martelada de um filme cujo roteiro chegava na parte em que a mocinha superava a crise em direção a um desfecho feliz. Nina buscou harmonizar-se com a mãe e, dentro do possível, entender a postura do pai. Ainda não o havia perdoado e nem sabia se um dia conseguiria, mas tentava viver um dia depois do outro. Só não via mais conserto no relacionamento com o namorado, que, desinteressado, pois muito provavelmente já em outra, cada vez menos aparecia, até que sumiu de vez."
Bom conhecer o pessoal da editora, que em parte veio de Belo Horizonte diretamente para o evento, bem como alguns dos colegas escritores. Casa cheia é sempre legal. Esta foi, embora tímida, a primeira aparição pública de “Chapa Quente”, cujo lançamento foi final de dezembro do ano passado. Prenúncio para, aí sim, um lançamento oficial, que pretende-se arranjar em breve. Por ora, no entanto, alguns registros, feitos pela lente atenta de Leocádia Costa, desse momento de letras e encontros.
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A literária Macunaína Gastro Pub
Casa movimentada
Com o editor Leonardo Costaneto (em pé), Leocádia e outros autores
Lendo trecho de "Chapa Quente" no sarau da Caravana
Com os outros autores gaúchos e o pessoal da editora
Momento da leitura, apresentando-se e justificando
o porquê do trecho escolhido
texto: Daniel Rodrigues
fotos e vídeo:Leocádia Costa, Daniel Rodrigues e Guy Leonard
Seu Chico, personagem de Milton em "Carandiru", de 2003
Dia desses conversava com um colega sobre a grandeza de
alguns atores brasileiros que, não fosse o entrave cultural à língua portuguesa
no mundo do entretenimento (ou a qualquer outro idioma que não o inglês),
estariam voando alto mundo afora. Vários grandes ficaram apenas para “consumo
interno” do brasileiro na tevê, no cinema ou no teatro. Alguns, tiveram em
produções internacionais, como José Wilker, José Lewgoy e Grande Otelo, mas não
despontaram internacionalmente. A exceção são Carmen Miranda, ícone, e Sônia Braga e Rodrigo Santoro,
que se adaptaram ao idioma de fora. Fernanda Montenegro é também um caso que não foge à regra: vencedora
de Globo de Ouro e concorrente ao Oscar falando português há 25 anos, nunca
mais concorreu a algo deste vulto mesmo com excelentes trabalhos posteriores a “Central do Brasil”. Por quê? Seguiu falando somente (e suficientemente) o português.
Semelhante ocorreu com Milton Gonçalves, que faleceu no último
dia 30, aos 88 anos. Lembro do policial que ele viveu em “O Beijo da Mulher Aranha”, de
Hector Babenco, em 1986, filme que deu o Oscar de Melhor Ator para o norte-americano John Hurt, com quem
Milton contracena, contudo, sem dever em nada. Milton foi, sim, da altura de Hurt, Freeman, Hopkins, Lancaster, Hanks, Lee Jones. A diferença? O português.
Se no cenário internacional Milton foi um dos que quase alçou,
em seu terreiro, contudo, voou alto. Foi uma das vozes negras mais importantes da
dramaturgia brasileira em mais de 60 anos de carreira. Por esse protagonismo preto, para além de outros grandes
atores brasileiros como ele, deixou uma marca insubstituível no teatro, na TV e no cinema. Este mineiro de Monte
Santo teve importante atuação no Teatro de Arena de São Paulo, no Teatro
Experimental do Negro de São Paulo, no Grupo Opinião, no Teatro dos Quatro e em
outras companhias. Como ator de novelas e seriados, nem se fala! Embora pouco lembrado por isso, foi também foi o primeiro negro
a dirigir uma novela na Globo – e não qualquer novela, mas sim o sucesso
internacional da primeira versão de “A Escrava Isaura”, de 1976. Mas não só
isso: esteve decisivamente em todos os momentos demarcatórios do cinema brasileiro:
no neorrealismo dos anos 50 (“O Grande Momento”), no Cinema Novo (“Macunaíma”),
no udigrudi (“O Anjo Nasceu”), na fase Embrafilme (“Eles Não Usam Black-Tie”), na
primeira internacionalização (“O Beijo da Mulher Aranha”), na retomada (“Carandiru”)
e na produção atual (“Pixinguinha: Um Homem Carinhoso”).
Dotado de espontaneidade e carisma, dominava a arte dramática com maestria, indo do pastelão ao melodrama com a naturalidade dos grandes. Interpretou textos dos maiores, de Guarnieri a Dias Gomes, de Steinbeck a Millôr. Sabia como tratar um texto. De todos os personagens que fez, de Zelão das Asas a Bráulio e Seu Chico,
no entanto, um se destaca especialmente para mim: “A Rainha Diaba”, filme de Antonio
Carlos Fontoura, de 1974. Espécie de blackexplotation à brasileira, o longa, centrado
na atuação de Milton, nasceu do desejo do diretor de mostrar o submundo das
drogas e da prostituição no Rio de Janeiro dos anos 70, com influências
decisivas do teatrólogo Plinio Marcos – responsável pelo argumento – e do
artista plástico Helio Oiticica. Como lembra o jornalista Márcio Pinheiro,
trata-se de um filme livremente inspirado na vida de Madame Satã, porém com
mais violência e menos romantismo. “’A Rainha Diaba’ é, em muitos aspectos,
mais autêntico e biográfico do que o próprio filme que leva o nome do
mitológico travesti da Lapa”, diz em uma postagem nas redes sociais. Milton dá
vida a este personagem andrógeno, que põe pela primeira vez um negro LGBTQIA+ como
protagonista de um filme no Brasil. E isso é muito.
Até o primeiro brasileiro num Emmy Internacional (prêmio
ao qual concorreu como Melhor Ator Internacional, em 2006) ele foi quando entregou
a estatueta de Melhor Programa Infantojuvenil ao lado da atriz norte-americana
Susan Sarandon. Predileção pela estreia, como um ator que sobe ao palco renovado
a cada noite de espetáculo.
Também tive, aliás, uma primeira – e única – vez com Milton. Uma ocasião em que o vi
pessoalmente, a poucos metros. Estava no Rio de Janeiro, nos arredores da
emblemática Cinelândia, acompanhado de minha esposa e de meu irmão numa tarde de agosto de 2018. Nós saímos
de uma livraria e ele, provavelmente, de algum dos teatros daquele quadrante em busca de um dos infindáveis taxis do Rio. Durante os segundos
de espera dele na calçada, pintou-me a dúvida: “Falo com ele?” Mas para dizer-lhe o
quê? pensei. “Parabéns”? “Obrigado”? Minha hesitação momentânea impediu que achasse
algo mais válido que isso e o taxi, obviamente, chegou. Ele embarcou e foi-se
embora com toda sua importância e grandeza. Voou. Aliás, como há muito se ensaiava, seja como Zelão, que sobrevoou Sucupira, seja como o velho Chico, aprendiz das pipas no Carandiru. Eu fiquei na calçada, pés plantados, olhando para cima e sabendo que havia
deixado escapar a oportunidade. Não agarrei suas asas. Depois vi que fiz o certo: deixei-o subir. Quantas asas ele já havia me dado sem saber para que eu, negro homem, um dia voasse também.
Outro
dia, logo após postar no Facebook que havia revisto um dos meus
filmes favoritos da cinematografia nacional, “Bye Bye Brasil”
(sobre o qual comentarei melhor em um próximo post), surtiram, como
geralmente ocorre, alguns comentários. Na ocasião, entretanto, um
dos que comentou foi meu primo e colaborador do ClyBlog (especialmente para da seção Claquete) Vagner Rodrigues. Amante de cinema, ele revelou não apenas querer conhecer o filme em questão
quanto se aprofundar mais no cinema brasileiro das décadas de 60, 70
e 80.
Dispus-me,
então, a elencar para ele títulos que dessem um panorama da
produção de cada década no combalido e combativo cinema no Brasil.
Até aí, nada incomum, considerando que gosto de compartilhar
conhecimento sempre que posso e o considero suficiente para tal. O
que eu mesmo não esperava era que, ao comentar brevemente cada filme
somente de forma a justificar ao Vágner o porquê de sua presença
numa classificação tão seleta, fui me empolgando não apenas com
cada anotação, como, principalmente, com a seleção em si. Tanto
que, somando-se os três períodos, cheguei a 55 títulos!
Afora
a trabalheira prazerosa que sei que dei ao meu primo, acabaram
surgindo três listas bem interessantes que dão a dimensão da
qualidade, importância, versatilidade e profundidade artística,
estilística, sociológica e política do cinema brasileiro em cada
uma destas décadas, sem dúvida as melhores em nível qualitativo em
toda a história dessa arte no Brasil (e olha que tem como
concorrentes os fortes anos 50 e a primeira década do séc. XXI). Ao
mesmo tempo, juntos, dão uma mostra bem real do quanto já foi muito
mais difícil fazer cinema no Brasil, tanto pela questão técnica
(produções quase sem recurso, tecnologia defasada e falta de mão
de obra) quanto, principalmente nos 60 e 70, pelo cenário político,
tendo em vista que muitos desses filmes – mesmo os corajosamente
denunciadores – sofreram com a censura do governo militar antes,
durante ou depois de lançados.
Comecemos,
então, com a melhor de todas: a década de 60, marcada pelo boom do
Cinema Novo – que revelou os gênios Glauber Rocha e Julio
Bressane, mestres como Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade e Cacá
Diegues e técnicos de primeira linha como Dib Lufti e Eduardo
Escorel – mas que presenciou, tanto quanto, obras memoráveis não
necessariamente ligadas ao movimento. Enfim, uma seleção de 20
títulos com seus respectivos diretores e em ordem cronológica de
ano que me deram muito trabalho para escolher, mas que dão uma ideia
legal da produção da época pelo filtro daquilo que gosto e
acredito como arte – a sétima, neste caso.
1 - "O Pagador de Promessas", Anselmo Duarte (60) – Com
absoluta convicção, o melhor de todos os tempos no Brasil. Perfeito
do início a fim: fotografia, atuações, roteiro, trilha, edição,
cenografia. E tem um dos papeis mais memoráveis do cinema: Leonardo
Villar como Zé do Burro. E ainda é um Palma de Ouro em Cannes que
venceu Antonioni, Pasolini e Buñuel. Tá bom pra ti? Irretocável.
2 –
“Barravento”, Glauber Rocha (62) – Primeiro filme do
Glauber, coloca-se num ponto entre o Neo-Realismo e o Cinema Novo.
Extremamente poético, é o filme que melhor retrata o universo
místico do candomblé e da vida dos pescadores do interior, aqueles
que raramente temos acesso no mundo urbano. Venceu prêmio na
República Checa e tem montagem do Nelson Pereira, quer mais?
3 -
“Assalto ao Trem Pagador”, Roberto Faria (62) – Outro
daqueles filmes essenciais. O Roberto Faria sempre fez filmes com
arte e apelo popular. Esse é bem assim: com uma cara ainda de
Atlântida dos anos 40/50, mas com um pé no Neo-Realismo. Atuações
fantásticas do irmão Reginaldo Faria, do Grande Otelo e do ator
principal, Eliezer Gomes, como o inesquecível Tião Medonho.
4 -
“Os Cafajestes”, Ruy Guerra (62) – Clássico do Cinema
Novo, tem toda a questão da câmera na mão, do enquadramento
intuitivo, do aspecto documental, da inspiração estética e
temática na nouvelle vague. Fala sobre a decadência da
burguesia, pondo em evidência seu vazio e a falta de sentido. Daniel
Filho e Jece Valadão ótimos. E ainda tem o primeiro nu frontal da
história do cinema, e quando a Norma Bengell era tri gata!
5 -
“Cinco Vezes Favela”, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de
Andrade, Miguel Borges, Leon Hirzsman e Marcos Farias (62) – Filme
de episódios (5, obviamente), todos retratando algum aspecto das
então pouquíssimo retratadas favelas, papel de denúncia que o
Cinema Novo foi hiperimportante. O do Cacá, embora ainda cru em
termos de estilo, é bem interessante, pois fala sobre uma escola de
samba e os problemas da comunidade num dia de carnaval. “Couro de
Gato”, do Joaquim Pedro, chegou a ganhar Cannes. O de Leon também
é incrível, “Pedreira de São Diogo”, sobre trabalhadores da
pedreira que são obrigados a fazer implosões perto de uma
comunidade que iria para os ares. O do Miguel Borges, sobre um lixão,
é claramente uma das inspirações do “Lixo Extraordinário” e
com o recente britânico-brasileiro “Trash”.
6 –
“Vidas Secas”, Nelson Pereira dos Santos (63) - Genial.
Precursor em muitas coisas: fotografia seca, roteiro, cenografia,
atuações. Daquelas adaptações literárias tão boas quanto o
livro, ouso dizer. Tem uma das cenas mais tristes que já vi, a o
sacrifício da cachorra Baleia. Limite também entre Neo-Realismo e
Cinema Novo. Indicado a Palma de Ouro. Aula de cinema.
8 -
“Os Fuzis”, Ruy Guerra (64) – Um soco no estômago. Sobre
um cerco militar que se forma numa cidade do sertão nordestino,
pondo à mostra toda a miséria social e moral gerada pelo Estado,
quase um presságio do derramamento de sangue que ocorreria com os
que combateriam a ditadura militar, então recém-iniciada. Dos
filmes preferidos de gente como Gustavo Spolidoro e Eduardo Valente,
foi Urso de Prata em Berlim em Direção.
9
– “Noite Vazia”, Walter Hugo Khouri (64) – O Khouri
sempre teve o seu jeito de fazer cinema, abordando temas como a
depressão das altas classes, o vazio existencial, a anestesia da
vida moderna, e bastante inspirado em Antonioni. “Noite Vazia”,
no entanto, não é uma cópia brasileira de “A Noite”: é um
filme com personalidade e referencial. Trilha do Duprat, tá louco! E
concorreu a Palma de Ouro. Depois, o Khouri só se repetiu, mas esse
é demais.
10
- “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, Roberto Santos (65) –
Uma joia meio esquecida. Leonardo Villar, de novo ele, faz o papel
principal, que ele literalmente encarna. Baseado no conto-novela do
Guimarães Rosa, é daquelas adaptações ao mesmo tempo fiéis mas
que souberam transportar a história pra outro suporte. Obra-prima
pouco lembrada.
11
– “São Paulo S/A”, Luis Sérgio Person (65) – Outro
clássico. Walmor Chagas tá ótimo. Na linha d’”Os Cafajestes”,
mas sob outra ótica, mostra a asfixia da classe média (paulistana,
no caso), imersa na impessoaliadade da vida industrial e maquinal da
grande cidade. Recebeu prêmios na Itália, México e São Paulo.
Muito atual.
12
– “O Desafio”, Paulo César Saraceni (65) – Parece
loucura, mas o diretor fez um filme sobre a ditadura em plena
ditadura. Haja peito! E mostra em detalhes a vida daqueles que não
se enquadram naquilo, a tristeza de ver seu país tomado sem lado
para correr. É um filme revoltado, corajoso e triste com todos os
elementos de Cinema Novo: câmera na mão, fotografia natural,
improvisação, tom documental, trilha sonora da MPB combativa da
época.
13
- “O Padre e a Moça”, Joaquim Pedro de Andrade (66) - Lindo.
Primeira ficção do Joaquim Pedro, que foi um contista de mão
cheia. Sobre um padre (o maravilhoso Paulo José) que se apaixona por
uma moça de família no interior. Claro que dá merda, né?
Fotografia PB rigorosa e pouco diálogo, que dá um clima sufocante à
história. Indicado ao Urso de Ouro em Berlim.
14
– “O Caso dos Irmãos Naves”, Luis Sergio Person (67) –
Filme de tribunal sobre uma história real de um julgamento injusto
ocorrido no interior de Minas na Era Vargas envolvendo os tais irmãos
da família Naves. Super bem narrado e fotografado. Alto nível.
Interpretações, idem. Interessante que, por se passar em uma época
antiga, o filme passou pela censura, é os militares burros não
perceberam ser uma baita crítica ao governo. Até torturas mostra...
Venceu Brasília (Roteiro e Atriz Coadjuvante) e foi indicado em
Moscou.
15
- "Terra em Transe", Glauber Rocha (67) - Pra muitos, o
melhor do Glauber. Também altamente referencial do que foi o Cinema
Novo e a visão dos artistas daquela época no Brasil. Algumas das
cenas – captadas pela câmera-personagem de Dib Lufti – e ícones
do movimento estão diretamente ligadas a essa filme. Premiado em
Cannes, Locarno e Havana. Não menos que genial.
16
- “O Dragão da Maldade Conta o Santo Guerreiro”, Glauber
Rocha (68) - Espécie de continuação do “Deus e o Diabo...”,
porém num outro conceito e contexto. Altamente Teatro de Arena e
Teatro Oficina, considero-o uma “ópera do Sertão” em cores, uma
tragédia shakesperiana nordestina. Texto incomparável. Filme amado
por Scorsese. Metafórico e forte. Melhor Direção em Cannes.
17
- “O Estranho Mundo de Zé do Caixão”, José Mojica Marins
(68) – O genial Mojica traz indiretamente seu célebre personagem,
que não aparece mas “representa” os 3 episódios que compõem o
longa. Sua melhor produção, que mostra o quanto ele, um dos maiores
mestres do terror trash mundial, ao lado de Argento, Carpenter e Bava, é capaz de fazer miséria com um pouquinho mais de recurso.
18
- “O Bandido da Luz Vermelha”, Rogério Sganzerla (68) – Se
existe cinema marginal, é “O Bandido...”. Transgressor, louco,
efervescente, non-sense, crítico, revolucionário. Adjetivos
são pouco pra definir. Grande vencedor do Festival de Brasília
daquele ano. O filme que fez o “terceiro mundo explodir” de
criatividade.
19
– “O Anjo Nasceu”, Julio Bressane (69) – Gênio do cinema
autoral da atualidade (haja vista que é vivo e segue produzindo),
junto com Sganzerla originou o chamado cinema “udigrudi”,
o underground brasileiro, que subvertia ainda mais a estética
e narrativa do que o Cinema Novo. Segundo filme dele, que, embora
tenha um pouco mais de história (o que o diretor praticamente
abandonou a partir do final dos 70), é tomado de simbologias e
metáforas, que, por sinal, embaralharam a cabeça dos militares, que
o proibiram sem saber porquê.
20
– “Brasil Ano 2000”, Walter Lima Jr. (69) – Fala-se muito
do “Macunaíma” (referencial certamente, mas um filme confuso),
mas esse do Walter Lima é exemplar no que seria um cinema
“tropicalista” e “antropofágico”. É um musical com trilha
original do Gilberto Gil cujos temas são muito bem integrados à
história, pois se trata de uma ficção surrealista inteligente e
engraçada. Muita criatividade com pouco.
"Grande Othelo foi um imenso brasileiro, um dos maiores de todos os tempos: ator, músico, cantor, apresentador de televisão, grande do teatro e do cinema, gênio nascido no ventre mestiço do Brasil. Tão gênio brasileiro quanto Oscar Niemeyer, Carlos Drummond de Andrade e Pelé."
Jorge Amado
"O autor por excelência do Brasil."
José Olinto
Há determinados artistas brasileiros que deixam um vácuo quando morrem. Aqueles que vão inesperadamente como foi com Elis Regina, Chico Science, Raphael Rabello, Cássia Eller e, mais recentemente, com Gal Costa. Eles provocam essa sensação de um buraco que se abre e que nunca mais será preenchido. Tanto quanto aqueles que, comum mais antigamente, despediam-se com menos idade do que seria normal à atual expectativa de vida, casos de Tom Jobim (67), Emílio Santiago (66), Mussum (53) e Tim Maia (55).
Sebastião Bernardes de Souza Prata, o Grande Othelo é um desses vazios. Aliás, fazem 30 anos deste vazio, tão grande que parece contradizer com a diminuta estatura deste homem de apenas 1m50cm de altura. Mesmo que menos prematuro como os já citados (morreu aos 78 anos), sua vida marcada pela infância dura e pela vida adulta boêmia, não o poupou de roubar-lhe, quiçá, uma década cheia. Mas o que este brasileiro deixou como legado se reflete (ao contrário dos citados acima, músicos por natureza) em mais de um campo artístico. Grande Othelo foi um gênio na arte de atuar, mas deixou marcas indeléveis na música popular e na poesia.
"Bom Dia, Manhã" cristaliza essa magnitude de Grande Othelo, o homem das palavras, sejam as da dramaturgia, as dos sambas ou as dos poemas. Lançado em 1993 e com organização de Luiz Carlos Prestes Filho, o livro reúne um bom compêndio de mais de 100 textos poéticos do artista que eternizou em seu nome o ícone shakesperiano. Não haveria o livro, por óbvio, ser menos do que isso. Com sua inteligência incomum e fluência natural de escrita, Grande Othelo alterna da mais singela confissão existencial ao romantismo sentimental, a malandragem e a alta literatura, os sambas e o parnasianismo, passando pelas homenagens aos amigos e as observâncias da vida e das mazelas do mundo. Tudo numa linguagem de "puras palavras", como definiu o escritor José Olinto, sem cerebralismos e dotados de cadências existenciais.
Em “Nada”, o poeta escreve: “Na saga das tuas solidões/ Vão surgindo outras/ Em outros corações”. A compreensão do amor “desromantizado” de “Homem e Mulher” é também digna de escrita, assim como “Estrada”, que narra o descompasso de um homem velho e uma mulher mais jovem. Os sambas, no entanto, são uma delícia à parte. Como os que coescreveu com Herivelto Martins “Fala Claudionor” ou o clássico “Bom dia Avenida”, de 1944, feito quando a Prefeitura do Rio de Janeiro resolveu acabar com o Carnaval na referencial Praça Onze, a Sapucaí do início do século XX: “Vão acabar com a Praça Onze/ Não vai haver mais escola de samba/ Não vai/ Chora tamborim/ Chora o morro inteiro”. Mas há ainda o samba-fantasia “Penha Circular”, o samba-crônica “Rio, Zona Oeste”, o samba inacabado “A boemia cantou”, o samba não-cantado por Elizeth Cardoso “Ao som de um violão”.
Representativo da raça negra em uma época de inúmeras dificuldades para o exercício deste ativismo, Grande Othelo mesmo assim posiciona-se por meio de suas palavras. Semelhante ao que ocorrera com outro ícone preto made in Brazil, Pelé, Othelo (que bem pode ser considerado um Pelé dos palcos, pois possivelmente o maior da sua área) bastava existir para representar resistência. Mas faz mais. “Sou no momento que passa/ A expressão mais forte/ De uma raça”, escreveu em “Neste momento: eu!”. Leu, com o olhar de menino sábio, a lenda gaúcha do Negrinho do Pastoreio, que ele mesmo representou no cinema em 1973, dirigido pelo tradicionalista Nico Fagundes:
“O negrinho descerá e subirá cañadas
Em correrias desenfreadas...
Beberá a água das sangas
E sempre sozinho, pois ninguém o vê.
Mas quando voltar há de trazer
A felicidade procurada por você.”
Não é uma delicadeza de apreciação? Estas e muitas mais delicadezas estão em "Bom Dia, Manhã", cuja leitura se dá com o prazer de quem ouve um samba, de quem lê uma crônica, de quem reflexiona a própria condição humana. É difícil imaginar o que Grande Othelo teria feito se tivesse vivido, quem sabe, mais 10 anos – nada alarmante nos tempos de hoje em que senhores da faixa dos 87-88 anos são Tom Zé ou Roberto Menescal, ativos e joviais. Mas é impossível não sentir falta dele vivo, aqui presente. Pensar que aquele Macunaíma, aquele Espírito de Luz, aquele parceiro de Carmen Miranda, aquele Cachaça, aquele farol do povo brasileiro não está mais é reconhecer o vazio que isso provoca. Um vazio grande, como o que este pequeno Othelo carregava no nome.
Enfim, chegamos à
terceira e última listagem de filmes brasileiros essenciais para se
entender o nosso cinema no final do século XX, terminando com a
safra dos 80. Mais do que para com os anos 60 e 70, a década de 80
foi a que mais tive dificuldade de escolher entre tantos títulos que
considero fundamentais. Talvez pelo fato de, dos anos 60,
embrionários e revolucionários, haver mais clareza quanto ao que
hoje é tido como essencial, bem como pela até injusta comparação
com os sofridos e minguados anos 70. O fato é que a produção dos
80 vem justificar, justamente, o decréscimo quali e quantitativo da
sua década anterior. Tanto é verdade que, com os reflexos visíveis
da Abertura Política e já se enxergando a tão sonhada democracia
não apenas como uma miragem, os cineastas brasileiros – mesmo com
a menos rígida mas ainda existente censura – passam a ter uma até
então inédita estrutura através de verba do próprio Governo via
Embrafilme.
Foi aí, então, que
os cineastas daqui mostraram o quanto são, de fato, brasileiros. Se
já haviam conseguido, nos 60 e 70, realizações memoráveis sem uma
Atlântida ou Vera Cruz por trás, quando tiveram um tantinho mais
fizeram “chover pra cima”. Desfalcados a maior parte da década
da tempestuosidade de ideias de Glauber Rocha, falecido em 81, além
de Leon Hirszman e Joaquim Pedro de Andrade, também vitimados cedo,
outros cabeças do cinema nacional avançaram em temática, nível
técnico, concepção e apelo com o público. Ironicamente,
entretanto, se os 80 justificaram a baixa dos 70, também herdaram o
inevitável: justo na década que talvez melhor se tenha produzido
para as massas até então, recaiu-lhes a pecha de cinema malfeito e
sem qualidade, motivado, principalmente, pela herança das
famigeradas pornochanchadas, naturalmente desvalorizadas com o
declínio do discurso do Governo Militar – estigma do qual o cinema
nacional tenta se livrar até hoje.
Para além das
comparações, a diversidade do cinema nacional dos 80 é grande. As
abordagens vão desde cinebiografias (pouco vistas até então),
felizes adaptações do teatro para as telas (finalmente!), avanço
do documentário, início da descentralização da produção eixo
Rio-São Paulo e, principalmente, uma maior liberdade de expressão.
Sem o fantasma constante das torturas e perseguições, as histórias
tocavam agora direto nas feridas da ditadura. “Nos nervos, nos
fios”. Ainda deu tempo, inclusive, de tanto Glauber quanto Leon
produzirem as talvez obras-primas de ambos. Diretores surgiam; uns,
despontavam; outros, afirmavam-se. Nesse contexto, sobraram títulos
que, por restringirmos a 20, não puderam entrar na lista, mas que
merecem menção: “Barrela”, “Cidade Oculta”, “A Dama do
Cine Shangai”, “Quilombo”, “Um Trem Pras Estrelas”,
“Gabriela”, “Índia, a Filha do Sol”, “O Romance da
Empregada”, “Inocência”, sem falar nas produções televisivas
de Walter Avancini. Mas, com esses 20 não tem erro: só filmaços.
1 - “A Idade da
Terra”, Glauber Rocha (80) – Poesia total. O último e
criticado filme de Glauber, fábula sobre as possíveis vidas e
mortes de Cristo num Brasil moderno, pode ser visto até como uma
metáfora visionária da morte do cineasta, que, entristecido com o
Brasil e com a recepção a seu filme, sucumbiu um ano depois de
lançá-lo. Esqueça os detratores: “A Idade...” é grande,
potente, cáustico, catártico, altamente filosófico. Um dia será
devidamente reconhecido.
2 - “Os 7
Gatinhos”, Neville D’Almeida (80) – Neville é daqueles
cineastas da “elite intelectual carioca” que só fala besteira e
produz coisas intragáveis e ininteligíveis, mas esse é um acerto
inconteste. Baseado em Nelson Rodrigues, tem o dedo do próprio no
roteiro e, além de trilha com músicas de Roberto e Erasmo, é uma
tragicomédia crítica e consistente à hipocrisia e depravação da
sociedade brasileira. Interpretações (Thelma Reston, Melhor
Coadjuvante em Gramado) e cenas inesquecíveis como a dos
“caralhinhos voadores” e “me chama de contínuo” estão neste
longa referencial.
3 -“O
Beijo no Asfalto”, Bruno Barreto (80) – Outra feliz adaptação
de peça, outra feliz adaptação de Nelson Rodrigues. Essa, no
entanto, deixando de lado a linguagem metafórica e fantástica de
“Os 7 Gatinhos”, investe numa história contada com rigor e
direção segura, apoiada pelas ótimas atuações de todos: Ney,
Tarcisão, Daniel, Torloni, Lídia. Daqueles filmes que, se está
passando na TV, não se fixe por 15 segundos, pois senão acabarás
terminando de assisti-lo inevitavelmente.
4
- “Pixote, A Lei do Mais Fraco”,
Hector Babenco (80) – Babenco chega à maturidade de seu cinema e
faz o até hoje melhor trabalho de sua longa e regular filmografia.
Com ar de documentário, toma forma de um drama realista e trágico,
trazendo à tona mais uma mazela da sociedade brasileira: a
desassitência político-social às crianças e a violência urbana.
O pequeno Fernando, que, ao interpretar Pixote, faz bem dizer ele
mesmo, nos emociona e nos entristece. Marília está num dos papeis
mais espetaculares da história. Indicado ao Globo de Ouro e vencedor
do New
York Film Critics Circle Awards (além de Locarno e San Sebastian), é
considerado dos filmes essenciais dos anos 80 no mundo.
5 - “Eles não
Usam Black Tie”, Leon Hirszman (81) – Como um “Batalha de
Argel” e “Alemanha Ano Zero”, é uma ficção que se mistura
com a realidade, e neste caso, por vários fatores. Adaptação para
o cinema da peça dos anos 50 de Gianfrancesco Guarnieri sobre uma
greve e a repressão política decorrente, transpõe para a realidade
da época do filme, de Abertura Política e ânsia pela democracia,
retratando as greves no ABC Paulista. E ainda: tem o próprio
Guarnieri como ator, que, segundo relatos, codirigiu o filme. Filme
lindo, que remete a Eisenstein e Petri. Música original da peça de
58 de autoria de Adoniran Barbosa. Prêmio do Júri em Veneza.
6 - “Sargento
Getúlio”, Hermano Penna (81) – Pouco lembrado, mas talvez o
melhor filme nacional da década. Adaptação do romance de João
Ubaldo, dá ares de tragédia shakesperiana à história em plenos
sertão e Ditadura Militar. Crítico, poético e altamente literário,
sem deixar o aspecto fílmico de lado, haja vista a fotografia,
cenografia e a arte primorosos. E o que dizer de Lima Duarte, Melhor
Ator em Gramado, Havana e APCA? Ponha sua atuação entre as 20
maiores do cinema mundial sem pestanejar. Ainda levou Melhor Filme e
Crítica em Gramado.
7 - “O Homem
que Virou Suco”, João Batista de Andrade (81) – A forte
atuação de José Dumond (Melhor ator em Gramado, Brasília e
Huelva), mais uma vez espetacular como em “A Hora da Estrela” e
“Morte e Vida Severina”, leva o filme conta a história do poeta
popular, o nordestino Deraldo, quer tenta viver em São Paulo de sua
arte mas é irresponsavelmente confundido com um assassino. Suas
raízes e verdades, então, viram “suco” na grande cidade. Melhor
Filme em Moscou e Nevers.
8 - “Bar
Esperança, O Último que Fecha”, Hugo Carvana (82) – Poético
e divertido, “Bar...” é o típico filme do novo Brasil que se
construía com a Abertura, o que significava transformações
irrefreáveis, como o avanço da modernidade e a morte da antiga
boemia poética. Junto com a companhia Asdrúbal Trouxe o Trambone,
lançou toda a geração de atores que viriam a desembocar na TV
Pirata e afins e no cinema que se constituiu no Brasil na
pós-retomada. Cenas memoráveis, atuações impecáveis, diálogos
idem. Música-tema de Caetano com Gal Costa. Vários prêmios em
Gramado. Uma joia.
9 - “Pra
Frente, Brasil”, Roberto Faria (82) – Tijolaço na cara da
ditadura, que, embora mais branda, ainda se mantinha no governo
Figueiredo. Corajoso e sem dó, evidencia a desumanidade do regime
militar ao contar a história de um homem confundido com um
“subversivo” e que é dura e aleatoriamente torturado, fazendo um
paralelo com o clima festivo da Copa de 70. Primeiramente proibido
pela censura, depois de liberado arrebatou Gramado (Filme e Edição)
e levou prêmio em Berlim, entre outras premiações e indicações.
10 -“Nunca
Fomos Tão Felizes”, Murilo Salles (84) – O letreiro inicial
diz tudo, quando o título do filme se constrói de forma a se
entender “Tão Felizes Nunca Fomos”. Estocada forte na Ditadura,
rodado no último ano do Governo Militar, conta a história de um
filho de um misterioso militante político que é retirado de um
colégio interno para viver temporariamente num moderno e entediante
apartamento. Alto nível técnico. Arrebatou Brasília e prêmio da
Crítica em Gramado.
11 - “Verdes
Anos”, Carlos Gerbase e Giba Assis Brasil (84) – O cinema
gaúcho, encabeçado pela galera da Casa de Cinema, começava nos 80
a mostrar suas qualidades: roteiros tratados literariamente, ares de
cult movie europeu, técnicos competentes e sotaque diferente do
“carioquês” ou “paulistês” que todos eram acostumados a
ouvir no cinema nacional. Um sopro de criatividade que revolucionaria
o audiovisual brasileiro a partir dos anos 90. Tema musical clássico
de Nei Lisboa.
12 - ”Cabra
Marcado para Morrer”, Eduardo Coutinho (84) – Mestre do
documentário mundial, Coutinho não se entregava mesmo quando
parecia impossível. “Cabra...”, um dos maiores filmes do gênero,
é um documentário do documentário. Interrompido em 1964 pelo
governo militar, narra a vida do líder camponês João Pedro
Teixeira e teve suas filmagens retomadas 17 anos depois, introduzindo
na narrativa os porquês da lacuna. Premiado na Alemanha, França,
Cuba, Portugal e Brasil, onde conquistou Gramado e FestRio.
13 - “Memórias
do Cárcere”, Nelson Pereira dos Santos (84) – Prova de que
Nelson Pereira não tinha “perdido a mão” depois de erros e
acertos nos anos 70, se debruça novamente sobre Graciliano Ramos,
mas desta vez não como fizera com seu grande romance, “Vidas
Secas”, mas sobre o próprio escritor quando de sua prisão pelo
Governo Vargas. Um épico que ganhou prêmio da crítica em Cannes.
14 - “A Hora da
Estrela”, Suzana Amaral (85) – Exemplo de como se fazer um
filme pequeno, com baixo orçamento, mas de muito, muito esmero de
roteiro (baseado no forte texto de Clarice Lispector) e cenografia.
Cartaxo interpreta a inocente Macabéa, noutra atuação espetacular
dos anos 80 no cinema mundial, que a fez ganhar Urso de Prata em
Berlim, onde a diretora também ganhou prêmio da crítica. O filme
ainda levou tudo no Festival de Brasília.
15 -“O
Beijo da Mulher Aranha”, Hector Babenco (85) – Uma história
improvável em uma produção brasileiro-americana ainda mais
improvável de dar certo. Mas Babenco, talentoso e sensível, amarra
tudo com maestria. De roteiro primoroso, é mais uma pungente crítica
ao Governo Militar e que tem nas atuações dos estrangeiros John
Hurt e Raul Julia e na dos brasileiros, Lewgoy, Sônia Braga e Milton
Gonçalves sua base. Cannes e Oscar de Ator para Hurt, mas concorreu
também a Filme, Direção e Roteiro na Academia e a Palma de Ouro.
16 - “O Homem
da Capa Preta”, Sérgio Rezende (86) – Na sua longa
filmografia, Rezende se especializou em rodar temas ligados à
história do Brasil. Porém o seu maior acerto é justamente o
primeiro com esta temática. Sobre o controverso político de Duque
de Caxias, Tenório Cavalcanti (Wilker, incrível), é um exemplo a
se seguir de cinebiografias, as quais hoje tanto se fazem mas que
resvalam na superficialidade. Grande vencedor de Gramado.
17 - “O Grande
Mentecapto”, Oswaldo Caldeira (86) – Das melhores comédias
do cinema nacional, filme mineiro que, na linha de “Verdes Anos”,
direcionou a produção a outros Estados que não Rio e SP, e que
sedimentou a geração TV Pirata (Diogo Vilella, LF Guimarães,
Regina Casé) numa história de Fernando Sabino ao mesmo tempo
deliciosa, cômica, poética e aventuresca. Um dos finais de filme
mais bonitos do cinema brasileiro. Trilha do Wagner Tiso marcante.
Melhor Filme pelo júri em Gramado e concorreu em Cuba, Canadá e
EUA.
18 - “Ópera do
Malandro”, Ruy Guerra (86) – Ruy é o cara que sempre
produziu com alto padrão de qualidade desde que surgiu, nos anos 60.
Em “Ópera...”, coprodução da Embrafilme com a França, ele
eleva ainda mais o nível. Numa adaptação da peça de Chico Buarque
(por sua vez, baseada em Brecht e Gay), ele se vale do apoio do amigo
e parceiro não só para os maravilhosos temas musicais como até
para os diálogos. Tiro certeiro. Musical que não te cansa, pois
integra tanto a cenografia às canções que todos os atores se saem
bem cantando.
19 - “Ele, O
Boto”, Walter Lima Jr, (87) – Lenda popular e realidade se
misturam nessa fábula contada com muita poesia sobre a beleza do
imaginário e da sexualidade feminino, tema que Lima Jr. recuperaria
10 anos depois em “A Ostra e o Vento”. Dos primeiros filmes
brasileiros que me arrebataram. Nunca me esqueci da lindeza da
fotografia das cenas noturnas, com a claridade (muito bem
fotografada) da lua na praia. Outra ótima trilha de Tiso.
20 - “Faca de
Dois Gumes”, Murilo Salles (89) – Terminando a década,
Murilo acerta a mão em cheio de novo, desta vez adaptando
Best-seller de Sabino. O resultado é um drama policial potente e não
menos crítico no que se refere ao sistema. Atuações memoráveis de
José Lewgoy, Pedro Vasconcelos e Paulo José, principalmente.
Direção, Fotografia e prêmios técnicos em Gramado, além de Filme
em Natal e Rio.
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Embora goste menos
desses títulos ou até não goste de alguns, acho justo, por uma
questão jornalística e histórica, ao menos citá-los, pois cada um
tem seu grau de importância dentro do período dos anos 60, 70 e 80
que abordamos:
60: “Macunaíma”
(Joaquim Pedro, 69); “Cara a Cara” (Bressane, 67); “A Falecida”
(Leon, 65); “Porto das Caixas” (Saraceni, 62); “Bahia de Todos
os Santos” (Triguerinho, 60); “A Grande Feira” (Pires, 61); “A
Grande Cidade” (Cacá, 66)