sexta-feira, 27 de novembro de 2015
John Coltrane – “Ascension” (1965)
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021
McCoy Tyner - "Extensions" (1972)
Poucos anos após assimilar a morte do mestre John Coltrane, com quem havia se tornado um músico profissional, Tyner realiza uma viagem para dentro de si mesmo. Já havia intentado isso em “The Real McCoy”, de 1967, mas seguiu em busca do seu verdadeiro “eu”, explorando, descobrindo, expandindo-se. Por isso, a noção de extensibilidade proposta por Tyner vai além de um mero produto sonoro-musical, pois atinge num só tempo dimensões altamente profundas, como a da raça, da espiritualidade e da ancestralidade. Em “Extensions”, Tyner vai à gênese.
Coltrane, aliás, abridor de portas do spiritual jazz e da vanguarda jazzística, é fundamental para essa procura existencial e espiritual. Afora a própria influência do saxofonista mais cultuado do jazz para Tyner e toda uma geração, o pianista reúne figuras não apenas devotas ao autor de “Giant Steps” como ainda vai além. Estão com ele Elvin Jones, companheiro do “quarteto clássico” que acompanhou por cinco anos Trane em suas principais obras; o versátil Ron Carter, cujo baixo é capaz de apoderar-se do mais profundo intimismo; Wayne Shorter, um dos mais ilustres herdeiros do saxofone mágico da linhagem de Coltrane; Gary Bartz, cujo sax alto conversa igualmente com o extracorpóreo; e para fechar, ninguém menos que a esposa dele: a pianista e harpista Alice Coltrane, grandiosa compositora e arranjadora, que dividiu a vida, os estúdios e os palcos com o marido e que substituiu, justamente, o próprio Tyner, em 1966. Tê-la neste disco significava para Tyner não apenas um resgate para com ela, mãe de Ravi Coltrane, fruto do casal e músico talentoso como os pais, como uma reconexão com quem, mesmo não mais vivo, fora-lhe tão importante.
Independente do que tocassem, só o fato de se reunir essa estelar turma já seria suficiente. Mas Tyner estava imbuído de pretensões mais elevadas neste projeto. Queria puxar o fio do novelo que lhe trouxera até ali como artista, como ser social e como pertencente de uma raça. Queria perscrutar a “extensão” de sua existência. A fonte para isso? A África. Muçulmano devoto, Tyner buscava invariavelmente nas raízes antepassadas a inspiração para sua música. No entanto, naquele momento de vida, calhava-lhe reunir os ecos do spiritual jazz – proclamado por Coltrane e muito bem progredido por outros músicos, como Albert Ayler, Pharoah Sanders e a própria Alice –, do bop e do modal com o legado dos ritmos africanos. A riqueza continental da África lhe oferecia a dimensão espacial perfeita para o autorreconhecimento, mas também para o do jazz e de toda a música moderna. A capa não deixa dúvidas ao mostrar a realeza negra com suas vestes islâmicas típicas.
O disco começa mandando uma mensagem vinda do rio que banha toda a África Continente e as áfricas imaginárias pelo mundo: o Nilo. Os mais de 12 minutos da faixa de abertura dimensionam a exuberância de um tema em homenagem ao maior – e mais histórico – rio do mundo. ”Message From The Nile”, com um início transbordante como uma nascente, abre ao som cintilante da harpa de Alice. Denso, o tema diz a que veio: variações de ritmo e textura da percussão, um piano lírico e consciente de seu papel central; e a dupla de sax, formando um só corpo – melódico e astral. Essencial para o desenvolvimento de civilizações milenares, como a egípcia, a grega e a hebraica, o Nilo recebe de volta Tyner em suas águas sagradas para um novo batismo. Essa é a mensagem. Tyner, Bartz e Shorter, padrinhos, parecem colocar a música a alguns metros do chão com seus improvisos, enquanto a harpa de Alice, última a solar, vem para, definitivamente, selar a sensação de elevação.
Tyner com o mestre e amigo John Coltrane à época do "quarteto clássico": inspiração espiritual |
Estava muito clara a visão do band leader. Em uma época em que vários músicos do jazz, inclusive muitos contemporâneos de Tyner, se rendiam ao fascínio pop do jazz fusion, absorvendo com facilidade elementos do rock e da soul music, o pianista, convicto com seu Corão debaixo do braço, mantinha-se ainda mais fiel às raízes. Embora se abrisse para o matiz africano como os ultramodernos, fazia-o muito mais como contrição do que experimento ou frivolidade. “The Wanderer”, que vem na sequência, forjada no hard-bop ao qual ele e toda a banda se formaram, capta a ideia da “extensão” ao reafirmar aquilo que a música da África levou para o outro lado do Atlântico, como se a mensagem enviada do Nilo fosse justamente essa: o jazz puro e essencial. Como em todo o álbum, o autor prova que é a verdadeira ponte entre a tradição e o moderno.
Por falar em essência, o que é mais essencial para a música afro-americana do que o blues? “Survival Blues”, novamente faz uma ode aos ancestrais, mas localizando-os na América. O tema inicia com farfalhar de notas miúdas das mãos esquerda e direita de Tyner para, aos poucos e dissonantemente, formar um esboço melódico. É, sim, um blues, mas como o próprio título sugere, que necessita brigar por sua “sobrevivência”. As notas e acordes, como seres tirados de suas terras para servir de escravo por séculos num território que não era seu, travam uma batalha com o espaço sonoro para existirem, para ocuparem aquilo que lhes pertence. Jones, especialmente inspirado, está em casa: livre para exercitar sua verve polirrítmica. O blues, assim, como lamento e redenção, como música de trabalho dos trabalhadores escravizados, cumpre sua função sincrética, quase religiosa. Torna-se mais “espiritual” do que os mestres precursores jamais supuseram.
Se foi breve o passeio pela África, com certeza foi profundo. Por isso, não poderia deixar de se encerrar pedindo a bênção – seja de Alá ou dos orixás, que saíram da mesma África para jogar seus encantos na ponta sul da América. Mais spiritual jazz impossível, “His Blessings” pega emprestada a atmosfera de Coltrane, principalmente, em seu maior canto divino, “A Love Supreme”, de 1964, em que Tyner foi um importante colaborador e Alice uma fundamental encorajadora. Com esparsas percussões (pratos ou rolos de tímpano), o tema tem na força dos sopros de Shorter e Bartz sua alma, suas vozes. Carter, outro fundamental para a construção harmônica, lança o arco para fazer de seu baixo uma flecha, como o caçador Oxóssi. A arpa de Alice desenha todo o espectro sonoro, atribuindo ares do Oriente egípcio, caldeu e fenício enraizado na civilização moderna. Já Tyner, dono e autor da canção, impregna-a de motivos oníricos e devotos, louvores urgentes de serem ditos.
Se Tyner já vinha de um tempo cogitando autodescobrir-se, em “Extensions” ele realiza justo o que o termo propõe: extensões deste significado. Afinal, não é um descobrir apenas de si, mas de seu povo, de sua raça, de sua gente. A civilização negra, seja da África, das Américas ou de onde quer que seja, está representada em seus acordes. Todos eles guardam no coração, inequivocamente, os sons que a Mãe-África lhes legou. E a arte, aqui respaldada pela linguagem da música, é capaz de manter vivas suas origens, de aproximá-la, de colá-la novamente à porção meridional ocidental, hoje chamada América e dividida por um imenso oceano, mas que um dia formou uma só terra.
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Gravado pelo selo Blue Note,, em fevereiro de 1970, no Van Gelder Studio, em Englewood Cliffs, New Jersey, “Extensions” foi lançado somente dois anos depois, em 1972, pela United Artists Records.
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1. “Message From The Nile” - 12:10
2. “The Wanderer” - 7:35
3. “Survival Blues” - 13:02
4. “His Blessings” - 6:41
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Daniel Rodrigues
quarta-feira, 28 de setembro de 2022
Música da Cabeça - Programa #286
Hoje vamos te dar 13 motivos pra ouvir o MDC. E você vai ver que motivos não faltam, porque tem do rock de Beck e Frank Zappa, ao rap da Racionais Mc's, passando pela MPB de Elis Regina e Alceu Valença e várias outras razões. E pra virar de vez, ainda tem o jazz de Pharoah Sanders no Cabeção. Dedicado a decidir no 1º turno, o programa vai ao ar hoje, às 21h, na utilíssima Rádio Elétrica. Produção, apresentação e voto mais do que voto útil, necessário: Daniel Rodrigues.
Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/
quarta-feira, 1 de abril de 2015
John Coltrane - “A Love Supreme” (1965)
Alice Coltrane viu seu marido descer as escadas vindo da sala onde costumava trabalhar na casa em que viviam em Long Island, Nova York. Fazia cinco dias que mal saía de lá. Musicista e compositora como ele, Alice entendia muito bem a situação. Ele parecia cansado das obsessivas horas de trabalho, mas “inusitadamente sereno”, relatou Alice. “Parecia Moisés descendo a montanha. Foi lindo. Ele me disse: ‘Esta é a primeira em vez que me veio toda a música que quero gravar, como uma suíte. Pela primeira vez, tenho tudo, tudo pronto.’” O ano era 1964. Visivelmente, não se tratava de uma situação comum. O desgaste dele era justificável, visto que também altamente recompensador. Naquele dia de setembro, começo do outono nos Estados Unidos, John William Coltrane, depois de horas de concentração (e, ao que tudo indica, também contrição), havia composto integralmente todas as músicas daquela que se tornaria sua obra-prima e um marco da música em todos os tempos: “A Love Supreme”.
O livro do jornalista Ashley Kuhn
que disseca o grande álbum de Coltrane
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sábado, 21 de agosto de 2021
Cyro Baptista - Jazz na Fábrica - Sesc Pompeia - São Paulo/SP (2012)
por Samir Alhazred
Há uma série de artistas, especialmente os ligados à cena experimental, ao fusion e ao free jazz, que o SESC SP conseguiu com louvor trazer neste século, especialmente em mostras e festivais tais quais o NuBlu e o Jazz na Fábrica.Dos que estive presente, posso citar com emoção nomes como John Zorn (recentemente, com seu New Masada, em 3 noites absurdas e históricas de 2018), Ornette Coleman, Pharoah Sanders, Peter Brötzmann, Archie Shepp, Anthony Braxton, Wadada Leo Smith, Roscoe Mitchell (do Art Ensemble Of Chicago, com seu jeito único de tocar sax), o guitarrista Fred Frith, a musa instigante do free contemporâneo Matana Roberts, o guitarrista Arto Lindsay, o baixista Avishai Cohen, o pesadíssimo The Thing de Mats Gustafsson, o fenômeno moderno Kamasi Washington, além de artistas brasileiros icônicos como Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal (que se apresenta quase todo ano), Airto Moreira, dentre tantos.
Nesta última seara, lembro-me de um show impactante do percussionista brasileiro Cyro Baptista, que já há muitos anos mora no exterior e integrou, dentre outros, o grupo do já referido John Zorn.
Em 2012, no Jazz na Fábrica, na tradicional Choperia do Sesc Pompeia, ele trouxe o espetáculo “Beat The Donkey”, e mais uma vez estive lá sem muita informação sobre o que encontrar, movido apenas pela curiosidade.
Do time reunido, não tenho todos os nomes, mas a coreógrafa Chikako Iwahori, o baterista Tim Keiper e a maravilhosa percussionista e vocalista Lisette Santiago revezavam freneticamente os instrumentos com Cyro – um percussionista inovador, a la Pascoal.
Não apenas, mas o espetáculo tomava outros formatos, com danças e performances inusitadas, shows de sapateado, figurinos exóticos e até descambando para um típico show de rock’n roll em dado momento, com Lisette mandando uma intensa versão de “Immigrant Song” do Led Zeppelin.
Poderia comparar a teatralidade e o dinamismo ao que David Byrne fez em 2018, no show ”American Utopia” – que chegou a passar pelo Brasil no festival Lollapalooza. A versão que gerou o CD/DVD ao vivo de Byrne conta inclusive com o mesmo baterista daquela noite de 2012, Tim Keiper. A conexão parece lógica!
Tenho como uma noite inesquecível, como as demais citadas acima, e que torcemos para que voltem a ocorrer o quanto antes, quando for seguro para todos. Sonho nosso! Como se nossos atuais governantes, inimigos tanto da saúde quanto da cultura, trabalhassem para isso...
(Sesc Pompeia/2012)
sexta-feira, 29 de março de 2019
Kamasi Washington - Bar Opinião - Porto Alegre/RS (26/03/2019)
Considerações a respeito do show de Kamasi Washington no Opinião
por Paulo Moreira
2 - Desde então, Kamasi tem participado do trabalho do rapper Kendrick Lamar, que tem preponderante vínculo com a música negra, especialmente dos anos 70.
3 - O terceiro disco de Kamasi, "Heaven And Earth", já demonstra esta influência marcada da black music setentista, inclusive na canção "Fists of Fury", trilha de um filme de Bruce Lee.
Kamasi, o trombonista Ryan Porter à frente no palco do Opinião (foto: Roger Lerina) |
5 - Durante o show, encontrei o Pedro Verissimo que estava curtindo. Até comentei que não era bem o estilo do pai dele, ao que retrucou: "ele quase veio....". Fiquei imaginando o Verissimo sendo assaltado por todo aquele som.
6 - Entendo o que disse o Karam mas Kamasi faz parte desta turma nova (Robert Glasper, Snarky Puppy, Thundercat) que mistura tudo numa linguagem jazzística. É jazz?? Também é!!
7 - Ah, roubei a foto do Roger Lerina. Obrigado, Roger.
8 - O Marcelo Figueiredo matou a charada!! 10 de maio tem Ron Carter no Centro de Eventos do BarraShopping no lançamento da quinta edição do POA Jazz Festival. Jazz acústico e de primeira! Todo mundo lá!!!!
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Lindeza e fúria
por Daniel Rodrigues
"Muito lindo", disse o próprio Kamasi |