A estabilidade que a
primavera traz ao tempo reservou um dia ensolarado no parque da Redenção para receber
o 2º Festival BB Seguridade de Blues e
Jazz. Após passar por São Paulo, Recife e Brasília, este interessante
festival reuniu nomes nacionais e internacionais em torno de ambos os gêneros,
como Hamilton de Holanda, João Maldonado Trio, O Bando, Maria Gadú e a Orleans
Street Jazz Band. Estima-se que 32 mil pessoas estiveram no parque
curtindo o dia com a família e os amigos. Entre estes, Leocádia e eu.
Como não dava pra passar o
dia, fomos no horário que pegaríamos os dois shows que mais nos interessavam: o
da banda carioca Blues Etílicos e, em seguida, do guitarrista norte-americano
Stanley Jordan. Se bem que, quando apontamos no parque, ainda dava pra ouvir,
mesmo que de longe, Hamilton de Holanda detonando seu bandolim. Quando nos
acomodamos, já no intervalo entre uma apresentação e outra, aparecem os
paulistas da Orleans Street Jazz Band tocando no meio da galera. Alto astral aquele
som de jazz do sul norte-americano, com direito a tuba, trompete, trombone,
sax, banjo e percussão. As melhores das boas-vindas.
Orleans Street Jazz Band no 2º Festival BB Seguridade de Blues e Jazz
Logo em seguida veio a Blues
Etílicos. Embora as letras deixem a desejar, a sonoridade é do mais poderoso e
original blues eletrificado. Destaque para o guitarrista Otávio Rocha e seus
slides impiedosos. É ele quem segura o som de um berimbau extraído da própria
guitarra na música “Dente de Ouro”, misto de baião e blues, a melhor da
apresentação. Também teve participação do blueseiro gaúcho Solon Fishbone em
“Puro Malte”, noutro momento muito legal em que três guitarras se somaram.
Foi então a vez de Stanley
Jordan subir ao palco. Ele, que havíamos perdido de ver quando do Canoas Jazz
Festival, em 2014, deu um show curto mas delicioso. Isso que o tal Dudu Lima
quase pôs água no chope! O músico mineiro, baixista e líder do trio que apoiou
Jordan, começou o show tocando a “Suíte BItuca”, versão jazz fusion para “Fé Cega, Faca Amolada”, de Milton Nascimento e Fernando Brant, com incursões de outras melodias, como a de “Raça”, também de
Milton, e “Asa Branca”, clássico de Luiz Gonzaga. Até aí, tudo bem. Acontece
que quando Jordan entra definitivamente para tocarem a primeira juntos, “Clube
da Esquina nº 2”, outra de Milton, esta parceria com Lô Borges. A beleza da
interpretação passa a ganhar tons de exagero por parte de Dudu Lima, que se perde,
sai do compasso e inventa improvisos mais ruidosos do que melódicos.
Pensamos: “Tudo bem, vai ver que estão esquentando
ainda”. Veio, então, o tema seguinte, “Regina” de autoria d Dudu. Estavam
os dois ali, tocando juntos quando, no meio da execução, o autor, decerto por
achar a autoria motivo para tal, desce do palco para tocar no meio do público
(!). Não que não possa fazer isso, mas no SEGUNDO número? E justo ele, o coadjuvante
do show? Totalmente despropositado. Jordan, na sua simplicidade, ficou no palco
fazendo base para o exibido lá embaixo. O bom foi que, a partir dali, tudo se
rearrumou. O mestre Jordan permanece no palco para, sozinho agora, mandar ver
duas suítes solo impressionantes. Uma delas é a originalmente linda “Eleanor
Rigby”, clássico dos Beatles presente no terceiro álbum de Jordan, o memorável
“Magic Touch”, de 1985. Um desbunde. Ele aproveita as linhas vocais, do cello e
dos violinos da original de 1966 para fazer o mesmo, só que apenas na guitarra.
Usando sempre das duas mãos, as quais tocam geralmente ao mesmo tempo, o
característico tapping – técnica que
evoluiu com ele –, a exuberante forma de Jordan tocar comove e impressiona.
A banda volta ao palco,
agora trocando seu bom baterista Leandro
Scio por um verdadeiro craque: o mestre Ivan Conti “Mamão”, integrante da
lendária banda de jazz-soul brasileira Azymuth. Não tinha como dar errado, e
até Dudu Lima, agora mais contido, passou a contribuir com seu competente baixo
elétrico. Uma linda execução de “Partido Alto”, faixa do disco da Azymuth "Light As A Feather", de 1979. Mamão, com sua experiência e suingue, dá outra
atmosfera para a sonoridade, um ganho que faz com que toda a banda cresça e
Jordan, por sua vez, conseguisse desenvolver ainda mais sua habilidade como
solista.
A formação com Mamão
arrepiou em outro jazz fusion estonteante, com variações de ritmo, agilidade e
performance de todos, claro, principalmente de Jordan. É o guitarrista que puxa,
enfim, novamente acompanhado do trio do começo, o número final, que o público
reconhece já nos primeiros acordes. É “Stairway to Heaven”, o clássico hard-rock
da Led Zeppelin. Como fizera
com a canção de Lennon e McCartney, nesta Jordan utiliza todas as
possibilidades harmônicas criadas pelo riff
de Jimmy Page, ora valendo-se da suavidade do dedilhado, ora transformando a
guitarra em piano, ora roncando em palhetadas. Até sons de bandolim e viola é
possível ouvir da guitarra de Jordan. Um final digno de um show que valeu a
pena aguardar esses dois anos para assistir.
vídeo de“Stairway to Heaven”porStanley Jordan e Dudu Lima Trio
Céu azul e muita gente na Redenção.
A Orleans Street Jazz Band toca no meio do público.
A inusitada percussão da OSJB.
A Blues Etílicos mandando ver no blues eletrificado.
No telão, Jordan e Dudu solando.
Galera aproveitando o gramado e a sombra das árvores.
Embora os shows comecem a voltar presencialmente, o que acho
animador, não está nos meus planos assisti-los, assim, tão cedo, visto os riscos
que, infelizmente, ainda se correm. Enquanto não retorno com pelo menos boa
parte do prazer e despreocupação às casas de espetáculo, recordo aqui, então,
de mais um show de anos atrás que guardo com muita alegria na memória: o da
Jamiroquai. Se hoje é pouco provável a vinda de uma banda como a desses
ingleses a Porto Alegre – mesmo antes do cenário de pandemia –, há 24 anos
atrás, completos neste último dia 14, isso acontecia. E acontecia em razão de
um outro privilégio ainda maior que a capital gaúcha já teve, que era o de
receber shows do saudoso Free Jazz Festival. Recorrente no Rio de Janeiro e em
São Paulo desde 1985, o principal festival de jazz brasileiro ocasionalmente
incluía Porto Alegre no roteiro até, tristemente, encerrar por total as edições
em 2002, quando a 17ª edição foi cancelada devido à alta do dólar, que elevou
os custos a ponto de inviabilizar sua realização.
Ingresso de algum dos afortunados que assistiram o show bem de perto naquela noite
Mais do que só o privilégio e a raridade de assistir ao
maior grupo de acid jazz do planeta, a apresentação da Jamiroquai em si foi um
luxo. Repertório e produção impecáveis, músicos afiados, público sedento e um J.
Kay – a imagem da Jamiroquai, literalmente – carismático e catalisador:
cantando e performando com energia. Um showman, que dança constantemente, mas
não por isso deixa de soltar com muita técnica sua linda voz de timbre a la
Stevie Wonder. E a “cozinha” é outra maravilha à parte, sustentada pelo baixo
suingado de Stuart Zender, a bateria polirrítmica de Derrick McKenzie, os
teclados voadores de Toby Grafftey-Smith, a percussão “raiz” de Sola Akingbola
e a guitarra cheia de groove de Simon Katz. Além deles, as pick-ups do DJ D-Zire
e a linha de sopros.
A vinda do grupo, aliás, se deu justamente no momento de
maior sucesso mundial da banda, motivado pelo estouro do seu terceiro álbum, “Travelling
Without Moving”, de um ano antes. Sabe aqueles discos que mais de 80% das
faixas se tornaram hits? É o caso deste, um dos poucos casos desse fenômeno nos
anos 90, ajudado, inclusive, pela fase áurea da MTV, que rodava seus
videoclipes em looping. Resultado: uma paulada atrás da outra. "Virtual
Insanity", "Alright", "Cosmic Girl" e a faixa-título
do disco que motivou a turnê, por exemplo, incendiaram a galera, que sacolejou
aos montes mesmo espremida pelas poltronas. Isso porque, o espaço definitivamente
não foi o ideal: um Teatro do Sesi com cadeiras fixas que impediram o público
de dançar num show claramente apto a isso. Afinal, provinciana, Porto Alegre
não tinha nada melhor em termos de aparelho cultural - dois espaços que poderiam
ter recebido o show, o Teatro Bourbon Country, inaugurado em 2007, ainda nem
existia e o Araújo Vianna só seria reaberto 15 anos depois.
A grande Jamiroquai no seu auge no show de SP dias antes para o mesmo Free Jazz
Isso tirou a naturalidade da plateia, claro, mas não suficientemente para apagar
o brilho daquela noite. Afinal, Jason Kay e Cia., indiferentes a este problema,
mandaram ver numa apresentação competente e empolgante. Além dos sucessos, teve
direito a outros temas conhecidos e/ou queridos do público não apenas do disco
de então, mas também dos ótimos “Emergency On Planet Earth” (1993) e “The Return
Of The Space Cowboy” (1994), considerados por muitos dos fãs seus melhores
trabalhos. São exemplos "Space Cowboy", jazz-soul muito inspirada na brasileira
Azymuth; bem como “Hooked Up”, que abriu o show em alta numa rotação funk, e a
fantástica “Too Young To Die” (“Do-do-do-do-do, da-da-do, da-da-do-do”), ambas
do primeiro disco. Teve direito, ainda, a solo de Wallis Buchanan de didjeridu
(“Didjital Vibrations”), aquele instrumento de sopro dos aborígenes
australianos que a Jamiroquai adotou desde sempre.
Funk, jazz, AOR, disco, rap, rock, dance. A Jamiroquai é
tudo isso e mais um pouco, o que pude conferir ao vivo na minha própria cidade
em quase 2 horas incendiárias. Não lembro como foi o retorno de volta em plena
madrugada de um domingo considerando que cerca de 27 km distanciavam minha casa
do teatro e que pegar um táxi seria uma fortuna (provavelmente, mais caro do
que o próprio ingresso que havia pago). Mas cheguei em segurança, com certeza – se
não, nem estaria aqui relembrando disso tudo. Nesse aspecto, morar numa quase província haveria de ter as suas vantagens.
Jamiroquai - show completo do Free Jazz Festival (10/10/97/SP)
Nessas
brincadeiras diletantes de criar listas sobre os mais diferentes
temas musicais nas redes sociais (10 melhores show assistido no
Teatro da Ospa, 10 melhores discos de jazz da ECM, 10 melhores
músicas contra a ditadura militar, 10
músicas chatas do Chico Buarque, 10 melhores discos de soul
music, e por aí
vai)fui
instigado a montar uma que, num primeiro momento, titubeei. “Será
que eu saberia compor uma com esse tema?”, pensei. Tratava-se
do “Melhor Disco Instrumental de Música Brasileira”. Mesmo com
meu conhecimento musical, que não é pouco, teria eu embasamento
suficiente para criar uma lista interessante e, além disso,
suficientemente informada a esse respeito? Pois, para minha própria
surpresa, a lista saiu, e bem simpática, diga-se de passagem. Além
de não se prender a um estilo musical específico (o que se chamaria
burramente de “música instrumental brasileira” pura), típico de
minha forma de enxergar a música e a arte, acredito que minha
listagem não ficou pra trás em comparação a de outros que se
empolgaram e publicaram as suas também.
Claro
que tem muita coisa que não consta na minha lista que vi na de
outros, pois certamente ainda tem muito o que se conhecer dentro do
mar de maravilhas sonoras que existe. Raul de Souza, Barrosinho, Os
Cobras, Victor Assis Brasil, Djalma Correa e Edison Machado, por
exemplo, nem cito, pois não tive o prazer ainda de conhecer seus
trabalhos a fundo ou ponto de saber selecionar-lhes um disco
representativo. Mas acho que, afora o gostoso dessa prática quase
infantil de elencar preferências, tais lacunas são justamente o
papel dessas listas: abrir novos paradigmas para que novas revelações
se deem e se passe a conhecer aquele artista ou banda que, quando se
ouve pela primeira vez, se pensa com surpresa e excitação: “Cara,
como que eu nunca tinha ouvido isso?!” Se algum dos títulos
que enumero causar essa sensação nos leitores, já cumpri meu
papel.
Aí
vão, então os meus 15 discos preferidos da música brasileira
instrumental, mais ou menos em ordem:
1 –
“Maria Fumaça”, da Banda Black Rio (1977)
2 –
“Coisas“, do Moacir Santos (1965)
3 –
“A Bed Donato”, do João Donato (1970)
4 –
“Wave”, do Tom Jobim (1967)
5 –
“Em Som Maior”, da Sambrasa Trio (1965)
6 –
“Revivendo”, do Pixinguinha e os Oito Batutas (1919-1923 –
coletânea de 1895)
7 –
“O Som”, da Meirelles e os Copa 5 (1964)
8 –
“Donato/Deodato”, do João Donato e Eumir Deodato (1973)
O cinema brasileiro se solidificou como um grande produtor de documentários desde a retomada, no início dos anos 2000. Embora já tivesse uma considerável tradição documentarista, desde o Ciclo de Cataguases aos cinemanovistas, foi principalmente a partir da década de 2010 que explodiram produções documentais em diversos formatos e temas, sendo um deles o da história cultural do País. O aperfeiçoamento das formas de pesquisa e dos recursos de tecnologia juntam-se ao interesse dos novos realizadores em contar essa riqueza histórica, que oferece um panorama amplo de entendimentos políticos, comportamentais e sociais do Brasil. Artistas, autores, personalidades, movimentos, escolas e projetos passaram a se tornar objeto de análise fílmica, rendendo muitos filmes de excelência, mas outros nem tanto.
É o caso do recente “Nada Será Como Antes - A Música do Clube da Esquina”, que se debruça sobre o movimento musical mineiro cujo principal álbum é considerado um dos maiores de todos os tempos no Brasil. Há pouco, a revista norte-americana Post Magazine, igualmente, colocou-o entre os 10 melhores entre os 300 mais emblemáticos da música pop, algo semelhante ao que fez o livro "1001 Discos para se Ouvir Antes de Morrer" ao incluí-lo na listagem juntamente com outros 15 brasileiros. Mas, infelizmente, o documentário de Ana Rieper perde a chance de explorar toda a riqueza que o tema oferece. Na esteira do festejado mas pouco envolvente “Elis & Tom - Só Tinha de Ser Com Você” (Roberto de Oliveira e Jom Tob Azulay, 2023), “Nada Será...” busca resgatar, a partir da visão de seus principais atores, a alma deste outro disco clássico: "Clube da Esquina", de 1972. Faz isso resgatando a formação do famoso Clube, apelido da turma de músicos mineiros liderados por Milton Nascimento que faz referência a uma esquina de Belo Horizonte, entre as ruas Paraisópolis e a Divinópolis, no bairro de Santa Tereza, onde moravam, nos anos 60, os igualmente protagonistas irmãos Borges (Márcio, Lô, Telo e Marílton). Uma cena artística absolutamente original e de uma qualidade incomparável ainda hoje, que reunia talentos e todas as forças da música brasileira àquela época: a tradição do samba, as influências do rock e do jazz, os ritmos do Nordeste e do sertão, o classicismo, a herança religiosa, a tradição ibérica e a veia sul-americana. Tudo muito bem conjugado, sintetizado, orquestrado.
Porém, os problemas do filme começam, de certa forma, na maneira de contar essa trajetória. Intercalando depoimentos recentes dos Borges (principalmente, Márcio e Lô, este último, o coautor do celebrado disco com Milton), Beto Guedes, Novelli, Wagner Tiso, Toninho Horta, Flávio Venturini e outros, quando se trata de Milton, os registros de entrevistas são “velhos”. Não que não o valham. Pelo contrário, só enriquecem. Porém, Milton, diferentemente de outro importante personagem como Fernando Brant, ainda está vivo, e seria fundamental, mesmo que prejudicado pelo atual estado de saúde que atrapalha sua fala, contar com depoimentos atuais de Bituca, indiscutivelmente o centro de todo aquele movimento.
Milton em entrevistas de anos atrás: blindagem da família ou desleixo da produção?
Pode-se sondar que Milton tenha sido blindado pela superprotetora família (para não dizer "arredia"), cuidadosa em expô-lo desta forma – o que é bem possível que Ana tenha esbarrado. Mas não soa como uma explicação totalmente plausível, visto que o documentário parece, justamente, ressentir-se de documentos. Há menos vídeos e fotos de shows ou de apresentações do que se espera. Existem, sim, como as imagens do “Show do Paraíso”, o Woodstock mineiro realizado em uma fazenda nas proximidades da cidade de Três Pontas, que reuniu grandes nomes da música brasileira, como Tiso, Beto Guedes, Lô, Nelson Ângelo, Gonzaguinha, Fafá de Belém, Francis Hime, Chico Buarque, Clementina de Jesus, entre outros. Mas não passa muito disso, o que faz com que se fique com a sensação de que pouco se embrenhou nos arquivos. Do próprio Brant, falecido em 2015, há, grosso modo, uma sequência apenas de uma conversa numa mesa de bar em que se celebra o grande poeta do Clube da Esquina. E só. Sem registros de entrevistas em vídeo ou áudio do autor que colocou em palavras alguns daqueles clássicos, como “Para Lennon e McCartney”, “Travessia” e a própria música que dá título ao filme. Seria isso em razão de uma (estranha) decisão pelo fato de Brant não estar mais vivo? Não, pois o outro grande letrista da turma, Ronaldo Bastos, mesmo ainda vivo, depõe em uma única e solitária vez.
Talvez por certa tentativa de dar um ar de “mineirice” à narrativa, num tom de “dedo de prosa” e puxando para Márcio e Lô o papel de condutores, o filme tenha recaído numa certa superficialidade diante do dimensão do tema central. Além da pequena participação de Ronaldo e da inexplicável redução da figura de Brant, outros personagens coadjuvantes - mas de participação efetiva para a composição do disco - nem citados são. Casos de Alaíde Costa, a voz principal da espetacular faixa “"Me Deixa em Paz", ou o fotógrafo e designer Cafi, autor da famosa foto dos meninos da capa que tão bem simboliza o álbum. É preciso assistir ao filme "Salve o Prazer!" (Lírio Ferreira e Natara Ney, 2020) para que, ali, Cafi conte, enfim, a história da fotografia e como ela se tornou, por decisão de Milton, a capa do disco.
A opção narrativa de Ana também incorre em um outro aspecto, que é a definição daquilo que, de fato, está se falando: o Clube da Esquina como grupo, como cena artística ou como disco? Não que não se fale e não se pudesse falar dos três concomitantemente. Aliás, é o ideal, visto que seria muito estranho tratar de um como se o outro não existisse ou que não sejam diretamente correlacionados. Contudo, fica a dúvida de que olhar a diretora e roteirista quis dar. Ora se detalha elementos técnicos como o solo de Toninho Horta em “Trem Azul”, ora se abstém de abordar faixas memoráveis do mesmo repertório, como “Cais” e "Me Deixa em Paz". Então, conclui-se que não é só sobre o disco. Em contrapartida, também não é somente sobre o grupo/cena. Não se fala, por exemplo, do legado do Clube da Esquina, como sua influência para a world music quando Wayne Shorter (outro esquecido no filme) leva o amigo Milton para os Estados Unidos para gravarem “Native Dancer”, em 1975. Nem muito menos o “Clube da Esquina 2”, de 1978, que, mais do que uma continuidade, agregou àquele grupo nomes como Chico, Elis Regina, Azymuth, Joyce e Danilo Caymmi, expandindo os ecos originais.
Em suma, ao não aprofundar estes três pilares (ou não se optar por algum para, aí sim, dissecá-lo), tudo fica um tanto incompleto. Afinal, o Clube da Esquina merece muito mais aprofundamento, pelo que é e pelo o que representa. Mesmo que sua centelha tenha sido aquela naturalidade quase inocente que Lô bem descreve, o Clube da Esquina virou muito mais do que isso. Assim, o final poético dado pela cineasta, por mais bonito que seja, sofre certo esvaziamento. Para arrematar, a música que roda nos créditos é a própria “Nada Será Como Antes”. Até aí, tudo bem. Porém, é exatamente a mesma versão do início do filme. Mais uma elemento desabonador em um filme que parece ter economizado em pesquisa e atenção ao objeto pesquisado. Uma pena, tendo em vista que se perde uma boa oportunidade de trazer à luz algo, como dito no início, importante para a reconstrução histórico-cultural do Brasil moderno. Ainda bem que, diferentemente do passado menos denso em documentários no cinema brasileiro, hoje pode-se, tranquilamente retornar ao mesmo assunto, agregando mais visões ao mesmo tema. E quem sabe, retratando o Clube da Esquina com maior fidelidade e trazendo, enfim, muito mais do que foi como antes. Amanhã.
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trailer de “Nada Será Como Antes - A Música Do Clube Da Esquina”, de Ana Rieper
Diferentemente do outro, a gente está autorizado a sujar um pouquinho o prêmio do Chico. Afinal, é por um bom motivo, como veem. Laureado de sons e letras, o MDC de hoje se escreve com L7, Cocteau Twins, Sepultura, Dr. Feelgood, Gil Scott-Heron, Led Zeppelin e mais. No Cabeção, uma homenagem a Ivan Conti Mamão, as baquetas mágicas da Azymuth e da MPB. Em desagravo à estupidez e ao obscurantismo, o programa às 21h, na camoniana Rádio Elétrica. Produção, apresentação e rara fineza: Daniel Rodrigues
“O disco solo do Lincoln Olivetti
e do Robson Jorge é uma referência de que é possível fazer um disco bem gravado
MESMO, em qualquer condição, basta dedicação e talento”.
Ed Motta
Alegria imensa em poder falar um pouco deste álbum! Pessoalmente, é o
disco que mais influenciou em termos de arranjo, sonoridade, composição. Minha
bíblia! Um registro magistral da parceria do Robson e Lincoln, dupla
de músicos e produtores que dominou a produção musical no Brasil durante a
década de 80.
Este disco representa toda a perfeição técnica que os dois sempre
buscaram em suas produções e traz um time incrível de músicos, os melhores
daquela geração! Paulo Cezar Barros, Jamil Joanes, Picolé, Paulo Braga, Mamão, Oberdan Magalhães, Leo Gandelman, Márcio Montarroyos, Bidinho, Serginho do
Trombone, Zé Carlos Bigorna e outros brilhantes músicos. Um supertime!
São 12 faixas que trazem a mais perfeita simbiose entre a black music norte-americana e a música
brasileira. Os arranjos de sintetizadores explicam porque Lincoln é chamado de
mago, e o Robson é sem dúvida um dos maiores músicos que este país viu, embora
incrivelmente pouco citado!
A primeira música que ouvi deste álbum foi a balada "Eva".
Destaque para o trabalho rítmico das guitarras do Robson nesse disco, assim
como a melodia tocada em uníssono com a voz. Aliás, essa é uma característica
forte do álbum. Canções instrumentais, com os vocalises do Robson às vezes
cantando pequenos trechos de letra, outras vezes a melodia. Tomo a liberdade de
dizer que isso me influencia muito.
Tem algo de muito incrível nesse disco! A capacidade de criar hits sem letras, ou com apenas uma
palavra, como o clássico “Aleluia!”. Esta é a faixa mais conhecida deste disco,
e traz ecos do Earth, Wind and Fire. Ninguém no Brasil conseguiu traduzir essa
sonoridade como os dois fizeram. Nota-se também a influência da música latina (“Raton”
e o medley “Baila Comigo/Festa Brava”).
Outra canção que evidencia a habilidade do Robson como guitarrista é o funk "Pret a Porter". Aliás,
ouso dizer que este disco pode ser muito mais classificado como um disco de
música norte-americana influenciado por música brasileira do que o contrário. É
um disco que realmente pode ser equiparado às produções norte-americanas da
época em termos de sonoridade e qualidade técnica.
O disco abre com “Jorgea Corisco”, segue para a balada “No Bom Sentido”
e logo após “Aleluia!”. Depois a latina “Raton” e a genial “Pret a Porter”. “Squash”,
com lindas dobras de synth e
guitarras e a canção “Eva”, com um clima quase blaxploitation. “Fá Sustenido” apresenta quase um acento reggae nas guitarras e lindo arranjo de vocoder. Passamos pelo samba do morro no
interlúdio “Zé Piolho” e seguimos pro medley
“Baila Comigo/Festa Brava”. Finalizando: o samba funk “Ginga” com um poderoso naipe de metais e a última faixa do
disco: “Alegrias!”.
Mas na verdade não consigo ser muito teórico ao falar deste trabalho.
Eu amo este disco! É um álbum que abriu muitos caminhos musicais na minha
cabeça, e sou eternamente grato por esse trabalho existir. Recentemente,
durante as gravações do meu terceiro disco, tive o prazer de trabalhar com o
grande Edu Costa, engenheiro de som e braço direito do Lincoln em suas
produções. Pude ouvir muitas histórias incríveis e absorver um pouco do
universo dos dois.
Recomendo muito! E pra quem ainda não ouviu com atenção, ouça! É uma
obra-prima! Felizmente este disco vem sendo cada vez mais cultuado. E assim
como outros clássicos é um trabalho sempre presente na minha vida. Referência
forte, sempre!
Robson Jorge & Lincoln Olivetti-"Pret-à-Porter"
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FAIXAS:
1-Jorgea Corisco
2-No bom sentido
3-Aleluia
4-Raton (Contesini)
5-Pret-à-porter
6-Squash
7-Eva (Ronaldo, Olivetti, Jorge)
8-Fã sustenido
9-Zé Piolho
10-Baila comigo (Roberto de Carvalho, Rita Lee)/Festa braba (Olivetti,
Jorge)
11-Ginga
12-Alegrias
todas as composições de autoria
de Lincoln Olivetti e Robson Jorge, exceto indicadas
Natural do Espírito Santo, Lucas Arruda é um jovem compositor, cantor, arranjador, produtor e multi-instrumentista. Um dos maiores talentos da música brasileira dos últimos anos, leva suas influências de soul, funk, MPB, jazz, rock e blues ao mundo, principalmente a Europa e ao Japão, onde é reverenciado. Em fase de conclusão de seu mais novo trabalho, tem dois discos: "Sambadi", de 2013, integrante da lista dos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS do ClyBlog, e o igualmente elogiado “Solar”, de 2015. Um digno representante da linhagem dos músicos do jazz-soul brasileiro, que passa por Azymuth, Black Rio, Marcos Valle, Robson, Lincoln e Ed Motta. Lucas foi especialmente convidado pelo Clyblog para falar sobre um disco de sua predileção em razão das comemorações pelos 8 anos do blog. www.facebook.com/lucasarrudaofficial/?fref=ts
Macalé: um dos expoentes da geração dos 60 da MPB marcando também a década de 2010
Passou rápido essa última década, hein? Tanto que só fui notar que isso estava ocorrendo quando, próximo do Ano Novo, ouvi dizerem que uma nova estava por iniciar. Tá, eu sei que vão dizer que a década mesmo só termina quando chegar 2021. Mas, convenhamos, todo mundo começa a contar a partir de um novo “zero” no calendário. Foi o que fiz. Automaticamente, meu cérebro começou a resgatar acontecimentos importantes no campo da cultura, entre estes, de discos da música brasileira que dessem conta desse ciclo que se fechava. E avaliando os trabalhos lançados entre 2010 e 2019, o saldo, aliás, é bem positivo.
Pode-se notar desde a entrada de uma nova turma de compositores/produtores no cenário musical até a reafirmação dos que já haviam conquistado espaço. Igualmente, a estabilização da geração de vozes femininas (como Tulipa Ruiz, Céu, Xênia França, Anelis Assumpção, Karina Buhr, entre outras), vindas em enxurradas sem critérios na década passada, é outro fenômeno percebido nesses dez últimos anos. Também viu-se um passo adiante dado pelo rap nacional (seja em São Paulo, Rio, Bahia ou outros estados) e na música instrumental mais “cabeça”, bem como a confirmação de que os velhos deuses da nossa música - Caetano, Jards, Gil, Chico, Djavan e outros -, ainda são bússola para todo mundo. Mas uma peculiaridade se percebeu fortemente: o encontro de gerações. Músicos jovens, além de conduzirem seus projetos próprios, passam a servir de base para moldar os mais antigos na modernidade que a produção musical da atualidade, digital e pós-moderna, exige.
Kiko Dinucci, da Metá Metá: a cabeça da nova geração por trás de discos de outros artistas
Para representar essa década inspirada, então, selecionamos, em ordem cronológica, já que estamos falando da entrada da década de 20, duas dezenas de discos essenciais da música no Brasil daquilo que, transcorridos mais de 90% de sua totalidade, podemos já chamar de anos 2010. Semelhanças com outras listas sobre o mesmo tema haverá, pois alguns destaques são bastante evidentes. Uma boa parte, por exemplo, figurou no seleto grupo de ÁLBUNS FUNDAMENTAIS do blog e outros, merecedores, estão em tempo de, nalgum momento, serem alçados a tal. Mas diferenças também se notarão, e é aí que reside o legal da formação de listas: poder compará-las, concordar, discordar e, quem sabe, motivar que novas sejam compostas.
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1.“Recanto”– Gal Costa (2011)
O brilhante disco que marcou o retorno de Gal ao nível de qualidade do
qual ela nunca deveria ter se afastado. Álbum irmão de “Cantar”, de 1974, "Recanto" tem,
igualmente àquele, a curadoria de Caetano Veloso. O disco, no entanto, vai
além: é todo de autoria do mano Caetano, com a assinatura de Kassin e Moreno
Veloso na produção e arranjos. Disco que revolucionaria não apenas a carreira
da cantora, mas ditaria conceito e sonoridade pra quem não quisesse ficar de
fora dessa evolução em termos de música no Brasil. Do krautrock tropicalista ao
baião renascentista, da industrial-bossa ao funk-maculelê: uma obra-prima da
MPB moderna.
1. Recanto Escuro
2. Cara do Mundo
3. Autotune Autoerótico
4. Tudo Dói
5. Neguinho
6. O Menino
7. Madre Deus
8. Mansidão
9. Sexo e Dinheiro
10. Miami Maculelê
11. Segunda
2.“Chico”– Chico Buarque (2011)
Como seus livros, os discos de Chico têm sido cada vez mais espaçados. Porém, quando acontecem, são de uma síntese tremenda. Este, seu único trabalho musical da década além de “Caravanas”, de seis anos adiante, é o retrato de um artista maduro para com sua música e de um homem consciente para com sua história. Haja vista a autoavaliativa “Querido Diário” ou a romântico-realista “Essa Pequena”. A mais afinada parceria dele com o maestro Luis Cláudio Ramos, “Chico” ainda tem pelo menos outras duas obras-primas: “Tipo um Baião” e “Sinhá”, esta última, parceria com João Bosco, Melhor Canção daquele ano no Prêmio da Música Brasileira.
1. Querido Diário
2. Rubato
3. Essa pequena
4. Tipo um baião
5. Se eu soubesse
6. Sem você nº 2
7. Sou eu
8. Nina
9. Barafunda
10. Sinhá
3.“Nó na Orelha”– Criolo (2011)
O ano de 2011 foi marcante não apenas pela alta qualidade de trabalhos de artistas tarimbados como Chico e Gal, mas também por conta da chegada de uma figura que revolucionaria a música brasileira a partir de então: o paulista Criolo. E ele não o fez repetindo os mesmos passos dos mestres. Fez, sim, pela via do rap. Dono de uma musicalidade assombrosa e de versos imagináveis somente numa cabeça como a dele, Criolo, com o auxílio luxuoso de Daniel Ganjaman, cunhou um dos melhores discos da história da música brasileira e abriu caminho para uma renovação no rap nacional: um rap brasileiríssimo em cores, rimas e sons.
1. Bogotá
2. Subirusdoistiozin
3. Não Existe Amor em SP
4. Mariô
5. Freguês da Meia-Noite
6. Grajauex
7. Samba Sambei
8. Sucrilhos
9. Lion Man
10. Linha de Frente
4. “MetaL MetaL”– Metá Metá (2012)
Quando a Metá Metá (Juçara Marçal, voz; Kiko Dinucci, guitarras; e Thiago França, sax) foram convidados, em 2017, para compor a trilha sonora do balé “Gira”, do Grupo Corpo, aquele grande trabalho tinha um evidente precedente: o abundante “MetaL MetaL”, segundo disco da banda paulistana dona do jazz-rock mais afro-brasileiro que já se viu. Uma explosão de sensações, musicalidade, timbres, sonoridades. Basta ouvir “Oyá”, “Logun” ou “Cobra Rasteira” para entender o que se está dizendo. “Incrível” é o mínimo do que se pode descrever.
1. Exu
2. Orunmila
3. Man Feriman
4. Cobra Rasteira
5. São Jorge
6. Oya
7. São Paulo No Shaking
8. Logun
9. Rainha Das Cabeças
10. Alakorô
11. Tristeza Não
5. “Abraçaço”– Caetano Veloso (2012)
Não é de se estranhar que o sempre criativo e produtivo, mas também aberto e inovador Caetano tirasse proveito da parceria com os novos músicos. Mas para a sua mente tropicalista essa química foi ainda mais contributiva quando, em 2006, se deparou com a Banda Cê (Pedro Sá; Ricardo Dias Gomes e Marcello Callado). A formação/sonoridade rocker de baixo-guitarra-bateria deu condições ao baiano não apenas de compor uma elogiada trilogia (“Cê”, “Zii e Zie” e este) como, mais que isso, criar um quase subgênero: o transrock. “A Bossa Nova É Foda” (Grammy Latino de Melhor Canção Brasileira) e a faixa-título são apenas duas que confirmam ser este um dos grandes momentos da longa carreira de Caê.
1. A Bossa Nova é Foda
2. Um Abraçaço
3. Estou Triste
4. Império da Lei
5. Quero ser Justo
6. Um Comunista
7. Funk Melódico
8. Vinco
9. Quando o Galo Cantou
10. Parabéns
11. Gayana
6.“Não Tente Compreender”– Mart’nália (2012)
Não dá pra dizer que Mart’nália, que já soma mais de 30 anos de carreira, pertença à nova geração. Mas que foi nos anos 2010 que ela se superou, isso sim, é possível afirmar. A filha mais famosa do mestre Martinho da Vila convoca ninguém menos que outro craque, Djavan, para produzir seu álbum, o que resulta no trabalho mais bem acabado dela. O mais legal é que é um disco fácil de se ouvir: suingado, melodioso, charmoso. Além de composições suas, Mart’nália grava figuras carimbadas da MPB, como Marisa Monte, Adriana Calcanhoto, Gil, Caetano, Ivan Lins, Nando Reis e outros. E, claro: não poderia faltar Martinho.
1. Namora Comigo
2. Surpresa
3. Daquele Jeito
4. Depois Cura
5. Que Pena, Que Pena...
6. Não Tente Compreender
7. Itinerário
8. Reverses Da Vida
9. Serei Eu?
10. Eu Te Ofereço
11. Os Sinais
12. Demorou
13. Zero Muito
14. Vai Saber
7. “Aquário”– Tono (2013)
Se na década de 2000 foi a turma de Kassin, Domenico e Moreno quem ditou os padrões de “inteligentsia” da música no Brasil, Bem Gil e sua trupe deram um passo adiante nos 2010. Sonoridade moderna e ao mesmo tempo doméstica; melodias complexas que soam fáceis de ouvir; perfeição de timbres e execução que faz parecer algo simples de se fazer. Tamanha completude funcionou tão bem, que foi posta a serviço do genial pré-tropicalista Jorge Mautner em seu mais recente álbum “Não Há Abismo Em Que o Brasil Caiba”, do ano passado, produzido pela banda. Eis os novos caciques da MPB.
1. Murmúrios
2. Sonho com Som
3. Como Vês
4. Tu Cá Tu Lá
5. Chora Coração
6. Leve
7. Do Futuro (Dom)
8. UFO
9. Pistas de Luz
10. Da Bahia
11. A Cada Segundo
8. “Sambadi”– Lucas Arruda (2013)
Certamente Marcos Valle, a Azymuth e a turma remanescente da primeira fase do jazz-soul-AOR brasileiro vibrou quanto, em 2013, viram o Espírito Santo operar um milagre: o nascimento de um músico multi-instrumentista e multitalentoso, o capixaba Lucas Arruda. O semi-instrumental “Sambadi”, seu disco de estreia, é um alento de resistência de uma música que o Brasil por muito tempo importara, mas que também há muito não se via representada. Foi Ed Motta quem disse: “Para mim, Lucas Arruda salva esse cenário supermedíocre de hoje”. Talvez nem tanto assim, mas dá a dimensão do acontecimento que foi a sua chegada.
1. Physis
2. Tamba, Pt. 1
3. Batuque
4. Who's That Lady
5. Rio Afternoon
6. Na Feira
7. Sambadi
8. Carnival
9. Alma Nov
10. Tamba, Pt. 2
9.“Vira Lata na Via Láctea” – Tom Zé (2014)
Mais do que os colegas tropicalistas Gal, Caetano e Gil, o que talvez seja o de espírito mais jovem e inquieto é Tom Zé. O baiano de Irará entra na roda da gurizada e produz seu mais poderoso disco da década. Criolo, Dinucci, Tim Bernardes, Trupe Chá De Boldo e Filarmônica de Pasárgada revigoram o sarcasmo poético-erudito do autor de “Brasil Ano 2000”. Mas também tem espaço para os contemporâneos Milton Nascimento (“Pour Elis”), Fernando Faro e uma inédita coautoria com Caetano na faixa que encerra o álbum: “A Pequena Suburbana”.
1. Geração Y
2. A Quantas Anda Você?
3. Banca de Jornal
4. Cabeça de Aluguel
5. Pour Elis
6. Esquerda, Grana e Direita
7. Mamon
8. Salva a Humanidade
9. Guga na Lavagem
10. Irará Irá Lá
11. Papa Perdoa Tom Zé
12. Retrato na Praça da Sé
13. A Boca da Cabeça
14. A Pequena Suburbana
10.“Passado de Glória: Monarco 80 Anos”– Monarco (2014)
Último remanescente da Velha Guarda (sim, com letra maiúscula!) do samba brasileiro, Monarco gravou, desde os anos 70, quando já era um bamba da Portela, praticamente um disco por década. Já octogenário, o mestre, com seu barítono inconfundível e suas melodias e letras marcantes, desfila canções irreparáveis de seu vasto cancioneiro. Desde composições dos anos 40 (o gracioso maxixe “Crioulinho Sabu”, escrito quando tinha apenas 8 anos) até parcerias com sambistas célebres, como Mário Lago (“Poeta Apaixonado”), Ratinho (“Verifica-se De Fato”, “Pobre Passarinho”) e Mijunha (“Meu Criador”). Sabe aquele disco que tem caráter de registro histórico-antropológico? Pois é.
1. Poeta Apaixonado
2. Verifica-se De Fato
3. Não Reclame Pastorinha
4. Tristonha Saudade
5. Insensata E Rude
6. Estação Primaveril
7. A Grande Vitória
8. Pobre Passarinho
9. Momentos Emocionais
10. Fingida
11. Meu Criador
12. Horas de Meditção
13. Crioulinho Sabu
11. “Mulher do Fim do Mundo”- Elza Soares (2015)
A deusa negra Elza Soares já vinha de um ótimo trabalho com músicos de São Paulo por meio do craque Zé Miguel Wisnik, “Do Cóccix Até O Pescoço”, de 2012. E foi dessa proximidade com a turma paulista que a grande cantora viva de sua geração e símbolo do empoderamento feminino chegou a Guilherme Kastrup. Deu liga. Ele arrumou o campo pra que Elza entrasse em campo com o que sabe fazer melhor do que ninguém: cantar. Clássico imediato, “Mulher. do Fim do Mundo” conta com joias como a faixa-título, “Maria de Vila Matilde” e “Pra Fuder”.
1. Coração do Mar 2. A Mulher do Fim do Mundo 3. Maria da Vila Matilde 4. Luz Vermelha 5. Pra Fuder 6. Benedita 7. Firmeza?! 8. Dança 9. O Canal 10. Solto 11. Comigo
12.“Sangue Negro”– Amaro Freitas (2016)
Justo na década em que o Hermeto Pascoal começa a dar sinais de cansaço, eis que surge, também do Nordeste, um novo talento do jazz brasileiro com domínio do piano, da composição, da harmonia e, claro, do improviso: o pernambucano Amaro Freitas. Seu disco de estreia, “Sangue Negro”, é uma ode ao caminho aberto pelo Bruxo e seus cultuadores de magias sonoras. Ora modal, ora hard-bop, ora vanguarda. Ora sertão e barracão. Sintonia perfeita entre ele e seus músicos, Jean Elton (baixo), Hugo Medeiros (bateria) e os sopros de Fabinho Costa e Elíudo Souza.
1. Encruzilhada
2. Norte
3. Subindo O Morro
4. Samba De Cesar
5. Estudo 0
6. Sangue Negro
13. “No Voo do Urubu”– Arthur Verocai (2016)
Só o fato de ser um dos quatro discos do maestro e compositor mais cults da música brasileira e o único na década de 2010 já seria suficiente para ser considerado importante. Mas “No Voo do Urubu” alça mais alto que isso: vai aos céus. Essencial desde seu lançamento, como bem percebeu Ruy Castro, traz desde o primor das melodias jobinianas (“Oh! Juliana”, “O Tempo e o Vento”) ao contagiante suingue funk-soul nas parcerias com Vinícius Cantuária (“A Outra”), Mano Brown (“Cigana”) e Criolo (“O Tambor”). Claro, Verocai não deixa de lado também os arranjos de cordas mozartianos e o dedilhado erudito-popular do violão.
1. No Voo do Urubu
2. O Tempo e o Vento
3. Oh! Juliana (
4. Minha Terra Tem Palmeiras
5. A Outra
6. Cigana
7. O Tambor
8. Snake Eyes
9. Na Malandragem
10. Desabrochando
14. “Duas Cidades”– BaianaSystem (2016)
A Bahia de Todos os Santos é um dos polos da música brasileira desde
que o samba é samba. Por isso, não é de se estranhar que tenha seus
representantes nesta nova geração da música brasileira. É aí que entra o
BaianaSystem. Misto de reggae, dub, samba, afro-beat, rap, axé e rock, eles
trazem não só a Salvador idílica como também a urbana, como suas questões
sociais, raciais e políticas à flor do asfalto. “Jah Jah Revolta – parte 2”
abre o disco dizendo a que veio. Isso sem falar nas excelentes “Mercado”, “Dia
da Caça” e “Panela”. Mais um pra conta de Daniel Ganjaman, aliás.
1. Jah Jah Revolta - Parte 2
2. Bala na Agulha
3. Lucro (Descomprimindo)
4. Mercado
5. Duas Cidades
6. Playsom
7. Dia da Caça
8. Cigano
9. Calamatraca
10. Panela
11. Barra Avenida Parte 2
12. Azul
15. “Tribalistas 2” – Tribalistas (2017)
Ainda bem que não se confirmaram os versos ditos por eles mesmos em 2002 de que “o tribalismo” iria “se desintegrar no próximo momento”. Para sorte dos fãs e da música brasileira, 15 anos depois, Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes se reúnem novamente e, novamente, produzem um disco impecável de cabo a rabo. Das composições às execuções, das interpretações à produção. Que beleza infindável que são, por exemplo, "Diáspora", "Baião do Mundo" e "Fora da Memória"!
1. Diáspora
2. Um só
3. Fora da memória
4. Aliança
5. Trabalivre
6. Baião do mundo
7. Ânima
8. Feliz e saudável
9. Lutar e vencer
10. Os peixinhos
16. “Besta Fera” – Jards Macalé (2018)
O “maldito” voltou com tudo, a se ver já pelo título. Com o aporte de um dos cabeças desta nova geração, o “Metá Metá” Kiko Dinucci, juntamente com outro talento eminente, Thomas Harres, Macao traz desde temas com esses jovens parceiros e outros, como Tim Bernardes e Rodrigo Campos, até o velho companheiro de estrada Capinam (em “Pacto de Sangue”) e a filha do amigo Glauber Rocha, Ava Rocha, com quem compôs “Limite”. Impossível ficar alheio à faixa de abertura, “Vampiro de Copacabana”, homenagem a Torquato Neto.
1. Vampiro de Copacabana
2. Besta Fera
3. Trevas
4. Buraco da Consolação
5. Pacto de Sangue
6. Obstáculos
7. Meu Amor e Meu Cansaço
8. Tempo e Contratempo
9. Peixe
10. Longo Caminho do Sol
11. Limite
17. “Abaixo de Zero: Hello Hell” – Black Alien (2018)
Falando novamente em rap, não só a nova geração surpreendeu, mas também um velho militante do hip-hop brasileiro: o ex-Planet Hemp Black Alien. Após um período sabático, Gus ressignificou sua vida e sua música, lançando um disco curto, pungente e genial. Letras afiadíssimas sobre a sua realidade e vivência e também sobre sociedade, política e sistema, ganham a roupagem perfeita dada pelo produtor e parceiro Papatinho, outro “ás” da nova geração. Versos como “Quem me viu, mentiu, país das fake news/ Entre milhões de views e milhões de ninguém viu” dão a ideia do quanto o negócio é quente.
1. Área 51
2. Carta Pra Amy
3. Vai Baby
4. Que Nem O Meu Cachorro
5. Take Ten
6. Au Revoir
7. Aniversário De Sobriedade
8. Jamais Serão
9. Capítulo Zero
18. “Taurina” – Anelis Assumpção (2018)
A responsabilidade de representar a tradição dos Assumpção na música não é tarefa fácil. Não para Anelis Assumpção. Após a perda do pai, o genial Itamar Assumpção, no início dos 2000, viu-se, em 2016, também sem a irmã mais velha, a igualmente musicista Serena. Toda essa hereditariedade e tradição, unidas à sua criatividade própria, resultaram no brilhante “Taurina”, terceiro disco dela. Sensibilidade feminina, empoderamento, Lira Paulistana, poesia maldita, ecos do Nego Dito: elementos musicais e conceituais não faltam, o que se pode notar em “Mergulho Interior”, “Chá de Jasmin”, “Paint my Dreams” e outras.
1. Mergulho Interior
2. Chá De Jasmim
3. Segunda à Sexta
4. Gosto Serena
5. Pastel De Vento
6. Caroço
7. Mortal À Toa
8. Paint My Dreams
9. Moela
10. Escalafobética
11. Receita Rápida
19. "Bluesman" - Baco Exu do Blues (2018)
Na Bahia tem cururu, vatapá e... rap! Baco Exu do Blues, esse jovem talento vindo da terra de Caymmi, balançou a cena musical brasileira em 2017 com o marcante "Esu" e, logo em seguida, surpreendeu ainda mais com o premiado "Bluesman". Trap, gangsta, blues e funk se homogeinizam às mais profundas raízes da música afro-brasileira. Samples inteligentes e letras poderosas, viscerais, críticas e improváveis, como as de “Queima Minha Pele”, “Me Desculpa Jay Z” e Flamingos” e “Girassóis De Van Gogh”.
1. Bluesman
2. Queima Minha Pele
3. Me Desculpa Jay Z
4. Minotauro De Borges
5. Kanye West Da Bahia
6. Flamingos
7. Girassóis De Van Gogh
8. Preto E Prata
9. BB King
20. “Gil” – Gilberto Gil (2019)
Se o autor de “Aquele Abraço” não tinha produzido nenhum disco à altura de seus grandes álbuns na década de 2010, ao apagar desta o mestre baiano tira da cartola a trilha sonora para a peça que o Grupo Corpo encenaria lindamente nos palcos. Mas, como acontece sempre com as trilhas da companhia de dança, o disco pode ser apreciado separadamente da coreografia com tranquilidade. E que maravilha Gil compôs! Espécie de réquiem em ritmos e cores brasileiras, Gil, de mãos dadas com o filho e igualmente talentoso Bem Gil, desfila suas inúmeras referências, tendo uma como principal: a própria obra.