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domingo, 2 de outubro de 2022

"Ensaio Sobre a Lucidez", de José Saramago - ed. Companhia das Letras (2004)

 



“...falemos abertamente sobre o que foi a nossa vida, se era vida aquilo, durante o tempo em que estivemos cegos, que os jornais recordem, que os escritores escrevam, que a televisão mostre as imagens da cidade tomadas depois de termos recuperado a visão, convençam-se as pessoas a falar dos males de toda a espécie que tiveram de suportar, falem dos mortos, dos desaparecidos, das ruínas, dos incêndios, do lixo, da podridão, e depois, quando tivermos arrancado os farrapos de falsa normalidade com que temos andado a querer tapar a chaga, diremos que a cegueira desses dias regressou sob uma nova forma, chamaremos a atenção da gente para o paralelo entre a brancura da cegueira de há quatro anos e o voto branco de agora...”
trecho de “Ensaio sobre a lucidez”




No clima das eleições, uma obra que é emblemática sobre o tema, na literatura mundial, e o faz de forma crítica e questionadora, é "Ensaio Sobre a Lucidez", de Nobel de Literatura, José Saramago. Variação, sequência, derivação de seu outro livro, "Ensaio sobre a Cegueira", que propunha uma epidemia na qual todos os contagiados passavam a enxergar tudo branco à sua frente, este, o da lucidez imagina como seria se a onda fosse de uma manifestação branca através do voto. No dia das eleições, em um local fictício, depois de uma hesitação geral em sair de casa para exercer seu direito de escolha, a população vai às urnas, quase no limite do horário para a votação e, sua esmagadora maioria, simplesmente, vota em branco. Nem esquerda, nem centro, nem direita, nem nulo. Em branco!
O inusitado da situação faz com que o governo remeta aos acontecimentos da passada cegueira branca e aí Saramago, então, recupera alguns dos personagens de sua trama anterior, especialmente a que o autor chama de Mulher do Médico, sem nome próprio, como todos os demais personagens. Símbolo de equilíbrio e lucidez, desde os acontecimentos da epidemia, na qual fora a única não infectada, a Mulher do Médico é alvo das investigações do governo que a supõe parte de uma possível conspiração iniciada  a partir desse ato rebelde nas urnas.
"Ensaio Sobre a Lucidez" é bom, claro. Tem todos os méritos literários de Saramago, seu texto corrido, bonito, de parágrafos longos, diálogos corridos, o espírito inconformista e questionador do autor, mas, em comparação com o da cegueira, é inferior e bem menos verossímil no que diz respeito às possíveis consequências de uma situação dessa natureza na vida real. Se o resultado de uma impotência física coletiva dessa ordem, no outro é uma revelação perturbadora do pior da natureza humana, o que muito provavelmente aconteceria, na situação do voto em branco, temos perseguições, ações policiais, um cerco à cidade, agentes infiltrados e coisas do tipo. Vale como alegoria, como exercício de imaginação, demonstração das fragilidades do Estado, de sua veia autoritária, mas se afasta do realismo chocante, de um espelho colocado à nossa frente, do "Ensaio Sobre Cegueira".
Na verdade, o Estado teria lá, seus artifícios, providências, uma nova data seria marcada, políticos oportunistas, de lado a lado, se aproveitariam exatamente disso para suas propagandas eleitoreiras e, no fim das contas, teríamos, em algum momento um resultado montante suficiente para validar a eleição. Seria, sim, legal ver a cara das autoridades diante de uma demonstração tão aberta de insatisfação e de reprovação do povo em relação a eles e suas atitudes. Mas não seria nada mais que isso... Ainda mais no Brasil que, com certeza, passaria longe de ser o lugar onde Saramago faria se passar a ação.
Mas vamos torcer que, pelo menos no dia de hoje, tenhamos um pouquinho de lucidez.



Cly Reis

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Ensaio Sobre os Mortos




Como comentei, anteriormente aqui, Ensaio Sobre a Cegueira, o filme de Fernando Meirelles baseado na obra de José Saramago levanta uma série de questões humanas significativas e com certeza faz pensar e fica martelando na cabeça, ainda, por um tempo depois de vê-lo. Pensando sobre o filme me ocorreu uma similaridade de temática, ainda que os gêneros e os apelos sejam completamente distintos.
Essa coisa toda de um mal com causa desconhecida, essa anomalia, a propagação, a epidemia, o isolamento de um grupo e suas diferenças pessoais, a exceção dos saudáveis, tudo isso me lembra também ótimo Madrugada dos Mortos, do diretor Zack Snyder.

Não, não!!! Não quebrem o monitor! Não estou comparando os filmes. É evidente que a qualidade do Ensaio... é superior enquanto história, - até pela fonte que o inspirou, o livro homônimo de José Saramago - enquanto tema e até mesmo enquanto obra final, mas a analogia faz-se principalmente pelo ponto em comum do mal que se alastra e causa este isolamento de algumas pessoas.
No caso do Madrugada... o mal é um vírus desconhecido que aparece de repente e transforma as pessoas em zumbis. Estes passam a ser ferozes e famintos e atacam todas as pessoas vivas que estiverem pela frente transformando-as também em zumbis por qualquer ferimento que causarem nos outros.
Neste caso também há a exceção dos não contaminados, que aqui são algumas pessoas, ao contrário do Blindness onde somente a esposa do médico pode ver, mas com o ponto em comum que a líder do grupo também é uma mulher.
Também, assim como no ...Cegueira, o grupo fica isolado, só que neste caso dentro de um Shopping Center, enquanto o mundo lá fora está transformado num caos por conta dos ataques dos mortos-vivos e da propagação do vírus. Lá dentro os sobreviventes brigam, se desentendem e também aparecem questões humanas (porém bem mais rasteiras),que no outro filme, mas o que prevalece mesmo são as piadinhas típicas de filmes de terror, mesmo que intrínsecamente também haja um conceito, como o consumismo desenfreado do ser humano
Há também em comum com o Ensaio..., a imagem do mundo devastado que as pessoas do shopping encontram quanto tem que sair de lá, que com características de filmagem, de fotografia e de enfoque diferentes, parecem com a visão um do outro.
Para o gênero terror de zumbis, eu acho ótimo, mas não é comparável a uma proposta séria, estudada e muito bem adaptada como o Ensaio sobre a Cegueira, sem contudo tirar os grandiosos méritos do diretor Zack Snyder que mostra com muita qualidade de direção em grande parte das cenas, com destaque principalmente para a cena da fuga de automóvel pela estrada, filmada do alto (incrível), a da explosão dos zumbis (demais) e o final (que eu não vou comentar pra não perder a graça pra quem não viu).
São filmes diferentes, eu sei, eu sei. Mas minha cabeça funciona assim: uma coisa chama outra.



segunda-feira, 20 de setembro de 2021

"Estorvo", de Chico Buarque - Ed. Companhia das Letras (1991)

 

À esq., capa original, de 1991; à dir.,
nova capa da edição comemorativa de 30 anos da obra
Dias atrás li na postagem de uma amiga de redes sociais a pergunta capciosa de quando Chico Buarque ganharia uma indicação para Nobel de Literatura. O comentário vem em um momento bem apropriado, pois, além do lançamento recente de um novo livro, “Anos de Chumbo”, seu primeiro de contos, a trajetória literária do celebrado autor carioca atinge um marco importante em 2021: os 30 anos de “Estorvo”. Embora não seja o primeiro livro de Chico, homem da música mas também das letras desde os anos 60 (sua primeira peça para teatro, “Roda Viva”, data de 1968), este pequeno romance determina-lhe o começo de uma carreira editorial propriamente dita. Tamanha importância, inclusive, justifica-se no relançamento da obra em caprichada edição comemorativa.

Narrado em primeira pessoa, "Estorvo" é a saga de uma caçada de um homem sem rosto a um homem tolhido por sombras e fantasmas. Uma trajetória obsessiva, constantemente no limite entre o sonho e a vigília, pela qual o protagonista se depara com situações e personagens estranhamente familiares. Através da metáfora de um olho mágico, que distorce a imagem humana, engendra projeções de um desespero subjetivo e uma crônica do cotidiano.

Passadas três décadas de dedicação ora aos livros, ora à música, intercalando projetos entre um universo e outro com domínio incomum, é evidente que Chico evoluiu em termos literários de lá para cá. Seja por berço ou por talento próprio, Chico carrega em si o trato com a palavra, a se ver por toda sua obra. A exatidão do emprego dos verbos, o proveito da musicalidade vocálica e o uso preciso das possibilidades gramaticais e sintáticas infinitas do português lhe são inegáveis, seja na música, no teatro ou no cinema. Depois de “Estorvo”, entre seis discos novos de estúdio, escreveu o mesmo número de obras, entre as quais “Benjamim” (1995), “Budapeste” (2003) e “Leite Derramado” (2009), esta última, uma obra-prima da literatura brasileira do século XXI. Como prêmios, o próprio “Estorvo” levou Jabuti em 1992, feito repetido por “Leite Derramado”, em 2010. Em 2019, pouco antes de lançar “Essa Gente”, nova consagração: o Prêmio Camões, maior reconhecimento dado a um escritor em língua portuguesa.  

Mas o que “Estorvo” trouxe a este exitoso caminho de Chico pelas palavras escritas? A começar que, se houve evolução em seu estilo, muito já estava presente neste primeiro romance. A prosódia machadiana, farta de elementos visuais e psicológicos, e o ritmo e construção narrativos muito bem armados (não raro, de pegada musical) estão ali muito mais conscientes do que em “Fazenda Modelo”, novela escrita nos anos 70, esta sim, o primeiro impulso estritamente literário do artista sem que houvesse alguma relação com o teatro. Outra característica de “Estorvo” amplamente desenvolvida nas obras subsequentes, é o olhar social crítico e o universo imaginário, que coloca o leitor em uma fronteira interessante entre o surrealismo e a vida real. A isso soma-se, ainda, outra peculiaridade da escrita do autor de “Vai Passar”, que é o humor – por vezes, ácido dada a ocasião em que se lhe usa –, o que ajuda tanto a quebrar o estranhamento para com surreal quanto, em igual tamanho, condicionar o leitor à proposta narrativa.

Este trecho de “Estorvo” denota bem esta composição formal muito própria de Chico:

“O porteiro quer porque quer carregar a mala, quer correr para me abrir o elevador, quer me chamar de patrãozinho e diz que o bom filho à casa torna. Negro quase azul, embora perdendo o lustre ultimamente, já tinha a cabeça branca trinta anos atrás. Usa sempre o mesmo colete listradinho, com que fica parecendo escrevo de cinema. Anda num passo miúdo, sofre de artrose, e vive contente da vida. Certa vez comprou um rádio e deu para escutar programas de variedades, desses em que as pessoas falam de todos os assuntos com eco na voz. O aparelhinho era potente, irradiava do hall para o poço do elevador, e daí para o prédio inteiro. Uma noite meu pai foi me buscar na rua, e já desceu impaciente, porque quando chegava em casa queria ver todo mundo lá dentro. "Qualquer dia eu entro e passo o ferrolho na porta!" Arrastou-me de volta pelo pescoço, cruzando o hall pela terceira vez seguida, com o locutor lendo o horóscopo, meu pai mandou o porteiro desligar aquela porcaria. E disse que nunca viu empregado ligar para astrologia, ainda por cima crioulo, que nem signo tem. O porteiro achou aquilo coisa mais engraçada. Vendeu o rádio e passou meses rindo muito e repetindo: "crioulo não tem signo, crioulo não tem signo."

“Estorvo” também tem a importância de ser mais uma obra de Chico levada ao cinema em anos depois de "Ópera do Malandro" e "Pra Viver um Grande Amor" na ousada versão do amigo Ruy Guerra, de 1998, movimento que ocorreria posteriormente com “Benjamim” (Monique Gardenberg, 2003) e “Budapeste” (Walter Carvalho, 2009) e, em certa medida, “O Irmão Alemão” (2014), cujo elemento central é antecipado no documentário “Chico – Artista Brasileiro”, de Miguel Faria Jr. (2013).

filme "Estorvo", de Ruy Guerra (1998)


É natural que Chico tenha aperfeiçoado sua forma literária, assim como, noutro âmbito, ocorrera em sua música. Por esta ótica, “Estorvo” é quase como serviu-lhe a trilogia “Chico Buarque de Hollanda”, gravada por ele entre 1966 e 1968, fundamental para erigir, com maturidade e experiência, os grandes álbuns que legou à discografia nacional a partir de “Construção”, de 1971. Trazendo para a literatura, sem o passo inicial de “Estorvo” não teria este chegado ao prestígio que hoje goza não fosse este livro, que o pôs definitivamente na lida da escrita. Quem sabe, então, agora, um Nobel? Considerando a relativização que os prêmios e instituições literários no mundo todo vem fazendo após a Bob Dylan tornar-se Nobel de Literatura em 2016, abrindo espaço para "não-literatos" mais fortemente ligados à música, por que não pensar num segundo autor de língua portuguesa depois de Saramago? Chico, com mais merecimento do que muitos outros, capacita-se totalmente.


Daniel Rodrigues

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

"Sonata de Outono", de Ingmar Bergman (1978)


 

Não sei quanto a vocês, mas de minha parte, tem algumas coisas nas artes pelas quais eu tenho um certo respeito. Por mais ordinário que seja o ato de se ouvir uma música, ver um filme, ler um livro, para algumas obras ou seus autores, guardo uma certa reverência que, supostamente, segundo essa minha proteção, os resguarda de uma possível vulgarização. Por exemplo, quando estou escolhendo um disco pra ouvir, passando os dedos pelos LP's ou pela estante de CD's, se paro num "Sargent Pepper's...", num "Velvet Underground & Nico", num "Kind of Blue", não raro penso comigo, "Não, cara. Agora não. Esse tem que ouvir ouvindo, prestando atenção. Não lavando louça!". Uma obra de arte como essas não pode ser "usada" assim como se a vida estivesse seguindo normalmente. Se vou escolher o próximo livro, passando os olhos pela estante, se estanco num Saramago, num Dostoiévski, num Machado, mutas vezes penso, "Não. Agora, não. Deixa pra ler numa viagem, pra quando estiver com a cabeça mais tranquila, pra poder saborear cada linha."

Para filmes também acontece muito, tanto que muitas vezes opto por ver uma "porcaria", uma aventura de tiro-porrada-e-bomba ou um terror bem sanguinolento, para não assistir a algum longa de um grande diretor ou de uma temática mais complexa, exatamente para poder dedicar aquelas duas horas com integral atenção e carinho. Um dos diretores com quem isso mais acontece é Ingmar Bergman. Eu sempre penso duas vezes antes de ver ou rever um filme do Bergman. Parece que um filme dele é sempre mais que um filme e, por isso mesmo, sempre acabo me questionando se estou suficientemente preparado para aquilo. Essa minha reserva fez com que eu atrasasse a apreciação de diversos filmes de sua obra, que só vim a descobrir muito tarde, como é o caso de "Sonata de Outono" (1978), filme do qual eu ouvia muito falar mas que sempre deixava para depois e depois... Só o assisti há pouco tempo e, de fato, ele corresponde a tudo o que se falava sobre ele e justifica, segund meus critérios, toda minha precaução. É mais que um filme. Uma obra à qual o espectador tem que estar atento a cada nuance, a cada expressão, a cada traço de comportamento. Bergman conduz de uma maneira magistral o drama familiar em que uma filha, Eva, recebe, depois de sete anos de afastamento, a visita de sua mãe, Charlotte, em sua casa interiorana, onde vive com o marido e com a irmã Helena, uma jovem com necessidades especiais e que fora anteriormente internada pela mãe. O que poderia-se imaginar num primeiro momento e o que seria natural, como uma visita amistosa, carinhosa, repleta de saudades e gostosas lembranças, não é o que acontece em momento algum. Em momento algum o clima é agradável por mais que as duas, cada uma à sua maneira, tentem fazer com que a atmosfera fique mais 'leve'. Digo "cada uma à sua maneira", porque Eva, a filha, interpretada magnificamente por Liv Ulmann, embora tenha lá suas mágoas de infância, até gostaria de ter realmente um momento bom com a mãe e, de certa forma, acreditava que aquele reencontro pudesse proporcionar essa reaproximação. 

Acima, um momento que poderia ser agradável,
mãe e filha tocando piano, mas se transforma numa dura troca de acusações.
Abaixo, Charlotte, a mãe, forçando alguma leveza e simpatia
diante da filha Eva.

 
Mas o problema é que a mãe, Charlotte, uma pianista que sempre priorizou a carreira às família, vivida por Ingrid Bergman, numa atuação ainda mais espetacular que a de Liv Ulmann, e que lhe rendeu a indicação para o Oscar de melhor atriz, ainda que se esforce, disfarce, simule, não consegue demonstrar carinho e empatia. É uma pessoa fria, insensível, egoísta que já machucou muito a filha na infância e que agora, mesmo sem querer, continua ferindo, simplesmente porque é de sua natureza. Mais do que não saber ser mãe, de não aceitar abdicar de sua vida em nome de outras, Charlotte parece ser aquele tipo de pessoa que não sabe amar. E não somente aos outros, mas talvez até a si mesma.

O diretor conduz como bem entende as situações numa verdadeira montanha-russa de emoções, em cenas que vão de cordialidades a grosserias, de amabilidades a acusações ferrenhas, de sorrisos a lagrimas, atravessando a linha entre uma sensação e outra com rara sutileza e habilidade. A cena da conversa à noite, na insônia de Charlotte, é de tal modo tão envolvente que o espectador não consegue se desligar dela ou ficar indiferente. Cada posição de câmera, cada cor, cada movimento, é tudo pertinente e perfeito. Os closes de Bergman são um descortinamento das almas, eles vão no fundo do personagem, o que neste caso, em especial, pelas duas atuações impecáveis das protagonistas, ganha em intensidade e emoção. 

Um filme sobre pais e filhos que faz com que reavaliemos muito sobre nossas relações dessa ordem ou mesmo de outras naturezas e, até por isso mesmo, um daqueles filmes que é bom se assistir de novo e de novo. Certamente o farei, mas agora que já assisti, assim como outros de sua filmografia, "Sonata de Outono" entra naquela lista dos que, de tão bons, de tão relevantes, não dá pra assistir a qualquer hora.

Não é toda hora que se está preparado para um filme de Ingmar Bergman.

Rostos duros, expressões severas.
Bergman captava, como poucos, o interior em imagens.




Cly Reis


sábado, 28 de abril de 2012

Coleção Folha Literatura Ibero-Americana



Mais uma coleção bem legal do jornal Folha de São Paulo. Agora é de autores de línguas portuguesa e espanhola. São 25 números que saem nas bancas todos os finais de semana.
As vendas iniciaram-se na verdade há duas semanas quando saiu o primeiro número, de Jorge Luís Borges ("O Livro de Areia") com o segundo volume de brinde, os "Sonetos do Amor Obscuro e Divã do Tamart" de García Lorca, mas a partir do 3° número, é individual custando R$16,90 cada. Mas certamente ainda é fácil encontrar os 3 primeiros volumes.
Hoje, por exemplo, está nas bancas o quarto título, "Memória de Elefante" de Antônio Lobo Antunes mas a lista é boa e conta com nomes consagrados como Neruda, Saramago, Ernesto Sabato e o brazuca Moacyr Scliar. Aparecem também o bom Javier Cercas, espanhol que eu descobri há pouco  no interessante romance "O Motivo" e uma das revelações da literatura contemporânea dos últimos anos, o português Miguel de Sousa Tavares, autor do badalado "Ecuador".
Não vou comprar todos. Alguns não interessam, outros eu já tenho, outros, honestamente, eu nem conheço, mas vale a pena ficar de olho nos títulos a seguir nas bancas e ver o que há de interessante.


Cly Reis

quinta-feira, 19 de março de 2020

10 Filmes de Epidemias e Contaminações em Geral





As gotículas de saliva livres ao ar no bom sul-coreano "A Gripe".

Essa onda toda de vírus, quarentena, isolamentos, incerteza faz, inevitavelmente vir à cabeça de um cinéfilo diversas vezes em que o cinema retratou situações desse tipo, em alguns casos com muita semelhança. Como fazer listinha de filmes é o que a gente gosta, vamos aqui com 10 filmes em que transmissão de algum tipo de vírus, mal, infecção, doença ou algo inexplicável rendeu um filme e nele causou caos, pânico, alarde, correria, mortes ou tudo isso junto.
Já que não dá pra sair de casa, o negócio é ficar na frente da TV e ver alguns dos filmes que indicamos aqui.
Isso, é claro, se você não for entrar em pânico.
Calma! Calma!
Sem pânico.
Senta na poltrona, saca o controle remoto e simbora catar os filmes da nossa lista no streaming.


***********


1. "Contágio", de Steve Soderbergh (2011) - Não tem como não começar a nossa listinha com esse que, nesses tempos de alto risco de contágio, virou praticamente uma febre (ops!) no streaming. Um dos grandes méritos do filme do diretor Steve Soderbergh é o fato de  ao fato de ser, possivelmente, o mais verossímil e realista do ponto de vista científico e procedimental. O filme mostra, dia a dia, o avanço de uma doença com características muito semelhantes à atual que estamos vivenciando com as consequências sociais, as ações das autoridades e a corrida contra o tempo e contra os números crescentes de vítimas dos pesquisadores e órgãos de saúde. A primeira tosse, o contato com parentes, amigos, a propagação da doença, o aumento vertiginoso de mortes, a impotência das autoridades, o esforço dos cientistas, a quarentena, o consumo histérico, o sensacionalismo de parte da imprensa, o caos... tudo está muito bem retratado em "contágio" e de maneira muito convincente. 
Além de pertinente, na atual situação, um ótimo filme que mantém o interesse e a tensão o tempo todo. Detalhe para as cenas em que o diretor faz questão de mostrar mãos em maçanetas, corrimãos, botões de elevador, barras de ônibus, que só nos fazem lembrar o quento estamos em perigo.




2. "Epidemia", de Wolfgang Petersen (1995) - Outro que vai mais ou menos na mesma linha que o anterior, mas que peca por ser excessivamente hollywoodiano. Neste, um macaco levado para os EUA para pesquisas militares apanhado de uma aldeia na África, que havia praticamente sido dizimada por uma doença possivelmente provocada a partir dele, é "desviado" por um funcionário de triagem ao chegar ao seu destino, nos Estados Unidos, desencadeando a partir daí uma epidemia local rápida e letal, fazendo com que a pequena cidade de Cedar Creek seja mantida em quarentena. O filme até é bom, tem ritmo, tem envolvimento, mas as americanices tipo, soldado bom / soldado mau, perseguições frenéticas (até de helicóptero) e uma solução excessivamente rápida, comprometem um pouco o produto final.

"Epidemia" - trailer




3. "A Gripe", Sung-Soo Kim (2013) - Em meio a todo o exagero e heroísmo característico do cinema de ação sul-coreano, "A Gripe", mantém uma boa coerência e um bom grau de verossimilhança. O filme começa expondo uma situação de trabalho semi-escravo em que imigrantes miseráveis de Hong Kong se sujeitam a  serem transportados dentro de um contêiner para a Coréia para servir de mão de obra barata. O problema é que um deles, lá dentro, já demonstrava pequenos sinais de uma gripe e, um ambiente daqueles, fechado com aglomeração, era a pedida perfeita para o vírus se desenvolver. Ao chegar ao destino, praticamente todos já estão mortos pela doença, com exceção de um que sobreviveu e que foge para a área urbana de Bundang, uma cidade próxima a Seul e espalha a doença. O pânico chega, o caos cresce, o governo isola a cidade e em meio a isso tudo, uma médica, In-hye, especialista em doenças infecciosas vê sua filha ser contaminada pelo novo vírus, para não abandoná-la entre os doentes entra na área de quarentena e, mesmo de lá, com a ajuda do bombeiro Ji-Goo, com as poucas informações e recursos que tem, procura respostas e uma solução para o caso. Meio exagerado, cheio de clichês mas até bastante aceitável no que diz respeito à origem, ao avanço e todo o desenrolar social da coisa toda. 
Se nada convenceu você a não sair de casa, as cenas das gotículas se espalhando no ar quando os infectados tossem, o farão.





4. "Ensaio sobre a Cegueira", de Fernando Meirelles (2008) - Aqui a epidemia não traz mortes. Pelo menos, não diretamente. Mas talvez seja o mais assustador se pensarmos a que ponto de degradação moral o ser humano pode chegar. Uma cegueira repentina começa a se alastrar entre a população e, diante do quadro, com um crescente e incontrolável número de casos, as pessoas são levadas pelas autoridades para isolamentos. Neles, com o passar do tempo e com o número de doentes crescendo e os problemas de higiene, comida, comunicação aumentando, revelando da pior maneira possível os mais desprezíveis e abjetos comportamentos humanas. Dentro de um destes locais de quarentena, uma mulher não infectada, em solidadriedade e amor ao marido, é mantida com ele no sanatório e, para não revelar-se a única sã lá dentro, sujeita-se, com toda uma decepção humana e resiliência, a todas as situações que aquele confinamento acarreta. 
O filme do brasileiro Fernando Meirelles baseado na obra de José Saramago, com a aprovação do escritor, traz uma série de outras questões importantes mas, principalmente, escancara como o ser humano se comporta em uma situação crítica dentro de um grupo em um espaço restrito, num estado limite, e como nessas situações, ao invés de prevalecer o espírito de solidariedade, ordem, princípios, o que revela-se é a vaidade, anarquia e sobretudo, o egoísmo. O fato de um cidadão estocar comida, álcool gel e outros gêneros de necessidade, privando vários outros ter terem a possibilidade de adquirir tais produtos, é uma pequena mostra de que muito do que está nessa ficção, não passa muito longe da realidade.




5. "Sentidos do Amor", de David MacKenzie (2011) - Outro filme que explora os sentidos. Mas aqui as pessoas não perdem apenas um, mas todos. Às voltas com a investigação sobre uma aparente epidemia que leva à perda de olfato, uma epidemiologista envolve-se emocionalmente com um chef de cozinha e juntos, cada vez mais apaixonados, eles vão presenciando, vivenciando e sofrendo, em meio a memórias e questionamentos, a gradual perda dos demais sentidos. 
Interessante é que cada perda de sentido é precedida por uma crise emocional individual com choro, raiva, excessos, e um caos coletivo posterior a ela que leva a reações parecidas com a de "Ensaio Sobre a Cegueira", como violência, desordem, ganância, com a diferença que em "Sentidos do Amor", as pessoas, passado o desespero inicial, ao perderem um, meio que conformam-se e acabam meio que se adaptando aos sentidos que restam. "Não consigo cheirar, mas posso sentir o gosto da comida...", "Não consigo sentir o gosto, mas posso ver a cor...", "Não posso ver, mas posso sentir sua textura...", e assim por diante. Mas pelo progresso da epidemia, em breve não restará nenhum sentido e nisso, o filme do escocês David MacKenzie é mais otimista que o de Fernando Meirelles, sugerindo que, ao final, mesmo que percamos todos os sentidos, o amor persistirá. O mais importante  "sentido" de todos.
Muito bom filme. Bela condução, ótima fotografia e boas atuações do casal Eva Green e Ewan McGregor. Daqueles filmes que fui assistir não apostando nada, achando que seria só mais uma historinha romântica boba e me surpreendeu muito positivamente.





6. "[REC]", de Jaume Balgueró e Paco Plaza (2007) - Não tem como falar de epidemias e contágio em massa sem falar em filmes de terror que talvez seja o segmento, que à sua maneira, com a sua linguagem, mais explora o assunto. "[REC]", especificamente, tem uma situação peculiar que torna pertinente sua citação neste momento: o isolamento compulsório, a quarentena imposta por autoridades. Um prédio em Madrid é isolado pelas autoridades após o cão de um dos moradores apresentar, em uma clínica veterinária próxima, sinais de uma perigosa infecção que veio a levá-lo à morte mas, estranhamente, voltar à vida e agir de forma violenta e descontrolada. Só que dentro do prédio, uma dupla de jornalistas que acompanha, despretensiosamente, uma equipe do corpo de bombeiros em uma chamada a respeito de uma senhora que parece estar se sentindo mal ou algo do tipo e o que eles não sabem é que, não só a pessoa que os bombeiros vão atender, como outros moradores já tiveram contato com o animal, ou entre si e o vírus já se espalhou. Aí, véi..., o bicho pega! Como o mal é transmitido pela saliva, cada vez que um é mordido por outro infectado descontrolado e violento, a legião de zumbis aumenta dentro daquele pequeno edifício. E não tem pra onde fugir!
Filme alucinante! Correria escada acima, escada abaixo num espaço restrito sem muito pra onde correr. Um dos melhores filmes de terro e de zumbis dos últimos tempos. A situação não deixa de lembrar, de certa forma, a do navio de cruzeiro atracado no Recife, em quarentena, onde dois passageiros foram diagnosticados com o Covid-19. A mente do cinéfilo já fica pensando: "Imagina se fosse um vírus zumbi do '[REC]'...".




O parasita de laboratório saindo de um dos hospedeiros.
7. "Calafrios", de David Cronenberg (1975) - Mais um exemplo de um filme em que a epidemia começa a se propagar, inicialmente, dentro de um prédio mas que, aqui, inevitavelmente, seguirá mundo afora. Nesse caso, temos um parasita produzido artificialmente, em princípio com a ideia de substituir órgãos humanos, implantado numa cobaia humana, que, por uma mutação, desvia-se, por assim dizer da sua finalidade, e passa a estimular uma atitude sexual desenfreada e violenta no paciente. Sabedor do fracasso de sua intenção inicial e das consequências da ação daquele "órgão" num humano, o médico inventor mata sua cobaia, sua amante, uma adolescente ex-aluna, na intenção de destruir o organismo que criara e, em seguida se mata arrependido da criação e do crime. Mas o que ele não sabia é que a bela Annabelle não era mais popular do que imaginava naquele condomínio e o parasita já estava espalhado por aí.
O filme aborda, à maneira Cronenberg, com muito sangue, gosma e nojeira, as doenças sexualmente  transmissíveis e está entre os grandes clássicos do terror trash da história. Se a epidemia atual não tem a ver, necessariamente, diretamente, com sexo especificamente falando, embora, é claro, o toque, a saliva, a relação em si, possa transmitir, "Calafrios", especialmente seu final, reforça a necessidade de restringir ao máximo alcance de uma epidemia. Porque depois que ela sair do seu lugar de origem...




8. "Os 12 Macacos", de Terry Gillan (1995) - A propósito de cruzar fronteiras, a cena do embarque no avião com a valise cheia de ampolas com o vírus, nos dá uma noção de como uma epidemia passa de um país para o outro. É lógico que no filme foi proposital mas a coisa toda do trânsito é que faz com que essa cena em especial me venha à mente. "Os 12 Macacos"  é mais uma das geniais ficções distópicas de Terry Gillan e nela, em 2027 (olha aí a proximidade!!!), o mundo é devastado por um vírus e os sobreviventes são obrigados a viver no subsolo da Terra. Um prisioneiro é selecionado para voltar a 1996, o ano de início da epidemia, para recolher evidências para que cientistas, no futuro, investiguem suas causas e tentem encontrar uma cura que evite aquele futuro sombrio. Filme que já se tornou um cult, lembra muito visualmente e, um pouco conceitualemente, outros dois do diretor, "Teorema Zero" e "Brazil - O Filme".

cena final - "Os 12 Macacos"




9. "Fim dos Tempos", de M. Night Shyamalan (2008) - Sem dúvida, o pior desta lista! Menciono porque a primeira parte, na cidade, quando a epidemia se manifesta fazendo com que as pessoas se suicidem, é alucinante! Mas fica por aí. O filme é uma droga. Clichês, más atuações, roteiro ruim e tudo mais. O mote é que uma espécie de toxina espelhada no ar faz com que as pessoas percam seu senso de auto-preservação e, assim que em contato com aquele elemento, tirem automaticamente suas vidas. Ok! A coisa toda poderia servir se, além dos defeitos já enumerados, as soluções não fossem tão estúpidas, pífias e pouco plausíveis. Assim que a situação na cidade fica praticamente insustentável, nosso protagonista, Elliot Moore (Mark Wahlberg) um professor de ciências em crise no casamento, resolve fugir para outro o interior de trem com um colega do trabalho, a filha e a esposa, com quem vive uma crise conjugal. Ora, por que diabos aquela coisa se concentraria apenas em um lugar se está no ar? O que leva a crer que aqui você não está a salvo e ali está? Ok... Depois de muito "Acho isso", "Acho aquilo", parece que percebe-se que a toxina está na vegetação, nas plantas e eles que liberam o elemento que causa a perturbação mental responsável pelos suicídios. Mas aí que fica pior porque nosso grupo de sobreviventes, numa área rural passam a evitar a vegetação e a adivinhar qual é nociva ou não. Nem o ritmo ou o interesse se mantém, porque o argumento é tão estapafúrdio que, chega um momento que a gente quer mais é que acabe de uma vez.
O filme é péssimo de um modo geral, mas os personagens fugindo do vento e se escondendo numa casa como se o ar não pudesse entrar por uma fresta, um vão, etc, é o fim dos tempos.




10. "Epidemic", de Lars Von Trier (1997) - Vai um filme de arte aí pra completar a lista? Um escritor e um diretor pressionados para cumprir um prazo para um filme, percebem que o roteiro em que trabalharam durante um ano inteiro está perdido e não poderá ser recuperado, assim o recomeçam e o ao novo projeto dão o nome de Epidemia. Nele, contam a história de um país infectado por uma epidemia, cujos governantes são médicos. Os homens do poder estão em segurança enquanto as pessoas, de um  modo geral sofrem com a doença, mas um deles, um dos médicos-governantes, resolve sair para para combater o mal. Eles terminam este novo roteiro em poucos dias e durante o jantar de apresentação do trabalho para o produtor, um hipnotizador, que aparece de surpresa no local, parece aproximar a ficção criada por eles da realidade, pois logo após a visita inusitada, o roteirista começa a mostrar sinais da doença que escrevera para o filme. 
Filme pouco conhecido do polêmico Lars Von Trier, é estrelado por ele e faz parte da trilogia Europa completada por "Elemento do Crime" e "Europa". Naquela época, um trabalho do ainda promissor Lars Von Trier.

O médico, do filme dentro do filme, saindo de seu gabinete e
indo tentar levar a cura à população.







por Cly Reis
colaboração: Daniel Rodrigues
e Vagner Rodrigues