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terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Oscar 2020 - Os Indicados




Saiu mais uma lista dos candidatos do ano ao Oscar! Para quem curte cinema, bate aquela fissura de assistir a tudo que for possível antes da cerimônia de premiação. A equipe cinematográfica do Clyblog, no entanto, já vem se empenhando nisso conferindo alguns dos títulos até então pré-indicados, caso, por exemplo, do ótimo “Coringa”, que lidera a lista, com 11 indicações, o “O Irlandês”, de Martin Scorsese, que não ficou muito atrás, com 10, e “Star Wars – A Ascensão Skywalter”, com três técnicas. Mas embora “Coringa” saia na frente e provavelmente leve algumas estatuetas, entre elas, a de Melhor Ator para Joaquim Phoenix, os adversários para Melhor Filme e Diretor, os mais cobiçados da noite, são bem valiosos. A começar pelo primeiro filme sul-coreano a disputar a categoria, o Palma de Ouro “Parasita”, que concorre também a Filme Estrangeiro. O vencedor do recente Globo de Ouro, “1917”, de Sam Mendes, vem com a pompa dos filmes de guerra, temática bem vista pela Academia, assim como “Jojo Rabbit”. E tem também os elogiados “Histórias de um Casamento”, “Adoráveis Mulheres”, “Era uma Vez em... Hollywood”... Há categorias, aliás, que chega a assombrar tamanho o peso, como Ator Coadjuvante, só com já vencedores ou já nomeados várias vezes: Tom Hanks, Anthony Hopkins, Al Pacino, Joe Pesci e Brad Pitt. Destaque também para o documentário “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa, que, após muitos anos, põe um filme brasileiro novamente na disputa de um Oscar. Enfim, uma boa disputa, mas que tem os seus favoritos, claro. E nós do blog vamos continuar trazendo nossas impressões de filmes que figuram no Oscar 2020. Então, confira a listagem completa:


▪ MELHOR FILME
Ford vs Ferrari
O Irlandês
Jojo Rabbit
Coringa
Adoráveis Mulheres
História de um Casamento
1917
Era Uma Vez Em... Hollywood
Parasita

▪ MELHOR DIREÇÃO

Martin Scorsese - O Irlandês
Todd Phillips - Coringa
Sam Mendes - 1917
Quentin Tarantino - Era Uma Vez Em... Hollywood
Bong Joon Hoo - Parasita

▪ MELHOR ATRIZ

Cynthia Erivo - Harriet
Scarlett Johansson - História de um Casamento
Saoirse Ronan - Adoráveis Mulheres
Renée Zellweger - Judy - Muito Além do Arco-Íris
Charlize Theron - O Escândalo

▪ MELHOR ATOR

Antonio Banderas - Dor e Glória
Leonardo DiCaprio - Era Uma Vez Em... Hollywood
Adam Driver - História de um Casamento
Joaquin Phoenix - Coringa
Jonathan Pryce - Dois Papas

▪ MELHOR ATRIZ COADJUVANTE

Kathy Bates - O Caso Richard Jewell
Laura Dern - História de um Casamento
Scarlett Johansson - Jojo Rabbit
Florence Pugh - Adoráveis Mulheres
Margot Robbie - O Escândalo

▪ MELHOR ATOR COADJUVANTE

Tom Hanks - Um Lindo Dia na Vizinhança
Anthony Hopkins - Dois Papas
Al Pacino - O Irlandês
Joe Pesci - O Irlandês
Brad Pitt - Era Uma Vez Em... Hollywood

▪ MELHOR ROTEIRO ORIGINAL

Entre Facas e Segredos
História de um Casamento
1917
Era Uma Vez Em... Hollywood
Parasita

▪ MELHOR ROTEIRO ADAPTADO

O Irlandês
Jojo Rabbit
Coringa
Adoráveis Mulheres
Dois Papas

▪ MELHOR FILME INTERNACIONAL

Corpus Christi (Polônia)
Honeyland (Macedônia do Norte)
Os Miseráveis (França)
Dor e Glória (Espanha)
Parasita (Coreia do Sul)

▪ MELHOR ANIMAÇÃO

Como Treinar o Seu Dragão 3
I Lost My Body
Klaus
Link Perdido
Toy Story 4

▪ MELHOR FOTOGRAFIA

O Irlandês
Coringa
O Farol
1917
Era Uma Vez Em... Hollywood

▪ MELHOR MONTAGEM

Ford vs Ferrari
O Irlandês
Jojo Rabbit
Coringa
Parasita

▪ MELHOR DIREÇÃO DE ARTE

O Irlandês
Jojo Rabbit
1917
Parasita
Era Uma Vez Em... Hollywood

▪ MELHOR FIGURINO

O Irlandês
Jojo Rabbit
Coringa
Adoráveis Mulheres
Era Uma Vez Em... Hollywood

▪ MELHOR MAQUIAGEM

O Escândalo
Coringa
Judy - Muito Além do Arco-Íris
Malévola - Dona do Mal
1917

▪ MELHORES EFEITOS VISUAIS

Vingadores: Ultimato
O Irlandês
O Rei Leão
1917
Star Wars: A Ascensão Skywalker

▪ MELHOR EDIÇÃO DE SOM

Ford vs Ferrari
Coringa
1917
Era Uma Vez Em... Hollywood
Star Wars: A Ascensão Skywalker

▪ MELHOR MIXAGEM DE SOM

Ad Astra
Ford vs Ferrari
Coringa
1917
Era Uma Vez Em... Hollywood

▪ MELHOR CANÇÃO ORIGINAL

"I Can’t Let You Throw Yourself Away" - Toy Story 4
"I’m Gonna Love Me Again" - Rocketman
"I’m Standing With You" -  Superação - O Milagre da Fé
"Into the Unknown" - Frozen 2
"Stand Up" - Harriet

▪ MELHOR TRILHA SONORA

Coringa
Adoráveis Mulheres
História de Um Casamento
1917
Star Wars: A Ascensão Skywalker

▪ MELHOR DOCUMENTÁRIO

Indústria Americana
Democracia em Vertigem
The Cave
Honeyland
For Sama

▪ MELHOR DOCUMENTÁRIO EM CURTA METRAGEM

In the Absence
Learning to Skateborad in a War Zone (If You're a Girl)
A Vida em Mim
St. Louis Superman
Walk Run Cha-Cha

▪ MELHOR CURTA METRAGEM

Brotherhood
Nefta Footbal Club
A Sister
The Neighbor's Window
Saria

▪ MELHOR ANIMAÇÃO EM CURTA METRAGEM

Dcera (Daughter)
Hair Love
Kitbull
Memorable
Sister

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

"Mank", filme de David Fincher (2020)

 

VENCEDOR DO OSCAR DE
MELHOR FOTOGRAFIA E
MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO


Uma viagem à Hollywood dos anos 30
por Vagner Rodrigues


Uma mentira contada várias vezes pode virar uma verdade? Bom, é o que dizem e, particularmente, acho isso perigoso. David Fincher nos dá um belo filme, com destaque para as atuações e fotografia, porém pelo fato da história narrada que não ser exatamente uma verdade, uma vez que há muito mais coisas por trás daquilo tudo que o longa conta, coisas muito além das fofocas hollywoodianas, acabei me distanciando um pouco do filme, devo confessar.
Tecnicamente, o filme é muito bom, embora seu ritmo e o fato de ser preto e branco possa não agradar a alguns, mas isso é bem pessoal. Bem como minha maior bronca também é algo extremamente pessoal: o filme toma partido de um boato já desmentido faz muito tempo, de que Orson Welles não tinha participação nenhuma na construção do roteiro, uma das maiores lendas urbanas hollywoodianas. Esse boato ganhou força com o artigo escrito por Pauline Kael, mas mesmo na sua época, nos anos 40, já tinha sido desmentido e ficado provado que sim, Orson tivera grande participação no roteiro final de “Cidadão Kane”. Mas claro se você não se importa com esses “babados de Hollywood”, pode passar por cima disso, tranquilamente.
O trabalho técnico do filme é impecável e muito imersivo fazendo com qiue o espectador realmente se sinta na Hollywood clássica, andando pelos grandes estúdios. A fotografia em preto branco e a montagem do filme, são meus destaques. Por mais que para alguns o longa possa parecer confuso, por ser cheio de idas e vindas no tempo, se estiver atendo vai ver que antes das cenas tem uma letreiro que funciona como roteiro (roteiro no papel) de um filme, indicando se a cena é um flashback, onde ela se passa, etc. É só um detalhe pequeno mas que engrandece muito a obra. Sobre individualidades, destaque para Gary Oldman, como sempre muito bem, Lily Collins tem bastante tempo de tela e consegue apresentar bem sua personagem, Amanda Seyfried tem algumas cenas, não muitas, mas gostei dela  e não duvido que algum desses três apareça como indicado nas premiações desse ano. Sobre David Fincher, sempre aguardamos muito suas obras com grande expectativa e essa não decepciona. Desta vez e ele fez seu trabalho conta com roteiro de seu pai, Jack Fincher, e, se não tem o peso de seus grandes filmes, vale a homenagem para o pai.
Se você gosta da Hollywood dos anos 30,40, vai adorar o longa. Um belíssimo trabalho técnico, um roteiro bem atrativo, personagens fortes, uma trama principal que consegue segurar o filme, mesmo com outras coisas acontecendo, como o cenário político da época, muito bem retratado por Fincher, em um de seus grandes acertos, num cenário de fake-news que dialoga muito com tempos atuais, aliás BEM atuais. 
Longe de ser o melhor trabalho do diretor, é uma obra com inegáveis grandes qualidades. Visualmente lindo, o que nos atrai, nostálgico na medida certa, e se você já viu “Cidadão Kane”, não que seja necessário, mas se já viu, “Mank” é um bom complemento da obra de Welles (com exceção da parte que fala de Welles, mas não vou voltar para o mundo das fofocas...) Beba com responsabilidade e assista a “Mank”.
Que filme imersivo! Adorei a viagem o tempo.



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David Fincher está de volta!
por Cly Reis



"E o Oscar de melhor roteiro original vai para... Herman W. Mankewicz e Orson Welles, por "Cidadão Kane"
. Este é o ponto onde culmina o excelente "Mank", filme de David Fincher, que trata, exatamente, de todo o processo de concepção do roteiro da obra-prima de Orson Welles, todo o contexto social, político e histórico daquele momento na Hollywood pós-depressão e os envolvimentos e relações do brilhante mas complicado escritor e roteirista Herman J. Mankiewicz.
Mank, como era conhecido, era dono de uma personalidade forte, ideias bem definidas, um texto criativo e uma língua afiada. Assim, por conta, exatamente, de seus posicionamentos políticos, sua irredutibilidade, sinceridade e por não ter papas na língua, por mais brilhante que fosse, Mankiewicz passou a ser, de certa forma, persona non grata dentro do universo dos grandes estúdios de Hollywood.
Fincher nos traz essa história toda de maneira não menos incrível, com idas e vindas, flashbacks oportunos, construções de expectativa, suspenses, apresentando seu filme como uma leitura de roteiro em movimento, sob um visual de filmes noir e com uma fotografia em preto e branco espetacular.
"Mank" é, para mim, a recuperação do velho e bom David Fincher do visual dos videoclipes da época de Madonna, como em "Vogue", por exemplo, da atitude de "Clube da Luta", da astúcia de "Vidas em Jogo", da intensidade de "Se7en". "Mank", desde já se credencia como um dos grandes candidatos, em potencial, às principais categorias na próxima edição do Oscar. A luz é maravilhosa, a fotografia é incrível, Gary Oldman está espetacular no papel do protagonista, a trilha de Trent Raznor e Atticus Ross é precisa e impecável, Fincher conduz o longa com maestria, e o roteiro, do pai do diretor, sobre um dos mais incríveis e revolucionários roteiros da história do cinema, muito possivelmente está destinado, assim como foi com o filme do qual trata, a ouvir na noite de premiação da Academia, a mesma frase que foi dirigida a Mankiewcz e Welles: "E o Oscar de melhor roteiro original vai para..."

A fotografia, a luz, os figurinos, a atuação de Oldman...
tudo demais!



terça-feira, 8 de março de 2022

"Mães Paralelas", de Pedro Almodóvar (2021)

 

Já houve a quem surpreendi com essa afirmação: Pedro Almodóvar não me é uma unanimidade. Pelo menos, por certo tempo em sua filmografia, seu cinema, mesmo inequivocamente admirável, desagradava-me em algum grau, como se algo oculto, mas grave, estivesse fora do lugar. Desde sempre sei claramente de sua excelência nos vários aspectos fílmicos: roteiro, enquadramento, fotografia, direção cênica, arte, sensibilidade musical. Sei de tudo isso, mas era como se algo me incomodasse que eu não soubesse exatamente como explicar. Recapitulando melhor: minha relação com os filmes do cineasta espanhol vem desde praticamente o início de sua carreira, mais precisamente a partir de “Matador”, de 1986. Claro que me assombrei com aquele cinema potente, repleto de erotismo, crítica social e política, sarcasmo e lirismo, o que se confirmou nos seguintes “A Lei do Desejo” (1987) e “Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos” (1988). Porém, já a partir de “Ata-me!” (1989), seguindo de “De Salto Alto” (1991), “Kika” (1994) e “Carne Trêmula” (1997) esse desconforto passou a aparecer. O que seria?

Assistindo a seu novo filme, no entanto, o candidato a Oscar de Melhor Filme Internacional “Mães Paralelas”, foi que finalmente compreendi o que me perturbava em Almodóvar. Mas vamos ao filme primeiro: na história, duas mulheres, Janis (Penélope Cruz) e Ana (Milena Smit), dão a luz no mesmo dia e no mesmo hospital. Janis, de meia idade, teve a gravidez planejada e já se sente preparada e eufórica para ser mãe. Ana, adolescente, engravidou por acidente e sente medo do que está por vir, além de estar assustada, arrependida e traumatizada. As duas enfrentam essa jornada como mães solos e estreitam o vínculo entre si. Porém, o destino lhes guarda acontecimentos inesperados, que vão mudar profundamente suas vidas e remexer em questões originárias de ambas.

A abordagem realista de “Mães…” trouxe-me à luz que minha antiga questão com Almodóvar era nada estética e totalmente filosófica. Já nos primeiros minutos do filme o cineasta deixa claro que a trama encadeia com a mesma força os espectros existencial e sociopolítico ao evidenciar a situação das duas mães e da sua desafiadora condição feminina e, paralelamente, do resgate da memória de perseguidos políticos pela ditadura de Franco e cujos laços familiares são essenciais ao autorreconhecimento das personagens. Essa visão bastante autobiográfica, seja íntima ou coletivamente, não poderia ser abordada de outra forma que não a realista, contrariamente ao que por muito tempo prevaleceu como discurso nos filmes de Almodóvar, que era uma visagem reiteradamente excêntrica, quando não bizarra ou surreal. Essa linha de raciocínio transmitiu a mim por muito tempo que não havia outra visão de mundo para o diretor que não o decadentismo. Não que um autor, assim como muitos o fazem desde que a arte pensa o mundo, não possa – ou deva – expressar seu pessimismo. Não fosse assim, desconsideraria, por exemplo, o cinema de Angelopolus, Von Trier ou Bergman, quase sempre amargos. Mas a impressão que dava na filmografia de Almodóvar, mais precisamente até “Tudo Sobre Minha Mãe” (1999), marco desta quebra para uma incursão mais realista e biográfica, resultava em algo um tanto simplista, como se tudo se resolvesse pelo bizarro. Desde pequenos detalhes do roteiro até “soluções” ou comportamentos inesperados dos personagens, havia como que uma inquietação que não permitia que as verdades se despissem: careciam sempre estarem vestidas de ironia, choque, de arroubos. 

trailer de "Mães Paralelas"

Seria simplista, aí sim, de minha parte, no entanto, atribuir isso à homossexualidade, sempre tão presente em suas temáticas, embora propositadamente geradora de perturbação, um possível indicativo. Mas não era só isso. Havia no ar – assim como a sensação de suspensão obtida pela câmera de Resnais ou a de sonho que Buñuel magicamente atribuía a seus filmes surrealistas – um sentimento de deslocamento constante, uma revolta inquietante.  Tudo, claro, com o invólucro extremamente bem acabado, que lhe é marca registrada, o que me confundia até certo ponto – além, claro, da própria qualidade de filmes como “Ata-me!” e “Kika”, por exemplo. Porém, tudo formava, por fim, algo inevitavelmente um tanto repetitivo, para mim insuficiente a um autor tão capaz de vislumbrar um paradigma mais amplo. O bastantemente autobiográfico “Dor e Glória” (2019), seu longa imediatamente anterior a “Mães…”, parece com este último mostrar um Almodóvar maduro, por mais estranho que essa afirmação possa parecer quando se refere a um dos mais talentosos cineastas da atualidade. Nada de rompantes dos personagens, falas chocantes, ações excêntricas como se a alma do ser ibérico fosse necessariamente sempre assim. Até mesmo o thriller “A Pele que Habito” (2011), filme que marcou uma recente virada de prestígio na carreira de Almodóvar, o elemento bizarro funciona a favor da narrativa fantástica por natureza.

Penélope noutra ótima atuação
com Almodóvar, concorre ao
Oscar de Melhor Atriz 
Este pisar no chão de Almodóvar em “Dor...” e agora em “Mães...” acaba por repercutir principalmente no roteiro, precioso no entendimento das complexidades humanas e, consequentemente, na direção de atores – o que põe Penélope, vencedora do Oscar de Atriz Coadjuvante em 2009 por "Vicky, Cristina, Barcelona" a concorrer pela segunda vez na carreira ao de Melhor Atriz (a outra, também com Almodóvar, por "Volver", em 2007). Afinal, quer algo mais inesperado do que as reações do ser humano diante do medo? Não precisa de exagero para expressar isso com contundência.

O resultado é um filme preciso, em que Almodóvar deixa aquela sensação que somente os grandes conseguem, que é a de ter se superado. E isso é ainda mais louvável considerando que, assim como Allen, o espanhol é daqueles cineastas que sempre produziram muito e há muito tempo, o que, naturalmente, leva a maior probabilidade de erros e acertos. Decerto, o Oscar de Filme Internacional fique com o acachapante “Drive My Car”, o qual, assim como “Roma” em 2018, e “Parasita”, em 2020, concorre também ao de Melhor Filme, mas que dificilmente repetirá o feito deste último ao arrebatar as duas estatuetas. Independentemente de premiação ou não, como obra “Mães...” vem com pertinência discutir questões femininas com tamanha sensibilidade, ineditismo, beleza e verdade. Um filme que diz, a rigor, tudo sobre todas as mães do mundo.


Daniel Rodrigues

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

“Bohemian Rhapsody”, de Bryan Singer (2018)


Quem me conhece um pouco sabe que nunca gostei muito de Queen. O som da banda sempre me soou um tanto espetaculoso, exagerado, o que viria, inclusive, a influenciar aquela leva insuportável de bandas heavy poser dos anos 80. Embora não discuta as qualidades de Freddie Mercury e de toda a banda, Queen às vezes parece usar uma usina para acender uma lâmpada. A música “Bohemian Rhapsody” – “pomposa”, conforme parte da crítica na época a classificou – me é o melhor exemplo disso. Ora, para fundir música clássica com rock não precisa emular Caruso! Fora que não é nenhuma novidade essa fusão: Beatles, Velvet Underground, Pink Floyd, Frank Zappa e, pasmem, a própria Queen estão aí para provar que tal combinação de estilos ocorre naturalmente no processo de composição, sem forçar a barra.
Dito isso, prometo não dizer mais nada negativo sobre o Queen até o final desta resenha. Até porque a proposta é falar do filme-biografia “Bohemian Rhapsody”, de Bryan Singer (2018), sucesso de bilheteria em todo o mundo que assisti em sessão especial para convidados no GNC Cinemas do Praia de Belas Shopping, em Porto Alegre. E não à toa. Equilibrando um roteiro cuidadoso, direção criativa e atuações brilhantes, o longa é certamente uma das melhores biografias de astros de rock já feitas no cinema. À altura do que o mito de Freddie Mercury & Cia. merecem. Além, claro, da trilha sonora, que pontua a trajetória do grupo britânico no decorrer de sua discografia e sabe tirar o melhor proveito de emblemáticas canções da banda, como “Love of My Life”, “Radio Gaga”, ”Hammer To Fall” e, principalmente, da que dá título ao filme. Esta, em especial, é explorada em diferentes lances narrativos, seja em apresentação ao vivo, seja na cena da rescisão da banda com a gravadora EMI pelo impasse que a mesma motivou ou, principalmente, no seu revelador processo de composição e gravação para o clássico disco “A Night at the Opera”, de 1975.
Uso o termo “equilíbrio” para o roteiro pois, afora as críticas a algumas imprecisões factuais, além de fazer o registro biográfico do grupo – focalizando, principalmente, Freddie –, a narrativa escrita por Anthony McCarten busca trazer todos os principais momentos da Queen. Ao mesmo tempo, não se exime de tocar em temas delicados, como o homossexualidade do front band, suas atitudes arrogantes e a conturbada relação com o pai. Porém, faz com um tom de respeito que lineariza os acontecimentos. A tal festa barra-pesada que promovera em sua mansão regada a drogas e sexo ganha uma sequência no filme, porém sem apelar para a polêmica desnecessária, uma vez que a polêmica em si, a quebra de paradigmas que a figura de Freddie representou (afronta ao sistema, comportamento rebelde, causa LGBT, preconceito com imigrantes), já está contemplada.

A banda no estúdio gravando a clássica "Bohemian Rhapsody"
Para um fã de rock como eu, achei muito interessantes as cenas que mostram o grupo em estúdio e em processo de criação. É quando dá pra ver que, de fato, Freddie era um líder, não só em termos de representatividade, mas na concepção de arranjos e produção, mesmo com a batuta do guitarrista Brian May ao lado. Isso fica claro quando, por iniciativa dele, fazem uma vaquinha e vendem e van que tinham para financiar o primeiro disco, de 1970, o qual gravam durante uma madrugada no contraturno do funcionamento do estúdio para que saísse menos oneroso. Ou quando ele toma a frente das ações na fazenda em que se recolhem para conceber “A Night...”. Singer mostra-se um fã ponderado e que sabe admirar seus ídolos, desvendando tais meandros pouco conhecidos da maioria do público e que só dão a dimensão do encontro mágico que foi o dos integrantes da Queen nas quase três décadas que trilharam juntos.
A incrível sequência do Live Aid: show real dentro do filme
Afora isso, o diretor, provável candidato a Oscar nessa categoria, é muito feliz ao usar a favor da narrativa os vários momentos históricos que a Queen promoveu ao longo da carreira, como a primeira turnê nos Estados Unidos, o show no Rock ‘n’ Rio (o maior de todos os tempos em público) ou a gravação do censurado videoclipe de “I Want Brek Free”, culminando na catártica apresentação no Live Aid, em 1985, quando Freddie, já sabendo que contraíra HIV, motivou-se pela causa humanitária para voltar aos palcos e fazer um show emblemático.
Sequência esta, aliás, que merece um comentário à parte. Nunca tinha visto uma apresentação de palco tão bem reproduzida em cinema, tanto na atuação dos atores/músicos quanto da reação da plateia/figurantes. A vibração que a cena causa é comovente. Parece que se está dentro do show, talvez até mais do que na época do festival, quando as condições de transmissão não eram tão boas quanto o que a tecnologia hoje oferece para a recriação das cenas – com direito a, inclusive, efeitos especiais e lente teleobjetiva supermoderna. O próprio estádio de Wembley, refeito em 2003, aparece em seu formato original graças à competente direção de arte. E mais legal ainda: praticamente se reproduzem os 20 minutos originais da apresentação, dando ainda mais veracidade à trama. Um dos detalhes de grande responsabilidade nisso é o desenho de som – que merece um daqueles Oscar técnicos que ninguém entende a nomenclatura –, cuja captação se “adapta” a onde a câmera/espectador está, ou seja, soa mais destacado quando mais perto do público, de um instrumento ou do gogó de Freddie, por exemplo.
Rami Malek: interpretação digna de Oscar
Por último, destaco o outro trunfo de “Bohemian...”, que são as atuações. A começar por Gwilym Lee e Ben Hardy fazendo muito bem May e o baterista Roger Taylor, respectivamente. Mas, principalmente, Rami Malek na pele de Freddie Mercury. Daqueles papéis “espíritas”, que parece ser fruto de uma transformação. E é. Dificilmente esse Oscar não vá para ele tanto pela qualidade de seu trabalho quanto pela sabida disposição da Academia de premiar este tipo de interpretação.
“Você é um mito, Freddie”, dizem os companheiros de banda ao vocalista em certo momento. Ele, sem falsa humildade, concorda. O mesmo que eu faço agora humildemente. Queen é uma banda mitológica para a música pop inegavelmente. Goste-se do que eles produziram ou não. E isso o filme encerra com muita propriedade, humanizando os ídolos mas dando-lhes a devida dimensão. Ver a emoção dos espectadores fãs do grupo é tão comovente, que chegou a me dar certa inveja de não estar sabendo aproveitar o filme tanto quanto eles. Talvez esteja, sim, passando a admirar mais o Queen, e devo isso ao empolgante “Bohemian Rhapsody”.

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tralier de "Bohemina Rhapsody"


Daniel Rodrigues

terça-feira, 19 de agosto de 2014

ARQUIVO DE VIAGEM - Museu Oscar Niemeyer (MON) - Curitiba / PR



A impactante visão do "olho"
espelhado do MON


Mais do que qualquer exposição ou parque (e olha que lá têm muitos), certamente o que mais me impactou em Curitiba foi o Museu Oscar Niemeyer, o MON. É fantástica a emoção que se tem ao chegar pela estreita Rua Marechal Hermes, no bairro Centro Cívico, e, ao desvencilhar o olhar das árvores do entorno, dar de frente com aquele impressionante olho suspenso e espelhado. Tal como foi quando estivemos Leocádia e eu no MAC, de Niterói, no Rio, ao ver aquela nave-flor totalmente integrada com a natureza e a topografia.

Rampa de entrada para o
prédio principal com a torre
e o lago artificial
Nesta obra, a arquitetura de Niemeyer, embora num ambiente menos privilegiado naturalmente do que o de Niterói, traz novamente esta sensação impactante e de fusão com o que lhe cerca. O MON une duas épocas de sua carreira e da Arquitetura como um todo. Isso porque o projeto original foi composto pelo arquiteto em 1967 para as instalações do Instituto de Educação. Esta primeira obra comportava já o prédio em linhas retas que fica ao fundo, o qual dá de costas para o Parque Polonês, uma área verde de convívio ligada à outra de mata fechada. Pois em 2002, Niemeyer, já em sua fase mais madura, foi chamado para reelaborar o projeto, onde seria construído, enfim, o museu que leva seu nome.

Em primeiro plano,
a escultura em aço, La Luna,
de Niemeyer
Escultura em bronze do
modernista Bruno Giorgi
Foi quando se ergueu o chamado “olho”, que, na verdade, foi inspirado no formato de uma pinha de araucária, árvore característica da região e daqui do Sul. Sobre um lago artificial, o olho – cujo traço da borda em concreto armado branco é de uma beleza infindável – é sustentado por uma “sutil” base retangular, a “Torre”, em cor amarelo-canário, onde se estampam a traço preto desenhos do mestre que dialogam com outros feitos por ele em Niterói para o Caminho Niemeyer, obra também pertencente à sua última fase. Digo “sutil”, pois, como é natural em Niemeyer, as dimensões gigantescas se aliam à precisão das proporções dentro do todo, fazendo com que se percebam claramente os volumes, distinguindo o que é menor e o que é maior. O que não quer dizer que o “menor” seja necessariamente pequeno. Pelo contrário: ao todo, são 35 mil metros quadrados de área construída. Somente dentro da base amarela, vimos depois, há três andares de espaço expositivo mais o do próprio olho anexo. Isso, rodeado de rampas curvas que, além da função de acesso e mobilidade, emprestam movimento ao desenho.

Espaço Niemeyer traz maquetes, fotos e vídeos
dos principais projetos do arquiteto pelo mundo
Ao fundo, então, o prédio principal, distribuído em três pisos. Reto, amplo, moderníssimo. À Bauhaus. A estrutura do prédio é de concreto protendido, que permite vencer os grandes vãos da edificação com um enorme arrojo estrutural. Nele, estão nove salas de exposição, a maioria do museu. Além das mostras temporárias, há duas permanentes que cabem muito bem serem destacadas. A primeira fica na área externa do subsolo, que é o Pátio das Esculturas. Ali é possível perambular entre obras de Tomie Ohtake, Xico Stockinger, Erbo Stenzel, Amélia Toledo, Bruno Giorgi e até do Niemeyer.

Leocádia percorre o tunel a la "Solaris"
que liga o prédio principal
à "torre do olho"
A outra exposição permanente digna de realce refere-se ao próprio Oscar Niemeyer, num espaço reservado à sua obra, com projetos, fotos e maquetes do arquiteto de vários países do mundo, como os clássicos Cassino da Pampulha, o MAC, o Ibirapuera, as obras de Brasília, o Centro Cultural Le Havre (Paris), entre outros. Interessantíssimo, embora a proposta seja generalista, visto que não apresenta projetos dele menos famosos mas tão legais quanto, como a sede do Partido Comunista da França, em Paris, ou o Palazzo Mondadori, em Milão, Itália. Mas pra arrematar o desbunde, saindo dali, um lindo corredor em concreto que liga o prédio principal à torre, o qual passa por debaixo do lago artificial da entrada. Desenhada em curvas, dá a sensação de se estar percorrendo os corredores da nave espacial do "Solaris", do Tarkovski – só para se ter uma ideia do barato que dá.

Nós entre as esculturas
Enfim, para nós que, aonde vamos, procuramos sempre conhecer algo do Niemeyer que tenha no local, foi uma visita mais uma vez deslumbrante. Um museu organizadíssimo que, mesmo que não se veja nenhuma exposição, por si só, vale como passeio.

Para quem quer saber mais sobre o MON: www.museuoscarniemeyer.org.br










vídeo do Espaço Niemeyer - por Leocádia Costa




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As 'costas do olho', com o desenho
da Ártemis dançarina de Niemeyer
Museu Oscar Niemeyer
Endereço: Rua Marechal Hermes 999, Centro Cívico – Curitiba/PR
Visitação: Terça a domingo (10h às 18h)
Entrada: R$6,00








texto:
vídeo:

segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

“Assassinos da Lua das Flores”, de Martin Scorsese (2023)


INDICADO A
MELHOR FILME
MELHOR DIREÇÃO
MELHOR ATRIZ
MELHOR ATOR COADJUNVANTE
MELHOR TRILHA SONORA
MELHOR CANÇÃO ORIGINAL
MELHOR DESIGN DE PRODUÇÃO
MELHOR MONTAGEM
MELHOR FOTOGRAFIA
MELHOR FIGURINO
 

Assisto Martin Scorsese no cinema há mais de 30 anos. Desde o célebre “Os Bons Companheiros”, em 1990, até hoje, acompanho a filmografia do cineasta nova-iorquino a cada lançamento, tendo perdido assim, na tela grande, talvez apenas uns dois nesse período. Vi desde produções menos empolgantes, como “Vivendo no Limite” e “O Irlandês” até obras-primas como “Os Bons...”, “Cabo do Medo” e “O Lobo de Wall Street”. Agora, em 2023, posso afirmar que presenciei mais uma de suas grandes realizações: “Assassinos da Lua das Flores”. Estrelado pelos dois atores favoritos do diretor, Robert De Niro e Leonardo DiCaprio, reúne pela primeira vez, por incrível que pareça, ambos em um filme sob suas lentes, celebrando o encontro de duas gerações de atores/parceiros da longa carreira.

O filme se passa no ano de 1920, na região norte-americana de Oklahoma, rica em petróleo, onde misteriosos assassinatos acontecem na tribo indígena de Osage. A série de ocorridos violentos desencadeia uma grande investigação envolvendo o recém-criado FBI, que passa a investigar um esquema maquinado pelo ganancioso pecuarista William Hale (De Niro), que convence seu sobrinho Ernest Burkhart (Di Caprio) a se casar com Mollie Kile (Lily Gladstone) para tirar-lhe as preciosas terras.

Llly no papel da rica indígena Mollie:
atuação que comanda o filme
O entrosamento do diretor de “Taxi Driver” com a dupla de atores é evidente, e isso é uma das forças do filme, tendo trabalhado com De Niro por 9 ocasiões e com DiCaprio, 6, totalizando 15, quase 60% de toda a filmografia do cineasta. “Assassinos...” é conduzido pelo talento da dupla, porém, assim como já ocorreu com Sharon Stone e Margot Robbie, outra atriz tem um papel primordial na trama, formando com eles um tripé narrativo, que dá especial ação à história: Lily Gladstone, no papel de Mollie. Ela divide as atenções da câmera, não raro atraindo-a para si e, mais que isso, ditando o aspecto emocional da história. Além de bonita, Lily é daquelas figuras, que, sob o olhar de Scorsese, tem o poder de dominar a cena quando filmada, principalmente pela força de sua expressividade e olhar, misto de encantamento, força e fragilidade. Quão simbólica é a sua personagem, uma vez que evoca a importância dos povos originários formadores das Américas tão dizimados pela cultura branca europeia.

Para além das boas atuações (que se estende a todo o elenco), “Assassinos...” é tecnicamente perfeito, como é característico do perfeccionista Scorsese. A Direção de Arte, a cargo de Jordan Crockett, em especial, juntamente com a fotografia, a maquiagem e os figurinos, são impecáveis, creio que dignas de indicação ao Oscar para 2024. A trilha sonora, do amigo e ídolo Robbie Robertson, ex-líder da The Band (a qual Scorsese filmara em 1978 no doc “The Great Waltz”) falecido em agosto, é econômica, mas totalmente assertiva, misturando os sons folk do interior norte-americano, desde o blues de raiz e os spirituals de trabalho a temas indígenas típicos. Na edição, mais uma vez a parceira Thelma Schoonmaker, fazendo chover e contribuindo para que um filme de extensas 3 horas e 26 minutos de rolo não perdesse o ritmo.

A multipremiada dupla De Niro/DiCaprio: ao todo,
15 filmes com Scorsese

Aliás, embora a montagem contribua para a coesão da obra, é indiscutível que o resultado final (seja acertado ou não) se deve em última análise ao diretor. E aí entra Scorsese e sua maestria. Com o aval da indústria cinematográfica para fazer produções no formato que quiser, seja longa, curta, documentário, série ou especial, ele não abre mão de estender-se para contar a história a que se propõe. E o faz isso sem provocar sequer uma “barriga” em todo o decorrer da fita! Atuações, música, arte, edição, foto, tudo contribuiu. Mas nada disso funcionaria não fosse a mão habilidosa do cara que já experimentou diversas formas de fazer filme, mas que busca, mesmo passados dos 80 anos de vida, surpreender o espectador. Contumaz crítico da “tecnologização” exacerbada de Hollywood e suas intermináveis e interdependentes franquias Marvel, Scorsese – embora não desconsidere o uso de efeitos especiais, a se ver por “A Invenção de Hugo Cabret”, de 2011 – vale-se da gramática do cinema para extrair nuances narrativas e técnicas que produzam impacto ao espectador. Isso, sim, é inovação. O uso de imagens de arquivo em P&B antigas com imagens de arquivo ”fake”, por exemplo, embora não novos, é um recurso que funciona muito bem em “Assassinos...”, cabendo-lhe perfeitamente à narrativa.

Foto dos verdadeiros Osage usadas
de forma documental no film
e
O roteiro, contudo, é responsável por tamanho sucesso. Escrito pelo próprio Scorsese em conjunto com o premiado Eric Roth (Oscar de Roteiro por “Forrest Gump”, em 1994), a história se baseia no best-seller homônimo do escritor David Grann, o roteiro prevê todos os diversos pontos de flexão e inflexão, estabelecendo o ritmo de uma história complexa e rica em detalhes e delineamentos. A própria escolha do tema, aliás, faz parte de um entendimento maior e, em certo aspecto, “alternativo” de Scorsese como cidadão norte-americano. Assim como outro talentoso cineasta contemporâneo seu, Clint Eastwood, Scorsese ama seu país, mas nem por isso (e até por isso) deixa de evidenciar as barbaridades que constituíram sua sociedade. A mesma abordagem crítica de obras como “Cabo do Medo” e “Taxi Driver” se refletem na sua visão revisionista em filmes históricos, casos de “Gangues de Nova York” e “A Época da Inocência”. É preciso trazer a luz a podridão do passado para que os novos tempos corrijam os rumos.

A este aspecto o roteiro também traz méritos no que se refere à construção psicológica das personagens. A obra original favorece, mas dar corpo a personagens tão complexos no audiovisual ganha uma dificuldade diferente, visto que diversas nuances que a escrita absorve, a tela exige que se escancare. A personalidade contraditória de Ernest, por exemplo, ora um marido dedicado, ora um ganancioso induzido pelo tio, é facilmente indutora a erros, por mais talento que Di Caprio tenha. 

Misturando drama histórico com faroeste, policial e filme de tribunal, Scorsese consegue forjar um filme rico em referências e qualidades diversas, que o colocam entre os melhores de sua longa filmografia. Se serão justos com o velho Scorsese ao indicá-lo ao Oscar, bem como DiCaprio como ator, Lily para atriz e DeNiro em coadjuvante, ainda é cedo para prever. É comum a Academia fazer “vistas grossas” a grandes realizadores como ele, Steven Spielberg, Spike Lee ou Brian De Palma como que fazendo de conta que eles sejam “premiáveis” por si só - erro que a leva, não raro, a ter que dar apressadamente um prêmio logo após cometerem uma descarada injustiça. Nestes vários anos que acompanho Scorsese seja na tela grande ou na televisão, ele ganhou apenas uma vez o Oscar de Direção pelo não mais que competente “Os Infiltrados”, em 2006, por terem-no esnobado pela superprodução “Gangues...” quatro anos antes. Porém, até o começo de 2024, quando começam a pipocar as previsões dos favoritos à estatueta, ainda tem bastante coisa para rolar e a indústria do cinema é muito programada para este período. Mas que seria justo, seria.

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trailer de "Assassinos da Lua das Flores"




Daniel Rodrigues

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

"O Regresso", de Alejandro González Iñárritu (2016)



Deve ter sido delicioso aos que, pelo menos por algum período, puderam acompanhar just-in-time a filmografia de algum grande diretor do passado. No caso de Alfred Hitchcock, por exemplo: o mestre do suspense superava-se a cada produção que lançava, reelaborando às vezes a mesma ideia ao longo do tempo, desde a fase inglesa (anos 20 e 30), passando pelos primeiros anos nos Estados Unidos (década de 40) até chegar às obras-primas definitivas (50 e 60). É perceptível que a confusão no teatro lotado de “Os 39 Degraus” (1935) se repetira em “Cortina Rasgada” (1962), ou o mesmo tenha ocorrido com a cena da escada de “Suspeita” (1941) e, depois, na clássica de “Psicose” (1960), a que Norman Bates mata o detetive. Dois exemplos de um realizador que soube como poucos reciclar suas próprias ideias e progredir constantemente.

Dadas as devidas dimensões, os espectadores e cinéfilos de hoje podem gozar dessa sensação quanto ao cinema de Alejandro González Iñárritu. Ele, que começara em alto nível com a trilogia “Amores Perros” (2000), “21 Gramas” (2003) e “Babel” (2006), resvalou um pouco no hiperbólico “Biutiful” (2010) mas logo retomou-se com o labiríntico "Birdman" (2014), Oscar de melhor filme do ano passado. Agora, o cineasta mexicano, aproveitando com parcimônia elementos de todas as suas realizações anteriores, avança em estilo e estética e lança o filme que certamente é sua obra-prima até então: “O Regresso”. Dos favoritos para levar o mesmo prêmio que “Birdman”, é a produção de mais indicações este ano, 11 no total, tendo ainda grandes chances à estatueta em Melhor Ator, com Leonardo DiCaprio, e em Direção, com o próprio Iñárritu.

O filme, baseado numa história verídica (sobre o romance de Michael Punke) situa-se na primeira metade do século XIX e conta a história de Hugh Glass (DiCaprio), um forasteiro que parte com seu filho para o oeste americano disposto a ganhar dinheiro caçando. Atacado por um urso na floresta, fica seriamente ferido e é abandonado à própria sorte por um dos parceiros, John Fitzgerald (Tom Hardy, digno de Oscar também), o qual ainda mata seu filho. Entretanto, mesmo com toda adversidade, Glass consegue sobreviver e inicia uma árdua jornada em busca de vingança. Dado a personagens fortes, o talentoso DiCaprio, provavelmente o melhor ator de sua geração, se esbalda no papel. É impressionante vê-lo na pele de Glass nas cenas de solidão desafiando a natureza opressiva e ainda doente, com dor, fome e dilacerado por dentro pela brutal perda do filho.

Com a ajuda de um elenco afinado e de uma fotografia acachapante (de Emmanuel Lubezki, impecável tanto nos grandes planos quanto nos fechados), Iñárritu compõe um filme extremamente intenso, porém rigoroso. Nada está fora do lugar, nem mesmo a intensidade. Do roteiro (Iñarritu e Mark L. Smith) ao figurino, da cenografia à edição de som, da trilha sonora – do mestre Ruiychi Sakamoto – à montagem (Stephen Mirrione). Tudo é muito exato, porém, sem recair no artificial, comum ao tecnicista cinema norte-americano. Afinal, está se falando de um esteta do cinema da atualidade. Estão preservados vários elementos estilísticos que já se tornaram marcas de Iñárritu: sua câmara andante, contemplativa e participativa, o estreitamento entre civilização e barbárie, o limite entre vida e morte, o contato com o etéreo e, mais do que tudo, o animalesco instinto de sobrevivência do bicho homem.

Com esse suco, o diretor cria um western estilizado em que a carga emocional é permanente, mas muito bem conduzida. Diferentemente de outros filmes seus, em “O Regresso” Iñárritu, tão louvado pela linguagem inovadora, vale-se sem embaraço de uma narrativa clássica. E não poderia ter sido a melhor escolha, pois o enredo se presta a isso. Neste caso, a estrutura tradicional do cinema preenche o enredo, prescindindo da dificultação intrínseca à linguagem moderna. Com uma trama em que os personagens são apresentados de início e partindo de um problema, gera-se uma “crise” na história que faz com que os caminhos se diluam e se dificultem. Esse problema de resolução complicada é vencido pouco a pouco pelo personagem principal, gerando tensão à história, até que este chegue a seu objetivo. Não muito diferente de milhares de filmes nesta linha, o clímax é uma vingança. A construção dos personagens também respeita isso: há o herói com mais qualidades que defeitos e que, embora bruto, é movido por sentimentos genuínos. Em contrapartida, o vilão é tomado de inveja e maldade, enquanto há aqueles que, por não penderem nem a um nem a outro, cumprem a função de dar o contrapeso. Como na vida. Entretanto, até nisso é dado um teor diferenciado. Seguindo a abordagem realista que permeia toda a história, os índios não são nem os perversos dos bang-bangs enlatados nem idiotas indefesos. São, sim, mostrados como a História os deve ver: um bravo povo dizimado pela gananciosa civilização do homem branco.

É interessante notar a maturidade adquirida por Iñárritu no transcorrer de sua filmografia. Este começou com três filmes de tramas corais, quase novelas, bastante alicerçadas no roteiro do conterrâneo Guillermo Arriaga. Em “Biutiful”, quando tenta emancipar-se do parceiro de escrita, escorrega principalmente neste quesito, exagerando na dose de dramaticidade. Não repete o erro e, ainda por cima, realiza o inesperado e ousado “Birdman”, em que apresenta uma narrativa totalmente contemporânea e igualmente distinta da utilizada em seus primeiros filmes. Assim, em “O Regresso” Iñárritu pinça com inteligência feições de todas as suas obras anteriores, porém, sem deixar com que este perca personalidade. De “Biutiful”, está o aspecto espiritual do protagonista, que mantém contato constante com a esposa morta e, depois, com o filho. Até o enquadramento e o conceito fotográfico da tomada da copa de pinheiros altos com fumaça e cinzar no ar sob a neve é parecida. De “Birdman”, mesmo sendo o que mais se difere de “O Regresso” entre suas obras, é visível que a câmera na mão, ligeira mas firme e de ritmo humano, é novamente um personagem a mais na trama.  Da trilogia inicial, também: no segundo quadrante do filme criam-se quatro histórias paralelas: Glass tentando voltar; os companheiros já chegados ao forte; Fitzgerald e um comparsa a caminho; e o grupo de franceses trapaceando os índios. De “Amores Perros”, em especial, a equiparação bicho x homem é ainda mais clara. Um pouco de cada um dos cinco anteriores, mas principalmente do próprio “O Regresso”.

A impactante e real cena do ataque do urso.
Outro fator-base da história, também largamente usado no cinema clássico – mas de fácil ocorrência de erros –, são os elementos da natureza simbolizando os narrativos. A atmosfera selvagem não é apenas mostrada permanentemente através da fotografia, inóspita e desafiadora, mas num conceito amplo em que o homem é apenas mais um componente dentro daquele universo, assim como os animais e as intensas intempéries. Os sentidos estão todos despertos. Do tato, a umidade, o frio, o calor, a dor. Da audição, o zumbido do vento, o ofego do respirar, o estrondo das quedas d’água, os ruídos da mata. Tudo se mistura e se integra com muita propriedade à edição de som e à trilha sonora, igualmente inserida com lucidez e sem excessos. Tudo é vivo, o que faz com que tudo seja também morte. Dessa forma, Iñárritu se utiliza do ambiente natural e dos sentidos não como adereço, mas numa constante construção dos personagens e da narrativa. Glass, por exemplo, durante o seu regresso e ainda tentando se recuperar da surra do urso, põe sobre os ombros uma pele justamente deste grande mamífero, como se assumisse o papel do bicho. Antes mesmo, quando, muito debilitado, assiste a Fitzgerald matar seu filho sem poder fazer nada e espuma saliva pela boca, a mesma que o próprio urso deixa escorrer sobre seu rosto quando o ataca, pois o fazia pelo mesmo motivo que movia Glass: proteger sua cria. Homem e animal: nenhuma diferença.

DiCaprio, atuação para Oscar novamente.
Essa cena, aliás, é altamente impactante e merece destaque. Feita com um urso de verdade, o mais impressionante é que o ator também é de verdade. Sim, não é um dublê: é o próprio DiCaprio, inteiro dentro do personagem. Mesmo contracenando com um animal adestrado, ele saiu bem machucado pelo que se tem notícia. Valeu o esforço. Certamente é das cenas mais célebres dos últimos 20 anos, junto com a chuva de sapos de “Magnólia” ou o acidente no ringue com a lutadora de “Menina de Ouro”. Daquelas que entra para a seleta lista de cenas inesquecíveis do cinema mundial. Mas não apenas essa: o filme é uma sucessão de grandes momentos e sequências, várias daqueles de tirar o espectador da poltrona, como o ataque indígena do início, a fuga de Glass sobre o cavalo e, obviamente, o duelo final, cujo requinte da montagem remete ao tempo fílmico de Sergio Leone e John Ford. Chega a ter parecença com o tradicional ritmo de Quentin Tarantino, que o próprio muito se valeu no seu último longa, "Os Oito Odiados", também um western e que guarda-lhe também semelhanças estéticas. Diferentemente do filme de Tarantino, cujo proveito do máximo das sequências e dos diálogos o tornam de fato por vezes arrastado, em “O Regresso”, por conta da conjunção do tom realístico e da estrutura clássica da narrativa, os tempos de tensão e distensão estão perfeitos. Simbolizam, em última instância, a luta eterna entre o calor e o frio, entre o fogo e a água, entre o som e o silêncio, entre o bem e o mal. Entre o espaço e o tempo.

É o próprio tempo que, já fora da tela, poderá aligeirar-se no que tange a premiar Iñárritu dando-lhe a primazia jamais alcançada por ícones como William Wyler, Elia Kazan e Billy Wilder: o de levar o Oscar de Diretor em dois anos seguidos – feito obtido por apenas dois craques desde 1929: John Ford e Joseph L. Mankiewicz. Ou, contrariamente, o mesmo tempo venha a reconhecer com atraso DiCaprio, merecedor da estatueta há bastante tempo, seja em filmes que concorreu (“O Aviador”, “Diamante de Sangue”, "O Lobo de Wall Street") ou não (“Django Livre”, “J. Edgar”). Além destes, “O Regresso” desponta como favorito para levar ainda Filme, Ator Coadjuvante, Fotografia e Edição de Som. O reconhecimento no prêmio Bafta anteviu isso. Afinal, não se trata apenas da melhor produção de 2016: é, sim, um dos grandes dos últimos 10 ou 15 anos. Pode-se colocá-lo tranquilamente ao lado de títulos como “A Vida dos Outros”, "Guerra aoTerror" e “Ida”. Daqueles que vem para entrar para a lista dos essenciais do cinema, porque o tempo (novamente ele) é quem o dignificará para a eternidade. Ganhe o Oscar ou não.


trailer "O Regresso"