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segunda-feira, 2 de maio de 2022

As 30 melhores aberturas de filmes

 

Não sei quanto a quem não é cinéfilo de carteirinha, mas mais de uma vez me surpreendi tanto com a abertura de um filme, que a sensação imediata era a de quem nem precisava mais continuar assistindo. Foi assim quando, em 1995, na companhia de vários amigos – em sua maioria absoluta amantes de cinema mas não necessariamente cinéfilos – reunimo-nos para ver o VHS locado de “Pulp Fiction: Tempo de Violência”, do Quentin Tarantino. Eu não havia visto “Cães de Aluguel” ainda, seu primeiro e anterior longa, embora já ouvisse todo o debate em torno do nome do cineasta que dizia-se estar revolucionando o cinema. Mas o que me despertava maior interesse era, principalmente, porque o filme em questão havia ganhado a Palma de Ouro em Cannes. Isso, mais do que toda a celeuma sobre Tarantino significar ou não um novo capítulo na história da 7ª Arte (o que poderia ser, escaldado que sou, um exagero proposital, comum na mídia), de fato me surpreendia. Cannes desde cedo em minha vida cinéfila fez muito sentido, pois cresci assistindo seus premiados e indicados, que não raro eram (ainda são) alguns dos melhores filmes que já assisti, como “A Balada de Narayama”, “Coração Selvagem” e “Mephisto”. No caso de “Pulp Fiction”, ainda mais por saber tratar-se de um filme “comercial” norte-americano e não algum cult europeu ou asiático, isso, sim, chamava-me mais a atenção e despertava a curiosidade de vê-lo.

Pusemos a fita no videocassete. A grande maioria sabe o que acontece nos primeiros minutos de “Pulp Fiction”, né? A sequência do diálogo entre Pumpkin (Tim Roth) e Honey Bunny (Amanda Plummer) antes de assaltarem o restaurante e a entrada triunfal dos letreiros iniciais com “Miserlou” de Dick Dale arrasando com um surf-rock na trilha e, ainda pelo meio dos créditos, a mudança de música, como se alguém tivesse mudado uma estação de rádio para o funkão “Julgle Boogie”, da Kool & The Gang. Tudo aquilo, o estilo; a atmosfera pop; a inteligência da montagem; o bom gosto musical; o tom de tele-seriado B; a referência a Godard no nome da produtora A Band Apart: toda essa sequência minimamente bem pensada de como iniciar um filme me fez ficar absolutamente estarrecido. Somava-se a isso a engenhosidade da montagem no momento em que Pumpkin e Honey Bunny levantam-se sobre o banco do restaurante (e Roth diz: “I love, Honey Bunny”, e eles se beijam em close antes de apontarem as armas) e anunciam o roubo, a imagem congela e mantém-se o áudio das falas – estas, aliás, extremamente musicais, tanto que se tornam inseparáveis da música de Dale que vem na sequência no próprio disco da trilha sonora. Apaixonei-me pelo filme que mal havia começado.

"Pulp Fiction", Quentin Tarantino (1994)


Excitado, eu olhava para meus amigos na sala enquanto aquela série de genialidades iam surgindo da tela para observar suas reações, mas todos, embora estivessem, sim, gostando, nem de perto se exaltavam como eu. Aquele sentimento de arrebatamento era única e exclusivamente meu. Cheguei a perguntar, incrédulo: “Gente, vocês estão vendo a MESMA coisa que eu?!”. A resposta? Com desdém adolescente: “Sim, Dani, o que é que tem? O filme tá recém começando”. Sim, o filme estava recém começando, mas não de um jeito normal. Para mim (e para muito cinéfilo e estudiosos do cinema) confirmava-se ali a tal revolução cinematográfica atribuída a Tarantino. Não precisava nem ver o filme por completo: era certo que o cinema, então a 4 anos de completar seu primeiro século de existência, mudava a partir dali, e isso era o máximo de eu estar presenciando. Aprendi, naquela situação, que não era uma pena meus amigos não estarem vendo o mesmo que eu: era, sim, o que me diferenciava do senso comum na forma de ver e sentir cinema.

Não foi a primeira abertura de filme que me surpreendeu a de “Pulp Fiction”, claro, mas é certo que esta sensação de entusiasmo se me repetiu várias vezes. Seja em casa ou numa sala de cinema, de vez em quando sou pego de surpresa com algum começo de filme que, como um bom disco de música, sabe dar o start certo e cativar de cara quem o está apreciando, mesmo que a obra em si não corresponda tanto a seu bom início – embora seja geralmente um bom indicativo. Pois essa lista se propõe a elencar justamente isso: não os filmes inteiros, mas seus primeiros minutos. A rigor, por “openning scene” entendemos não somente o design de créditos, mas o suficiente para apresentar o filme, embora não seja necessariamente uma regra.

A junção de fatores, a inventividade na disposição dos letterings, a edição, o prólogo, o design, o impacto da cena, o significado simbólico para com a história que será contada: tudo conta para impressionar e construir uma introdução digna de memória. As maneiras de fazer, assim como de se contar uma história em imagens, são infinitas, e não há um jeito melhor que outro. O critério para a escolha destes 30 exemplos sem ordem de preferência – e que pode tranquilamente ser ampliada por novos filmes ou por títulos aos quais não me ocorreram – é apenas o da sentir-se conquistado já na largada por uma obra cinematográfica. Aqueles filmes que, contrariando a lógica, recomendo que não sejam necessariamente vistos até o final. Os primeiros minutos já bastam.

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“Era uma Vez no Oeste”, Sergio Leone (1968)

São pouco mais de 7 min de puro deleite daquela que é provavelmente a melhor abertura de um filme de todos os tempos. O filme de Leone, aliás, por si merece essa alcunha, mas se se destacar apenas o seu começo já está mais do que bem representado. O design, o cenário, os enquadramentos, a disposição criativa dos letterings, o tempo da montagem, a arte e o figurino, a fotografia. Tudo em perfeita sintonia e, mais que isso, conceitual, visto que apresenta, sem precisar valer-se da poderosa música de Ennio Morricone e quase sem nenhuma palavra dita, tal westerns do cinema mudo, as ideias centrais do filme: o embate ideológico entre passado e futuro, entre vida e morte, entre instinto e consciência..


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“Cassino”, Martin Scorsese (1996)

Lembro também de, no cinema, sentir a reação da sala ao surpreender-se com a explosão do carro do personagem Sam Rothstein, vivido por Robert DeNiro, em “Cassino”, nos idos de 1996. Uma reação espontânea do público, que, assim como eu, era abduzido para dentro da história em poucos minutos de fita transcorridos. Scorsese, justificadamente fã de Saul Bass, conseguira em vida trabalhar com o mestre do design de créditos cinematográficos ainda em dois filmes: “Cabo do Medo”, de 1991, e neste, do ano em que ele morreu.


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“Fahrenheit 451”, François Truffaut (1966)

A nouvelle vague foi o movimento que melhor soube subverter os padrões da linguagem cinematográfica. Esta ficção científica de forte crítica filosófica baseada na novela e Ray Bradbury, além de ser um dos melhores filmes de Truffaut e do cinema, inova desde o seu primeiro minuto. E de forma simples. Aliás: simples em formato, haja vista que se engendra apenas por uma sequência de imagens estáticas e monocromáticas em zoom in e uma locução que descreve aquilo que geralmente apareceria escrito. Porém, a simplicidade da sequência de "Fahrenheit 451" é de uma criatividade tamanha, visto que traduz conceitualmente o principal elemento da história, que é a proibição de qualquer material escrito num futuro distópico. Genial e simples.


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“Cidade de Deus”, Fernando Meirelles e Katia Lund (2002)

A experiência com "Cidade de Deus" também foi inesquecível. Fui assisti-lo pouco depois de seu lançamento já tomado pela fama em torno do filme. Na sala de cinema, pude comprovar estar diante da obra que demarca o antes e depois do cinema brasileiro, o filme que deu fim à dolorosa era da Retomada. E sua sequência introdutória (“Pega a galinha, pega a galinha!”), com a faca cintilante simbolizando o perigo, os fragmentos de imagens intercaladas por legendas, a foto em cores pulsantes, o som da lâmina sendo afiada misturado ao do samba para devorar a ave fujona. Uma cena de tensão que se cria em poucos minutos e que já diz a que o filme viera: para revolucionar o cinema nacional e mundial.


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“Um Corpo que Cai”, Alfred Hitchcock (1956)

Saul Bass foi, inegavelmente, o gênio do design de créditos em cinema. E quando a genialidade dele se encontrava com a de outros, como, no caso, Alfred Hitchcock, com quem colaborou mais de uma vez, aí era gol certo. Altamente conceitual, como os videoclipes musicais que passariam a existir apenas décadas depois, a entrada de "Vertigo", com o casamento perfeito com a trilha de Bernard Hermann e os efeitos especiais bastante ousados e criativos para sua época, ainda surpreendem. Se hoje fosse feito por computadores já seria louvável, imagina em 1956.


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“Psicose”, Alfred Hitchcock (1960)

Outro da colaboração Bass/Hitchcock, "Psicose" vale-se dos tradicionais grafismos que eram comuns ao trabalho de Bass, dono de um traço magnifico. A assustadora trilha de Hermann, sinônimo de thriller de suspense, é traduzida por linhas retas paralelas em p&b que se deslocam horizontal e verticalmente em conjunção com as letras, geram uma sensação de instabilidade e não-linearidade, ideia a qual, por sua vez, simboliza a perturbadora história do assassino psicótico Norman Bates. Junto com "Vertigo", aquele que é considerado o grande filme de Hitch. Não à toa.


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“O Segundo Rosto”, John Frankenheimer (1966)

Mais uma de Bass, esta perturbadora abertura de "O Segundo Rosto" é um verdadeiro exercício artístico. Valendo-se de potente trilha de Jerry Goldsmith e da trama de suspense psicológico do filme de Frankenheimer, Bass explora distorções como as do expressionismo alemão e carrega nas sombras e imagens projetadas em espelhos para, já de início, entrar na mente do espectador, que, a se confirmar pelo excelente longa, será conduzido a um mundo de medos e aflições internas. Poucas vezes uma introdução casou tão bem com a ideia central de uma obra. 


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“O Jogador”, Robert Altman (1992)

Esta cena já esteve destacada aqui no Clyblog por outro motivo: o plano-sequência. Pois Altman consegue com este engenhoso desenho de cena não apenas criar uma das melhoras sequências sem corte da história do cinema (afinal, o próprio filme trata sobre os bastidores da sua indústria) como, por conta exatamente disso, causar um incrível impacto já no início do filme, visto que o plano-sequência é justamente o que o abre. Altman, dos melhores do cinema autoral dos Estados Unidos, sabia como ninguém abrir suas obras, haja vista "Nashville", "M*A*S*H*" ou "Três Irmãs", mas nada bate a de "O Jogador".

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“Magnólia”, Paul Thomas Anderson (1999)

Outro dos que fui assistir no cinema é fui totalmente arrebatado. Também pudera: que forma criativa de se começar um filme! P.T.Anderson põe pra baixo o queixo do espectador num prólogo ao mesmo tempo divertido e instigante, que relaciona fortuitos momentos da história, para, ao final, triunfantemente, soltar a imagem da flor "Magnólia" abrindo-se em velocidade acelerada sobre a projeção de diversos vídeos. Além disso, tem a apaixonante música de Aimee Mann, a quem nem conhecia e passei a adorar por causa da trilha do filme. Inteligentemente, a aparente dissociação dos acontecimentos do prólogo antecipa a trama coral proposta pelo roteiro e a nada casual relação entre aquelas histórias paralelas. “Isto não foi uma coincidência”.

 

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“O Homem do Braço de Ouro”, Otto Preminger (1955)

Bass de novo, aqui na sua forma mais naturalmente criativa e genial: grafismos e desenhos com seu traço característico sobre um fundo preto e legendas sendo dispostas em conjunto com a música de Elmer Bernstein. A primeira parceria do designer com Otto Preminger, com quem trabalharia em vários outros projetos, também explora os meandros obscuros da mente humana, no caso, de um baterista de jazz viciado em heroína vivido incrivelmente pelo jovem (mas já ídolo) Frank Sinatra. Só o desenho do braço distorcido já é uma das mais felizes contribuições de Bass para a história do cinema e do design.


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“A Marca da Maldade”, Orson Welles (1958)

Outro que, assim como "O Jogador", também tem um dos grandes plano-sequências da história cinematográfica para começar o filme. Porém, havemos de dar ainda mais mérito para o sempre inquieto e criativo Orson Welles em ousar abrir um filme deste jeito nos anos 50, quando o cinema e os espectadores tinham como padrão o formato convencional de créditos iniciais. Nunca se havia visto uma cena de abertura tão complexa, com vários atores e figurantes em cena, câmara em travelling, mudança de enquadramento de primeiríssimo plano para planos médios e grande, num espaço físico extenso e com direito até à explosão. E tudo isso SEM corte. Caramba! Como se não bastasse, o longa confirma todas as expectativas de seus de minutos iniciais naquele que é, talvez, o grande de Welles.


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“Uma Mulher É uma Mulher”, Jean-Luc Godard (1961)

Godard, assim como Truffaut e seus companheiros de nouvelle vague, nunca deixaram de inovar a maneira de começar a contar suas histórias. O suíço, aliás, comumente radical, já fez muito filme que, a rigor, não começa nunca – e nem “termina”, consequentemente, como “Je Vous Salue, Marie” ou “FilmSocialisme”. Mas uma das marcas que Godard nunca abandonou é o trato formal da tipografia dos letterings, os quais se utiliza geralmente com fontes não serifadas tipo Futura ou Arial (e nas cores da bandeira da França) sobre fundo escuro, encurtando os limites entre poesia concreta, cinema, vídeoarte e literatura. Caso de “Uma Mulher é Uma Mulher”, que ele faz a proeza de apresentar genialmente em menos de 2 min.


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“Fellini 8 1/2”, Federico Fellini (1963)

Fellini não cria suspense nenhum em relação ao nome do filme, o qual aparece já no segundo frame sobre fundo escuro na forma da conhecida logo. Mas a partir dali o que se vê até os 3 min que se transcorrem é a mais absoluta genialidade felliniana. A história do cineasta pressionado pela crise de criatividade é expressa numa espécie de prólogo onírico minuciosamente bem construído. O claustrofóbico engarrafamento, cuja mudez é ensurdecedora, e os olhares condenatórios à sua volta, sufocam aquele homem sem rosto dentro de seu carro a ponto de fazê-lo... sair voando! A lindeza do sonho se encerra numa praia, sobrevoando o mar e sendo puxado por uma corda da areia por ele próprio, que tem a companhia de um homem de capa sobre um cavalo negro. E o melhor: o oitavo filme (mais um média) de Fellini mantém esse nível até o fim.



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“2001: Uma Odisseia no Espaço, Stanley Kubrick (1969)

 A ficção científica que estabeleceu o padrão do gênero para sempre é uma aula de narrativa para realizadores até hoje, o que inclui sua marcante abertura. Copiado e referenciado centenas de vezes, o início de "2001", de apenas 1 min30’, é, contudo, dos mais originais da história da 7ª Arte. Traduzindo em imagens siderais grandiosas a impactante abertura da sinfonia "Also Sprach Zarathustra", de Richard Strauss, Kubrick mostra o raro alinhamento do planeta com Sol com a Lua valendo-se, para isso, de poucos mas precisos elementos: tela escura que vai aos poucos revelando a imagem e apenas três letreiros em tipografia Futura: “Metro-Goldwyn-Mayer Presents”, “A Stanley Kubrick Production” e o nome do filme em tamanho maior (com o detalhe do Copyright abaixo bem pequeno). Separadamente do filme, só esse trecho já pode ser considerado uma obra-prima.


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“O Poderoso Chefão, Francis Ford Coppola (1972)

Este é um caso de uma forma própria de apresentar a história. O nome, através da bela logo com a mão divina comandando a marionete com o letreiro “Mario Puzo’s The Godfather” e os acordes da clássica música tema de Nino Rota, já está garantido no segundo frame. Porém, os 6 minutos seguintes apenas de diálogos traduzem diversos níveis narrativos e simbólicos que serão trazidos nas quase 3 horas de fita subsequentes. As relações de poder, a inteligência manipuladora do Padrinho, os valores familiares, os papeis sociais, os meandros dos poderosos... muita coisa é dita ou subentendida até o momento em que Vito Corleone (Marlon Brando, espetacular) cheira a rosa de sua lapela e dá-se continuidade à “festa”. 


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“A Terceira Geração, Reiner Werner Fassbinder (1979)

Um dos maiores estetas do cinema, o alemão Fassbinder deve muito de suas criativas aberturas de filmes a um contemporâneo e conterrâneo seu ligado à arte moderna a quem muito se inspirava para isso: Joseph Beuys. Não raro, as introduções de seus filmes referenciam o estilo de Beuys, com tipografias monocromáticas dispostas sobre imagens em movimento ou estáticas, criando peças dignas de galerias expositivas. O começo de “A Terceira Geração” é um deles, com os créditos pulsando no ritmo de uma batida cardíaca enquanto vão sendo apresentados sobre um zoom out que vai descortinando um apartamento com telas, móveis e pessoas.


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“Assassinos por Natureza, Oliver Stone (1994)

Cineasta pautado pelo experimentalismo, Oliver Stone desde seu primeiro longa, “Platoon”, de 1986, sempre soube começar bem um filme. Porém, 8 anos depois, ao invés de tornar-se mais conservador, Stone mostra-se saudável e surpreendentemente ainda mais ousado com o altamente pop e sarcástico “Assassinos por Natureza”. O começo do filme é visivelmente influenciado pela linguagem dos videoclipes da MTV, emissora à época em alta, seja pelos enquadramentos distorcidos, pelo movimento de câmera frenético, pela alteração brusca de ISO ou pela montagem de ritmo musical. Tão musical, que, na cena, o violento casal espanca e mata pessoas em um restaurante com absoluto prazer ao som do punk-rock da L7. 


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“Persona, Ingmar Bergman (1960)

Um dos maiores cineastas de todos os tempos, Bergman tinha total domínio da narrativa. Porém, a introdução de seus filmes invariavelmente traziam a fonte Times sem serifa sobre fundo escuro. Mas Bergman sabia quando contrariar o próprio estilo, e o profundo “Persona” incitou-lhe a isso. Num conceito de vídeoarte – já existente nas galerias contemporâneas mas pouco exploradas no cinema de arte –, o cineasta funde imagens em alta profusão, usa fotos reais e ousa em enquadramentos e fotografia p&b. Tudo de forma a criar uma atmosfera de sonho e fluidez do tempo/espaço o qual Bergman tão bem constrói naquele que é considerado“o filme mais difícil de todos os tempos”.


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“Cidadão Kane, Orson Welles (1940)

Em seu primeiro longa, o então jovem Welles, com apenas 25 anos, inovava consideravelmente o modo de abrir uma história filmada. Aliás, não somente essa parte, mas em diversos aspectos da linguagem cinematográfica daquele que é ainda hoje para muitos o melhor filme de todos os tempos. Quanto à introdução, mesmo com o título revelado imediatamente ao começo (seria muita transgressão não informar pelo menos isso ao público da época), nunca havia se visto um prólogo in média rés (com o qual se começa uma narrativa no auge da ação antes de começar de novo para explicar como se chegou lá), tão comum hoje. Enigmática (o que será aquele "Rosebud" dito antes do cara morrer?!), a primeira imagem que aparece traz uma placa com a mensagem “No Trapessing” (“Não Ultrapasse”). Era Welles, o mesmo que anos antes havia apavorado multidões com a transmissão em rádio d'"A Guerra dos Mundos", manipulando o subconsciente do espectador.


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“Manhattan, Woody Allen (1979)

Assim como Bergman, Allen tem um estilo geralmente muito próprio de iniciar seus filmes, quase que invariavelmente com legendas em fonte tipo Windsor Light Condensed e uma música inteligentemente bem selecionada para sonorizar. Porém, como o mestre sueco em "Persona", Allen também sabe transgredir a si próprio. Em "Manhattan", ao invés do fundo preto com letterings, ele monta uma pequena sinfonia urbana com uma sequência de imagens documentais e poéticas de sua Nova York num cristalino p&b. A sutileza da forma como anuncia o título (e nada mais que isso), num letreiro luminoso de uma rua qualquer do bairro, prevê a abordagem que será dada aos personagens do filme: todos meras continuações do próprio corpo da cidade. Poesia.


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“Laranja Mecânica, Stanley Kubrick (1971)

Com total domínio do fluxo narrativo, Kubrick é um craque das aberturas. "O Grande Golpe", "O Iluminado" e o já citado "2001: Uma Odisseia no Espaço" são exemplos, mas outro diferenciado neste sentido é "Laranja Mecânica". Uma música feita em sintetizador começa sobre uma tela vermelha até quase 30 segundos, quando finalmente surgem os primeiros letterings numa tipografia Arial negritada. Percebe-se, então, que a tal música é uma versão eletrônica da peça “Music for the Funeral of Queen Mary”, de Henry Purcell, do século XVII. O fundo vermelho se transforma em azul e, de novo, em vermelho para anunciar o nome do filme. Até que, num corte brusco, muda para o close da figura andrógena de Alex (Malcom McDowell), personagem principal da história de Anthony Burgess. Dessa imagem, Kubrick não corta novamente e, sim, a faz prosseguir num travelling frontal-out sob o off do brilhante texto que reproduz o fluxo de pensamento de Alex, o qual situa o espectador do universo de distopia que se verá a partir dali.


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“Arizona Nunca Mais”, Joel e Ethan Coen (1987)

A abertura do segundo e cativante filme dos irmãos Coen, quando eles ainda eram uma revelação, no final dos anos 80, é tão criativa, engraçada, pop e publicitária (no bom sentido), que serve como trailer. A história do assaltante pé-rapado H.I. McDonnough (Nicholas Cage) contada em off por ele mesmo enquanto as imagens vão sendo exibidas com a trilha magistral de Carter Burwell – suas idas e vindas pra cadeia, os personagens bizarros que conhece no caminho – denotam, pelo brilhante texto, principalmente, seu coração bom. O mesmo que o faz conhecer o amor de sua vida, a policial Ed (Holly Hunter). Depois, eles resolvem sequestrar um dos sete bebês da ricaça família Arizona, mas aí é que a história mesmo começa...

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“Alien: O 8º Passageiro”, Ridley Scott (1979)

Lembrando a abertura de "2001", filme ao qual Scott bastante homenageia neste revolucionário terror espacial, tem, assim como na obra de Kubrick, um desenho de cena simples mas muito eficiente. Uma câmera se desloca no espaço da esquerda para a direita em uma panorâmica enquanto veem-se manchas brancas surgirem, as quais vão formando numa uniformidade não-sequencial o nome “Alien” em uma fonte pesada e sem serifa. Não há nos créditos, mas diz que também é obra de Saul Bass.


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“Monty Python em Busca do Cálice Sagrado”, Terry Gilliam e Terry Jones (1975)

Como avacalhar os créditos iniciais de um filme? O grupo Monty Python tem a resposta. Em “Monty Python em Busca do Cálice Sagrado”, usando praticamente só tipografia e tela preta, eles conseguem subverter tudo que se imagina de uma opening scene. Sob uma trilha austera, os subtítulos são exibidos, até que, bem abaixo, algumas palavras com caracteres escandinavos começam a aparecer. Frases totalmente desconexas como “Não vai ter feriado na Suécia este ano?” ou uma história esquisita de um alce que mordeu a irmã de alguém. Eis, então, que surge um crédito para explicar o erro nos créditos: “Nos desculpamos pela falta de subtítulos. Os responsáveis foram despedidos”. Muda a música, mas as intromissões continuam, e um novo aviso, agora de que os responsáveis por demitir os demitidos também foram demitidos. Já com uma absurda trilha mexicana, a confusão segue até o fim e, com muito “esforço”, conseguem dar o nome dos diretores: Terry Gilliam e Terry Jones, principais responsáveis por essa bagunça toda.



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“007: O Espião que me Amava”, Lewis Gilbert (1977)

Poderia citar vários tanto anteriores ou posteriores a este filme, mas esta de "O Espião que me Amava" se tornou uma referência dentro da própria franquia. A começar que a abertura com créditos nunca está dissociada do prólogo, que sempre começa com a famosa “gun barrel sequence”, em que um vilão qualquer está olhando por uma mira e vê 007 entrar em cena e atirar contra ele. Depois, os minutos de ação, neste caso, mostrando o agente em duas de suas situações comuns: namorando e se aventurando. Já a abertura em si, assinada pelo mestre Maurice Binder, designer gráfico que estabeleceu o estilo das clássicas aberturas dos filmes de James Bond, consolidaria os elementos que caracterizariam para sempre as chamadas iniciais da série: arte figurativa com efeitos de elementos da história, uso da figura/silhueta de figuras e pessoas - como a do próprio ator que faz JB (Roger Moore à época) -, a fonte Arial fina e branca, o disparo de pistola e, claro, uma trilha especial feita para aquele filme, no caso "Nobody Does it Are Bether", com a Carly Simon – das melhores.


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“Crepúsculo dos Deuses, Billy Wilder (1945)

O sucesso de consagradas comédias como “Se Meu Apartamento Falasse” e “Quanto Mais Quente Melhor” fez com que Wilder ficasse pouco lembrado por outros gêneros como o suspense e o drama aos quais, contudo, ajudou a solidificar um novo padrão de qualidade na Hollywood dos anos 40 e 50. Este clássico do cinema é uma prova de sua versatilidade, o que deve bastante de seu impacto pela forma como inicia. O modo aparentemente fortuito como o título aparece, numa placa indicando o mítico endereço “Sunset Boulevard”, é precedido por uma câmera em travelling filmando o asfalto cinza na direção de algum lugar específico. É onde está o corpo desfalecido do narrador. Sim! Como em "Memórias Póstumas de Brás Cubas", em "Crepúsculo dos Deuses" é o morto, afogado numa piscina, quem está narrando pleno de consciência de seu estado moribundo. Impossível não ter curiosidade de assistir até o fim.



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“Apocalypse Now”, Francis Ford Coppola (1979)

Não há nenhuma palavra escrita dizendo que filme é. Mas nem precisa. O grande plano de uma floresta é aos poucos invadido por helicópteros que cruzam a tela e uma fumaça começa a levantar. Percebe-se, porém, que a fumaça não é de areia, mas, sim, o venenoso napalm. Até que várias bombas caem sobre a mata, provocando gigantescas explosões. A música que toca não podia ser outra: “The End”, da The Doors. É um presságio. É a guerra. É o Vietnã. É “o horror”. Diversas imagens apocalípticas se fundem ao rosto de um homem em close, o personagem principal do filme, o perturbado Capitão Benjamin Willard (Martin Sheen). A sensação de quebra no tempo perfaz todo o longo filme, que perscruta os mais terríveis meandros psicológicos da guerra.


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“Cléo das 5 às 7”, Agnés Varda (1962)

Outra grande esteta do cinema moderno, Varda pautou toda sua filmografia pela inventividade narrativa e estética, a qual passava por um filtro muito pessoal. Em "Cléo das 5 às 7", seu primeiro longa, fica clara esta criatividade seja na forma como no conteúdo. A mesa de uma cartomante é filmada em plongê mostrando somente o baralho e as mãos dela e da cliente. Os subtítulos em branco são gerados conforme a disposição das cartas sob um silêncio que provoca tensão. Que mensagem as cartas vão dizer? E dizem: a jovem Cléo tem apenas 2 horas de vida, o tempo que o filme transcorrerá: das 5 da tarde às 7 da noite. Varda dá um show em montagem e no jogo simbólico entre cor, que aparece somente quando as cartas são lidas (supostamente, enquanto ainda há vida), e p&b, que domina o filme, marcado pela agourenta previsão que atormentará a personagem.



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“A Pantera Cor-de-Rosa”, Blake Edwards (1963)

Um modo interessante de se abrir filmes – e que fecha muito bem para comédias – é a animação. No entanto, como as da série Pink Panther, não tem igual, principalmente a do primeiro da franquia. A atrapalhada mas elegante pantera de cor exótica criada pelo próprio Blake Edwards virou desenho animado para a TV depois do filme tamanho o sucesso que fez exatamente na abertura do filme, assinada pelos designers e animadores David H. DePatie e Fritz Freleng. Aliás, este é o único momento em que ela, fugindo do ainda mais atrapalhado inspetor Jacques Clouseau, aparece, visto que o nome Pantera Cor-de-Rosa é o de uma pedra preciosa na trama. Além da simpatia da Pantera, ainda tem a infalível trilha do genial Henri Mancini, uma música altamente charmosa e de fácil assimilação, tanto que virou o tema de jazz mais conhecido de todos os tempos.




Daniel Rodrigues

domingo, 4 de abril de 2021

Claquete Especial de Páscoa - 7 filmes sobre a Paixão de Cristo (ou quase isso)




Pode parecer piegas, mas gosto de assistir filmes sobre a Paixão de Cristo na época da Páscoa. Confesso que sou daqueles espectadores que as emissoras, sem constrangimento de serem repetitivas e óbvias, conseguem atingir. Em país católico como o Brasil, no que entra a Semana Santa, começam a pipocar produções de diferentes épocas sobre a Via-Crucis. 

Por mais óbvio que seja, contudo, muitos desses filmes são bastante interessantes, visto que motivam os realizadores, essencialmente cristãos em sua maioria, a produzirem algo que lhes faz muito sentido, que lhes é caro em termos de crença e visão de mundo. Por isso, invariavelmente saem realizações caprichadas, maiúsculas, quando não, superproduções que se destacam, inclusive, na filmografia de alguns grandes cineastas. Casos de John Huston, David Lean e Franco Zefirelli, para ficar em três. 

Então, sem medo de soar enfadonho, vão aqui sete títulos sobre a saga bíblica que, mesmo não sendo-se católico, é, sem dúvida, uma grande história. Digna de filme (s). 


“Paixão de Cristo”
, de Mel Gibson (EUA, 2004)

Mesmo com pé atrás com relação a Mel Gibson em produções nas quais atua, tenho que admitir que os filmes dirigidos pelo ator australiano merecem respeito. Este, em especial, além de trazer uma abordagem realística das últimas horas de Cristo, com cenas de alta violência e crueldade – o que deve ter sido bem verdade – tem o rigor de ser inteiramente falado em aramaico e latim, línguas usadas na época de Jesus Cristo. Sem “estrelas”, é uma realização, por mais criticada que tenha sido à época de seu lançamento, bastante sóbria e circunspecta. 

Ultraviolência na Via-Crucis: controverso filme de Gobson


“A Última Tentação de Cristo”
, de Martin Scorsese (EUA/Canadá, 1988)

O filme que provocou o "cancelamento" de Scorsese, por parte do Vaticano, que fez uma séria marcação ao cineasta após realizar esta ousada adaptação da obra de Níkos Kazantzákis. Blasfema, diria a Igreja. Mas o filme é uma preciosidade. Além da história, que traz uma visão alternativa do que poderia ter sido a vida – e a morte – de Cristo, tem no papel do Messias o ótimo Willem Dafoe, mais Harvey Keitel, Harry Dean Stanton e David Bowie. A trilha, vencedora do Grammy de Melhor Álbum New Age e uma das mais emblemáticas do cinema, é de Peter Gabriel. Polêmico, este as TVs não passam muito, não...






cena de Cristo sendo tentado por Satã em “A Última Tentação de Cristo”



“A Idade da Terra”
, de Glauber Rocha (Brasil, 1980)

Outro título não muito lembrado para a Páscoa, até por conta de sua visão extremamente pessoal, alegórica e crítica da vida de Jesus, da Igreja e das estruturas de poder. Aliás, não uma vida, mas quatro! Geraldo Del Rey, Tarcísio Meira, Jece Valadão e Antônio Pitanga vivem, cada um, a personificação de um Cristo em diferentes realidades sociais: um negro, um militar, um índio e um guerrilheiro. No Brasil, Cristo não precisa de Via-Crucís: ele é crucificado simbolicamente um pouco todo dia. Último filme do gênio do Cinema Novo, que, assim como quase ocorreu com Scorsese, foi seu calvário. Desiludido com a péssima recepção da obra, o cineasta morreria meses depois de seu lançamento.

As quatro personificações de Cristo na visão de Glauber



“A Maior História de Todos os Tempos”
, de George Stevens, 
David Lean e Jean Negulesco (EUA, 1965)

O cara jogou xadrez com o Diabo e encarnou Jesus. Só mesmo um grande ator como Max Von Sydow para se prestar a esses dois extremos com tamanha entrega e competência. Traz ainda no elenco o “épico” Charlton Heston, além de Martin Landau e Telly Savalas. Épico com letra maiúscula codirigido por três feras da Hollywood clássica, George Stevens, David Lean e Jean Negulesco. Bem tradicional em abordagem, o que contrabalanceia as nossas sugestões anteriores. 

Von Sydow: haja versatilidade para quem já deu um "plá" com o Tinhoso...



“A Vida de Brian”
, de Terry Jones (Inglaterra, 1979)

Se é pra blasfemar, então vamos com tudo: “A Vida de Brian”, o hilariante longa da turma da Monthy Pyton, que desfaz a sempre penosa e triste história da Via Sacra de Jesus. Aliás, o filme não é exatamente sobre a vida do filho de Deus, e sim de um pobre coitado, sonso e azarado que é confundido com o Messias. O azar é tanto que o cara, mesmo tentando escapar de todas as maneiras, acaba por ser crucificado junto com o Salvador, numa das cenas mais “épicas” do cinema de comédia, quando cantam “Olhe Sempre o Lado Bom da Vida” ao final. Dando aqui uma letra, a cena, com sua ironia, traz uma mensagem positiva que muito falta ao catolicismo quando se refere ao tema.






a hilária cena da crucificação de "A Vida de Brian"



“O Evangelho Segundo São Mateus”
, de Pier Paolo Pasolini (Itália, 1964)

Quando fizemos um adendo na abertura em que dissemos que nem todos os realizadores eram necessariamente católicos, a referência era tanto a Glauber Rocha quanto, especialmente, a Pasolini. Anarquista e gay, o genial diretor italiano realizou por vontade própria a vida do Salvador através do poético texto eclesial. Talvez, o distanciamento crítico de seu posicionamento político e a sua sensibilidade de poeta – e, claro, seu talento único como cineasta – tenham lhe habilitado a realizar aquele que é o mais fiel filme sobre Jesus e seus ensinamentos – indicado, inclusive, pela Biblioteca do Vaticano, que teve que se render à obra de um filho não-abençoado.






filme completo "O Evangelho Segundo São Mateus”



“Rei dos Reis”
, de Nicholas Ray (EUA, 1961)

Quem não se lembra de filmes como este ou “A Bíblia” na Sessão da Tarde da Sexta-Feira Santa? Mais um típico épico bíblico norte-americano dos anos 60, assim como "A Maior História..." a superprodução de Nicholas Ray tem narração de Orson Welles e trilha de Miklós Rózsa e roteiro de Ray Bradbury. Remake do filme mudo de Cecil B. de Mille, de 1927, em suas mais de três horas de duração, traça a vida de Jesus Cristo, do nascimento até a ressurreição, baseando-se nos quatro evangelhos canônicos (Mateus, Marcos, Lucas e João), além dos escritos do historiador romano Tácito.

Sermão da Montanha encenado grandiosamente por Ray



Daniel Rodrigues

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

"Fahrenheit 451", de François Truffaut (1966) vs. "Fahrenheit 451", de Ramin Bahrani (2018)



Gol relâmpago! O jogo mal começou e "Fahrenheit 451", de 1966, de François Truffaut, já mete o primeiro por conta da genial abertura com seus zoom nas antenas e sem créditos escritos na tela, incendiando a torcida. Poucos times resistiriam a um início tão avassalador como esse, uma das melhores aberturas de filme da história do cinema, e não foi diferente com seu adversário que sucumbiu logo no primeiro lance da partida. Daí em diante é o remake do diretor Ramin Bahrani correndo atrás e tentando recuperar o prejuízo. Mas só piora! Com algumas mudanças táticas em relação ao original, algumas ousadias, o time de 2018, se complica e só vai buscar bolas e mais bolas no fundo das redes.
Os dois times entram com a mesma formação, no 4-5-1, mas a refilmagem faz algumas variações no esquema que não lhe trazem benefício algum. Num futuro distópico (e parece que, infelizmente, não muito distante) as autoridades proíbem que os cidadãos possuam livros e os bombeiros, ironicamente, contrariando a função original que conhecemos, são os encarregados, atendendo a chamados, denúncias ou suspeitas, de queimar os objetos proibidos onde os encontrarem. Só que, no novo, a ideia de ampliar a restrição legal, originalmente limitada aos livros, também a computadores e mídias eletrônicas mostra-se uma péssima ideia. Pra quê? Pra atualizar? Para o espectador se sentir identificado com a sua realidade tecnológica? Bobagem! Bo-ba-gem!!! Mesmo hoje num mundo altamente tecnológico, com todas as opções eletrônicas possíveis à disposição, poucas coisas representam algo tão subversivo como ter, ler um livro. Nada, nenhuma ideia, nenhum outro elemento que o diretor quisesse utilizar, seria mais impactante do que o livro. E aí o cara me vem e faz uma cena com bombeiros queimando CPU's, tablets, pen-drives e laptops? Ora, faça-me o favor... Essa escolha, além de ferir o espírito original proposto pela obra de Ray Bradbury, compromete seriamente todo o filme pois mesmo depois, quando a ideia dos livros, efetivamente, é "retomada", o rumo já está irremediavelmente confuso e enfraquecido.
Na intenção de fazer o espectador identificar a censura, um processo de implantação de um modelo fascista e os métodos de fortalecimento desse sistema, o remake não deixa nada para a imaginação ou para conclusões do espectador, excluindo toda a poética reflexiva contida no romance e tão presente no filme de François Truffaut. "Isso é bom", "Isso é mau", "Oh, estão tirando nossa liberdade de pensar", "As autoridades manipulam informação e se aproveitam da ignorância", Ohhh!!! É tudo colocado de maneira tão didática e primária que o filme acaba-se tornando uma obra fria e sem alma.
Do outro lado, no entanto, o que temos é pura poesia. Futebol-arte em sua essência! Um futebol de encher os olhos, literalmente, uma vez que não faltam cenas lindíssimas capazes de emocionar o espectador e levá-lo às lágrimas. A cena do protagonista, o bombeiro Montag lendo um livro pela primeira vez, como se fosse seu segundo nascimento; a cena da idosa se autoimolando, em chamas, entre seus livros; a das pessoas-livro transitando entre si, no refúgio na floresta, como se aquilo fosse uma espécie de biblioteca em movimento; sem falar na trilha sonora de Bernanrd Hermann, o compositor das trilhas clássicas de Alfred Hitchcock.

"Fahrenheit 451" (1966/2018)

E tem a sutileza da representação de futuro de François Truffaut, com muito menos elementos, sem grandes artifícios técnicos, apenas com uma sugestão muito bem pensada para elementos como transportes, mobiliário, design, etc., contra todos os efeitos especiais e as gigantescas projeções de imagem nas fachadas dos prédios, na nova versão; tem a caracterização da rebelde Clarisse no remake, obscura, sombria e atuando como uma informante das autoridades, totalmente oposta à antiga, vivida brilhantemente por Julie Christie, uma jovem contagiante, curiosa cuja última coisa que faria na vida seria caguetar companheiros e revelar esconderijos dos livros; e ainda a atuação inexpressiva de Michael B. Jordan como o novo Montag em contraste com a perfeita de Oskar Werner, autômato e atoleimado num primeiro momento, hesitante e confuso ao descobrir os livros e, por fim fascinado e determinado em defender aqueles objetos mágicos que ele só então descobrira.
Enfim, uma aula de futebol!
"Fahrenheit 451" de 1966 simplesmente incinera "Fahrenheit 451" de 2018!
Não vamos perder as contas:
Um pela abertura; dois pela ideia de incluir eletrônicos aos itens procurados pelos bombeiros; três pela trilha de Bernard Hermann; quatro pelo "futuro" de Truffaut; cinco pelas caracterizações dos personagens Montag e Clarisse; e seis pelas cenas memoráveis de levar lágrimas aos olhos. O original se complica sozinho e faz um golzinho contra na cena em que vigilantes sobrevoam o rio com uma engenhoca futurista para tentar encontrar Montag. Um efeito especial sofrível e desnecessário. Mas não faz a menor diferença, o placar final já está definido e "Fahrenheit 451" original reduz sua refilmagem a cinzas.

Se a cena da idosa queimando com seus livros, no original é um dos momentos mais tocantes,
na refilmagem, nem todo aquele fogo, consegue deixar de ser fria.


O remake de 2018 sentiu a responsabilidade e a bola parecia estar queimando
no pé do inexperiente time de Ramin Bahrani.
Por outro lado, os comandados de François Truffaut entraram quentes no jogo desde o início
 e não deram chances para o adversário.
Uma vitória que vai para os livros de História.


 



Cly Reis

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

"Fahrenheit 451", HQ de Tim Hamilton, baseada na obra de Ray Bradbury - Globo Graphics (2012)



Acabei de ler há pouco a HQ "Fahrenheit 451", baseada no livro homônimo de Ray Bradbury e fiquei bastante bem impressionado. A adaptação do norte-americano Tim Hamilton é sombria, é forte, é inquietante, em grande parte, sim, pelo conteúdo original, de um futuro onde os livros são proibidos e queimados pelas autoridades, mas muito pela maneira como vê, como interpreta cada frase, cada cena descrita pelo escritor original. A obra em graphic novel é muito mais fiel que a adaptação cinematográfica de François Truffaut, muito mais poética e com mais ênfase direta nos livros especificamente, culminando naquele belíssimo final de biblioteca viva. A versão do desenhista, avalizada e prefaciada com láureas pelo próprio Ray Bradbury recém falecido no último mês de junho, centra-se mais no cerceamento da liberdade, nos aspectos sociológicos e no empobrecimento cultural humano, trazendo-nos um Montag perturbado e confuso, e principalmente por conta de seus quadrinhos escuros, indefinidos e diáfanos, compondo um quadro geral final que soa um tanto mais pessimista.
Vale conferir!
Mais uma grande obra da literatura adaptada com brilho e competência para os quadrinhos. Que continue assim!





Cly Reis