Ela está entre nós! Da janela do Copacabana Palace, a Rainha do Pop está superatenta a tudo, inclusive que, antes do show dela, vai rolar MDC. Tão bons quanto Madonna, teremos Television, Chico Buarque, Secos & Molhados, The Cure, Björk e mais. Também, um Cabeção sobre o Dia Internacional do Jazz. Sem medo da concorrência, o programa vai ao ar às 21h nas areias da Rádio Elétrica. Produção, apresentação e celebração: Daniel Rodrigues.
Enquanto o Bozo pede arrego nos States e você tenta descobrir como o ursinho Pooh foi parar em Marte, a gente traz coisa aqui pra terrinha mesmo. Só pra ter ideia, tem Stevie Wonder, Aum, Bob Dylan, Elis Regina e Television. Quer mais? 'Cabeça dos Outros' com a dupla Sinatra e Tom e 'Palavra, Lê' pra Iemanjá. Mantém a atenção no MDC, que começa às 21h, na marciana Rádio Elétrica, que você ganha mais. Produção, apresentação e alto grau de interessância: Daniel Rodrigues.
Filme que inaugura o cinema blaxploitation dos anos 70, "Shaft" foi revolucionário. Ao valorizar como protagonistas atores negros em filmes policiais, o filme inaugurou um filão, revelando atores, símbolos sexuais, músicos e diretores. Lançado em 1971, "Shaft" imediatamente deu origem a duas sequências ("O Grande Golpe de Shaft", de 1972, e "Shaft na África", de 1973) além de uma versão televisiva.
"Shaft", a série, era produzida pela MGM Television e mantinha no elenco o galã Richard Roundtree. Baseando-se na trama original do escritor Ernest Tidyman, os roteiristas passaram a desenvolver episódios com mais de uma hora de duração. Os enredos acompanhavam o cotidiano de John Shaft, um detetive particular insatisfeito com os métodos convencionais da polícia americana e disposto a imprimir uma nova forma no combate ao crime nas ruas de Nova York.
A base de Shaft era o Harlem. Era ali que ele mantinha seu escritório – embora a maior parte da ação se passasse nas ruas, onde Shaft convivia com informantes, mendigos, bêbados. Seus inimigos eram quase sempre traficantes, gangues de adolescentes e exploradores de prostitutas. Seu visual, com jaquetas de couro, colares, roupas escuras e um cabelo black power, ajudavam-no a circular pelo bairro como se estivesse integrado à paisagem. O personagem se completava com um vocabulário repleto de gírias e um charme que parecia irresistível às mulheres da região.
O policial durão que dá nome à franquia, vivido pel galã Richard Roundtree
Por ter sido produzido para a televisão, "Shaft", a série, teve que ser mais contida com relação à violência. Se nos filmes, "Shaft" abusava de métodos pouco convencionais, na TV ele deveria passar a imagem de um justiceiro duro porém equilibrado, sem excessos.
A série incluiu um novo personagem, o sargento Al Rossi (interpretado por Eddie Barth) e que frequentemente trabalhava ao lado de Shaft. Além disso, foi mantida uma das marcas dos filmes: a trilha sonora composta por Isaac Hayes.
O seriado nunca chegou a ser exibido no Brasil. Nos Estados Unidos, apresentado pela CBS, teve apenas sete episódios, sendo apresentado entre outubro de 1973 e fevereiro de 1974.
Os irlandeses da U2, no topo da lista, em foto de Anton Corbjin da época de "Bad"
Sabe aquela música de um artista pop que você escuta e se
assombra? E o assombro ainda só aumenta a cada nova audição? “Caramba, que som
é esse?!”, você se diz. Pois bem: todas as décadas do rock – principalmente a
partir dos anos 60, quando as variações melódico-harmônicas se multiplicaram na
reelaboração do rock seminal de Chuck Berry, Little Richard e contemporâneos – são
repletas de músicas assim: clássicos imediatos. Mas por uma questão de autorreconhecimento, aquelas
produzidas nos anos 80 me chamam bastante a atenção. É desta década que mais
facilmente consigo enumerar obras desta característica, as que deixam o ouvinte
boquiaberto ou, se não tanto, admirado.
Conseguiu entender de que tipo de música estou falando?
Creio que talvez precise de maior elucidação. Bem, vamos pela didática das duas
maiores bandas rock de todos os tempos: sabe “You Can´t Always Get What You
Want”, dos Rolling Stones, ou “A Day in the Life”, dos Beatles? É esta
espécie a que me refiro: podem não ser necessariamente as músicas mais consagradas
de seus artistas, nem grandes hits, mas são, inegavelmente, temas grandiosos, emocionantes,
que elevam. Você pode dizer: “mas têm outras músicas de Stones ou Beatles que
também emocionam, também são grandes, também provocam elevação”. Sim, concordo.
Porém, estas, além de terem essa característica, parecem conter em sua gênese a
ideia de uma “grande obra”. Dá pra imaginar Jagger e Richards ou Lennon e
McCartney – pra ficar no exemplo da tabelinha Beatles/Stones – dizendo-se um
para o outro quando compunham igual Aldo, O Apache em "Bastardos Inglórios": “Olha, acho que fizemos nossa obra-prima!”
Quer mais exemplos? “Lola”, da The Kinks; “Heroin”, da Velvet Underground; “Marquee Moon”, da Television; "We Are Not Helpless", do Stephen Stills; "Kashmir", da Led Zeppelin. Sacou? Todas elas têm uma integridade especial, uma alma mágica, algo de circunspectas, quase que um selo de "clássica".
Pois bem: para ficar claro de vez, selecionamos, mais ou menos em ordem de preferência/relevância, as 30 músicas do pop-rock internacional dos anos 80 as quais reconhecemos esse caráter. Para modo de poder abarcar o maior número de artistas, achamos por bem não os repeti, contemplando uma música de cada - embora alguns, evidentemente, merecessem mais do que apenas uma única indicada, como The Cure, U2 e The Smiths. Haverá as que são mais conhecidas ou mais obscuras; as que, justamente por conterem certo tom épico, se estendem mais que o normal e fogem do padrão de tempo de uma "música de trabalho"; artistas de maior sucesso e outros de menor alcance popular; músicas que inspiraram outros artistas e outras que, simplesmente, são belas.
E desculpe aos fãs, mas, claro, muita gente ficou de fora, inclusive figurões que emplacaram superbem nos anos 80, como Michael Jackson, Elton John, Bruce Springsteen e Queen. Até coisas que adoraria incluir não couberam, como “Hollow Hills”, da Bauhaus, “Hymn (for America)”, da The Mission, "51st State", da New Model Army, "Time Ater Time", da Cyndi Lauper, "Byko", do Peter Gabriel, "Up the Beach", da Jane's Addiction, "Pandora", da Cocteau Twins, "I Wanna Be Adored", da Stone Roses... Mas não se ofendam: tendo em vista a despretensão dessa listagem, a ideia é mais propositiva do que definidora. Mas uma coisa une todos eles: criaram ao menos uma música diferenciada, daquelas que, quando se ouve, são admiradas de pronto. Aquelas músicas que se diz: “cara, que musicão! Respeitei”.
Teve Camões pro Chico, molotov de integralista, HQ com beijo gay, pirralha do ano da Times, óleo no mar, soltura do Lula, fake news, nova barragem rompida, João se foi e muita ignorância do Bozo. Mas também teve Música da Cabeça, que acompanhou todo 2019 e vem com tudo pra esse novo ano! Hoje, no 1° dia da nova década, vai ter Motörhead, Jamiroquai, Fellini, Monty Python, Tom Zé, Television e mais. O ano vai ser assim: de música boa tomando conta. A começar por hoje, às 21h, aqui na Rádio Elétrica. Produção, apresentação e calendário todo pela frente: Daniel Rodrigues.
No embalo do Dia Internacional do Rock, o Claquete do ClyBlog aproveita para relembrar e recomendar um dos filmes mais legais sobre este tal de roquenrou, estilo, gênero, ritmo que transcende as barreiras e limites da música configurando-se para muitos de nós uma parte indispensável de nossas vidas. "CBGB, O berço do punk rock", é um delicioso filme que lança seus holofotes sobre a trajetória de existência do pequeno bar localizado num bairro sujo e barra pesada, administrado pelo fracassado empresário Hilly Kristal, brilhantemente interpretado pelo falecido Alan Rickmann, um sujeito atrapalhado nos negócios, mas de imensa generosidade e coração, grande sensibilidade musical e, de certa forma, alguma visão musical. O lendário bar CBGB & OMFUG (Country, Bluegrass, and Blues and Other Music For Uplifting Gormandizers), localizado no Bowery, no sul de Manhattan, que em princípio havia sido pensado por Hilly para tocar música country e assemelhados, acabou tomando outros rumos e veio abrir as portas para uma série de bandas, na época novas e sem muitas oportunidades, de se apresentarem e mostrarem seus trabalhos propiciando a elas aparecerem para o público, para imprensa e empresários, em meio à efervescência daquele cenário artístico que viria a se tornar o movimento punk.
Passando-se concomitantemente à criação da revista "Punk", um dos marcos do período que inspirou o nome do movimento cultural que se iniciava, o filme do diretor Randall Miller, imitando um formato fanzine, bem HQ, com quadrinhos, balões e onomatopeias, repassa com muita leveza e bom-humor as dificuldades e precariedade do lugar, os problemas familiares e financeiros de Hilly e, é claro, como não poderia deixar de ser, o surgimento de bandas que dali em diante viriam a ser grandes conhecidas nossas.
O pequeno palco iluminado apenas por uma lâmpada incandescente suspensa ali no meio, foi a primeira oportunidade de nomes como Ramones, Blondie, Television, Talking Heads e tantos outros.
Iggy Pop com o Blondie de Debbie Harry, no placo,
um dos momentos mais vibrantes de "CBGB".
Alguns capítulos pinçados pelo diretor para ilustrar apresentações destes artistas são dos mais significativos tanto na esfera musical quanto na percepção do que era, efetivamente, um lugar como aquele e acabam por serem hilários para o espectador. O choque elétrico de Tom Verlaine, do Television, por conta de um vazamento sobre o palco; Hilly dizendo para os Ramones que ninguém nunca iria gostar deles; o palco cedendo e o baterista do Blondie despencando dele; Patti Smith lendo seus poemas, xingando a galera e mandando o público calar a boca e ouvir; uma fã, à beira do palco, fazendo sexo oral com chantilly em Stiv Bators do Dead Boys, todas situações verídicas que só reforçam a aura mítica do CBGB e que foram retratadas de maneira muito bonita e quase reverencial pelo diretor.
Um filme indispensável para quem curte o punk e toda a cena que o moldou, mas acima de tudo para quem curte rock e gosta de música de um modo geral, pois o filme fala, acima de tudo, do poder da música e de como ela tem um poder transformador inigualável. É capaz de transformar um lugar, transformar ideias, conceitos, pessoas, vidas. "CBGB" mais do que um filme sobre um lugar, um empresário, sobre bandas, sobre anarquia, caos, rock, barulheira, é um filme sobre acreditar na música como força renovadora. Faça sua parte, sonhe, lance uma ideia, corra atrás e, como diz o próprio Hilly, no filme, "A música vai fazer todo o resto por nós". Não duvide disso.
O ano de 1977 pode ser considerado o do nascimento oficial do punk-rock. As duas principais bandas da cena, Sex Pistols e The Clash, lançavam seus primeiros discos naquele ano, empestando o ar do Velho Mundo com o mau cheiro de um som cheio de fúria e crítica junto com Buzzcocks, Damned, Wire, The Stranglers e outros. Do outro lado do mundo, “Rocket to Russia”, do Ramones, tornava-se um clássico imediatamente que chegava às lojas; a dupla do Suicide trocava guitarras por teclados, forjando um som tão sujo quanto o de qualquer grupo de formação tradicional; “Marquee Moon”, do Television, espantava público e crítica pela inventividade de Paul Verlaine e Cia.; e Richard Hell, com “Blank Generation”, carimbava seu documento definitivo na história do rock. Decididamente, o espírito do “faça você mesmo”, surgido no underground norte-americano desde a segunda metade dos anos 60 – através da música, da moda, da arte gráfica, entre outros –, chegava, enfim, ao grande público. Sem mais Baetles, Rolling Stones ou Elvis Presley: a vez era do punk.
Porém, a contestação ao establishment, elemento chave da cultura punk, era nutrido de múltiplas interferências. Tanto que não era preciso necessariamente andar esfarrapado como Joey Ramone, arranjar confusão como os arruaceiros dos Dead Boys ou ser um junkie declarado como Syd Vicious. Havia aqueles que comungavam das mesmas ideias transgressivas, mas à sua maneira: sem briga, sem drogas e, universitários que eram, vestindo a roupa que seus pais lhe enviavam de presente no Natal. Com cara de bons moços, os Talking Headscontribuíam sobremaneira para a cena mandando ver, isso sim, no som.
Foi no hoje mítico bar CBGB, em Nova York, que David Byrne (voz, guitarra), Chris Frantz (bateria), Tina Weymouth (baixo) e Jerry Harrison (guitarra e teclado) trouxeram a gênese do som que conquistaria o mundo pop por mais de uma década. Este rico embrião está num dos discos mais marcantes do ano de 1977, cuja história, hoje, transcorridos 40 anos, mostra não ser coincidência chamar-se justamente “77”. O debut da banda une a crueza da sonoridade punk a um estilo muito peculiar das composições, cujos elementos melódicos e harmônicos já apontavam claramente para referências além da combinação de três acordes do punk. Byrne, líder e principal compositor, já denotava preferências por harmonias fora do tempo, variações bruscas no compasso, a incursão de ritmos latinos e exóticos, a desaceleração em comparação ao ritmo frenético do tipo “hey, ho, let’s go!” e, claro, seu inigualável vocal, de timbre bonito e considerável alcance mas não raro propositalmente rasgado ou picotado. Resultado dessa química esquisita é um disco que abre portas para aquilo que viria na esteira do punk, a new wave.
Produzido por Lance Quinn e Tony Bongiovi – este último, responsável por dar corpo a outro marco do punk naquele mesmo ano, o já mencionado “Rocket to Russia” –, “77” traz uma sonoridade potente e muito bem equalizada, dando destaque a todos os instrumentos, que soam com vivacidade. "Uh-Oh, Love Comes to Town" abre mostrando que, além disso, eles não eram convencionais de fato na composição. Nada de batida acelerada e guitarras arrotando distorção. Os Heads dão seus primeiros acordes num funk estilo “I Want You Back“, dos Jackson Five, porém com as guitarras sujando o espaço sonoro e a voz de Byrne funcionando quase como um arremedo yuppie à do pequeno Michael Jackson.
Uma das joias do disco, “New Feeling”, por sua vez, já começa a apresentar a faceta atonal de Byrne e sua turma. As duas guitarras cumprem, cada uma num tempo, duas linhas melódicas diferentes. Isso fora o ritmo quebrado, que dá a sensação de desequilíbrio e descompasso que tanto explorariam em discos como “Fear of Music” (“Paper”, “Mind”), de 1979, ou “Speaking in Tongues” (“Swamp”), de 1983. A paródia militar "Tentative Decisions" – cuja ideia se verá noutras canções do grupo mais adiante, como “Thank You for Sending Me an Angel” e “Road to Nowhere” – abre caminho para uma canção mais linear, “Happy Day”, balada quase pueril que traz outras peculiaridades da banda, que são o refrão criativo – um dos motivos dos Heads se tornarem empilhadores de hits – e a guitarra “percutida”, em que as cordas são raspadas, friccionadas, extraindo do instrumento um som exótico, africanizado, diferente do tradicional.
“Who Is It?” retraz o funk, agora mais desengonçado (ou seria “com atitude punk”?) do que nunca. É muito interessante ver como Byrne desmembra os ritmos da raiz da música pop para, logo em seguida, reescrevê-lo à sua maneira. A faixa antecede uma das melhores do álbum e das principais sementes plantadas pelos Heads em termos de musicalidade: “No Compassion”. A exemplo de outros temas que a banda viria a escrever, como “Warning Sing” (1978) e “Give Me Back My Name" (1985), esta carrega uma atmosfera densa e que a faz naturalmente soar como um clássico desde que se ouvem os primeiros acordes. A batida forte e cadenciada de Frantz; o baixo de Tina impondo-se; a primeira guitarra de Harrison executando uma base dividida em dois tempos; a guitarra solo desenhando um riff sinuoso. A sonoridade é tão bem produzida que servirá de matriz para o que desenvolveriam junto a Brian Eno em “More Songs About Buildings and Food”, no ano seguinte. Além disso, é das poucas que tem momentos de punk-rock pogueado, mostrando que o Talking Heads estava, sim, muito próximo de seus companheiros de CBGB.
O segundo lado do formato vinil começa ainda melhor que o primeiro com "The Book I Read". A guitarra “percutida”, como um cavaquinho ou algo parecido, anuncia um riff um tanto dissonante. Mas o que se apresenta quando a banda e o vocal entram juntos é um belíssimo pop-rock em que Byrne dá um show de vocal – ao menos, a seu estilo, que vai do melódico ao rascante. Destaque especial para o baixo da competente Tina, que além da base muito bem executada é quem faz o “solo” num acorde de quadro notas junto com o cantarolar (“Na na na na”) de Byrne. Diz-se “solo” entre aspas pois, afinal, eles são uma banda punk, sem a habilidade dos dinossauros do rock de então, mas que sabiam resolver ideias com muita criatividade – o que, convenhamos, é até melhor em muitos casos.
Mais um exemplo típico da musicalidade diferenciada de Byrne é “Don't Worry About the Government”, canção cheia de sinuosidades, mas bastante melodiosa, visto que sua base é um toque semelhante ao de uma delicada caixa de música. Outra das brilhantes é "First Week/Last Week... Carefree", um rock com toques latinos e a cara do que os Heads formaram enquanto estilo ao longo dos anos haja vista várias outras músicas de semelhante ideia como: “Crosseyed and Painless” (1980), “Slippery People” (1983), "The Lady Don't Mind" (1985) e “Blind” (1988). Estão em “First Week...” elementos como os instrumentos afro-latinos (reco-reco, marimba), o canto gaguejado de Byrne, seus vocalizes malucos e o uso de metais, que lançam frases sonoras típicas de um “Ula Ula” havaiano.
Como todo grande disco, “77” tem seu hit. E neste caso é a imortal (com o perdão da expressão) "Psycho Killer". Engenharia de som perfeita: o baixo inicial e todos os outros instrumentos que entram são claramente notados, conjugando-se com a voz mais uma vez liberta de Byrne para um riff matador (sic) e uma melodia de voz daquelas que não desgrudam da mente – ou da psique. Tanto que é quase impossível os acordes tocaram e alguém não saber cantarolar o refrão: “Psycho killer/ Qu'est-ce que c'est/ Fa, fa, fa, fa, fa, fa, fa, fa, fa, far better/ Run, run, run, run, run, run, run, away”. Ouvem-se sem erro em “Psycho...” Gang of Four, P.I.L., Polyrock, Replacement e outras bandas advindas com o post-punk anos mais tarde. Além de um clássico, revela o estilo próprio da banda e porque ela foi/é tão influente a toda uma geração do rock.
A talvez mais punk-rock, a agitada “Pulled Up", encerra o disco, um dos grandes de estreia da história do rock – figura em 68º da lista dos 100 melhores primeiros álbuns pela Rolling Stone, entre os 300 dos 500 maiores da história da música pop, pela mesma revista, e entre os 1001 essenciais de se ouvir antes de morrer, conforme livro de Robert Dimery. “77” aponta a rota que a banda e, mais amplamente, a própria cena punk iriam tomar. Fora os já mencionados grupos post-punk, dá para dizer com segurança que um ano depois o álbum já se fazia essencial: a Devo, produzida por Eno, não existiria sem o exemplo dos Heads e nem o Blondie rumaria com tamanha assertividade a uma “popficação” de seu som sujo original. Junto ao que os também estreantes Sex Pistols, The Clash, Television, Richard Hell e outros, o Talking Heads assinalava aquele ano como um dos mais estelares da história do rock, um ano capitulado como “77”.
*******************
Talking Heads -“Psycho Killer”
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FAIXAS:
1. "Uh-Oh, Love
Comes to Town" – 2:48
2. "New
Feeling" – 3:09
3. "Tentative
Decisions" – 3:04
4. "Happy
Day" – 3:55
5. "Who Is
It?" – 1:41
6. "No
Compassion" – 4:47
7. "The Book I
Read" – 4:06
8. "Don't Worry
About the Government" – 3:00
9. "First
Week/Last Week ... Carefree" – 3:19
10. "Psycho
Killer" (Byrne, Chris Frantz, Tina Weymouth) – 4:19
11. "Pulled Up" – 4:29
Todas as faixas compostas por David Byrne, com exceção da indicada.
ele entrou no CBGB's usando uma camiseta com um alvo
e as palavras "Mate-me Por Favor".
Aquilo era uma das coisas mais chocantes que eu já tinha visto."
Bob Gruen,
fotógrafo e cineasta
"Lendo 'Mate-me Por Favor' me senti como se estivesse lá...
Espere um pouco, eu estava lá.
Este livro conta como foi.
É o primeiro livro a fazê-lo."
William Burroughs,
escritor
Um dos meus livros preferidos mas que curiosamente nunca falei aqui no blog e que sempre achei que merecia deferência por ser um dos meus livros de cabeceira, é o excelente "Mate-me por favor - Uma História Sem Censura do Punk", de Legs McNeil e Gillian McCain, um retrato do punk desde seus primórdios até seus últimos suspiros contado de forma magnífica pelos personagens que fizeram essa história. Montado a partir de inúmeras entrevistas com músicos, produtores, jornalistas, empresários, fãs, groupies, roadies ou seja lá quem tivesse participado ou presenciado todo aquele alvoroço, "Mate-me por favor" consegue graças a uma organização impecável, que deve ter dado um trabalho enorme, conferir um ritmo quase de romance à série de relatos, resultando num livro empolgante de tirar o fôlego.
O livro "narra" o processo de formação do punk rock partindo ainda lá do final dos anos 60 com o The Doors e seu comportamento transgressor, Velvet Underground e sua música revolucionária; passando pela sujeira dos Stooges, a crueza do MC5, a provocação dos New York Dolls e pela sofisticação do Television; encontrando a cena norte-americana do CBGB's da qual os Ramones podem ser possivelmente considerados os principais representantes; chegando à cena londrina com Sex Pistols, Clash; e ainda dando uma passada pelo que resultou dessa trajetória toda.
A frase inconsequente e niilista que deu título ao livro escrita na camiseta Richard Hell, como tantas outras naquele momento, é apenas um exemplo da inconformidade dos jovens naquele final de anos 70, muitas vezes não compreendida com exatidão nem por eles mesmos, mas que acabaria resultando numa identidade visual e comportamental até hoje inevitavelmente associada ao punk e que curiosamente hoje vemos com frequência em todo lugar na forma de calças rasgadas, acessórios de couro, cabelos moicanos, etc. Malcolm McLaren que o diga! Um dos que tiveram visão e deram um jeito de faturar o seu com aquela rebeldia toda. E isso também é contado lá.
As páginas de "Mate-me Por Favor" trazem e alternam momentos emocionantes, empolgantes, tensos e hilários. Gravações, shows, brigas, noitadas, excessos, putarias estão presentes na brilhante compilação de entrevistas que compõe o livro. O episódio da briga dos Dead Boys em que o baterista Johnny Blitz fora esfaqueado é tenso e dramático. "...Então vejo a camiseta e percebo que é Johnny quem está n chão (...) Estava cortado desde a porra da virilha té o pescoço e com o peito aberto de um lado a outro. Estava aberto. Ele estava... aberto", conta Michael Sticca, ex-roadie da banda. O que Iggy Pop é solto da cadeia vestido de mulher é hilário. Ray Manzareck, dos Doors, foi lá pagar a fiança: "Jim, isto é um vestido de mulher!", "Não, Ray. Devo tomar a liberdade de discosrdar. Isto é um vestido de homem.". Bem como é hilário o episódio do show em que o vocalista dos Dead Boys ganha um boquete no palco, contado por Babe Buell, a mãe da atriz Liv Tyler: "Alguém me disse para ir no CBGB's ver a melhor banda do mundo, os Dead Boys. Então fui lá uma noite quando eles estavam tocando, entro e a primeira coisa que vejo é Stiv sendo chupado no palco.". Um dos mais emocionantes, no entanto, é o que Jerry Nolan, ex-baterista dos Dolls, nos últimos dias de vida relata o show em que viu a sola furada do sapato de Elvis Presley. "Este show, embora aos 10 anos de idade, realmente mudou minha vida. Fui dominado por Elvis. Pude sentir o que é tocar música. Mas acima de tudo lembro de duas coisas daquele show: minha irmã perdendo completamente o controle e o buraco no sapato de Elvis.". Uma espécie de síntese poética do que é ser rock'n roll.
Livro que é obrigatório para amantes de música e sobretudo para os que tem especial admiração, respeito, curiosidade por aquele período, por aquele "movimento" que com toda suas limitações, sua anarquia, suas loucuras foi definidor de atitudes, comportamento e tendências, deixando um inegável e valioso legado para as gerações posteriores. Foi relançado posteriormente em versão pocket em dois volumes, sendo ainda hoje facilmente encontrado até em bancas de jornal por conta do formato prático. Ou seja, não tem desculpa pra não ter e não ler.
Um dos meus livros preferidos e frequente fonte de pesquisa, "Mate-me Por Favor" é a história do punk contada por quem esteve lá, por quem quem a viveu, inclusive os próprios autores, o que confere autenticidade e credibilidade ainda maior ao livro. Ali estão os fatos apresentados sem frescura, sem panos quentes ou papas na língua. A verdade nua, crua, suja, chapada, barulhenta e furiosa.
e a direção do programa ficou a cargo do
Adriano Goldman.
Na véspera sentamos como João Bosco no hotel
para decidir o
repertório.
Ele pegou o violão e disse ‘vai ser assim’.
E nós ‘então tá bom’.”
Marcelo Machado,
cineasta e um dos responsáveis
por lançar a MTV Brasil em
1990.
Quem assiste hoje a MTV Brasil talvez não acredite que aquele canal
acéfalo foi um dia a coisa mais interessante da época da televisão brasileira
pré-canais por assinatura. No início dos anos 90, aquela nova e arejada
emissora de sinal UHF, mesmo que a precária aparelhagem dos televisores de
então gerasse uma sintonia com imagem chuviscada para desafortunados como eu,
trazia um sopro de modernidade e até de vanguarda diante das poucas
alternativas de TV aberta que se tinha, fosse pela estética dos videoclipes, pelas
novidades musicais e plásticas, pela concepção descomplicada de apresentação e
do Jornalismo ou mesmo pela programação.
Uma das atrações advindas foi o Acústico MTV, reprodução do projeto
também recente na MTV norte-americana, o MTV Unplugged, cuja ideia era trazer releituras
do repertório de artistas que rodavam na emissora através de clipes em
especiais de meia hora. Isso tinha tudo para dar certo também no Brasil, país
em que o canal vivia uma fase de crescimento de audiência e cujo estilo musical
tradicionalmente valoriza a composição sem eletrificação. Depois de estrear com
dois nomes do rock brazuca, Barão Vermelho e, em seguida, Legião Urbana, o terceiro
escolhido foi um verdadeiro representante da MPB: João Bosco. O que naquela época podia soar estranho a um canal
jovem, visto que música popular era ainda muito vista como “música para velhos”,
se justificou plenamente, o que se confere no excelente álbum “Acústico”. Virtuose do violão e dono de estilos de tocar
e cantar muito próprios e apurados, João Bosco presenteou o público com um
apanhado cirurgicamente bem pinçado de seu extenso cancioneiro, criando aquele
que é talvez o melhor unplugged
realizado nesses pagos tropicais.
O êxito começa na concepção: ao contrário de todos os outros acústicos,
por mais incrível isso pareça em se tratando de um formato de apresentação no
qual se propõe justamente uma sonoridade intimista, João Bosco o fez sozinho no
palco, apenas voz e violão. Como seus mestres Baden Powell e João Gilberto. É que com um violão em punho, João Bosco faz chover! Se para outros fariam falta
percussão e acompanhamentos, ao autor de “O Bêbado e a Equilibrista” não há
nenhuma necessidade. Recuperando canções de várias fases, desde os clássicos
dos anos 70 imortalizados por Elis Regina até sucessos recentes à época do
lançamento, o cantor e compositor, repetindo o conceito de arranjo que já
acertara em “100ª Apresentação”, de 1983, juntou isso a temas escritos com
parceiros de peso. Um destes é “Odilê Odilá”, feita com Martinho da Vila. Após
uma introdução solo ao violão impressionante em que já diz a que veio – onde
dobra o som do instrumento, dando a nítida impressão de terem dois violonistas
tocando –, Bosco abre o show com este samba no qual recupera, bem a seu estilo
e ao de Martinho, referências da africanidade e dos ritmos brasileiros de raiz,
engendrando um maxixe de cores modernas. Esta se emenda com “Zona de
Fronteira”, parceria com os poetas Antônio Cícero e Waly Salomão do então recém-lançado
álbum homônimo que, por outra via, também toca na temática africana: ”Rei/ Eu sei que sou/ Sempre fui/ Sempre
serei/ Obá/ De um continente por se descobrir/ Já alguns sinais/ Estão aí/
Sempre a brotar/ Do ar/ De um território que está por explodir”.
Outra da parceria com Cícero e Waly, a intensa “Holofotes” dá no
formato voz-violão a liberdade ideal para Bosco mostrar toda sua técnica e
sensibilidade, numa interpretação que supera a versão original. Sob uma base
sincopada, a letra junta versos de dois dos maiores poetas brasileiros: “Desde o fim da nossa história/ Eu já segui
navios/ Aviões e holofotes/ Pela noite afora/ Me fissurarm tantos signos/ E
selvas, portos, places/ Línguas,
sexos, olhos/ De amazonas que inventei...”. Hit nacional alguns anos antes, a bela “Papel Machê” se encaixa bem
no repertório por ser conhecida da plateia, contrastando com outros números
bastante ligados ao contexto dos anos 70 e talvez distantes da realidade
daquele público então presente.
Este papel de resgate cabe ao medley
com “Quilombo” (1973), “Tiro de misericórdia” (1977) e “Escadas da Penha”
(1975), composições dos primeiros discos do artista e nas quais a parceria dele
com Aldir é determinante. Nas três, a forte temática do candomblé e da herança
da África negra. A mais impressionante e provavelmente melhor do espetáculo – muito
por causa do violão de Bosco, que mantém uma batida de samba intensa,
repetitiva e rápida, forjando um clima espiral hipnótico – é “Tiro...”, a qual
conta a história de um menino do morro aparentemente comum, mas que, por conta
da proteção dos orixás, era invejado e malquisto pelos inimigos. A letra de
Aldir é de uma riqueza literária espantosa, aproximando-se da prosa de Jorge Amado uma vez que engendra um espaço narrativo em que coabitam real e
imaginário, concreto e transcendência, ou seja, o mundo dos homens (“Aiyê”) e o universo das forças
não-terrenas (“Òrun”). Os versos
dizem: “Exus na capa da noite soltara a
gargalhada/ e avisaram a cilada pros Orixás/ Exus, Orixás, menino, lutaram como
puderam/ mas era muita matraca e pouco berro”. Para arrematar, Bosco engata
no mesmo ritmo “Escadas...”, que versa sobre a mesma potência das entidades místicas
sobre a realidade ao colocar várias situações em que, ao serem influenciadas
pelo poder das preces feitas na igreja da Penha (“A doideira da chama/ Chamou [...] O remorso num canto/ Cantou...”, por
exemplo), alteram seu estado (“A doideira
da chama/ Velou [...] O remorso num canto/ Guardou...”). Nada menos que
admirável.
Outro medley traz as “líticas”
“Granito” e “Jade”. A primeira, parceria com Cícero, questiona as semelhanças
essenciais entre homem e pedra, numa abordagem em certo aspecto parecida com a
do candomblé. Já “Jade”, do próprio Bosco, trata-se de uma balada de romantismo
tocante, tanto por melodia quanto por letra (“Pedra que lasca seu brilho/ E queima no lábio/ Um quilate de mel/ E
que deixa na boca melante/ Um gosto de língua no céu...”). “Romantismo” e “essência”
são as palavras-chave de “Memória da Pele”, outra dele com Waly. Que versos
lindos e profundos esses: “Eu já esqueci
você, tento crer/ nesses lábios que meus lábios sugam de prazer/ sugo sempre,
busco sempre a sonhar em vão/ cor vermelha/ carne da sua boca/ coração”.
“Corsário” é mais um momento especial. De relativo sucesso no final dos
anos 80, essa canção traz um dos melhores poemas/letras de Aldir (e olha que
são várias a disputar!). “Meu coração
tropical/ está coberto de neve, mas/ ferve em seu cofre gelado/ e a voz vibra e
a mão escreve: mar”. O lirismo é tal que Bosco, com assertividade, abre o
tema com o poema “E então, que quereis...?”, do poeta russo Maiakowsky (“Fiz ranger as folhas de jornal abrindo-lhes
as pálpebras piscantes. E logo de cada fronteira distante subiu um cheiro de
pólvora perseguindo-me até em casa...”), o qual casa temática e
estilisticamente com a música. Novamente, o dedilhado ágil do violão sobre
acordes difíceis de executar dá à interpretação uma consistência
melódico-harmônica sui generis, algo que
somente um instrumentista de alto nível consegue extrair.
Para terminar, Bosco surpreende com uma fusão temporal em que aproxima
rock britânico e samba de batuque ao inserir Beatles (“Eleanor Rigby”, anos 60)
em Noel Rosa (“Fita Amarela”, anos 30). E como funciona! Completando este pot-pourri, “Trem Bala”, dele, Waly e
Cícero, que traz uma mensagem de consciência e esperança às novas gerações,
representadas ali pela jovem plateia: “A
blitz ali na frente diz que aqui a onda/ tá mais pro Haiti do que pro Havaí/ Se
as coisas nos reduzem simplesmente a nada/ de nada simplesmente temos que
partir”. A base é de um toque ligeiro, que exige muita destreza, ao mesmo
tempo em que intercala cantos com partes quase faladas, além das brincadeiras
com a voz a la Clementina de Jesus
típicos dele. Bosco, com sua característica simpatia, técnica e prazer pelo o
que faz, cativa o público e consegue dar, com a maior naturalidade, um ar jovial
ao especial mesmo sendo um artista “das antigas”, provando o quanto MPB, rock,
pop e qualquer outra classificação são pura definição de gênero. Tudo é
simplesmente música: atemporal e rica a qualquer um que se interesse.
O projeto Acústico da Music Television nacional foi ganhando cada vez
mais visibilidade, e não demorou muito para que se tornasse um produto de pura
venda para as grandes gravadoras e para a própria MTV. Ironicamente, foi o ótimo
acústico de Gilberto Gil, de 1994, o começo do fim, uma vez que o mesmo estourara
na mídia, vendendo milhões de discos e alertando de vez as gravadoras para
(mais) uma fonte de renda ao sanguessuga e pouco criativo mercado fonográfico. Começaram
a vir então shows chatos, incoerentes, duvidosos e megalomaníacos, contrariando
totalmente a proposta intimista inicial, e a série, desvirtuada, nunca mais foi
a mesma. Se hoje virou moda fazer shows desplugados, às vezes até pautando toda
uma turnê em torno disso, o sempre corajoso e arrojado João Bosco é um dos
principais responsáveis pela formação do mesmo no Brasil. Mas para o cara que
enfrentou a censura do Governo Militar com hinos de resistência e denúncia uma
contribuição como esta é apenas mais uma entre as tantas que deu à música
brasileira.
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FAIXAS:
1. Odilê Odilá (Martinho da Vila, João Bosco)/ Zona de fronteira (João Bosco, Antônio Cícero, Waly Salomão)
A capa original de 1976,
só com o logo da banda e a da
reedição em CD, de 1989.
“The Modern Lovers
é a minha
banda de rock favorita
de todos os tempos”.
David Berson,
executivo da Warner
“Bem, algumas pessoas
tentam
pegar as meninas/
E são chamados de cuzões/
Isso nunca aconteceria
com Pablo
Picasso”
Jonathan Richman,
da letra de “Pablo Picasso”
Muito tem se falado sobre disco de estreia dos Ramones, o grande marco
inicial daquilo que o mundo pop passou a conhecer como punk-rock e que está
completando dignos 40 anos. Mas quem se embrenha um pouco mais na cena underground norte-americana sabe que
este movimento e sua sonoridade rebelde e anti-establishment – que remetia à simplicidade do rock ‘n’ roll básico
dos anos 50 e a culturas pop apreciadas por uma rapaziada contrária ao modo de
vida padrão da sociedade – vinha sendo alimentado desde meados dos anos 60.
Detroit, Boston, San Francisco e principalmente Nova York concentravam essa
galera criativa e crítica que não admitia que o planeta Terra se configurasse
daquele jeito que se anunciava: Guerra do Vietnã matando inocentes por nada,
crises econômicas mundo afora, ascensão de ditaduras, repressão militar e os
ecos de um inacabado 1968.
Uma das bandas fruto dessa efervescência é a The Modern Lovers. Liderados pelo inventivo Jonathan Richman, o
grupo de Boston estava, assim como o Ramones, tão de saco cheio com o sistema
político e social que seu discurso era, por pura ironia, totalmente apolítico. Nada
de afrontamentos políticos ou denúncia das mazelas sociais. A maneira de
protestarem era falar sobre aquilo que a sociedade não falava ou considerava coisa
de moleque de classe baixa: comer as menininhas do bairro, a falta de grana, se
chapar com a droga mais fuleira que tiver, andar de carro em alta velocidade
(sem ter carro para isso) e paixões raramente retribuídas. Temas que não eram
novidade no mundo jovem mas estavam esquecidos pelos grandes astros que a mídia
havia criado. Com o espírito punk do “faça você mesmo”, o Modern Lovers e os
tresloucados da cena punk revitalizaram tais questões com muita ironia, deboche
e realismo. Nada de carrões, de levar lindas modelos para a cama e
superequipamentos para superespetáculos em superestádios. O negócio era curtir
um pouco daquela merda de vida que tinham, sonhar em comer a garota gostosa do
bairro num motel barato e tocar em garajões fétidos de Nova York – como um em
plena East Village, chamado CBGB. Eram aquilo que viviam e pensavam, e tudo
isso está encapsulado no essencial “The
Modern Lovers”, o qual, assim como o primeiro dos Ramones, também faz
quatro décadas de seu lançamento.
A Modern Lovers mandava ver um som curto e grosso, mas com
inventividade. Sem grandes habilidades técnicas, compunham um rock básico,
vigoroso e pautado na realidade que vivenciavam nas ruas. Riffs magníficos saíam da cabeça do guitarrista e vocalista Richman
e seus parceiros de ensaio e de punheta: Ernie Brooks (baixo), Jerry Harrison
(teclados) e David Robinson (bateria). A produção do mestre undergroundJohn Cale avalizava aquele
primeiro trabalho de estúdio da Modern Lovers, cujo título é tão irônico quanto
autocrítico, haja vista que boa parte dos temas que abordavam era, justamente,
a fragilidade e inadequação sexual e afetiva daqueles jovens dentro da
sociedade moderna. Sem grana no bolso e longe de aparentarem os abastados
roqueiros do rock progressivo, astros da época, era difícil ser mais do que um
arremedo de “amante moderno”.
A nasalada e tristonha voz de Richman anuncia o que vem numa contagem
até 6. É “Roadrunner" abrindo o disco, clássico do rock alternativo que a
grande banda do punk britânico, o Sex Pistols, gravaria dois anos depois. Riff marcante e de acorde simples,
apenas três notas. “Roadrunner, roadrunner/ Going faster miles an
hour/ Gonna drive past the Stop 'n' Shop/ With the radio on”, canta Richaman com seu timbre
bonito, algo entre o vocal de Joey Ramone e o de outro contemporâneo deles,
Richard Hell. Bateria suja, guitarra e baixo e bem audíveis. A
sonoridade proposta por Cale junta a secura das garage bands dos anos 60, a irreverência do New York Dolls e a
atmosfera proto-punk do Velvet Underground com uma pitada daquilo que se chamaria anos depois de new wave. Isso muito ajudado pelos
teclados moog de Harrison, numa influência
direta do glam rock, mistura de punk
e pop que este ajudaria a levar para outra banda referencial da cena de Nova
York a qual formaria um ano depois: o Talking Heads.
Como Joey e Hell, Richman, guitarrista e líder da banda, era mais que
um vocalista: era um dos porta-vozes daquela turma. Seus versos muitas vezes
reproduziam as angústias e vontades daqueles jovens deslocados que não queriam
ser certinhos nem hippies: queriam
ser apenas eles mesmos. Com este substrato, Richman é capaz de criar versos
verdadeiramente geniais, formando rimas cantaroláveis e cheias de
expressividade. “Astral Plane” é um exemplo. Rockzão embalado, fala de um rapaz
sozinho em seu quarto, prestes a enlouquecer, pois sente que nunca mais terá a
garota que gosta. Seu desespero é tanto que já está aceitando até encontrá-la
num outro plano imaterial e, digamos, “não-carnal” (“O plano astral para o escuro da noite/ O plano astral ou eu vou
enlouquecer”).
Outro caso é o da clássica “Pablo Picasso”, em que, com criatividade e
atrevimento, engendra uma rima de “asshole”
(“cuzão”, em inglês) com "Picasso". Dentro
da sua classificação estilística, este tipo de rima pode ser considerado como
“rima rica”, quando a combinação é formada por vocábulos de classes gramaticais
distintas entre si. Além desta, a rima de Richman também se enquadra no que se
pode chamar de “rima preciosa”, ou seja, quando se combina em versos palavras de
dois idiomas diferentes. Ele altera a pronúncia da palavra estrangeira para
rimar com outra na língua vernácula da obra (inglês). Nos versos em questão, o
sobrenome do artista plástico espanhol, o substantivo próprio de origem
malaguenha "Picasso", é dito com uma leve distorção no seu último fonema, o que
faz com que se equipare fonética e sintaticamente a “asshole”, um adjetivo originário da linguagem chula. Além disso, a
letra em si é superespirituosa, pois endeusa a figura do autor da Guernica pelo
simples fato de ser um nome público, como se por causa disso jamais ele
passasse pelo vexame de não conseguir pegar as meninas como eles. Pura
inventividade.
Fora a letra, “Pablo Picasso” é um blues ruidoso no melhor estilo
Velvet, roupagem que Cale fez questão de dar ao intensificar a distorção das
guitarras sobre uma base quase de improviso, a exemplo de "The Gift" e
“European Son”. O produtor, inclusive, foi, um ano antes, o primeiro a gravá-la
no clássico álbum “Helen of Troy”, apresentando ao mundo do rock aquele jovem
criativo chamado Jonathan Richman. Com menos distorção mas de levada empolgante,
“Old World”, “Dignified And Old” e “She Cracked” são daquelas gostosas até de
poguear. Todas com um cuidado na linha dos teclados, inteligentemente utilizado
com diferentes texturas por Cale, o que cria atmosferas próprias para as
canções. “She Cracked”, em especial, que fala sobre o ciúme sentido por um
rapaz em relação a uma mulher madura e independente, é outra de refrão
pegajoso, das de cantar em coro com uma galera: “She cracked, I'm sad, but I won't/ She cracked, I'm hurt, you're
right”. O riff é de um
minimalismo quase burro: como uma “Waiting for the Man”, apenas uma nota
sustenta toda a base.
Já na meio-balada “Hospital”, de Harrison, a figura feminina
inatingível a um adolescente pobre do subúrbio está presente de novo: “Às vezes eu não suporto você/ E isso me faz
pensar em mim/ Que eu estou envolvido com você/ Mas eu estou apaixonado por
este poder que você mostra através de seus olhos”. Novo petardo: “Someone I
Care About”, com sua combinação de 4 notas, lembra direto Ramones, mas com um
toque mais apurado por conta da produção de estúdio. Reduzindo o ritmo
novamente, a balada ”Girl Friend” volta a falar sobre as meninas desejadas mas…
sem sucesso. A letra brinca com a sintaxe da palavra em inglês (olha aí Richman
mais uma vez se esmerando na poesia) juntando os dois vocábulos (“girlfriend”, namorada) ou separando-os (“girl friend”, garota amiga, justamente
com o que ele não se contenta, mas não tem coragem de confessar). Nesta, o
teclado soa como piano, dando-lhe um ar ainda mais melancólico.
Mais uma acelerada, “Modern World”, mesmo não sendo das conhecidas, é
um exemplo de rock bem feito: pulsação, melodia de voz eficiente, vocal
honesto, guitarras rasgando sem precisar de excesso de distorção. E a letra é
hilária: o rapaz, querendo convencer a garota a ir para a cama com ele, larga
um papo de que aderiu ao “mundo moderno” e à liberdade sexual. “If you'd share the modern world with me/ With me in love with the
U.S.A. now/ With me in love with the modern world now/ Put down the cigarette/
And share the modern world with me” (Se você quiser compartilhar o mundo
moderno comigo/ Comigo no amor com os EUA agora/ Comigo no amor com o mundo
moderno agora/ Largue o cigarro/ E compartilhe comigo o mundo moderno.”)
O álbum deu luzes à geração punk tanto nos Estados Unidos, como para
Talking Heads, Blondie e Television, quanto na Inglaterra, como Sex Pistols, The Clash, Jam, Buzzcocks e The Stranglers, bandas nas quais se vê claramente
toques da Modern Lovers. Várias outras, inclusive, da leva pós-punk, como The Cure, Gang of Four, Polyrock e P.I.L. beberiam também na fonte de Richman &
Cia. Se os Ramones elevaram a ideologia do “faça você mesmo” ao showbizz, revolucionando para sempre a
música pop, a The Modern Lovers, na mesma época, já dava a mensagem de que, o
importante era fazer por si próprio, sim, mas que havia espaço para refinar um
pouco aquela tosqueira toda.
A versão em CD lançada pelo selo Rhino em 1989 pode ser considerada a
definitiva deste álbum tão influente. Primeiro, por trazer o remaster das faixas originais do LP, evidenciando
o trabalho inteligente de Cale na mesa de som e o vigor sonoro da banda.
Segundo, porque traz faixas extras que, ao que se percebe, só não entraram na
edição de 1976 por pura falta de espaço no vinil. Estas, aliás, são fruto da
parceria do grupo com outro mestre da subversão, Kim Fowley. Ele produz duas das
melhores músicas do disco: “I’m Straight”, rock de veia blues em que,
hilariamente, um adolescente, fascinado pelo poder que rapaz tem para com as
mulheres, tenta reafirmar sua masculinidade dizendo: “Eu sou hétero” (mais uma vez, uma maravilha de rima rica de
Richman: “But I'm straight/ and I want to
take his place”). Fowley vale-se do expediente de aumentar o microfone do
vocal, fazendo com que se captem os mínimos suspiros. Junto, enche o timbre da
caixa da bateria, que estronda alta. Guitarra e baixo, em escala média, soam,
entretanto, bem audíveis, formando um som orgânico. Alguma semelhança com o
estilo de sonoridade dada por Steve Albini ao Pixies ou Nirvana não é mera coincidência.
A outra assinada por Fowley é a também muito boa: “Government Center”,
que desfecha-o CD num rock de ares de twist
mas que, pela característica da produção (as palmas acompanhando o ritmo, o moog, a marcação no baixo), remete a The
Seeds, The Sonics, The Monks e a outras garage
bands norte-americanas.
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FAIXAS:
1. Roadrunner - 4:05
2. Astral Plane - 3:00
3. Old World - 4:03
4. Pablo Picasso - 4:21
5. I'm Straight - 4:18
6. Dignified And Old -
2:29
7. She Cracked - 2:56
8. Hospital (Jerry
Harrison) - 5:35
9. Someone I Care
About - 3:39
10. Girl Friend - 3:54
11. Modern World - 3:43
12. Government Center - 2:03
todas as composições de autoria
de Jonathan Richman, exceto indicada.