A pedido do meu amigo Cly, administrador desse blog maravilhoso, que está completando 15 anos de existência, que me pediu para que escrevesse, brevemente, sobre um disco que eu achasse essencial, importante, do coração, clássico, ou algo do tipo, para colocar na seção ÁLBUNS FUNDAMENTAIS, de pronto aceitei... depois pensando, "puxa vida que tarefa difícil!"
Mas daí fiquei em uma análise sem fim... “essencial, importante, do coração, clássico, ou algo do tipo”. Então me veio a memória um álbum do coração: "Amor de Índio", de Beto Guedes, talvez o menos badalado do Clube da Esquina, por sua timidez (só uma opinião). Esse álbum de 1978, já abre com uma canção clássica, do coração, do próprio Beto com parceria de Ronaldo Bastos – "Amor de Índio" (homônimo), gravada e regravada por muitos outros artistas, uma obra prima. Na sequência, "Novela", de Milton Nascimento e Márcio Borges, uma atmosfera forte e contundente; "Só Primavera", de Beto Guedes e Márcio Borges, lembrando muito o Clube da Esquina; "Findo do Amor", de Tavinho Moura e Murilo Antunes, uma letra forte e reflexiva; "Gabriel" do próprio Beto com Ronaldo Bastos, feita e dedicada ao seu filho Gabriel, canção de emocionar, principalmente quem é pai; "Feira Moderna", de Lô Borges, Beto Guedes, e Fernando Brant, alto-astral, demais, dá até pra dançar; "Luz e Mistério", parceria com Caetano Veloso, mais uma com letra profunda, como praticamente todas do álbum, sendo que há uma versão ao vivo com a participação do parceiro de composição Caetano, que empresta à versão sua voz “aveludada”.
"O Medo de Amar é o Medo de Ser Livre", novamente com Fernando Brant, é uma canção que diz tudo desse álbum, também gravada por outros artistas, sendo muito marcante na voz de Elis Regina. "Era Menino" (Beto Guedes, Tavinho Moura e Murilo Antunes) é o típico som de Minas e, por fim, "Cantar", do pai Godofredo Guedes, a quem Beto costumava homenagear com frequência nos discos gravados nos anos '70 e '80, reservando sempre a última faixa do LP para a homenagem: "Belo Horizonte" de Godofredo, em "Página do Relâmpago Elétrico", de 1977; "Cantar", nesse álbum; "Casinha de Palha", em "Sol de Primavera" (1980); "Noite Sem Luar", em "Contos da Lua Vaga", de 1981; e "Um Sonho", também do pai, em "Viagem das Mãos" (1984).
Instrumentista, Godofredo tocava violão e clarinete e compôs mais de cem músicas.
Esse é meu álbum do coração, portanto fundamental na minha discografia e espero que tenha contribuído com o ClyBlog.
Há 30 anos, a revista Bizz, a mais importante publicação sobre música no Brasil dos anos 80 e 90, “lacrava” sobre os quatro principais nomes daquilo que chamavam de “a nova cara da música pop brasileira”. Dois eram equívoco evidentes: Cherry, a vocalista da inexpressiva e rapidamente esquecida banda Okotô, e Edu K, que, erroneamente, já era influência para a música pop há mais tempo de que todos ali por meio de sua referencial De Falla. Quanto aos outros dois “novatos”, pode-se dizer que foram mais assertivos, embora com algum porém. Um deles era Carlinhos Brown, que, assim como Edu K, não se tratava de nenhum iniciante, visto que àquela altura já gravara nos Estados Unidos com Sérgio Mendes, liderava trio elétrico na Bahia e influía diretamente na música de Caetano Veloso. Mas como o Tribalista não havia ainda se lançado em carreira solo (seu debut, “Alfagamabetizado”, sairia apenas três anos depois), até passava a classificação como “promessa” devido a isso.
O único acerto efetivo dos editores da Bizz da naquela reportagem foi, de fato, Samuel Rosa. O líder da Skank, então em seu primeiro disco dos 15 que lançou em 30 anos de estrada, não apenas atingiria o estrelato, como se consolidaria como um dos mais importantes autores da música brasileira.
A prova daquela profecia pode ser conferida no saboroso show gratuito que o artista mineiro fez em Porto Alegre para o Vivo Música. Acompanhado de sua ótima banda e em alguns números da competente Simjazz Orquestra, Samuel, em começo de vida solo com o consensual fim da Skank, desfilou um cancioneiro tomado de hits, como “Garota Nacional”, “Jackie Tequila”, “Ainda Gosto Dela” e “Sutilmente”. Mas não só isso. Afinal, “chicletes de ouvido” são relativamente fáceis de se fazer a um músico com mínimas habilidades, visto que obedecem a uma construção melódica padrão, que formata um produto musical eficiente, mas nem sempre dotado de emoção. Samuel Rosa, desde aqueles idos de 1993, quando destacado pela Bizz, soube evoluir em sua musicalidade para unir estes dos espectros: o gosto popular e a sofisticação, o pop e o melodioso. De reggaes relativamente pobres, Samuel, principal compositor, evoluiu a olhos vistos para referências a Beatles, à turma de Minas Gerais e sons mais modernos, que o transformara num dos cinco principais compositores da música brasileira destas últimas três décadas.
Com uma sinergia incrível com o público, ao qual agradeceu pela fidelidade de não arredar pé mesmo com a chuva, foram só sucessos do início ao final do show. Algumas, que levantaram a galera, que cantou e dançou junto sem dar bola para a chuva que ia a voltava. A embalada versão da Skank para “Vamos Fugir”, de Gilberto Gil, foi uma delas, assim como “Acima do Sol”, “Vou Deixar” e “Saideira”. Só alegria. São músicas tão embrenhadas no emocional do público, que as pessoas cantam a letra completa mesmo sem saber que as sabiam de cor. Que brasileiro, afinal, não sabe cantarolar “Amores Imperfeitos”, “Tão Seu” ou “Te Ver”, por exemplo? Além destas, tiveram surpresas. Com um Samuel menos atido só ao repertório da Skank, teve cover da beatle “Lady Madonna” com “I Can See Clearly Now”, de Jimmy Cliff, uma homenagem à gaúcha Cachorro Grande, banda coirmã da Skank, com a balada “Sinceramente”, e uma esfuziante “Lourinha Bombril”, da Paralamas do Sucesso, coautoria dele com Herbert Vianna.
Por falar em chuva, que ameaçava desabar a qualquer momento, Samuel, um doce de educação e simpatia, confessou que haviam reduzido um pouco o set-list no meio da apresentação com medo de que isso ocorresse. Mas como durante o show foram, por sorte, apenas algumas pancadas leves, ele mesmo fez questão de alterar a ordem dos números e tocou todas as que haviam se programado. Isso fez com que os principais clássicos estivessem lá. O que dizer de “Resposta”, dele e de Nando Reis, uma das mais belas baladas do cancioneiro brasileiro? E “Dois Rios”, também com Nando e contando com o toque “Clube da Esquina” do conterrâneo Lô Borges? Para fechar, no bis, não uma escolha garantida de algum outro sucesso da Skank, mas, sim, uma versão de “Wonderwall”, da Oasis, pois, como Samuel justificou, o Rio Grande do Sul é terra de roqueiro, então todos ali entenderiam o porquê.
Passados todos estes anos desde que aquela revista previa que Samuel Rosa se tornaria um pilar da música pop brasileira, fica muito claro que isso realmente aconteceu. Parceiro de alguns dos mais importantes nomes da música nacional, como Nando Reis, Erasmo Carlos, Lô Borges, Chico Amaral e Fernanda Takai, pode-se dizer que, por alto, Samuel é responsável por cerca de 20% dos grandes sucessos da música no Brasil dos anos 90 para cá. Curiosamente, a adoção definitiva do nome próprio e a dissociação direta da Skank fazem com que, de certa forma, Samuel Rosa se reinvente e renasça, como se, novamente, estivesse começando. Então: vida longa a este “velho novato”. Que venham mais 30 anos de maravilhas pop e canções que tocam o coração do Brasil.
Como fazemos todos os anos, recapitulamos e elencamos os discos que tiveram a honra de entrar para nossa seleta lista de ÁLBUNS FUNDAMENTAIS. Não tem disputa, não tem ranking mas a gente sempre gosta de saber que artista tem mais obras indicadas, qual o país tem mais discos lembrados, que ano marcou mais com discos inesquecíveis e essas coisas assim. Sendo assim, levantamos esses números e publicamos aqui, até para nossa própria curiosidade. No campo internacional, os Beatles ampliaram sua vantagem na liderança entre artistas, embora, entre os países, seja os Estados Unidos quem lideram com folga. Destaque na 'disputa' internacional para o primeiro nigeriano na lista, Fela Kuti, que aumenta o número de representantes africanos, ainda tímido, nos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS. O Brasil segue na segunda colocação, mesmo com a reação dos ingleses que não colocaram nenhum álbum em 2021 mas voltaram a ter destacados grandes discos em 22. Só que com três craques da música brasileira, Gil, Caetano, Paulinho e Milton, fazendo oitenta anos em 2022, ficou impossível não destacar discos deles e abrir vantagem novamente sobre os ingleses. A propósito, Milton Nascimento que, de início não tinha nenhum, depois colocou o "Clube da Esquina", com Lô Borges, depois a parceria com Criolo e agora, com os dois que emplacou nesse ano que marcou seus oitentinha, já desponta com destaque na lista nacional. Contudo, ele não era o único a completar oito décadas e Caetano Veloso, garantindo mais um na nossa lista de grandes discos, continua na liderança nacional. Em 2022, o ano que mais teve discos na nossa lista foi o de 1992, embora a década de 80 tenha colocado 8 na lista, mas ainda não o suficiente para ultrapassar a de 70 que ainda é a que lidera nesse âmbito.
Vamos, então, aos números que é o que interessa.
Confira aí abaixo como ficou a situação dos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS depois da temporada 2022:
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The Beatles: 7 álbuns
Wayne Shorter: 5 álbuns ***
David Bowie, Kraftwerk, Rolling Sones, Pink Floyd, Miles Davis e Wayne Shorter: 5 álbuns cada
John Cale* **
Talking Heads, The Who, Smiths, Led Zeppelin, Bob Dylan, John Coltrane e Lee Morgan: 4 álbuns cada
Stevie Wonder, Cure, Van Morrison, R.E.M., Sonic Youth, Kinks, Iron Maiden ,Lou Reed** e Herbie Hancock***: 3 álbuns cada
Björk, Beach Boys, Cocteau Twins, Cream, Deep Purple, The Doors, Echo and The Bunnymen, Elvis Presley, Elton John, Queen, Creedence Clarwater Revival, Janis Joplin, Johnny Cash, Joy Division, Madonna, Massive Attack, Morrissey, Muddy Waters, Neil Young and The Crazy Horse, New Order, Nivana, Nine Inch Nails, PIL, Prince, Prodigy, Public Enemy, Ramones, Siouxsie and The Banshees, The Stooges, U2, Pixies, Dead Kennedy's, Velvet Underground, Metallica, Dexter Gordon, Philip Glass, PJ harvey, Rage Against Machine, Body Count, Suzanne Vega, Beatie Boys, Faith No More, McCoy Tyner, Vince Guaraldi, Grant Green e Brian Eno* : todos com 2 álbuns
*contando com o álbum Brian Eno e John Cale , ¨Wrong Way Out"
**contando com o álbum Lou Reed e John Cale, "Songs for Drella"
*** contando o álbum "Five Star', do V.S.O.P.
PLACAR POR ARTISTA (NACIONAL)
Caetano Veloso: 7 álbuns*
Gilberto Gil: * **: 6 álbuns
Jorge Ben: 5 álbuns **
Tim Maia, Legião Urbana, Chico Buarque e Milton Nascimento +#: 4 álbuns
Gal Costa, Titãs, Paulinho da Viola, Engenheiros do Hawaii e João Gilberto* ****: 3 álbuns cada
Baden Powell***, João Bosco, Lobão, Novos Baianos, Paralamas do Sucesso, Ratos de Porão, Roberto Carlos, Criolo + e Sepultura : todos com 2 álbuns
*contando com o álbum "Brasil", com João Gilberto, Maria Bethânia e Gilberto Gil
**contando o álbum Gilberto Gil e Jorge Ben, "Gil e Jorge"
*** contando o álbum Baden Powell e Vinícius de Moraes, "Afro-sambas"
**** contando o álbum Stan Getz e João Gilberto, "Getz/Gilberto"
+ contando com os álbuns Milton Nascimento e Criolo, "Existe Amor"
# contando com o álbum Milton Nascimento e Lô Borges, "Clube da Esquina"
PLACAR POR DÉCADA
anos 20: 2
anos 30: 3
anos 40: -
anos 50: 120
anos 60: 97
anos 70: 145
anos 80: 124
anos 90: 96
anos 2000: 14
anos 2010: 16
anos 2020: 2
*séc. XIX: 2 *séc. XVIII: 1 PLACAR POR ANO
1986: 22 álbuns
1977: 19 álbuns
1969, 1972, 1976, 1985, 1992: 17 álbuns
1967, 1968, 1971, 1973 e 1979: 16 álbuns cada
1970 e 1991: 15 álbuns cada
1965, 1975, 1980 e 1991: 14 álbuns
1987 e 1988: 13 álbuns
1989 e 1994: 12 álbuns cada
1964, 1966 e 1990: 11 álbuns cada
1978 e 1983: 10 álbuns
PLACAR POR NACIONALIDADE*
Estados Unidos: 201 obras de artistas*
Brasil: 145 obras
Inglaterra: 118 obras
Alemanha: 9 obras
Irlanda: 6 obras
Canadá: 4 obras
Escócia: 4 obras
Islândia, País de Gales: 3 obras
México, Austrália e Jamaica: 2 cada
Japão, Itália, Hungria, Suíça, França, Bélgica, Rússia, Angola, Nigéria e São Cristóvão e Névis: 1 cada
*artista oriundo daquele país
(em caso de parcerias de artistas de países diferentes, conta um para cada)
Chegamos à reta final. Oito jogos, dezesseis times (ou canções). Só restarão oito... Não adianta chorar que a sua favorita saiu, que foi eliminada, porque, daqui pra frente, muita coisa boa vai ficar pelo caminho, mesmo. Por exemplo, nessa fase coisas mágicas como "Andar com fé", "Expresso 2222", "Sítio..." e "Refazenda" dançaram e foram mais cedo pra casa. Puxa, hein! Se essas saíram, o que restou? Ora, restaram nada mais nada menos do que 'Palco', 'Realce', 'Aquele Abraço'... Podem ficar tranquilos. Teremos ótimos representantes da obra do Imortal Gilberto Gil na final.
Confere, aí embaixo, os enfrentamentos das oitavas e os classificados para as quartas-de-final:
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resultado de Rodrigo Dutra
ZUMBI, A FELICIDADE GUERREIRA 0x1 AQUELE ABRAÇO
Com dó no coração, nos despedimos de “Zumbi” mandando “Aquele Abraço” ao herói guerreiro. O reggae oitentista não consegue superar o sambinha clássico do exílio forçado de Gil. Agora até o final só começo "com dó no coração".
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resultado de Leocádia Costa
ANDAR COM FÉ 3 x 3 REALCE (5x6 nos pênaltis) Com direito a prorrogação e decisão nos pênaltis. Baita jogo, que colocou duas grandes canções do Gil em campo. Sabe aquele jogo que você torce até o minuto final pelas duas seleções? É isso, segura coração! Mas dessa vez, “Realce” jogou purpurina em “Andar com fé” e ganhou esse jogo nos pênaltis, com placar final de 5x6.
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resultado de Kaká Reis
BACK IN BAHIA 1 x HAITI 2 Oitavas de Final e cada vez mais apertado, não dá nem pra imaginar como vai ser essa final! Back in Bahia versus Haiti e o puro suco de Gilberto Gil. Haiti abre o placar da memória afetiva e com sua letra altamente politizada e de impacto. Back in Bahia logo empata, afinal, talvez um dos clássicos mais classicos da discografia. O jogo segue empatado até o final quando, inesperadamente, Haiti marca um gol de escanteio aos 47:05 vencendo a partida por 2x1.
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resultado de Joana Lessa
EXPRESSO 2222 2 x PANIS ET CIRCENCES 3 Panis et circense inaugura um estilo de jogo bonito, diferente. Expresso vem muito bem, mas é surpreendido e o resultado final da partida é Expresso 2 x Panis 3.
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resultados de Daniel Rodrigues
CÁLICE 4 x 2 O SOM DA PESSOA
Os comentaristas que viram as escalações antes do confronto eram unânimes que “Cálice”, um clássico absoluto de Gil, iria passar com facilidade. Mas no futebol, ou na música, as coisas se resolvem mesmo quando começa a rodar a bola – ou o toca-discos. “O Som da Pessoa”, com time reforçado com um competente Bené Fontelles no meio-campo, começou fazendo frente para “Cálice”. Com seu jogo pragmático – a primeira pessoa na defesa, a segunda no meio e a terceira no ataque –, foi lá e fez no começo da partida um gol meio feio, no bate-e-rebate. Mas como qualquer bola na rede soa bem, o que importa é que saiu ganhando. E logo em seguida ampliou! Final do primeiro tempo: 2 x 0 para “O Som da Pessoa”! Será que vamos ter uma zebra nas oitavas da Copa Gil?! Sem se apavorar, no entanto, “Cálice” fez valer o peso de sua camiseta e de time aguerrido, rebelde, que não se abateu nem com a desclassificação no tapetão no Phono 73. Contanto não só com aquele atacante goleador contratado junto ao Politheama, o Chico, mas também com a impetuosidade do próprio Gil, “Cálice” empata. Daí, mais pro fim da partida, manda uma saraivada pra cima da adversária, com bola vindo de tudo que é lado naquela parte que a música vira pra um rock meio fora do tempo quando põe em campo Magro, Rui, Miltinho e Aquiles da MPB-4. Então, vira: 3 x. 2. O gol de misericórdia vem com lances de crueldade: o técnico tira da manga outro “às” do banco, um cara vindo de um clube de Belo Horizonte, o Clube da Esquina, chamado Milton. É muito recurso que tem esse time, hein? É ele quem mete o 4º e fecha a conta: 4 x 2 para “Cálice” numa virada emocionante. E em respeito ao adversário, que fez um confronto de alto nível, a torcida nem disse “Cale-se!” desta vez pra adversária.
PALCO 2 x 0 SÍTIO DO PICA-PAU AMARELO
Como todos os confrontos dessa fase, é só time de respeito se enfrentando. Mas mesmo com toda a tradição de “Sítio do Pica Pau Amarelo”, time popular, que até as crianças gostam de ver jogar, tem horas que não dá pra segurar. A adversária é daquelas que sabem de sua grandiosidade e já sobe neste palco que é o gramado com a alma cheirando a talco, com a alma clara e um futebol alegre, inspirado no futebol africano (só quem sabe onde é Luanda saberá lhe dar valor). “Palco” naturalmente impõe seu estilo leve e gingado e faz um gol e cada tempo. “Sítio” ainda tentou das suas artimanhas mágicas, às vezes escondendo a bola e tentando levar ela invisível pra dentro da goleira, mas o juiz anulou o gol e fechou assim: 2 x 0 para “Palco”, que está classificada. Nessa, a torcida de “Palco” não perdoou e lançou o seu já tradicional grito para a o time adversário: “Fora daqui!”.
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resultados de Cly Reis
FILHOS DE GANDHI 0 x 2 ESOTÉRICO
Adoro Filhos de Gandhi! É uma das minhas favoritas da música brasileira. No entanto, pra mim, é música de parceria. 'Esotérico' é marcante na discografia do Gil, 'Filhos...' é marcante na colaboração com Jorge Benjor, posteriormente com Caetano ou em outros registros ao vivo. Vitória garantida para 'Esotérico'.
SUPER-HOMEM (A CANÇÃO) 2 x 1 REFAZENDA
Aí sim a coisa ficou séria! Duas das melhores canções de Gil. 'Super-Homem' sai na frente pelo conjunto letra-melodia-inspiração, mas 'Refazenda' não se ressente por isso e compensa com seu arranjo exuberante e reflexão sobre o tempo, empatando logo em seguida. A consistência de 'Refazenda' parece pressionar 'Super-Homem', o gol parece estar amadurecendo, parece que é só questão de tempo, até que, numa jogada em velocidade, o atacante do time de Crypton dá um drible de raio-X no defensor do escrete rural, definindo a partida! Mais uma das grandes fica pelo caminho, mas aqui não tinha jeito. Alguém teria que cair.
As Dunas da Gal, o Vapor Barato, ‘a mulher
mais elegante do Brasil’
(no dizer de Danuza Leão na época),
Baby, Divino
Maravilhoso, Índia:
todo um mundo brasileiro do qual
não podemos abrir mão
se
quisermos ser o que devemos ser."
Caetano Veloso
Caetano Veloso é, como todos sabem, irmão de Maria Bethânia. Mas sua
ligação e sinergia musicais com Gal Costa talvez sejam até maiores do que com a
cosanguínea. Baiana como ele, poucos anos mais nova mas da mesma geração, foi
com Gal que o cantor e compositor gravou seu primeiro disco, “Domingo”, de 1966
– embora o elo, inclusive familiar, já viesse de antes. Além disso, no entanto,
foi Gal quem, embarcada com os dois pés no Tropicalismo liderado por ele e Gilberto Gil na segunda metade dos anos 60, manteve acesa a explosão
transgressora e criativa aberta pelos tropicalistas quando do exílio da dupla
em Londres de 1969 a 1972. Ao contrário de Bethânia – que sempre soube seguir o
seu caminho fugindo ao máximo das rotulações e estereótipos –, Gal por escolha não
só segurou a barra enquanto única remanescente da formação original da
Tropicália durante os anos de chumbo da Ditadura como, mais ainda, avançou a
MPB em todos os sentidos, da confluência de estilos e referências (objetivo-fim
tropicalista) a, obviamente, sua própria arte maior: a técnica do canto.
Não se começou a falar em Caetano Veloso num texto sobre Gal Costa à
toa. Como aconteceria no espetacular "Recanto" – disco de 2012 cujo diálogo estreito
com este forma um díptico de 38 anos de ínterim –, é o quase-irmão Caetano quem
dá o tom do “cantar” de Gal. Produzido por ele em parceria com outro mestre da
retaguarda tropicalista, Perinho Albuquerque, é um disco totalmente maduro da
talentosa cantora, já deixando a extravagante e raivosa Gal do início da Tropicália
um pouco para trás. Aqui, ela está dona de si, de seu conceito como artista e
do posto de maior cantora de seu tempo ao lado de Elis Regina, também no auge à
época. E Caetano, dirigindo um projeto para ela pela primeira vez (até então
haviam exercido tal função Wally Salomão, Jards Macalé, Rogério Duprat e Guilherme Araújo), é um pouco responsável por esse amadurecimento.
Desfilam pelo disco músicos de primeira linha, como o genial João Donato, o mestre da raça Gil, o “Clube da Esquina” Noveli, o baterista Tuty
Moreno e, claro, os próprios Perinho e Caetano. O resultado é um álbum
resplandecente, florido como sugere a belíssima arte forjada pelo artista visual Rogério Duarte. A contestação de “Divino, maravilhoso”, a fúria de “Eu sou
terrível”, a psicodelia de “Dê um role” ou a estridência de “Meu nome é Gal”,
agora, refazem-se, remolduram-se. Estão ali, porém sob outro olhar. Um sopro de
pólen colorido no negror dos anos de chumbo.
O começo não é nem um desabroche: é a flor já em pleno estado de vida.
“Barato Total”, hit do álbum, é das melhores músicas de Gilberto Gil cujo
presente não se encerra somente no fato de este tê-la dado especialmente para a
amiga. Gil também empunha o violão durante a faixa, e Gil ao violão sabe-se
como é, né? Além de sua altíssima técnica que une a batida de João Gilberto ao
ritmo frenético do rock – e mais o congado, o maxixe, o jazz e o baião –, o
grande compositor simplesmente arrasa nas cordas, sustentando a melodia num
toque swingado e cheio. É tão intenso que, na regravação feita por Gal com a Nação Zumbi, em 2004 (também produzida por Caetano), bastou à banda traduzir
para os tambores pernambucanos a batida de violão de Gil. A letra traz, já na abertura
do disco, a mesma ideia de ressaltar a beleza da vida para além de toda a
situação política e moral do país: “Quando
a gente tá contente/ Tanto faz o quente, tanto faz o frio, tanto faz”. E
finaliza, numa exclamação: “Quando a
gente tá contente/ Nem pensar que está contente a gente quer/ Nem pensar a
gente quer, a gente quer/ A gente quer, a gente quer é viver”.
Como todo grande disco, “Cantar” larga com uma de encher os olhos. O
que virá a seguir superará ou se equiparará? Pois o lirismo da cantora estava
realmente germinado. Ela arrebenta na interpretação da clássica “A Rã”. É a primeira
das quatro de autoria de Caetano no disco, e justo uma em parceria com outro
personagem fundamental desta obra: João Donato. Ele, além desta, assina o
arranjo da canção de ninar que finaliza o disco, “Chululu” (de autoria da mãe
de Gal, Mariah Costa, que costumava cantá-la para a filha na infância), e de outras
duas: “Até quem Sabe”, só piano e voz, lindíssima e altamente erudita; e “Flor
de Maracujá”, um soul funkeado ao
estilo de “A Bed Donato” (referencial álbum gravado pelo acreano nos Estados
Unidos em 1970). Esta, última do lado A do vinil, dialoga maravilhosamente com
a primeira da segunda face: “Flor do Cerrado”, que, assim como “Barato Total” é
das melhores composições de Gil não gravadas por si próprio, também é das mais
belas de Caetano nunca registradas por ele mesmo. Letra de poesia caetaneana,
vocal cristalino de Gal e uma rica incursão do autor contracantando “Garota de
Ipanema”, de Tom e Vinícius. No refrão, ainda, Gal, afinadíssima, executa um
portamento de notas muito bonito e técnico, subindo gradualmente até finalizar
lá em cima da escala na última palavra: “Mas
da próxima vez que eu for a Brasília/ Eu trago uma flor do cerrado pra você”.
Antes, entretanto, o primeiro lado ainda guarda duas ótimas faixas.
Lua, lua, lua, lua”, mais uma de Caê, que, junto com outra que vem mais
adiante, “Joia” (um espetacular trabalho de percussões africanas e piano
monotonal que antecipa trabalhos de Caetano de 1997 e 2000, “Livro” e “Noites
do Norte”, respectivamente, quando ele aproxima a vanguarda erudita às raízes
da África), foram gravadas por Gal um ano antes do próprio usá-las no seu disco
– por sinal, intitulado “Joia”. E diferentemente da versão barroca que gravaria
para si, “Lua...” traz um elemento interessantíssimo: sob a voz dela, Caetano exercita
uma espécie de beat-box, expediente
que o mesmo se valera na concepção da trilha sonora do filme “São Bernardo”,
dois anos antes, encomendada pelo cineasta Leon Hirszman a ele quando ainda no
exílio.
A outra maravilha que completa a primeira parte de “Cantar” é “Canção
que morre no ar”, clássico da bossa-nova de Carlos Lyra e Ronaldo Bôscoli,
somente com a voz e um apaixonante e ornado arranjo de cordas de Perinho e
regência de Mário Tavares. Aqui, Gal encarna Billi Holliday acompanhada da
orquestra de Ray Ellis em "Lady in Satin"; Ella Fitzgerald conduzida pela batuta
de Nelson Riddle em “Sings the George and Ira Gershwin Songbook”; ou Dalva de
Oliveira com o conjunto sinfônico de Roberto Inglez. Gal está jazzística e
lírica em seu timbre de soprano. A letra faz uma fusão entre as atmosferas
lunar e flórea do disco como um todo: “O
mundo é sempre amor/ O pranto que desliza/ No seio de uma flor/ É a luz lá do
céu”.
Também síntese do álbum é “O Céu e o Som”, do cantor, compositor e
poeta Péricles Cavalcanti. Ritmada e gostosa, contrapõe cantos entre ela e um
coro masculino (que desconfio seriamente serem Os Golden Boys, embora não haja crédito
disso). “Cantar, cantar/ Há uma asa na
alma no ar/ Me ensina a cantar, amor”. E, lá pelas tantas, perguntam
retoricamente: “Quem foi que disse que a
mulher não voa?” Voa, sim.
Tanto voa que, antes de terminar o disco, Gal faz o ouvinte levitar no sensualíssimo
jazz “Lágrimas Negras”, composição de Jorge Mautner e Nelson Jacobina. Das
melhores do álbum, sua cadência suave remete (e serve muito bem para isso,
diga-se de passagem) ao momento de uma transa embalada ao ritmo da
guitarra-ponto dedilhada por Perinho. E quando Gal, diz, num compasso hiper sexy: “E você, baby, vai, vem, vai...”, é de arrepiar até o tal “astronauta
da saudade” mencionado na letra!
“Cantar” gerou um show que não foi bem recebido pelo público por ser
taxado de “muito suave”, contrastando com a imagem forte que a cantora criara a
partir do movimento tropicalista. À época, bom que se lembre, artistas de
sucesso como ela eram exigidos pela opinião pública burra de permanente e
abertamente lutarem contra a Ditadura na concepção de suas obras. Queriam
canções de protesto, não arte. Uma bobagem tamanha, uma vez que a premissa do
artista é exatamente a liberdade tão desejada por estes que os retalhavam.
Afora isso, visto noutro enfoque, há formas distintas de se lutar e se engajar
sem necessariamente bater de frente com a força bruta – e sair perdendo, como
geralmente acontece. Foi o que Gil e Caetano, enquanto tropicalistas como ela,
fizeram a seu modo. E venceram. Hoje, completando 40 anos de seu lançamento,
“Cantar” é um trabalho de uma riqueza descomunal que tem ainda muito a se
revelar e cuja participação destes protagonistas foi fundamental. Uma flor que
não morreu e ainda colore o jardim de quem entende que “o caminho do céu” está
“no caminho do som”. Gal nos ensina a cantar e voar.
"Barato Total" - Gal Costa
*********************************
FAIXAS:
1. Barato Total (Gilberto Gil) - 3:48
2. A Rã (Caetano Veloso, João Donato) - 3:52
3. Lua, Lua, Lua, Lua (Veloso) - 3:02
4. Canção que Morre no Ar (Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli) - 1:50
5. Flor de Maracujá (Veloso/Lysias Ênio) - 2:56
6. Flor do Cerrado (Veloso – música incidental: “Garota de Ipanema”,
Tom/Vinicius) - 3:13
O dias em que passamos Leocádia e eu no Rio de Janeiro foram invariavelmente lotados. Só coisa boa, mas lotados. Mas sempre se tem espaço para encaixar mais uma programação, ainda mais quando esta trata de música. Ou melhor: quando esta trata de música E discos, o que para um colecionador é um prato cheio. Minha mãe, sabendo de nosso gosto, havia avisado dias antes que ocorreria, no domingo, a Feira de Vinil Gira Música, na Casa da Polônia, no próprio bairro e avenida onde estávamos instalados, Laranjeiras. Pois que, voltando de um passeio no bairro Jardim Botânico neste dia, eis que cruzamos em frente à feira. Obviamente que descemos e fomos dar uma conferida, o que não só valeu a pena a título de passeio como, claro, de compras.
A feira trazia food trucks, bancas com artesanato e bijuterias e uma exposição sobre o célebre músico, arranjador e produtor Lincoln Olivetti, morto há 4 anos, infelizmente muito primária e amadora e que não dimensionava nem de perto a relevância do homenageado. Mas isso não era o mais importante e, sim, aquilo que nos levou até lá: os discos. Com expositores cariocas mas também vindos de Minas Gerais e São Paulo, a feira estava muito boa em termos de quantidade e variedade. Todos os gêneros musicais contemplados, mas principalmente rock, MPB e jazz. O nível dos expositores chamou atenção, uma vez que todos sabem muito bem o acervo que oferecem. Ou seja: os discos raros tinham preços que justificavam suas particularidades. Títulos como "A Bad Donato", de João Donato, "Stand", da Sly & Family Stone, o primeiro disco de Arthur Verocai, "Spirit of the Times", de Dom Um Romão, "Blue Train", de John Coltrane, ou o disco do próprio Lincoln em parceria com Robson Jorge, clássico da AOR brasileira, não saíam por menos que 500, 400, 350, 200, 180 Reais ou valores parecidos.
Galera percorrendo as prateleiras em busca "daquele" vinil
Clima descontraído e musical da Feira de Vinil na Laranjeiras
Não só vinil tinha na feira
Eu vasculhando as preciosidades da banda do Sonzera, um dos expositores
Pedaço da miniexposição sobre Lincoln Olivetti: deixou a desejar
Em compensação, vários balaios. E bons! Com muita variedade e, às vezes, até discos raros, era possível encontrar unidades a 10, 20 ou 30 Reais. E foi aí que me esbaldei, passando algumas horas na feira percorrendo as caixas com promoções enquanto Leocádia aproveitava outras atividades ou simplesmente me aguardava. Uma das atrações da feira seria a presença do cantor e compositor Hyldon, lenda da soul brasileira, que estaria à tarde autografando seu disco relançado, mas não ficamos para isso. Afinal, já estávamos muito bem alimentados com o que encontramos de variedade e qualidade de bolachões, inclusive esses, os que levamos para casa:
“Limite das Águas”– Edu Lobo (1976) Edu tem vários discos solo cultuados, como “Missa Breve”, “Camaleão” e “Jogos de Dança”, mas não raro este aparece como o preferido do autor de “Ponteio”. Afinal, não tem como não adorar as parcerias como Capinan, Cacaso e Guarnieri, além do primor dos arranjos do próprio Edu e as participações de músicos do calibre de Oberdan Magalhães, Cristóvão Bastos, Joyce, Toninho Horta, Danilo Caymmi e o grupo vocal Os 3 Morais. Coisa fina da MPB.
“Libertango”– Astor Piazzola (1974) Um dos gênios da música do século XX em seu disco mais icônico. Gravado em Milão, é a representação máxima do tango argentino moderno, tanto que as próprias faixas, assim como a que o intitula, trazem o termo “tango” no nome: Meditango, Violentango, Undertango, entre outras. De ouvir ajoelhado - ou tangueando.
“Brazilian Romance – Sarah Vaughn with Milton Nascimento”ou“Love and Passion”– Sarah Vaughn (1987) A grande cantora norte-americana Sarah Vaughn, amante da MPB, recorrentemente voltava ao gênero. Depois de gravar discos como “Exclusivamente Brasil” e “O Som Brasileiro de Sarah Vaughn”, nos ano 70, em 1987 ela torna à sonoridade do Brasil por meio de um de seus mais admirados compositores: Milton Nascimento. E o faz isso com alto grau de requinte, haja vista a produção de Sérgio Mendes, os arranjos de Dori Caymmi e participações de gente como George Duke e Hubert Laws. Ela quase levou um Grammy de melhor performance feminina por este álbum.
“Merry Christmas, Mr. Lawrence (Music From The Original Motion Picture Soundtrack)”–Ryuichi Sakamoto (1983) Tenho adoração por este filme intitulado no Brasil como “Furyo - em Nome da Honra”, e tanto quanto pela trilha sonora, escrita pelo genial Ryuichi Sakamoto. Que, aliás, atua neste filme de Segunda Guerra do mestre Nagisa Oshima, o qual conta no elenco (e só no elenco, o que acho legal também em nível de desprendimento) e como ator principal David Bowie em espetacular atuação. A faixa-título é não só linda como um marco das trilhas sonoras feitas para cinema.
“Stories to Tell” – Flora Purim (1974) Terceiro disco solo de Flora e segundo dela em terras norte-americanas. Ou seja, vindo um ano após o seu debut “Butterfly Dreams”, no mesmo ano de“Hot Sand”, do então marido Airto Moreira, e dois da estreia com Chick Corea na Return to Forever, “Stories...” a consolida como a musa do jazz brasileiro. Ainda por cima tem Carlos Santana, George Duke, Ron Carter e o próprio Airto compondo a “bandinha”. E que voz é essa a dela?!
“Amor de Índio”– Beto Guedes (1978) Dos discos mais célebres da chamada “segunda fase” do Clube da Esquina. A galera tá toda lá: Milton, Brant, Toninho, Tiso, Venturini, Tavinho, Caetano e, claro, Ronaldo Bastos, produtor, compositor com Beto da faixa-título e autor da icônica foto dele enrolado no cobertor usada por Cafi na arte da capa.
texto:Daniel Rodrigues
fotos: Leocádia Costae fanpageGira Brazil - Gira Música
Meu pai e eu éramos muito ligados. Nem todos os
filhos sentem-se assim ligados aos seus pais. Muitos de nós passamos parte da
vida lamentando o berço familiar, a descendência e tudo o que existe dentro de
uma família.
Comigo não foi assim.
Cresci até os 4 anos com um pai muito feliz,
animado e parceiro de aventuras. Cresci no Centro da cidade de Porto Alegre
após nascer no Bom Fim. Nas imediações do Centro eu e ele íamos ao parquinho
que ficava no Largo da Epatur. Eu viajava nos discos voadores, andava de
charrete e montava nos cavalinhos do carrossel. Ele ficava me cuidando e
fotografando ao mesmo tempo.
Meu pai curtia revelar as imagens e organizar nos
álbuns, que naquele tempo eram feitas em câmera com negativo quadrado e a
imagem final dependia das condições técnicas do fotógrafo – ele tinha talento! Todas
as fotos aprovadas iam para um álbum-pasta que por anos nos acompanhou. Dono de
um gênio forte, por vezes temperamental, sempre se percebia amor nele e alegria
nestes momentos.
Assim cresci: parte saindo rumo aos parques, praças
e ruas do bairro e por outras tive meus momentos de estar em casa. Lá brincava
comigo de gravar a voz. Eu adorava. Vez em quando cantava ou contava do meu dia
na escola.
Faz um tempo que recebi uma “cutucada”, como se diz
no dialeto estranho das redes sociais, dos editores do ClyBlog para escrever
sobre uma das maiores cantoras brasileiras, Elis Regina. O que isso tem a ver comigo e com a minha relação paterna? Tudo! Mas confesso que o convite me
deixou atordoada, sem saber por onde começar. Elis está em muitos momentos da
minha vida representando transformação.
Eu e Marcelo na abertura da exposição
A Aventura de Criar - Galeiria Duque, maio 2015
Comecei escutando Elis Regina em casa. Meu pai foi
seu fã até o dia em que recebeu, junto com milhões de brasileiros, a notícia da
sua morte. No auge da carreira artística, quando Elis já havia se consagrado
num grande nome da música, uma estrela de maior grandeza. Meu pai não a perdoou
por sair de cena tão cedo. Neste período, em plena década de 80, escutávamos
sem parar os LPs da Elis em nossa vitrola CCE, que era muito bem equipada com duas
caixas de som grandes para uma família de classe média.
Depois de tantas audições no lar, eu já sabia as
letras, os tempos e as paradas que a cantora fazia. Então, apresentava a
dublagem nas reuniões de final de ano e nos aniversários à família. E me achava
a segunda melhor cantora daquele momento por conta dessa total sintonia que
tínhamos. Eu tinha de 7 para 8 anos de idade.
Nunca me rendi somente à voz, mas a toda atmosfera
como intérprete que Elis criava para cada canção. A emoção, a quebra das
palavras, o respirar das frases, a cadência de cada arranjo tornava cada faixa
do LP única. Realmente algumas canções são “inescutáveis” se a intérprete não
for Elis Regina.
O LP que mais tocou em mim é este, de 1980, que tem
as faixas inesquecíveis: “Rebento” de Gilberto Gil; “Nova Estação“ de Luiz
Guedes e Thomas Roth; “O Medo de Amar é o medo de ser livre” de Beto Guedes e Fernando Brant; “Aprendendo a jogar” e “Só Deus é quem sabe”, ambas de
Guilherme Arantes; além da arrebatadora “Trem Azul”, de Lô Borges e Ronaldo
Bastos, hino em minha vida. Quem escutava Elis recebia a melhor produção
musical do momento.
Acervo de Elis da CCMQ
Jornal Zero Hora - 22/09/2005
Fui compreender seu universo e sua enorme
contribuição a jovens compositores anos mais tarde, quando, adolescente, lendo
matérias, vendo artigos e escutando amigos me dei conta do movimento, da
visibilidade e da força que ela deu a uma galera referência até hoje na música
brasileira.
O tempo passou e meu pai acabou perdoando a morte
de Elis Regina, voltou a escutar sua voz e vez em quando ele comentava: “Mas ela canta como ninguém mais poderia
interpretar essa canção!”,e
então se recolhia ao silêncio respeitoso de escutá-la.
Em 2005, tive a alegria de ser convidada por Sergio
Napp, então Diretor da Casa de Cultura Mário Quintana, a criar o Acervo Elis Regina da CCMQ. Nesta época,
mergulhei em todas as informações que recolhemos de acervos doados e de livros
editados sobre ela. Lembro-me do impacto que tive com a análise do mapa astral
de Elis, por um dos maiores astrólogos do país, Antônio Carlos “Bola” Harres,
que anos mais tarde foi meu cunhado e que apresenta a configuração astral de
Elis de uma forma que compreendemos os conflitos, o fluxo das emoções e as
nuances talentosas da cantora.
Elis era uma mulher com força impulsiva e, ao mesmo
tempo, com alta sensibilidade. Opostos atuando sempre ao mesmo tempo. Essa análise
me ajudou a compor com os arquitetos Carlos e Lizete Jardim as cores, a
atmosfera e a forma de apresentar os conteúdos do Acervo. Nesta época também
conheci mais profundamente o repertório de Elis e a sua estreita relação com
compositores que embalaram minha mesma infância, tais como: Milton Nascimento/Fernando
Brant, Gil, Beto Guedes, Guilherme Arantes, Ronaldo Bastos, Lô Borges, João Bosco/Aldir Blanc, Ivan Lins, entre outros.
Durante todo o tempo de pesquisa sobre o Acervo meu
pai me incentivou com orgulho de ver aquela escuta de anos atrás se transformar
em um espaço físico homenageando a intérprete e a cantora, que mesmo sendo um
dos maiores nomes da música brasileira, se achava brega perto de outras
cantoras da sua época, a exemplo de Rita Lee.
Meses após termos aberto o Acervo Eis Regina, fui
apresentada por Luiz Carlos Prestes Filho em Porto Alegre a Fernando Brant, compositor
e letrista da mais alta qualidade musical e humana. Ele ficou muito feliz com o
Acervo, que conheceu numa vista a CCMQ quando estava na fase de implementação da
sede da União Brasileira de Compositores na capital gaúcha. Ficamos amigos.
Eu e Fernando Brant na inauguração do UBC
em Porto Alegre em 2006
Em 2011, numa visita a Belo Horizonte, cidade onde
Fernando morava, fomos ao show de Milton Nascimento que abria o novo espaço da
cidade. Fazia poucos meses que Fernando havia participado do projeto Coleção
Mario Quintana para a Infância, volumes IV e V, realizado por minha empresa
Aprata. Todo faceiro com a chegada da Coleção (que levei pessoalmente a ele em
agradecimento por tanta generosidade), ele me recebeu com esse convite
irrecusável: “Vamos assistir o Bituca,
Leo? Ele fará um show no teatro recém-inaugurado aqui após reforma pelo SESC e
vai homenagear a Elis. Você tem que estar lá porque vais representar Porto
Alegre nesse momento. Vamos?” Como é que eu diria não?
Fomos então direto para o teatro e lá chorei por 90
minutos do show, segurando a mão do Fernando, que emocionado com a audição de
suas composições, enchia os olhos de água e dava longos suspiros sorrindo. Um
dos maiores presentes que recebi da vida: reunir neste dia os compositores e a
carga musical que tenho em minha bagagem relacionada a Elis.
Depois desse dia, só falei com ele por telefone e
e-mail. Foi a nossa despedida amiga em grande estilo envolvidos pela atmosfera
musical que ele construiu de tanta beleza e com a homenagem à mulher que,
segundo ele, foi a maior incentivadora da carreira de todo aquele Clube da
Esquina e os outros tantos desgarrados que até então buscavam uma oportunidade
para persistir na música.
Quando voltei a Porto Alegre, contei a meus pais e
os dois se emocionaram muito com essa vivência em Beagá. Tentei escrever sobre
todos estes momentos, mas não conseguia elencar os fatos, porque a emoção me
invadia e desorganizava a escrita. Comecei a escrever o texto com meu pai e
Fernando ainda vivos. Porém foi somente com a partida de ambos, Fernando em
junho de 2015, e meu pai, em junho de 2016, que me senti serena para contar
essa história de total sintonia entre nós.
Obrigado meu pai por não proibir a escuta, mesmo
doendo demais a ausência de Elis.
Obrigado Fernando por essa amizade inesquecível.
Obrigado Elis por esse sentimento de comunhão, por trazer
até todos nós em forma de Arte - essa vibração prateada, brilhante e sonora,
que foi sua passagem por esse planeta e que tanto nos liga amorosamente.
Saudade de tudo que vivemos e hoje é memória viva
em mim!
Gratidão, Amor e Luz para vocês.
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Elis Regina - "Aprendendo a Jogar" - programa Fantástico (1980)
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FAIXAS:
1. "Sai Dessa" (Ana Terra/Nathan Marques)
2. "Rebento" (Gilberto Gil)
3. "Nova Estação" (Thomas Roth/Luiz
Guedes)
4. "O Medo de Amar É o Medo de Ser Livre"
(Beto Guedes/Fernando Brant)
5. "Aprendendo a Jogar" (Guilherme
Arantes)
6. "Só Deus É quem Sabe" (Guilherme
Arantes)
7. "O Trem Azul" (Lô Borges/Ronaldo
Bastos)
8. "Vento de Maio" (Telo Borges/Márcio
Borges)
9. "Calcanhar de Aquiles" (Jean Garfunkel
/Paulo Garfunkel)
faixas bônus
do relançamento em CD
1. "Tiro ao Álvaro" (Adoniran Barbosa /
Osvaldo Molles) – Com
Adoniran Barbosa
2. "Se Eu Quiser Falar com Deus"
(Gilberto Gil)
3. "O que Foi Feito Devera (de Vera)"
(Milton Nascimento/Fernando Brant/Márcio Borges) – Com Milton Nascimento
4. "Outro Cais" (Marilton Borges/Duca
Leal) – Com Os Borges