Seguindo com a segunda parte do duelo com o radialista,
locutor, cinéfilo e blogueiro Paulo Telles num bate-papo tão apaixonado pela
sétima arte quanto instrutivo. Se na primeira Telles aborda o faroeste
norte-americano, destacando diretores, títulos referenciais e até sobre o papel
da mulher no western, agora, ele fala
um pouco mais sobre o spaghetti, a
versão italiana para o gênero que não só ganhou fãs no mundo todo como, de certa
forma, trouxe-lhe uma nova linguagem. Ainda, aquilo que todo cinéfilo gosta:
listas. O entrevistado já sai elencando seus filmes preferidos nas duas
categorias e defende com muito critério e poder analítico uma a uma de
suas escolhas. Vamos, então, à segunda e última parte da entrevista:
FRANCISCO BINO:- Sei que não é
fácil fazer estas coisas, mas nos faça uma lista com os dez melhores western
Spaghettis de todos os tempos segundo você? E os dez melhores do cinema
americano?
PAULO TELLES: E não é mesmo, prezado Bino (risos). Elaborar
uma lista com apenas dez de cada estilo não é uma tarefa fácil. Entretanto, há
outros títulos que também estão em minha apreciação que não se encontram aqui
listadas, portanto, apresento os meus Top Ten de cada estilo do gênero:
AMERICANOS
1 -"RASTROS DE ÓDIO"/The Saerchers (1956) –
Direção: John Ford Foi através desta
obra prima (assisti pela primeira vez em 1985, com catorze anos) que comecei a
me interessar sobre cinema e tentar entendê-lo como arte. Foi a partir deste
momento, que me deixei penetrar pelo mundo de John Ford e no mundo dos westerns. Não tem como você não se
deixar encantar pela beleza majestosa e áspera do Monument Valley, cenário
natural este preferido de Ford, e pela figura estoica de Ethan Edwards,
interpretado por John Wayne. Em minha opinião, foi a melhor atuação de sua
carreira, digna mesmo de um prêmio, trabalho este que rendeu até elogios do
cineasta e filósofo Jean-Luc Godard, inimigo declarado de Wayne por razões
políticas. “Rastros de ódio”
conserva os elementos dramáticos do faroeste tradicional, por seu estilo
peculiar, épico e lírico, onde o cineasta descreve a odisseia de Ethan e de
seus discípulo Martin Pawley (vivido por Jeffrey Hunter) na perseguição aos
comanches que raptaram a jovem Debbie (vivida por Natalie Wood), e isto tudo
num relato de tensão ininterrupta e de grandeza plástica e cromática, segundo
as nobres palavras do finado crítico Paulo Perdigão, ex-colunista do jornal O
Globo. Recentemente, o filme foi exibido em reprise nas grandes salas do Cinemark, em sua sessão de
clássicos, e assisti junto ao José Eugenio Guimarães, editor do blog Eugenio em Filmes. Mesmo sem o
impacto do formato VistaVision, ainda
assim valeu o ingresso.
"Rastros de Ódio", cena de abertura
2 - MATAR OU MORRER/High Noon (1952) –
Direção: Fred Zinnemann Um dos grandes westerns que estabeleceu o chamado Western
Psicológico, uma alusão ao Macarthismo e a sociedade americana de então,
uma das obras primas de um grande cineasta, Fred Zinnemann. Poucos sabem, mas
os americanos consideram tão importante este filme que uma cópia desta obra
prima foi depositada numa cápsula do tempo, que só será reaberta no ano 2213.
Uma trama elevada à dimensão de tragédia grega tendo como herói o xerife Will
Kane (em minha opinião o mais humanizado de todos os protagonistas no gênero,
digno do título de herói) vivido por um dos atores que mais bem personificaram
o mito do cowboy do oeste, Gary
Cooper, em uma cruzada solitária para defender sua vida. Ele durante muitos
anos cuidou de uma cidade e de seus habitantes, mas agora mesmo não estando sob
a insígnia da lei, estes mesmos habitantes se recusam a ajudá-lo, pois todos
temem o pistoleiro e seus comparsas que descerão no trem do meio dia para matar
Kane. Um estudo acurado da consciência do herói que mesmo podendo fugir ou
deixar a responsabilidade para o próximo xerife, ainda sim mantém sua dignidade
para ter paz consigo mesmo. Não tem como não falar deste Western sem mencionar
Grace Kelly como sua esposa quaker, e a famosa canção “Do Not Forsake Me Oh My Darling”, interpretada
por Tex Ritter. Solidão, consciência, medo, e ingratidão são as temáticas
principais desta obra de Zinnemann.
3 - O MATADOR/The Gunfight (1952) – Direção: Henry
King Outro grande western de base psicológica dirigida por
um dos grandes artesões de Hollywood, e trazendo Gregory Peck numa das melhores
atuações do gênero, Jimmy Ringo, um temível pistoleiro que quer largar as armas
para viver pacificamente para a esposa e seu filho, que ainda não o conhece.
Contudo, sua fama de rápido no gatilho não só atemoriza as pessoas mais
pacatas, mas atrai aventureiros desocupados que o querem por à prova, o que faz
com que Ringo não consiga a paz que almeja. Um estudo acurado do mito do
pistoleiro, que tão logo seja afamado (ou mal afamado), outros estão dispostos
a temê-lo ou a desafiá-lo.
4 - DA TERRA NASCEM OS HOMENS/The Big Country (1958) –
Direção: William Wyler Um dos melhores Westerns
americanos que já assisti e por muitos, e também pudera, não tinha nada para
dar errado tendo na direção um dos maiores cineastas de todos os tempos,
William Wyler, que assinou grandes obras primas da Sétima Arte, como “Jezebel”, “A Princesa e o Plebeu”, “Chagas
de Fogo”, e “Ben-Hur”,
como também não podia dar errado tendo um elenco de primeira categoria como
Gregory Peck, Jean Simmons, e Charlton Heston. Outro destaque é sua produção,
com uma fotografia impecável e formato de tela panorâmica que nenhum televisor
poderia enquadrar, isto é, um dos primeiros faroestes americanos em
superprodução para afastar o público dos televisores, que então esvaziavam as
salas de exibição. Vale lembrar também de sua mensagem pacifista, coisa rara
nos filmes do gênero, já que o personagem de Peck, um almofadinha do
leste, se envolve na briga de duas famílias por causa da divisão de água, mas
ele acredita que poderá agradar a gregos e troianos. Muito interessante!
Destaque para a briga entre Peck e Heston, que viram a noite lutando, e também
para eletrizante trilha sonora de Jerome Moross.
5 - OS BRUTOS TAMBÉM AMAM/Shane (1953)- Direção:
George Stevens Era o filme
preferido do crítico brasileiro Paulo Perdigão, já falecido, entretanto a meu
ver ele é um conto moral sobre a redenção e a ótica de uma criança ao idealizar
o perfil do herói do Oeste. O baixinho Alan Ladd é perfeito como o pistoleiro
Shane, que busca a paz e quer largar as armas, mas ele não consegue quando se
vê obrigado a empunha-las para defender um casal e o filho deles, que o
idolatra como um verdadeiro mito. Shane chega a uma cidade como um típico “anjo
purificador” ao tentar distribuir dignidade e autoconfiança para os fazendeiros
amedrontados. A fábula sobre o bem e o mal e disputa entre dois é bem
caracterizada no duelo final entre Ladd (Shane) e o pistoleiro Wilson, vivido
pelo brilhante Jack Palance. Outro clássico do gênero recomendado para todos os
amantes do Western, ou simplesmente, quem ama cinema.
6 - DUELO AO SOL/Duel in The Sun (1946) – Direção:
King Vidor Verdadeiramente um Super-Western
de tirar o fôlego!!! Uma nova forma bem adulta de atrair o público igualmente
adulto as salas de cinema, e produzido por David O’ Selznick, o megaprodutor
responsável por outra obra prima (E O Vento Levou) e estrelando a
sensual Jennifer Jones e o galante Gregory Peck, que não esta nada galante
nesse filme (risos). Foi o maior êxito comercial de Selznick e que foi o apogeu
do Western romanesco, no
entanto, acabou criando problemas com ligas puritanas americanas pelo teor de
sexualidade bem apimentada e exagerada, ao introduzir o chamado “beijo francês”
no cinema americano. Além disso, a trama é basicamente uma tragédia grega, onde
a mestiça vivida por Jennifer Jones tem o pai condenado à morte por ter matado
sua mãe e o amante dela, e daí passará a viver com uma tia, vivida por uma dama
do cinema, Lilian Gish, que é esposa de um senador, vivido pelo lendário Lionel
Barrymore. Mas os dois filhos do casal se interessam pela mestiça, mas ela
acaba optando pelo mais sedutor e amoral, que é Gregory Peck, que não quer
nenhum compromisso, em vez do decente Joseph Cotten. De resto, é uma tragédia
grega a se seguir em grandes proporções, mas no grande estilo do Western
Clássico Americano.
7 - A LEI DO BRAVO/White Feather (1955) – Direção:
Robert D. Webb É um dos meus
prediletos por tratar-se de um tema antirracista, e um dos faroestes mais
respeitados sobre a temática indígena, cujo argumento foi redigido pelo
cineasta Delmer Daves, mas dirigido por Robert D. Webb (um cineasta de menor
renome, mas nem por isso menos admirado). No roteiro, Daves repetiu os mesmos
ingredientes de Flechas de fogo, realizado cinco anos antes, versando a
trajetória de jovem guerreiro cheyenne
Cão Pequeno (vivido espetacularmente por Jeffrey Hunter) e um engenheiro bem
intencionado Josh Tenner (vivido por Robert Wagner). Este tenta persuadir os
índios a mudar-se para uma reserva, mas o projeto acaba prejudicado pela
ganância de garimpeiros. A obra caminha para uma sequência final que eu mais
admiro - o confronto do solitário de Cão Pequeno, que se recusa a mudar de sua
reserva, contra as tropas da União. Destaque para a bela Debra Paget,
praticamente a repetir seu papel em Flechas de Fogo, como a irmã de Cão
Pequeno e interesse romântico do herói vivido por Wagner. Recomendo.
Poster de "A Face Oculta, de Brando
8 - A FACE
OCULTA/One-Eyed Jacks (1961) – Direção: Marlon Brando Outro Western em
superprodução que está em minha apreciação onde se tem o registro da única
experiência de Marlon Brando como diretor. Muitos apreciam "O Poderoso Chefão" como o melhor
filme de Brando, mas contesto um pouco isso, tendo em vista este excêntrico
trabalho do gênero onde o ator investiu cinco milhões de dólares, em dois anos
de trabalho. Foi uma produção tumultuada (era para Stanley Kubrick dirigir), e
das 35 horas de filme impresso, Brando selecionou material para cinco horas de
filme, que acabou sendo reduzido para 2h e 21 minutos de filme. Era para ter
sido o Western de maior duração da história se Brando não fosse obrigado a
reeditar sua duração. Além disso, tramas ligadas sobre a vingança me fascinam,
assim como a dualidade do caráter do ser humano quando se aplica no personagem
vivido por Karl Malden. Malden é bandido assaltante de bancos como Brando, e
acaba traindo este, seu melhor amigo, que passa cinco anos na prisão e jura
vingança por todos os anos que ficou no presídio, e quando finalmente o
reencontra, ele é um homem mudado, xerife de uma cidade, e respeitado pelo
povo. A questão fica se ele mudou moralmente ou isso não passa de uma fachada.
Brando sempre alegou que seu Western era um “assalto frontal ao tempo dos
clichês”.
9 - OS PROFISSIONAIS/The Professionals (1966) –
Direção: Richard Brooks Revisitado por mim
faz pouco tempo, não há a menor dúvida que esta obra de Brooks foi uma resposta
americana (uma das primeiras) para o Western italiano que já invadia as salas
de exibição, e também não foi pra menos, pois importaram até a beleza italiana
dos deuses Claudia Cardinale para se juntar as feras do cinema americano, como
Burt Lancaster, Lee Marvin, Robert Ryan, e o ator negro Woody Strode, este
excelente, mas infelizmente pouco valorizado. Um ótimo exemplar de tenacidade e
tensão, cuja trama vai adquirindo colorações políticas e éticas inesperadas,
mas com extraordinário espírito de aventura como jamais vista no gênero
americano. Destaque para a fotografia e para sua trilha sonora, de Maurice
Jarre.
10 - MEU ÓDIO SERÁ SUA HERANÇA/The Wild Bunch (1969) –
Direção: Sam Peckinpah O “clímax dos clímax” do gênero, como eu defino. Para os amantes de cinema,
e, sobretudo, do gênero que estamos debatendo, é a obra clímax da estilização
da violência, coreografada de forma ritualística em câmera lenta, evocando um
Oeste sujo e selvagem, sem qualquer idealismo romântico e lenda áurea dos
mitos, com personagens decadentes, anacrônicos, e desglamourizados. Causou
polêmica de fato, o que retardou o reconhecimento de Sam Peckinpah como um dos
grandes cineastas do gênero, pois acabou sendo cortados 56 minutos de sua
metragem original, o que provocou protestos do diretor e até mesmo por parte da
crítica, que não estava ainda acostumada com este excesso da violência nos
filmes. Outrora os ídolos do cinema americano, William Holden, Ernest Borgnine,
e Robert Ryan, três fantásticos atores (principalmente o terceiro, que atuou em
Hollywood sempre com muita competência e profissionalismo, sendo um dos meus
atores preferidos) estão soberbos e maravilhosos em seus papéis, arquétipos do
declínio e de toda decadência, que de uma maneira ou outra, desgraçadamente se
empenham em aventurar num último golpe de suas malditas vidas. Vale também
destacar a bela fotografia de Lucien Ballard.
ITALIANOS/EUROPEUS
1 - TRÊS HOMENS EM CONFLITO/Il buono, il brutto, il
cattivo (1966) – Direção: Sergio Leone
Foi o primeiro faroeste
italiano a me chamar a atenção justamente devido a falta de romancismo,
idealismo, lirismo, e todo tipo de folclore tão comumente acostumado nos
faroestes americanos. Propositalmente, o grande Sergio Leone soube o que fez ao
retratar o Velho Oeste do jeito que fosse condizer com os fatos, e descartando
mitos. A ganância e o individualismo exacerbado, pessoas querendo se dar bem à
custa de outras, são características bem acentuadas nas obras deste grande
cineasta, como vemos neste exemplar, revelando ao mundo um novo tipo de cowboy,
o mais distante possível de John Wayne, Gary Cooper, ou Randolph Scott, e seu
nome é um mito vivo – o americano Clint Eastwood. Junto a Lee Van Cleef e Eli
Wallach (maravilhoso como Tuco, o feio), formam um triunvirato de trapaças e
aventuras desmedidas, onde ao fim, o duelo a três é inevitável.
2 - DJANGO/Django (1966) – Direção: Sergio Corbucci Outra obra prima que
ajudou a consolidar o faroeste italiano na minha preferência. O mundo se rendeu
a um novo ídolo do Western europeu, e desta vez um genuíno italiano chamado
Franco Nero, um dos meus atores favoritos do gênero. Não há como não se
impressionar com uma figura calada e de toda de negro chegando a uma pequena
cidade carregando um caixão. Uma cidade dominada pelo terror da famigerada Ku
Klux Klan que para dominar o poder enfrenta bandidos mexicanos, e o estranho
Django está no meio de tudo isso para salvar a vida de uma estranha mulher, por
quem se apaixona ao seu modo. Corbucci dá a esta obra uma carga explosiva
acentuada, realçada pela antológica trilha sonora de Luis Bacalov.
3 - O DIA DA DESFORRA/La Resa dei Conti (1967) –
Direção: Sergio Sollima
Outro exemplar à italiana
do gênero que é um exercício psicológico de tensão, mas mantendo as
características do legítimo padrão do western italiano, trazendo o americano
Lee Van Cleef como um caçador de bandidos da elite que persegue um mexicano
(vivido pelo italiano Thomas Millan) acusado de violentar e matar uma menina.
Contudo após vários reveses, em que o caçador tem o seu orgulho ferido devido à
esperteza do mexicano, ele descobre que na verdade ele é inocente, vitima de
inescrupulosos da alta roda em que o caçador vivido por Cleef faz parte, e por
isso ele resolve ajudar o mexicano. Um dos melhores e mais expressivos filmes
do Western europeu, dirigido por um Sergio, mas que não é o Leone.
O "O Dólar Furado",
dos favoritos
do faroeste spaghetti
4 - O DÓLAR FURADO/Uno Dollaro Bucato (1965) – Direção:
Giorgio Ferroni
Giuliano Gemma é outro
dos meus heróis do gênero à italiana, e este filme, ainda que embora tenha
alguns clichês do Western americano, ainda assim vale o espetáculo, que como “Django”, de Corbucci, ajudou a
impulsionar a moda do bang bang a italiana. Impressionante como uma
moeda de um dólar no bolso acaba salvando a sua vida após ser abatido pelos
inimigos, e como se fosse Ullysses da “Odisseia” de Homero, volta para se
vingar dos homens que tentaram matá-lo, tiraram a vida de seu irmão, e raptaram
sua mulher. “O Dólar Furado” é
outra obra prima do gênero que ajudou no impulso do faroeste italiano.
5 - OS QUATRO MALDITOS/Los Cuetro Implacables (1965) –
Direção: Primo Zeglio
Não chega a ser um
clássico do gênero italiano, mas meus motivos para listá-lo são mais puramente
afetivos, pois foi um dos primeiros assistidos por mim ainda na infância, e em
ter como herói aqui Adam West, que no ano seguinte emplacaria como o mais
famoso Batman da TV. O cowboy aqui
vivido por West é quase limpinho, briga adoidado, mas a trama sobre um agente
da lei (vivido por West) que tentar impedir que quatro bandoleiros (daí o
título de “Quatro Malditos”, ou
no original, “Os Quatro Implacáveis”)
recebam a recompensa por terem capturado e matado um fugitivo da justiça que
era inocente não deixa de ser de toda interessante e é uma história bem
ritmada. Como não deixarão barato, os “quatro malditos” emboscam o agente da
lei, e este, terá que lutar por sua vida.
6 - POR UNS DÓLARES A MAIS/Per un pugno di dollar
(1964) – Direção: Sergio Leone
Leone parte com tudo
nesta obra desmistificadora dos mitos laureados do Velho Oeste. A ganância, o
individualismo, o dinheiro, surgindo a figura do 'caçador de recompensas', tão
enormemente explorado em outros filmes, contudo sem tanta convicção e realidade
como expõe Leone. Embora sem muitas afinidades, os personagens de Clint
Eastwood e Lee Van Cleef, por motivos diferentes, acabam esquecendo suas
diferenças e se unindo para enfrentar a quadrilha de Gian Maria Volonté, com a
intenção de dividir a recompensa por eles oferecida pela Lei. Outra obra
merecedora de destaque entre os grandes clássicos do gênero spaghetti de se fazer Western.
7 - ERA UMA VEZ NO OESTE/C'era una volta il West
(1968) – Direção: Sergio Leone
Outro exemplar, talvez o
mais popular, onde se seguiu toda a Trilogia de Leone (“Por um punhado de Dólares”, “Por uns Dólares a Mais” e “Três Homens em
Conflito”). Vale destacar que o roteiro foi escrito por Leone com colaboração
de Bernardo Bertolucci, com leves reminiscências do clássico americano “Johnny Guitar”, de Nicholas
Ray (1954). Foi uma febre ao ser lançado nos nossos cinemas em 1971, mas
infelizmente com cópias de 144 minutos devido à censura (a metragem original
aos propósitos do cineasta foi de 229, sendo reduzidas umas para 137, e outras
com 165 minutos, a versão apresentada no mercado de vídeo hoje). Uma trama com
muito sangue e sem qualquer moral, uma verdadeira crítica à mitologia do Oeste
em vez do antigo glamour dos faroestes americanos, retratando a passagem de
pioneiros para os tempos da civilização com a chegada dos trilhos das
ferrovias. Parece um paradoxo ao vermos Henry Fonda, outrora um representante
da mitologia clássica do Western Americano, o típico mocinho das telas, na pele
de um malfeitor sujo e cínico como Frank. Não foi a toa que Leone escolheu
Fonda, pois era um assíduo admirador deste ator. Charles Bronson na pele de um
pistoleiro, Harmônica (porque sempre toca esta gaita quando esta prestes a
matar), que busca vingança contra Frank, que matou seu irmão, se destaca pelo
caráter lacônico, de quase poucas falas, e de muito suspense de seu personagem,
assumindo uma atitude quase parecida com a de Sterling Hayden em “Johnny Guitar”, quando protege
a viúva Jill Mcbain, vivida por Claudia Cardinale. Mais do que uma
superprodução, é um Super-Western,
acabando por se consagrar como um dos exercícios mais ousados do cineasta
Sérgio Leone.
"Era Uma Vez no Oeste", sequencia inicial
9 - CAÇADA AO PISTOLEIRO/Un minuto per pregare, un
instante per morire (1968) – Direção: Franco Giraldi
Um Western italiano cheio
de tensão, com argumento freudiano à dimensão de tragédia grega, mas não
deixando de ser extremamente violento e desmistificador. Trata-se da história
do pistoleiro Clay McCord (vivido por Alex Cord), temido e odiado por muitos,
que tem sua cabeça a prêmio oferecido por um delegado corrupto de uma cidade
(vivido pelo ótimo Arthur Kennedy). Contudo, o delegado age fora da lei e vem a
intervir Lem Carter (o sempre brilhante Robert Ryan), governador do Novo
México, que oferece uma anistia ao pistoleiro, contudo alguns aventureiros não
querem saber e tentam emboscar McCord, que ainda enfrenta outro problema – ele
tem momentos de ataque epilético, e carrega o trauma pelo pai também ter tido
esse mesmo problema. Embora os atores principais sejam americanos, o filme
ainda conta com as presenças italianas de Nicoletta Machiavelli, e do ator
Mario Brega. Está entre meus colecionáveis.
10 - ADIOS SABATA/Indio Black, sai che ti dico: Sei un
gran figlio di... (1970) – Direção: Gianfranco Parolini
Como não podia deixar de
serem ao estilo italiano, trapaças, aventureiros sujos, e todo mundo querendo
se dar bem. É assim que funciona esta obra de Parolini, tendo como anti-herói o
aventureiro Sabata (na verdade, Indio Black no original), vivido pelo
excelente Yul Brynner, aqui ainda um tanto limpinho e barbeado como foi em Sete
Homens e Um Destino, em 1960. Sabata é um caçador de bandidos que se junta
a um vigarista, Ballantine (vivido por Dean Reed) e ao engraçado e cínico
revolucionário, o gordo Escudo (vivido por Ignazio Spalla) para combater as
forças do Imperador do México Maximiliano, e se apoderar de um carregamento de
ouro. Contudo, esta união de forças tem objetivos diversos. O destaque fica em
algumas situações engraçadas, quando o ladrão Ballantine tenta enganar seus
associados. Vale também a pena assistir “Sabata,
O Homem que Veio Para Matar” (que não tem a ver com o filme estrelado
por Brynner, apesar do mesmo nome do protagonista), estrelado por Lee Van
Cleef, onde se apresentam as mesmas situações humorísticas quando se trata de
bandido enganar o outro, afinal, quem disse que existe honra entre ladrões?
B: Quais você acha
que são os western mais subestimados de todos os tempos?
PT: Acentuo uma obra fordiana intitulada “Audazes e Malditos”, de 1960, que
trata da questão do racismo. Pela primeira vez, o Mestre John Ford desenvolveu
uma mensagem antirracista em um tom bem eloquente que chega a ser comovedor,
tendo como pano de fundo o ano de 1866, quando negros recém-libertados passam a
integrar regimentos de cavalarias comandados por oficiais brancos. Um deles, um
notável sargento vivido pelo brilhante Woody Strode, é acusado de um crime que
ele não cometeu, sendo levado à corte marcial por preconceito racial. Mas ele é
defendido por seu superior, vivido por Jeffrey Hunter. O relato do filme
(sempre reconstituindo os fatos em flashbacks) é tenso, épico, e de
uma solene dramática indescritível, que só um brilhante cineasta como Ford
poderia conceber, mas eu pessoalmente considero um de seus melhores trabalhos
junto às outras obras de requinte maior do diretor. Também “A Árvore dos Enforcados”, dirigido
por outro grande artesão dos westerns,
Delmer Daves em 1959, acredito um tanto subestimada por alguns críticos,
entretanto não poderia ter um protagonista mais humano em todos os aspectos do
que o médico Joe Frail, vivido por Gary Cooper em uma de suas últimas atuações.
Amargo, malquisto, cínico, mas ao mesmo tempo, não isento inteiramente de
altruísmo, procura esquecer um trauma do passado e tenta continuar a vida. Mas
ele percebe que nem tudo esta perdido, pois se renderá ao amor de uma imigrante
suíça que acaba salvando sua vida, vivida pela Maria Schell. Vale destacar a
bela canção interpretada por Marty Robbins. Outro western, desta vez europeu, que acho muito subestimado é “Os bravos não se rendem”, dirigido
por Robert Siodmak e Irving Lerner, que conta a trajetória do General Custer de
maneira realista e desmistificadora (nada a ver com o herói pintado por Raoul
Walsh no clássico “O Intrépido General
Custer”,com Errol Flynn, em 1945). Robert Shaw esta perfeito
como o famigerado militar em sua sede de glória, e a famosa batalha de Little
Big Horn. Contudo é um dos trabalhos menos badalados (mesmo com uma bela trilha
sonora), visto a índole verdadeira e descaracterizante do personagem, o que
pode não agradar a todos.
B: Sam Peckinpah e
Robert Altman foram meio que marginalizados por Hollywood. Mesmo com poucos
filmes sobre o tema western eles impactaram a estética do gênero para sempre.
Wild Bunch e Quando os Homens são Homens, são exemplos claros disso. Que grande
contribuição foi essa? E que outros diretores após essa geração conseguiram
essa façanha?
O genial Altman, um dos diretores que mudaram o western
PT: Conheço pouco o trabalho de Altman no gênero,
com exceção do “Oeste Selvagem”, estrelado
por Paul Newman, em 1976. Entretanto, posso adiantar que ambos os cineastas são
oriundos da televisão e dirigiram trabalhos gratificantes no gênero para a
telinha. Peckinpah chegou a dirigir episódios de “O Homem do Rifle” (com Chuck Connors) e “Paladino do Oeste” (com Richard Boone), e Altman episódios da
série “Bonanza”e “Lawman”. Acredito que a
questão da marginalização destes cineastas é que ambos foram sinceros demais em
suas obras, sem rodeios. Peckinpah recorreu à violência em “Meu ódio Será Sua Herança”,de
1969, e a partir daí, não foi só no gênero western
que se viu esta apelação do diretor que é consagrado como o “Poeta da
Violência”. Basta acessarmos seus outros ótimos trabalhos como "Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia"(1974)
e "Sob o Domínio do Medo"(1972),
que poderemos ver também esta exaltação. Quanto a Altman, como vi “Oeste Selvagem”, senti a desmistificação
de uma lenda, no caso Buffalo Bill, e grande parte dos produtores embora saibam
que as lendas e mitos não correspondem à verdade, ainda assim preferem que as lendas
sejam impressas. Hollywood durante anos promoveu isso em seus westerns, e mesmo com o desenrolar das
mudanças graças aos faroestes italianos, a indústria de cinema não parecia
apoiar esta descaracterização dos mitos tão amados pelo folclore americano.
Contudo, a grande contribuição destes dois mestres foi tentarem fazer um novo
estilo de western, sem exaltação de
mitos ou heróis, sem áura romântica, propondo para as plateias mundiais que o
Velho Oeste também pode ser interessante se analisarmos seus personagens e o
meio social em que viveram. Acredito que Lawrence Kasdam (que realizou em 1985
o ótimo “Silverado”), que
também realizou pouquíssimos trabalhos no gênero (o último, “Wyatt Earp”, de 1994, com Kevin
Costner, que foi um fracasso), e atualmente Tarantino, vem conseguindo esta
proeza de impactar a estética, e por que não dizer, imortalizar o gênero.
B: Sabemos que
ainda existem produções western
tanto nos EUA quanto na Europa. Mesmo com Tarantino e outros diretores fazendo western
a sua maneira e em forma de homenagem, podemos afirmar que esse gênero morreu
ou ainda vai ressuscitar em uma grande e genial produção?
PT: Acredito que, na verdade, o western nunca morreu. Naturalmente as
produções de hoje são em menor escala, e não como era a mais de 50 ou 60 anos
atrás, época rica em criatividade e em franca produção, onde tínhamos cineastas
brilhantes como John Ford, Raoul Walsh, Howard Hawks, Anthony Mann, Delmer
Daves e claro, incluindo Peckinpah, Leone e outros mais. Mas de uma forma ou de
outra, o faroeste está vivo, só esta adormecido enquanto um cineasta fera como Tarantino ou como Clint Eastwood, a lenda viva, não rodarem novos trabalhos no
gênero (será que Clint pensaria em rodar um novo faroeste? Seria genial!). E
enquanto isso, também, novas produções são realizadas pela TV americana ou
mesmo para o cinema sem sabermos. Mas uma coisa é certa: este gênero
estritamente americano também batizado pelos italianos não morreu e nem morrerá
tão cedo se depender de cada fã e espectador como nós para divulgar, apreciar e
assistir. Podem acreditar!
B: Quais filmes western merecem destaque a partir dos anos 80 até
hoje, nos faça uma lista de alguns que são pouco conhecidos?
Willie Nelson em
"Justiça para um bravo"
PT: Não estou muito a par das novidades em
matéria de western nos últimos
tempos, mesmo porque sigo um esquema eclético focalizando em geral o cinema
antigo e todos os seus gêneros, mas naturalmente, o western tem um espaço com todo carinho dedicado. Entretanto, posso acentuar
alguns trabalhos do faroeste já tanto esquecidos na metade dos anos de 1980,
como “De Volta ao Oeste” (“Once
Upon a Texas Train”), de 1986, para a TV, dirigido por um dos grandes
especialistas do gênero, Burt Kennedy, e trazendo Richard Widmark (um notório Man
Of The West de primeira), Angie Dickinson, e o cantor Willie Nelson, além
de contar com presenças conhecidas como Chuck Connors, Stuart Whitman, Jack
Elam, Ken Curtis, Dub Taylor. No ano seguinte, o mesmo Willie Nelson foi o
protagonista de “Justiça para um Bravo”(“Red Headed Stranger”),
também realizado para a TV, onde contou com as presenças da bela Katharine Ross
(de “Butch Cassidy”) e do
excelente Royal Dano (cujo seu melhor papel de destaque foi no western “Irmão contra Irmão”, dirigido por
Robert Parrish, em 1958). Vale destacar também por esse período “O Álamo, 13 dias de Glória”, de
1987, que retrata a batalha do Álamo com mais fidelidade do que a versão
patriótica apresentada por John Wayne, em 1960, onde James Arness (da série de
TV Gunsmoke), interpreta Jim Bowie, Brian Keith como Davy Crockett,
Lorne Greene como Sam Huston (em seu último desempenho), e o inesquecível Raul
Julia como o general Santana. Em 1995, Jeff Bridges interpretou o temível Wild
Bil Hickcok na produção “Uma Lenda do
Oeste”, dirigida por Walter Hill, onde conta a trajetória
fidedigna de uma lenda, o mais distante possível de Gary Cooper na produção “Jornadas Heroicas”, de 1936, dirigida
por DeMille. Dos mais recentes que acredito que são ainda menos conhecidos, vale
destacar “Inferno no Faroeste”, de
2013, sob a direção de Roel Reiné, onde estrelam Mickey Rourke e Danny Trejo.
Parece-me que este western não chegou
as nossas salas de exibição.
B: Há um tempo eu
soube que Clint Eastwood escreveu uma carta a John Wayne pedindo a ele para
fazerem um filme juntos. Isso não aconteceu é claro. Caso acontecesse essa
produção seria ímpar e juntaria definitivamente os dois maiores ícones do western.
Um de cada estilo. E se no final do filme houvesse um duelo entre a dupla, quem
venceria?
Wayne e Clint,
o tão esperado duelo que nunca aconteceu
PT: Vixe, nem ouso te responder com segurança a
esta pergunta sem levar uma bala perdida (risos). Uma parada dura já que ambos
são dois gigantes do mesmo gênero, mas com estilos diferentes e épocas
diferentes. O mais engraçado é que, em 1989, dez anos após a morte de Wayne,
uma pesquisa realizada por uma revista de cinema apontou Clint Eastwood como o
novo sucessor de John Wayne. No entanto, Clint, apesar de admirar o bom e velho
Duke, jamais quis se comparar a ele ou sequer substituir John Wayne.
Clint tinha como modelo para o gênero o ator Gregory Peck, do qual considera
sua melhor atuação em “O Matador (“The
Gunfighter”). As performances vindas de Clint para compor seus durões
nos westerns, segundo ele, se
inspiravam em Gregory nesta obra dirigida por Henry King em 1951. É fato (e não
fita) que Clint enviou uma carta para o veterano Duke, propondo que
fizessem um filme juntos. Já pensou, Bino? Dois gigantes do gênero que talvez
pudesse precisar de duas telas do formato VistaVision para compor
tamanho encontro! (risos). Entretanto, Wayne, que vira “O Estranho Sem Nome”, a obra de Clint dirigida em 1973, não
gostou nem um pouco do estilo revisionista e violento deste western. Para Wayne, já foi difícil
filmar "Bravura Indômita",em
1969, tendo que se reinventar um pouco e quase recusou o papel que deu a ele
seu único Oscar como ator. Mas o gênero estava se desenvolvendo bem rápido, e
os faroestes estrelados por Wayne em épocas anteriores já ficavam obsoletos
para os novos padrões. Entretanto, Duke não só recusou o convite como
também aproveitou para criticar o trabalho de Clint Eastwood, que não lhe deu
ouvidos. A parceria não aconteceu e o maior prejudicado foi o público, ou, quem
sabe, o próprio Wayne. Portanto, por mais que eu adore John Wayne, acho que
Clint sacaria primeiro, ou quem sabe, por alguma "providência", um
empate técnico? (risos)
B: Para finalizar,
uma pergunta que será símbolo de todos os "Duelos" com entrevistados:
descreva você num grande filme?
PT: “Meu Ódio Será Sua Herança”. Não que
eu seja o “arquétipo da decadência” como os protagonistas da obra de Peckinpah,
que queriam realizar o último trabalho de suas vidas antes de se “aposentarem”,
mas eu sempre procuro investir nos negócios ou em qualquer situação da minha
vida como se fosse dar também o meu “último golpe”, ou concretizar meu “último
trabalho”. Isso não quer dizer, literalmente, que seja o último, mas quando
desejamos alcançar certos objetivos na vida com sucesso fica a lição que
devemos fazer o melhor do nosso melhor
em todos os nossos empreendimentos como se fosse o último. Os homens de Pike
Bishop (William Holden) não desistiram, e mesmo com o resultado que obtiveram
no final, eles foram determinados, e nós também não devemos desistir, mesmo que
nos sintamos decaídos em algum momento de nossas vidas. Assim, me descrevo em “The Wild Bunch”! "Meu Ódio Será Sua Herança"
Entre as gravadoras, o nome Blue Note é certamente
o mais mencionado entre todos aqui no blog quando falamos de música. Mais do que qualquer outro selo do
jazz, como Atlantic, Impulse!, Columbia ou ECM, ou mesmo da música pop, como Motown,
Chess, Factory e DefJam, a Blue Note Records já foi destacada em nossas postagens em pelo menos um cem número de vezes, aparecendo em diversos de nossos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS como informação essencial para, inclusive, a essencialidade das próprias obras. Não à toa. O selo nova-iorquino, que completou
83 anos de fundação esta semana, feito encabeçado pelos produtores musicais
Alfred Lion e Max Margulis nos idos de 1939, transformou-se, no transcorrer das
décadas, num sinônimo de jazz moderno de alta qualidade e bom gosto.
O conceito, aliás, já está impregnado nas caprichadas e conceituais artes dos
discos, como nas capas emblemáticas de Reid Miles, as fotos de Francis Wolff e,
por vezes, a participação de designers convidados, como Burt Goldblatt, Jerome Kuhl e, nos anos
50, um então jovem artista visual de Pittsburgh chamado Andy Wahrol. Tudo encapsulado
pela mais fina qualidade sonora e técnica, geralmente gerenciada pelas hábeis
mãos do engenheiro de som Rudy Van Gelder em seus mágicos estúdios Englewood
Cliffs, em New Jersey, outro emblema de qualidade associado à marca Blue Noite.
Mas, claro, o principal é a música em si. Musicalmente falando, a gravadora em diferentes épocas
reuniu em seu elenco nomes como Horace Silver, Herbie Nichols, Lou Donaldson,
Clifford Brown, Jimmy Smith, Kenny Burrell, Jackie McLean, Freddie Hubbard,
Donald Byrd, Wynton Marsalis, Andrew Hill, Eric Dolphy, Cecil Taylor, Hank Mobley, Lee Morgan,
Sonny Clark, Kenny Dorham, Sonny Rollins e tantos outros. Há, inclusive, os que lhe tiveram passagem rápida, mas que, mesmo assim, não passaram despercebidos, como Miles Davis, nos primeiros anos de vida do selo, ou
Cannonball Adderley e John Coltrane, que em seus únicos exemplares Blue Note, no final dos anos 50, deixaram marcas indeléveis na história do jazz.
Pode-se dizer sem medo que pela Blue Note passaram bem dizer
todos os maiores músicos do jazz. Se escapou um que outro – Charles Mingus,
Chet Baker, Albert Ayler, Ahmad Jamal – é muito. Outros, mesmo que tenham andando
por outras editoras musicais, tiveram, inegavelmente, alguns de seus melhores
anos sob essa assinatura, tal Wayne Shorter, Dexter Gordon e McCoyTyner.
Tanta riqueza que a gente não poderia deixar passar a data
sem, ao menos, destacar alguma lista como gostamos de fazer aqui. Melhor, então: destacamos cinco delas! Para isso, chamamos nossos amigos jornalistas – e profundos conhecedores de jazz – Márcio Pinheiro e Paulo Moreira, contumazes colaboradores do blog, para darem, juntamente conosco, Cly e eu, suas listagens de 10 discos preferidos da Blue Note Records.
Ainda, para completar, puxamos uma seleção feita pelo site de música britânico JazzFuel,
em matéria escrita pelo jornalista especializado em jazz Charles Waring no ano passado. A recomendação, então, é a seguinte:
não compare uma lista com outra e, sim, aproveite para ouvir ou reouvir o máximo
possível de tudo que cada uma traz. Garantia de que as mais harmoniosas notas azuis
vão entrar em sua cabeça.
Chegou a hora da verdade! A hora dos número. Mais um ano se foi e é chegada a hora de fazer aquele habitual levantamento dos álbuns que entraram para a seleta galeria dos Fundamentais do Clyblog. Lembrando sempre que, na verdade, a seção não tem por objetivo promover disputa ou qualquer tipo de comparação entre artistas e obras, mas a gente mesmo fica curioso para saber quais as marcas e quantitativos e aí, então, levantamos e, em forma de ranking, passamos para vocês.
2021 foi o ano do jazz nos ÁLBUNS FUNDAMENTAISÁLBUNS. Das 29 obras destacas na nossa seção de discos, 11 foram do refinado estilo norte-americano. Se aproveitando desse predomínio, neste período, o craque Wayne Shorter encostou definitivamente no pessoal de cima. Ainda não alcançou os Beatles, que continuam liderando, mas, junto com seu companheiro de sopro, Miles Davis, que também chegou nas cabeças, já começam a botar uma certa pressão nos rapazes de Liverpool. A propósito da Terra da Rainha, curiosamente no último ano, não tivemos NENHUM artista britânico teve discos incluídos na nossa seção. as ações ficaram basicamente divididas entre norte-americanos e brasileiros, com destaque para o primeiro japonês na lista, o versátil Ryuichi Sakamoto.
No que diz respeito aos brasileiros, Caetano Veloso que dividia a liderança com Jorge Ben, agora toma a frente isoladamente por conta pela participação no disco "Brasil", com João Gilberto, Bethânia e Gilberto Gil. Mas a disputa está tão apertada quanto no internacional e qualquer disco aqui, disco ali, no ano que chega, pode mudar o panorama.
Entre as décadas com mais obras mencionadas, os anos 70 continuam imbatíveis, embora o ano que aparece mais vezes seja o de 1986. Chama atenção que cada vez mais é inevitável que seja reconhecida a qualidade e se projete a relevância de trabalhos recentes, o que faz com que venham aparecendo com mais frequência, em maior número e cada vez mais fresquinhos, como foi o caso do recém lançado "Carnivore", do Body Count, que mal nasceu e já figura entre os melhores.
Então, vamos aos números que é o que interessa. Chegou a hora da verdade!
The Beatles: 6 álbuns
David Bowie, Kraftwerk, Rolling Sones, Pink Floyd, Miles Davis e Wayne Shorter: 5 álbuns cada
Talking Heads, The Who, Smiths, Led Zeppelin, Bob Dylan, John Coltrane e John Cale* **: 4 álbuns cada
Stevie Wonder, Cure, Van Morrison, R.E.M., Sonic Youth, Kinks, Iron Maiden, Lee Morgan e Lou Reed**: 3 álbuns cada
Björk, Beach Boys, Cocteau Twins, Cream, Deep Purple, The Doors, Echo and The Bunnymen, Elvis Presley, Elton John, Queen, Creedence Clarwater Revival, Herbie Hancock, Janis Joplin, Johnny Cash, Joy Division, Madonna, Massive Attack, Morrissey, Muddy Waters, Neil Young and The Crazy Horse, New Order, Nivana, Nine Inch Nails, PIL, Prince, Prodigy, Public Enemy, Ramones, Siouxsie and The Banshees, The Stooges, U2, Pixies, Dead Kennedy's, Velvet Underground, Metallica, Dexter Gordon, Philip Glass, Body Count, Faith No More, McCoy Tyner, Vince Guaraldi, Grant Green e Brian Eno* : todos com 2 álbuns
*contando com o álbum Brian Eno e John Cale , ¨Wrong Way Out"
**contando com o álbum Lou Reed e John Cale, "Songs for Drella"
PLACAR POR ARTISTA (NACIONAL)
Caetano Veloso: 6 álbuns*
Jorge Ben: 5 álbuns **
Gilberto Gil* **: 5 álbuns
Tim Maia e Chico Buarque: 4 álbuns
Gal Costa, Legião Urbana, Titãs, Engenheiros do Hawaii e João Gilberto* ****: 3 álbuns cada
Baden Powell**, João Bosco, Lobão, Novos Baianos, Paralamas do Sucesso, Paulinho da Viola, Ratos de Porão, Roberto Carlos, Sepultura e Milton Nascimento**** : todos com 2 álbuns
*contando com o álbum "Brasil", com João Gilberto, Maria Bethânia e Gilberto Gil **contando o álbum Gilberto Gil e Jorge Ben, "Gil e Jorge" *** contando o álbum Baden Powell e Vinícius de Moraes, "Afro-sambas" **** contando o álbum Stan Getz e João Gilberto, "Getz/Gilberto"
**** contando com os álbuns Milton Nascimento e Criolo, "Existe Amor" e Milton Nascimento e Lô Borges, "Clube da Esquina"
PLACAR POR DÉCADA
anos 20: 2
anos 30: 3
anos 40: -
anos 50: 19
anos 60: 96
anos 70: 138
anos 80: 116
anos 90: 89
anos 2000: 13
anos 2010: 15
anos 2020: 2
*séc. XIX: 2 *séc. XVIII: 1 PLACAR POR ANO
1986: 22 álbuns
1977: 19 álbuns
1969 e 1985: 17 álbuns
1967, 1972, 1973 e 1976: 16 álbuns cada
1968 ,1970 e 1991: 15 álbuns cada
1971, 1979, 1980 e 1991: 14 álbuns
1965, 1975 : 13 álbuns
1965 e 1992: 12 álbuns cada
1964, 1966, 1987,1989, 1990 e 1994: 11 álbuns cada
1978: 10 álbuns
PLACAR POR NACIONALIDADE*
Estados Unidos: 192 obras de artistas*
Brasil: 139 obras
Inglaterra: 114 obras
Alemanha: 9 obras
Irlanda: 6 obras
Canadá: 4 obras
Escócia: 4 obras
México, Austrália, Jamaica, Islândia, País de Gales: 2 cada
Japão, País de Gales, Itália, Hungria, Suíça, França, Bélgica, Rússia, Angola e São Cristóvão e Névis: 1 cada
*artista oriundo daquele país
(em caso de parcerias de artistas de páises diferentes, conta um para cada)
Nosso
primeiro colaborador da série Duelo, de entrevistas sobre cinema western e clássicos
da sétima arte, é o capixaba e morador de Niterói, José Eugenio Guimarães.
Zootecnista, Cientista Social e professor universitário de profissão. Cinéfilo
de coração, o cara é dono do ótimo Blog Eugenio em filmes. Além de escrever em
sua page diversos textos sobre várias
fases do cinema, ele é um assíduo colaborador de muitas páginas culturais e
sobre o tema na internet. Eugenio, que veio de uma família de cinéfilos,
assistiu seu primeiro filme bem precocemente, aos dois anos de idade e que
depois não parou mais. Ele mantém aquele costume voraz dos aficionados por
cinema de rever uma grande produção muitas e muitas vezes. Conta que assistiu “No
Tempo das Diligências”, mais de 200! O western é só mais uma de suas grandes
paixões. Nosso entrevistado é também um profundo conhecedor de cinema
independente e um fã declarado do cineasta brasileiro Glauber Rocha. É com ele
que vou ter o imenso prazer de bater um papo cinéfilo nestas linhas cheias de
intensidade e paixão real pelo cinema.
BINO: José Eugenio, não posso deixar de fugir
de uma pergunta meio clichê: qual foi o primeiro grande filme que te impactou, aquele
que vem à tua memória sempre num flash rápido?
John Ford
JOSÉ
EUGENIO: Impacto, mesmo, senti ao ver “No Tempo das Diligências” (“Stagecoach”,
1939), em 1963, aos sete anos. Meu pai, cinéfilo, era assumidamente fordiano. E, certamente, herdei dele
essa paixão pelo cinema de John Ford. Muito antes eu já o ouvia, enquanto fazia
a barba ou tomava banho, rememorar diálogos inteiros de “Como era verde o meu
vale” (“How green was my valley”, 1941), o filme que ele mais preferia do
diretor. Mas a experiência de ver “No tempo das diligências” em tela de cinema,
ainda menino, foi algo que jamais esquecerei. Antes de irmos ao Cine Odeon de
Viçosa/MG, no qual foi exibido, o velho, como bom pai, começou a preparar o meu
espírito para o que eu iria ver. E tudo correspondeu às expectativas. Pareceu
que eu estava sonhando. Durante muito tempo “No tempo das diligências” foi o
meu filme preferido de John Ford. Só fui revê-lo no cinema, pela última vez, em
Belo Horizonte, em 1977, quando entrei na sessão das 14h e só saí ao fim da
sessão das 22h, quase à meia-noite. Então, também o vi nas sessões das 16, 18 e
20h. Cinco sessões ao todo, enfileiradas. Saí do cinema meio tonto, mas
totalmente em paz comigo mesmo. Já vi “No tempo das diligências” mais de 200
vezes. Também já ultrapassei esse número com “Rastros de ódio” (“The searchers”,
1956) e “O homem que matou o facínora” (“The man who shot Liberty Valance”,
1962), ambos também de Ford. São filmes que sempre revejo, nos quais sempre
descubro coisas novas.
B: O primeiro filme que a gente assiste no
cinema é como a primeira transa, algo marcante. Que lembranças tens dessa época?
JE: Comigo
até que não dá para fazer essa relação. Pois o primeiro filme que vi no cinema
foi em 1958. Estava com dois anos. Minha mãe queria ver “Marcelino Pão e Vinho”
(“Marcelino Pan y Vino”, 1955), de Ladislao Vajda, e não tinha com quem me
deixar. Levou-me junto. Segundo ela, fiquei o tempo todo com os olhos
arregalados colados na tela, do começo ao fim. Evidentemente, não guardo
lembranças desse meu batismo no cinema. O que ficou dessa ocasião foram as
canções do filme, usadas por minha mãe para embalar o meu sono enquanto fui
criança de colo. “Marcelino Pão e Vinho” só fui rever em BH, em um
relançamento, quando estava com 21 ou 22 anos. Valeu como experiência afetiva,
afinal estava tendo a oportunidade de ver o filme que inaugurou a minha
cinefilia e que me fez fazer incontáveis birras para voltar ao cinema. Mas o
filme mesmo é decepcionante, muito carola e moralista, uma produção típica da
Espanha franquista afundada num catolicismo tão retrógrado como medieval.
B: Sobre tuas preferências no cinema em geral,
quais escolas tu mais admiras? Fale um pouco delas.
JE: Há
muitas "escolas". Prefiro chamar de movimentos. Mas as que fizeram a
minha cabeça ou ampliaram os meus horizontes na cinefilia são, principalmente,
o Cinema Revolucionário Russo, a Avant Gard Francesa, o Realismo Poético
Francês, o Free Cinema Inglês, o Expressionismo Alemão, o Neorrealismo
Italiano, a Nouvelle Vague Francesa e o Cinema Novo Brasileiro.
Falar um
pouco delas... Vamos lá. Tentarei ser breve.
O Cinema
Revolucionário Russo, por ter sido uma experiência que, ao menos por curtíssimo
tempo, uniu o cinema a um projeto de mudança política e social. Era o cinema no
compasso da revolução, inserido na construção de novos homem e tempo.
Infelizmente, Stálin acabou com tudo isso.
A famosa cena do olho de "Um Cão Andaluz",
de Buñuel e Dalí
A Avant
Gard Francesa, por trazer a abstração, o universo da subjetividade para o
cinema, contaminando-o de poesia, aproximando-o das outras esferas da criação. Poucas
vezes o cinema esteve tão perto do sublime e da ousadia, do rompimento de
convenções, como neste breve período circunscrito aos anos 20.
O Realismo
Poético Francês por investir no lirismo, transitando do otimismo à tragédia em
tão pouco tempo. Praticamente foi um movimento que antecipou a tragédia
europeia instalada com o Nazismo, incorporando, principalmente em seu momento
de auge, a desesperança e o fatalismo.
O
Neorrealismo Italiano por mostrar o melhor do humanismo num momento cravado na
destruição provocada pela Segunda Grande Guerra. Câmeras nas ruas e becos, sob
a realidade do sol ou da noite, acompanhando gente praticamente real,
vivenciando problemas comuns, cotidianos, principalmente os que dizem respeito
à sobrevivência. Então, é um cinema aliado ao exercício da objetividade, mas
sem se esquecer de expressar o que passa em cada particularidade dos seres em
cena.
Já o
Expressionismo Alemão apreende a realidade num momento de incerteza e
dissolução. A Alemanha derrotada na Primeira Guerra entrou numa crise profunda,
não apenas econômica como moral, política e social. A mistura de tudo isso
gerou perplexidade. O fantástico, inclusive o terror, dominaram a cena.
Personagens dementes ou próximas disso davam o tom às narrativas e ações. Não
havia explicações plausíveis para os atos. Quase tudo encontrava motivação numa
ordem transcendental, inatingível, etérea, inexplicável. A poesia, a
psicanálise, a escultura, a pintura eram fortes aliadas da composição cênica. É
como se o cinema se tornasse total, ao englobar todos os demais meios de
expressão e sem esquecer os rumos incertos que a sociedade vinha tomando. Mas
tudo prenunciava o pior, como sabemos.
A Nouvelle
Vague, por sua vez, foi o cinema do NÃO. Não a qualquer convenção, a qualquer
dependência do cinema à literatura e aos estúdios. A liberdade criativa, a
juventude, o espírito de rebeldia dominaram o movimento, que falava
principalmente ao ser e às questões da contemporaneidade. Havia uma autonomia
autoral sem precedentes. As produções eram baratas, filmava-se onde era
possível, o glamour pouco importava.
Um espírito de espontaneidade dava a tônica, algo que Jean-Luc Godard ainda
hoje preserva em seus ensaios fílmicos.
cena de "Acossado" de Jean-luc Godard
O Free
Cinema Inglês é praticamente paralelo e parecido à Nouvelle Vague, mas era
menos etéreo, mais centrado nas questões concretas e prementes da existência.
Dava para sentir os personagens pulsando de forma mais vigorosa e intensa.
No Brasil,
o Cinema Novo, tão radical, com tantos nomes importantes e a vontade de revelar
o país além dos grandes centros, também de maneira independente dos esquemas
industriais, sem muitas preocupações às fórmulas, mas criando outras. Glauber,
maior nome do movimento, era praticamente um cineasta que se reinventava de
filme para filme, até chegar na desconstrução plena da narrativa em seu esforço
tão pouco compreendido de emancipar o olhar. É um provocador que faz falta à
mesmice de agora.
B: Em relação ao western, qual foi a grande contribuição desse
gênero para o cinema mundial?
Antônio das Mortes, personagem de Glauber
inspirado em Ford
JE: Ao cinema
mundial, não sei. Mundial é muita coisa. O que se sabe de concreto é: o western, por mais que muitos lhe torçam
o nariz, foi o gênero que apresentou um tipo de homem que podem ser
caracterizado como o indivíduo em sua forma mais bem acabada, sociologicamente
falando. O cowboy ou seus similares
estavam apoiados única e exclusivamente em suas determinações, desejos e
vontades. É algo específico de uma determinada cultura. Historicamente, não há
precedentes ao tipo em nenhum outro local do mundo. Geralmente as pessoas
estavam vinculadas a alguma estrutura, a uma ordem. O cowboy, não. Goza de uma margem de autonomia sem precedentes. Isso
encantou principalmente as plateias fincadas em organizações sociais mais
tradicionais. Nisso, de certa forma, o modelo inspirou cineastas japoneses,
principalmente Kurosawa. No Brasil, Glauber Rocha, principalmente em “Deus e o
Diabo na Terra do Sol” e "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro", tem no
personagem Antonio das Mortes uma extensão. Aliás, sabe-se claramente que o
desenho do personagem está inspirado em Ethan Edwards (John Wayne), de “Rastros
de ódio”. Esses filmes de Glauber buscam inspiração nos westerns de Ford, mas sob a capa de um Eisenstein. E há a Itália,
país que sempre valorizou o gênero, tanto que inventou uma variante. Outras
formas de narrativa heroicas contaminadas pelo western pode ser encontradas no cinema popular chinês, por exemplo.
No Brasil, também há os filmes de cangaço, há muito tempo em baixa, com suas
estruturas narrativas também herdadas dos westerns,
principalmente pelo uso do cavalo pelos cangaceiros, algo que não resiste à
menor análise junto à realidade, pois cangaceiro se locomovia a pé. Mas o cowboy, mesmo, é uma experiência única,
ímpar, puramente estadunidense. É o indivíduo moldado naquilo que Weber chamou
de ética protestante – do puritanismo: alguém que apenas presta contas às suas
determinações e vontades.
B: "O Portal do Paraíso" é considerado o filme
que matou o western americano, tudo por seu grande desastre comercial. O western spaghetti também passou por seu período turbulento e, após os anos 70,
também não teve mais o brilho da era do ouro dos Sergio's e companhia. Com todo
esse hiato, raras produções western tiveram destaque no cinema. Um exemplo é “Dança
Com Lobos” e "Os Imperdoáveis", que ganharam muitos Oscar e foram muito bem
recebidos pela crítica. Poucos estúdios e diretores apostam nesse tipo de
produção. Porque você acha que este gênero está tão em baixa nos últimos
tempos?
JE: O western é vítima de vários fatores. Há
primeiro a televisão, que o banalizou com um punhado de séries familiares e
telefilmes de consumo imediato. Também há o politicamente correto. Além do fato
de que os estadunidenses em geral têm certa dificuldade de confrontar um
passado de conquista que não se afigura tão glorioso para a História, dados os
custos humanos do empreendimento. Ainda é muito complicado, para eles, discutir
o genocídio dos índios. É um tema praticamente encoberto de tabu. É uma pena,
pois se há um gênero que pode ser chamado de genuinamente nacional em se
tratando de Estados Unidos, é o western.
Quer queira quer não, mostra como o país foi conquistado e unificado. À medida
que os EUA foram se urbanizando e se industrializando, ficado mais
cosmopolitas, o western foi se
tornado um gênero ultrapassado, uma narrativa que não combina mais com a
realidade, principalmente por revelar uma etapa que se quer esquecer.
B: Tarantino e os irmãos Ethan e Joel Coen parecem ter apostado no western,
cada um a seu estilo. Como você vê a estética e os filmes destes diretores?
Francamente,
em termos estéticos não saberia como responder. Sei que são recicladores, cada
qual à sua moda. São cineastas que têm um modo próprio de expressão mas sem
abrir mão das dívidas a pagar com a tradição. Tanto que seus filmes podem ser
sérias releituras ou, dependendo do momento, também podem ser meros pastiches.
O que me irrita, hoje, é o extremo valor que se dá a esses nomes. Não tanto os
Irmãos Coen, que são brilhantes. Mas faço reservas a Tarantino, não tanto a
ele, que é bom cineasta, mas por ser visto, principalmente pelos setores mais
jovens, como um valor totalmente original. Não é, mesmo. Pode ser mais
barulhento, mas estiloso, mais midiático, mas é também um manipulador em causa
própria, um bom marqueteiro de si mesmo. Em todo caso, vamos ver. Não estou
dizendo que o abomino, muito ao contrário. Apenas revelo o que para mim
desponta como limitações.
B: Se tu tivesses que fazer uma lista de 10
grandes e definitivos westerns de todos os tempos, quais seriam?
Esse
negócio de listar "grandes e definitivos" é problemático. Mas, vamos
lá, com todo o meu perdão às injustiças que certamente cometerei:
1 - No
tempo das diligências (Stagecoach), de John Ford (1939)
2 - Paixão
dos fortes (My Darling Clementine), de John Ford (1946)
3 - Rio
Vermelho (Red River), de Howard Hawks (1948)
4 - O
preço de um homem (The Naked Spur), de Anthony Mann (1953)
5 - Os brutos
também amam (Shane), de George Stevens (1953)
6 - Rastros
de ódio (The Searchers), de John Ford (1956)
O Duke, John Wayne,
em cena de "Rastros de Ódio"
7 -
Galante e sanguinário (3:10 to Yuma), de Delmer Daves (1957)
8 - Onde
começa o inferno (Rio Bravo), de Howard Hawks (1959)
9 - O
homem que matou o facínora (The Man Who Shot Liberty Valance), de John Ford
(1962)
10 - Meu
ódio será sua herança (The Wild Bunch), de Sam Peckinpah (1969)
Puxa,
apenas 10 títulos! Acabei de excluir cerca de 16 outros, que considero
essenciais, da lista. Parece que acabo de cometer pecado mortal.
B: Agora mudando o rumo da conversa. Quando
Redford quando criou Sundance queria dar oportunidade ao cinema independente. Muitos
diretores e produtores beberam nessa fonte que Cassavetes catapultou anos
antes. Que tu acha desse tipo de cinema não tão mainstream? Algum filme ou diretor te chamou atenção
nestes últimos anos?
JE: Esse
tipo de cinema, à margem, é essencial. E aí que vamos encontrar os germes de
renovação, as criatividades. Cinema é indústria e indústria é algo formatado,
que pode ser reproduzido em grande escala. O cinema independente está à margem
disso, pode se afastar das convenções, investir em pesquisas estéticas,
formais, autorais; pode correr riscos com mais facilidade. Pode ousar. Pena que
todo sopro de independência, de rebeldia, acaba, com o tempo — e são raras as
exceções —se incorporando ao mainstream,
ainda mais no cinema americano. Gosto de citar um caso extremo: John Waters,
com seu cinema de guerrilha. Já significou mau gosto. Vide “Pink Flamingos”.
Hoje, é encenado na Broadway. Seus exercícios autorais, fétidos, imorais e
amorais já foram incorporados à industria e refilmados segundo os grandes
esquemas. Vivemos tempos cada vez mais perigosos ao autoral e ao independente.
O capitalismo incorpora tudo, até o que lhe é contrário. Basta ser domesticado,
esquematizado e, claro, dar lucro.
Sobre quem
está chamando a minha atenção nos últimos anos: Sophie Deraspe, Martin Laroche,
XAvier Dolan, Stéphane Lafleur, Robert Morin, Denis Villeneuve, Alexandro
Avranas, Rosario Garcia-Montero, Petra Costa, Peter Webber... deve ter mais
alguém.
B: E sobre as produções Brasileiras e
Latino-Americanas o que você tem a dizer?
JE: Bom...
O cinema brasileiro sempre me interessou, desde que me habituei a vê-lo já na
fase final das comédias da Atlântida. Nós temos um cinema muito bom, diferente,
com valorosos cineastas. No tempo do Cinema Novo éramos uma das cinematografias
mais desafiadores. O cinema brasileiro foi recordista mundial de prêmios em
mostras e festivais internacionais nos anos 70. Penas que os contextos
políticos não ajudaram.
Já vi
muitos filmes mexicanos. Eram exibidos facilmente no Brasil até o começo dos
anos 70. Havia aqui uma representação da PelMex – Películas Mexicanas –, que
fazia a distribuição do que veio a ser conhecido como Cinema de Lágrimas. O
cinema cubano também teve melhores dias entre nós, principalmente o Novo Cinema
Cubano (já velho), dos anos imediatamente posteriores à Revolução.
Pouco
conhecemos das produção dos nossos vizinhos, excluída, atualmente, a Argentina,
que vive um contagiante momento de euforia. Quanto a nós, agora, parece que
estamos prisioneiros do formato ditado pela Globo Filmes. Mesmo assim, não
podemos reclamar, pois temos Jorge Furtado, Fernando Coimbra, Karim Aïnouz, Cláudio
Assis e gente mais velha que ainda está na ativa apesar de todas as
dificuldades.
B: O que tu achas do cinema como ferramenta de
inclusão social?
As
contribuições seriam exatamente a de levar o cinema à população. Tentativa que
não é nova e era praticada em tempos mais generosos e mais fartos de filmes com
temáticas populares e de acesso mais facilitado ao público em geral,
principalmente ao carente de cinema. Nos anos 60 e 70 os cineclubes faziam essa
ponte, levando o cinema à população que nunca o teve. Inclusive estimulando-o a
tomar a câmera como exercício de criação própria. Cheguei a participar um pouco
dessa fase, em meus dias de cineclubismo.
B: Para finalizar, se você se definisse como
pessoa em um filme, qual seria ele, e por quê?
JE: Ah! Não
sei. Certamente seria alguém semelhante aos personagens interpretados pelo
Wilson Grey, pelo Hank Worden, pelo Henry Calvin. Nunca me preocupei com isso.
Mas alguém heroico é que não seria. Estou mais perto do perfil dos perdedores.
Se tivesse que ser um cowboy,
encontraria afinidades com o Monte Walsh vivido pelo Lee Marvin em “Um homem
difícil de matar” (Monte Walsh, 1970), de William Fraker.