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quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Exposição "Tudo pode (perder-se)", de Tadeu Jungle - Centro Cultural Fiesp - São Paulo/SP

 

Era um dos momentos especiais do Perdidos na Noite, o histórico e transgressor programa da Band que lançou Faustão na TV nos anos 80. O quadro se chamava Sofá Ambulante. Tratavam-se de entrevistas feitas sobre a caçamba de uma caminhonete, que circulava carregando os participantes e filmando-os só do peito para cima, como se estivessem soltos no ar pelas ruas de São Paulo. Aquilo, que parecia uma performance filmada, chamava atenção para os entrevistados, mas, tanto quanto, para o intrépido entrevistador: um cara chamado Tadeu Jungle. Ali conheci este artista multimídia ativo e considerado no meio paulistano, uma referência da arte pop dos anos 80.

Eis que, nessa frutífera passagem por Sampa, deparamo-nos com uma exposição individual de Jungle no Centro Cultural Fiesp, na Paulista: "Tudo pode (perder-se)". Mais que isso: era a primeira exposição individual de retrospectiva da obra deste jornalista, videomaker, poeta, músico, fotógrafo e criador visual, reunindo cerca de cem poemas, 30 vídeos e duas músicas de sua autoria do final dos anos 70 para cá. A produção de Jungle, em vários suportes, vai desde vídeos, serigrafia, foto, instalação, pintura, tapeçaria ou escultura, sendo possível dimensionar a riqueza de sua poética, visto que forjada na poesia concreta, quanto, principalmente, simbólica, dado que atravessa mais de quatro décadas ajudando a refletir (sempre com muita ironia) os processos e mudanças da comunicação de massa neste período. Aliás, tema recorrente em sua obra. Seja a televisão, a publicidade, o cinema, a moda ou o deslumbramento com a mídia: tudo é munição para o olhar atento e arguto de Jungle.

Poesia visual de Jungle:
identificação com ele
Minha identificação com ele, ao conhecer mais a fundo seus trabalhos na mostra, só se confirmou. O trato com a poesia concreta é um exemplo. Obras como “O Confronto da Ordem” e “Hiato” lembram (sem qualquer nível comparativo) coisas que eu produzo nessa linha poético-visual. Mas, claro, Jungle vai muito além disso, a se ver pela engenhosa escultura cinética "Respiro (o primeiro e último)", pelo quadro "Tiganho Gatinha" (acrílica sobre papel), o mural “Verdade/Mentira" ou o poema-objeto vestível "#Eumesma #Eumesmo" – que, claro, Leocádia e eu vestimos.

Sarcástico, Jungle (que também está presente noutra exposição que visitamos em São Paulo, a "Fullgás", no CCBB, só sobre a arte brasileira dos anos 80 e a qual ele mesmo é uma das referências) segue valendo-se da sua própria imagem como figura de expressão, artifício comum aos artistas modernos. Em “Autorretrato com cara de cu - Bola, Omo e Osso”, ele mesmo aparece em fotos tão publicitárias quanto ridículas em um triedro cinético. Sarcasmo que domina a série “Faz de Conta”, em que o artista permite-se ser qualquer coisa: Messi, estrela de TV, Barbie ou simplesmente alguém amado.

Da variedade conceitual de Jungle, também merecem atenção, claro, os vídeos, plataforma pela qual é bastante conhecido. “Isto Teve Roteiro”, de 2007, homenageia o pai da videoarte, o coreano Nam June Paik, com sucessivas superposições de imagens e trilha de Luiz Macedo. Já a instalação urbana que leva o nome da exposição, realizada em 2003, quando ele distribuiu por ruas de São Paulo e sem autorização 15 faixas de 9m de largura com os dizeres “TUDO PODE” e “PERDER-SE” é nada menos que genial.

A genial instalação não-autorizada que 
leva o nome da exposição

Igualmente interessante é a série “Legenda” (foto digital em impressão fine art sobre PS), na qual extrai legendas de frames de filmes diversos e os dispõem sem aparente conexão entre um e outro, criando, assim, um universo instigante de nexos improváveis, engraçados e aleatoriamente plausíveis.

Seja na poesia visual, no vídeo, na pintura tradicional ou em qualquer formato, a exposição tem esse poder de mostrar um Tadeu Jungle completo e complexo, bem como dimensionar seu papel na arte moderna paulistana e brasileira nesses últimos 40 anos. Aquele inquieto repórter do Sofá Ambulante, como se vê, continua circulando por aí com suas ideias e irreverência nos mais diferentes níveis.

Confira um pouco de como foi a exposição:

De cara, somos recebidos por esta escultura cinética 
chamada "Respiro (o primeiro e último)"

Impressão fine arte sobre PS de 2002-2025

"Hiato", da concepção a mão à obra em si

Vinda, ida, palavra, outra e... mais uma

Poesia visual: nem tão óbvio assim

Enial G

"Tiganho Gatinha", das primeiras obras, de 1980

Algumas das primeiras pinturas com forte influência da arte do começo dos anos 80

"Ideograma para Yoko" (spray sobre papel, de 1980)
e "Quero um filho" (acrílica sobre papel, 1984)

Cadernos que trazem a beleza do traço de Jungle e percorrem dos anos 70 aos 2010

Instalação que já foi motivo de obra única de uma exposição de Jungle, no início dos anos 2000

Verdade ou mentira? Truth or Lie?

Autorretrato com cara de cu - Bola, Omo e Osso”
Jungle vira obra

Frame de uma das videoartes, a praia de Jungle ("Medo", 2006)

"Culpa". Quem nunca?

Outro baita vídeo de Jungle, este em 
homenagem a Nam June Paik, de 2017

Da recente série "Faz de Conta": crítica à mídia sempre presente

É possível ser qualquer coisa no mundo atual - e ser nada ao mesmo tempo
Sendo, agora, escritor: Ray Bradbury ("Farenheit 451")
e Guimarães Rosa ("Grande Sertão, Veredas")

Tapeçaria de Jungle para se dizer Messi


Mais uma instigante instalação da exposição de Jungle

Fotografias digitais que se refletem a partir de legendas de filmes

Muitos sentidos - quando não, engraçados

Nem nós

Estes dois visitantes, claro, vestindo-se de si mesmos através da arte de Jungle


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texto: Daniel Rodrigues
vídeos e fotos: Daniel Rodrigues e Leocádia Costa

sábado, 9 de agosto de 2025

"F1, O Filme", de Joseph Kosinski (2025)

 



Vejo Fórmula 1 desde 1981, desde o primeiro título de Nelson Piquet. Fiquei fã do esporte, vibrei com os brasileiros, com o bi de Piquet, a maestria de Senna, reconheci a grandeza de rivais como Prost, Lauda, Mansell, admirei Schumacher e segui interessado até o início dos anos 2000. Me afastei na primeira década do século XXI por conta do nascimento da minha filha que fez com que eu tivesse que dedicar as atenções do domingo de manhã ao carrinho de bebê e não a carrinhos correndo na TV, mas muito também pela monotonia que a disparidade que equipes dominantes determinavam às demais naquele momento. Curiosamente, as duas razões que me afastaram da Fórmula 1, acabaram me reaproximando dela: minha filha, agora crescida, assim que se fez gente se interessou pelo esporte fazendo com que eu voltasse a acompanhar com ela, e a FIA, percebendo que cada vez mais perdia público e interesse geral, tomou suas providências de modo a aumentar a competitividade, reconquistar a audiência e atrair novamente a atenção mundial.
Dentro das pistas, providências técnicas, recursos para gerar mais disputas e ultrapassagens, pilotos jovens, regras de conduta mais rígidas, mais segurança, fora dela uma identificação maior com a nova geração, interação nas redes sociais, visual videogame nas transmissões de TV, gráficos variados na tela, câmeras on-board, abertura de novos mercados e ampliação do número de provas... A Fórmula 1 conseguira ficar legal de novo.
Novas frentes como a Internet estavam sendo bem explorados com hashtags, interatividade, publicidade, mas ainda havia horizontes a desbravar e o cinema era um deles. Em uma época de efeitos visuais avançados, recursos sonoros impressionantes, por que não produzir um filme e levar toda a emoção e velocidade para as telonas? Foi o que a organização da liga de automobilismo, alguns líderes de equipes e alguns pilotos com visão de investidor fizeram: botaram uma grana, juntaram patrocinadores, chamaram um bom time técnico pra executar o projeto e botaram um grande astro como protagonista. E eis que temos "F1, O Filme"!
Clima quente dentro dos boxes.
Clichê, a velha receita de bolo de Hollywood, nada muito for do convencional, mas MUITO LEGAL! As cenas de corrida são emocionantes, eletrizantes, apoteóticas. A boa condução de uma trama simples faz com que a gente se envolva e acabe torcendo como se estivesse assistindo a corridas de verdade. E, além disso, o fato de transpor para a tela o verdadeiro universo da categoria, com os circuitos onde realmente ocorrem as provas como Spa, Silverstone, Monza, as equipes que conhecemos (Ferrari, Mercedes, Red Bull) e a inserção dos próprios pilotos de verdade na história, inclusive com a participação de alguns deles como Verstappen e Hamilton contracenando com os atores, cria toda uma identificação com o filme e torna a experiência muito mais envolvente.
Muito bem realizado tecnicamente, "F1" traz o universo da grana, interesses, contratos, os bastidores, a tecnologia, a 'dança das cadeiras' de pilotos, o paddock, numa história onde um piloto aposentado, Sonny Hayes, é chamado de volta à ativa por um antigo colega de pista, Ruben Cervantes (Javier Barden), agora executivo de uma equipe, para tentar atingir metas contratuais e fazer ao menos alguns pontinhos com um carro bastante limitado de modo a garantir sua manutenção acionária. O veterano, Sonny, interpretado por Brad Pitt, se depara na equipe com um novato talentoso, Noha Pierce, que bate de frente com ele por conta de sua vaidade e imaturidade. Conflitos e insucessos se tornam inevitáveis dentro da escudeira enquanto a engenheira Kate tenta desenvolver o carro ao longo das provas e o final da temporada se aproxima, com o tempo se escoando para que se atinja minimamente os objetivos dos donos da equipe.
O desenvolvimento do acerto do carro, os resultados obtidos pela equipe em pouco tempo, alguns procedimentos de corrida como decisões da direção de prova, e a redenção final (não estou dando spoiler), são alguns pontos um pouco contestáveis do filme no que toque à verossimilhança, mas ok..., é cinema, vamos relaxar um pouco, né? E, de mais a mais, quer esporte mais cinematográfico que esse? Carros batendo na última volta e a vitória ficando para outro, a glória de um veterano que nunca marcara um ponto subindo ao pódio pela primeira vez, acidentes espetaculares, piloto resgatado de um carro em chamas... Não, não estou falando do filme. Tudo isso já aconteceu de verdade. Pois é...
Fórmula 1 é ABSOLUTE CINEMA!


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"F1, O filme"
Título Original: "F1, The Movie"
Direção: Joseph Kosinski
Gênero: Ação/Drama/Esportes
Elenco: Brad Pitt, Damson Idris, Kerry Condom, Javier Bardem
Duração: 156 min
Ano: 2025
País: Estados Unidos
Onde assistir: Nos cinemas


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por Cly Reis

terça-feira, 8 de julho de 2025

Claquete Especial Mês da Luta Antirracista - "A regra é o respeito"*

 

O competente e precursor De e seu Dogma Feijoada
Em 2000, o cineasta paulista Jeferson De, em colaboração com outros realizadores negros, lançava, durante o 11º Festival Internacional de Curtas de São Paulo, o chamado Dogma Feijoada, marco daquilo que se pode chamar de cinema negro brasileiro moderno. Embora a prática do audiovisual entre realizadores negros no Brasil se dê de muito antes, o movimento em si ainda parece bastante válido 25 anos após seu lançamento. De – que posteriormente prosseguiria contribuindo com a própria ideia de um cinema feito por negros com filmes como “Bróder”, de 2011, e “Doutor Gama”, de 2021 – apresentava um programa composto, além de outras atividades, pelo manifesto Gênese do Cinema Negro Brasileiro. Em referência ao Dogma 95, criado pelos cineastas europeus Thomas Vinterberg e Lars Von Trier cinco anos antes e que defendia a necessidade de produções mais realistas e menos comerciais, o Dogma Feijoada interrogava uma urgência histórica bem mais doméstica: “o que entendemos como cinema negro brasileiro?”

Dentre as diretrizes e exigências do manifesto, havia sete “regras” para a produção de um cinema negro: (1) o filme tem de ser dirigido por realizador negro brasileiro; (2) o protagonista deve ser negro; (3) a temática do filme tem de estar relacionada com a cultura negra brasileira; (4) o filme tem de ter um cronograma exequível. Filmes-urgentes; (5) personagens estereotipados negros (ou não) estão proibidos; (6) o roteiro deverá privilegiar o negro comum brasileiro; e (7) super-heróis ou bandidos deverão ser evitados.

Tal como devem ser os manifestos políticos, o Dogma Feijoada trouxe o tema à tona de forma abertamente impositiva. Não haveria de ser de outro jeito. Afinal, estava-se, naquele momento, virada do século 20 para o 21, resgatando não apenas uma fatia econômico-produtiva dentro de uma indústria há muito existente no Brasil. Mas, sim, estava-se, ao menos no setor audiovisual, recuperando séculos de total desumanização de um povo pela prática da escravidão e outros quase 120 anos de sequestro intencional e deliberado da mão de obra negra após a Lei Áurea, de 1888, e o projeto estatal de embranquecimento e substituição dos “ex-escravos” por imigrantes europeus brancos.

"Kasa Branca!, dos exemplos da nova safra do
cinema preto brasileiro
Passadas mais de duas décadas desde a provocação de De e sua turma, a boa notícia é que, sim: avançou-se de lá para cá em termos de produção negra no cinema nacional. Senão em todos, pelo menos em vários dos requisitos elencados. Quando a Dogma Feijoada foi parar no estômago do cinema brasileiro, algumas ações na direção de uma maior equidade de oportunidades e compensação histórica estavam sendo preparadas. No Senado Federal, consolidava-se, também em 2000, o Comitê Permanente pela Promoção da Igualdade de Gênero e Raça. Naquele mesmo ano, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovava uma lei que reservava metade das vagas das universidades estaduais para estudantes de escolas públicas, semente do que resultaria na exitosa Lei de Cotas, conhecida também como Lei 12.711, aprovada em 2012. 

A realidade do audiovisual brasileiro mudou bastante, principalmente a partir de então. Mas é fato que ainda insuficiente para dar conta da demanda reprimida da comunidade negra. Em 2024, a Cinemateca Negra realizou um levantamento inédito, que mapeou 1.104 filmes dirigidos por pessoas negras no Brasil desde a década de 1940. O estudo revelou que 83% dessa produção surgiu, justamente, entre 2010 e 2020. Contudo, essa parcela representa somente 10% dos filmes brasileiros lançados no mesmo período.

Hoje é possível se verem filmes como “O Dia que te Conheci”, de 2024, dirigido pelo cineasta negro André Novais Oliveira e realizado pela produtora mineira Filmes de Plástico, que privilegia em suas produções personagens negros da vida real, ou seja, longe de se passarem por “super-heróis ou bandidos”. A “urgência” se evidencia ao abordar o tema da depressão e das pressões da vida social, enquanto o item da “cultura negra”, outra exigência posta em manifesto, está inserido de forma naturalizada em seus protagonistas, que tentam existir na cidade com suas ancestralidades e bagagens pessoais.

O tocante "O Dia que te Conheci": cinema negro 
em essência e na prática

Outro título emblemático para o novo cinema brasileiro é “Marte Um”, de 2022, também da Filmes de Plástico, este, dirigido pelo igualmente cineasta negro Gabriel Martins. Ao natural, também atende a todos os predicados ditados pelo Dogma Feijoada: protagonismo negro atrás e na frente da tela, representação da vida de pessoas comuns, questões sociais imperiosas, quebra dos modelos preconcebidos, projeto exequível. E o mais importante: ambos são histórias bem contadas, humanas, tocantes, que aproximam tanto o público negro da tela quanto demonstra a realizadores afrodescendentes que, sim, “nós podemos” realizar um cinema honesto e de qualidade sobre as nossas coisas.

Bulbul, figura essencial para o
cinema negro no Brasil
Se “O Dia que te Conheci”, “Marte Um” e outros filmes da atualidade (como “Kasa Branca”, “Mussum - O Films” e “Othelo, O Grande”) representam o objetivo traçado anos atrás, é evidente que, para se chegar a tal estágio, muito se precisou caminhar. Precursores do cinema negro brasileiro, como Cajado Filho e Haroldo Costa, tiveram em Zózimo Bulbul, Adélia Sampaio, Odilon Lopes e Joel Zito Araújo, principalmente, a consolidação de um cinema preto no Brasil. 

No entanto, o que pareceu escapar à ambição momentânea do grupo do Dogma Feijoada é um dos gargalos do cinema nacional atualmente: como distribuir e onde exibir tais produções? Como fazer esse cinema tão importante para a autoidentificação de um país chegar ao público de interesse? Numa busca na internet por alguns títulos nacionais que tratam das questões do negro, como “Todos Somos Irmãos” (1949) ou “Quilombo” (1984), é possível encontrá-los disponíveis no Youtube. Porém, vários outros, principalmente os mais recentes, somente nos streamings – e de forma paga. 

Com salas de cinema cada vez mais escassas, iniciativas como a 1ª Mostra de Cinema Negro na Escola, que ocorre até dia 11 na Cinemateca Capitólio, em Porto Alegre, são louváveis. Com sessões gratuitas e uma seleção de filmes negros brasileiros, a iniciativa irá exibir filmes com temática afro-brasileira para estudantes e professores de 50 escolas estaduais e municipais da capital e da região metropolitana, atingindo cerca de cinco mil alunos e docentes.

Em um mês marcado por várias datas de combate ao racismo (Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial, 3, Dia Internacional Nelson Mandela, 18, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha e Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, 25), é fundamental que iniciativas e programas públicos como este fomentem a exibição de produções pretas como forma de ampliar o acesso ao que realizadores negros têm a dizer e ao que os olhares (sejam pretos ou não) têm a enxergar. Aproximar o público daquilo que lhe interessa e pertence. A visibilidade das histórias e contribuições da comunidade negra deve proporcionar um espaço de reflexão e diálogo, tão fundamental a uma sociedade democrática que se pretende igualitária. E sem que se precise enumerar regras para isso, como a bem pouco tempo. Oxalá a única regra seja ditada por apenas uma sentença: respeito. 

*artigo originalmente publicado no Segundo Caderno do jornal Correio do Povo em 27 de junho de 2025


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Daniel Rodrigues


sexta-feira, 4 de julho de 2025

peça "Traidor", de Gerald Thomas – com Marco Nanini - Teatro Moise Safra – São Paulo/SP


Nunca havia visto Gerald Thomas no teatro. Figura que revolucionou o teatro brasileiro nos anos 80 e 90, o famoso (e polêmico) dramaturgo e diretor teatral norte-americano radicado no Brasil é amado e odiado. Parte da crítica vem da excessiva "cerebralização", se pode-se assim dizer, daquilo que escreve e dirige. Independente de qualquer previsão, Leocádia e eu identificamos a oportunidade de vê-lo em uma das noites que estivemos em São Paulo mas, principalmente, ver Marco Nanini em cena. O veterano ator pernambucano de tantos papéis espetaculares e memoráveis da TV, do cinema e do teatro é quem protagoniza o quase monólogo de Thomas chamado "Traidor", que assistimos no aconchegante teatro Moise Safra, na Barra Funda. (Esse "quase" será explicado mais adiante.)

Vamos à parte boa primeiro: Nanini. Domínio de palco total, ele faz a peça inteira da cadeira de rodas, que atualmente usa por problemas na coluna. Mas isso não desmerece o espetáculo. Pelo contrário, coloca a peça em um extremo cênico, delegando ao texto aquilo que deve ser: o principal. Na boca de Nanini, conseguimos achar graça, sofrer, consternar, refletir. Tudo junto e misturado dada a habilidade do ator que já encarnou de João de Deus a Toni/Cleide Albuquerque (Irma Vap) em transitar da tragédia à comédia.

Contudo, não sei se notaram, mas listei alguns sentimentos que a plateia sente junto com o ator, mas não mencionei o verbo "emocionar", né? Proposital, pois, acima de tudo, a peça de Thomas não arrebata. Em nenhum momento. Aliás, o público se mostrou bastante frio (e eu que pensava que nisso fosse coisa de plateia gaúcha). Algumas risadas tímidas aqui e acolá, principalmente na parte em que o personagem começa a enumerar as coisas as quais é viciado, como em jogo, bebida e, inclusive (claro), sexo, mesmo confessando estar "brocha". Mas para por aí, pois o texto é, se não confuso, excessivamente fragmentado, inconcluso e... cerebral. Parece - e isso acabou se configurando numa confirmação das críticas a Thomas - que a ideia "completa" do que diz está na cabeça dele, e que ele delega ao espectador que este decifre os códigos. Que nunca serão decifrados, óbvio, visto que, quiçá, nem mesmo no intelectualizado encéfalo de Gerald Thomas, que busca referências em Kafka e Shakespeare em "Traidor", essas ideias se coadunem integralmente.

O mote da peça dá um certo desconto para tamanha falta de linearidade. Trata-se do delírio psicológico de um ator acreditando e vivendo a soma de todos os personagens da história do teatro. Ele está isolado em uma ilha, é acusado de algo que não cometeu e dialoga com a própria consciência, com seus fantasmas e suas reflexões sobre o passado, o presente e o futuro.

Nanini: domínio do palco, mesmo na cadeira de rodas

Nessa linha, a ideia de que o ator velho é afetado pela confusão mental e existencial é "traído" por suas memórias me agrada mais do que a própria farsa de que o este age para trair o público, pegá-lo no contrapé a cada virada do texto. Se era essa a intenção, não funcionou. Ou pior: não deu pra entender se é isso mesmo que se quis transmitir.

Quando falei parágrafos antes de que se tratava de um "quase monólogo" é porque Nanini, sim, diz praticamente 100% de texto, não fosse a participação de alguns figurantes, que dançam, sambam, contorcem-se, esfalfam-se, matam-se no palco de forma a dar algum movimento às sinapses mentais do personagem e ao espetáculo em si. Jogos de luzes, músicas e sonoplastias completam a cenicidade junto com um boneco gigante de Nanini caído inerte sobre metade do palco e enrolado em uma espécie de rede de pescador. 

Mas nada disso ajuda a amplificar o texto. A sensação que se tem é a de que em nenhum momento se aprofunda de verdade nesse inconsciente do artista, pois o próprio não está conceitualmente bem situado entre o onírico e o real. Há umas conversas do personagem com uma voz feminina de seu inconsciente, que lá pelas tantas, esquece-se de usar esse recurso e que chega ao estranhamento de chamá-lo uma hora de 'Nanini". Ora: não é o "Nanini" que estamos vendo! É o Nanini não sendo Nanini para ser Nanini, entenderam? Pois é, foi isso que Gerald Thomas nos fez querer acreditar e que talvez nem ele mesmo tenha entendido.

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"Traidor"
Direção e texto: Gerald Thomas
Gênero: Drama/Comédia
Elenco: Marco Nanini
Duração: 70 min
Ano: 2023
País: Brasil
Onde assistir: Nos teatros


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Daniel Rodrigues

quinta-feira, 15 de maio de 2025

Argemiro Patrocínio - "Argemiro Patrocínio" (2002)

 

“Eu só faço samba sobre coisas que me inspiram.”
Argemiro Patrocínio

Existem talentos especiais que passam pela Terra quase despercebidos. Embora esse descuido possa ocorrer em qualquer canto do planeta, não é difícil de se supor que os vícios de alguns lugares favoreçam a que preciosidades sejam obscurecidas – às vezes, por uma vida inteira. O Brasil, país jovem e com sérias dificuldades históricas de autoidentificação, é prodígio quando o assunto é apagar seus próprios iluminados, quanto mais, os da cultura popular. Com o samba, que sofreu por décadas perseguição, proibição e preconceito, a demora no reconhecimento de atores fundamentais para a construção do gênero musical mais original e identitário brasileiro promoveu um atraso quase irrecuperável. Dona Yvone Lara, Adoniran Barbosa, Cartola, Nelson Cavaquinho, Clementina de Jesus e Nelson Sargento, por exemplo, só lançaram seus discos de estreia na terceira idade. A vida humilde, a discriminação e a ralação do dia a dia sempre lhes foi uma realidade inescapável.

Se com esses grandes nomes quase não deu tempo de aproveitá-los, imagine-se com os sambistas de comunidade, menos midiáticos. É o caso de Argemiro Patrocínio, também conhecido por Argemiro do Pandeiro, Argemiro da Portela ou, simplesmente, Seu Argemiro, como era chamado em Madureira e Oswaldo Cruz, chão dos portelenses. De uma geração à frente de Monarco ou Candeia, dois referenciais bambas da Escola, Argemiro foi um compositor de mão cheia, mas que nunca teve espaço suficiente para desaguar suas autorias fora da quadra da escola. Os mais atentos podem lembrar dele na capa do disco de estreia de D. Yvone, “Samba Minha Verdade, Samba Minha Raiz”, de 1978, atrás dela, à direita e junto com outros companheiros de samba, em que aparece meio de soslaio quase escondido pelo inseparável chapéu. Ou na cena dos partideiros no pátio da casa de Candeia no filme “Partido Alto”, de Leon Hirszman, de 1982. Como se vê, aparições sempre secundárias: integrado ao grupo, mas dissolvido nele.

Argemiro, contudo, começou cedo sua relação com o samba. Foi levado, nos anos 50, pelos históricos Paulo da Portela (então diretor) e Betinho (diretor de bateria) para a Portela, passando a integrar a Ala dos Pandeiros. Pai do Mestre Sala Jerônimo (da Portela e Imperatriz Leopoldinense), mais tarde entrou na Ala dos Compositores e também na velha-guarda da Escola, a qual, apadrinhada por Paulinho da Viola, se tornou uma referência entre as velhas-guardas cariocas a partir dos anos 70.

Homem de pouco estudo, mas de enorme sabedoria e inteligência, Argemiro trabalhou duro como técnico em refrigeração, profissão pela qual se aposentou de forma humilde. Isso explica em parte porque só começou a compor aos 56 anos, no final dos anos 70. Não demorou para que suas músicas, as mais de 100 que anotava com esmero num caderno, fossem reconhecidas. Em 1980, a madrinha do samba Beth Carvalho gravou a primeira composição sua, “A Chuva Cai”, parceria com Casquinha. Entre discos da Velha Guarda da Portela, participações em trabalhos de Zeca Pagodinho, Teresa Cristina e Grupo Semente, ganhou reconhecimento como o autor original que é, principalmente, na virada para o século 21. Ou seja: já na velhice. Não somente ele, como também os companheiros de Velha Guarda Casquinha e Jair do Cavaquinho, que tiveram, após o lançamento do álbum “Tudo Azul”, da Velha Guarda, em 2000, seus também primeiros discos gravados todos pelo selo Phonomotor, de Marisa Monte, um em 2001 e outro em 2002. Argemiro, que esperara oito décadas para isso, foi o terceiro da fila e não desperdiçou a oportunidade de marcar de vez seu nome na história da discografia do samba.

Poeta romântico e melodista precioso, Argemiro abre o disco com um soar de cavaquinho e a voz às vezes sôfrega e sibilante, mas naturalmente elegante e carregada de experiência vocal (e de vida). Ele canta os poéticos versos, que impressionam pela concisão das poucas palavras: “Não sei/ Porque/ Tudo de mal/ Acontece comigo/ Tentei/ Mudar/ Em vão/ Mas não consigo”. E arremata: “Ninguém pode fugir do seu destino/ Esse meu sofrimento é desde os tempos de menino”. Argemiro dá o tom da sua poética, calcada na tradição do samba de terreiro: o amor não correspondido, o sofrimento do coração partido, a mulher que abandona. Emendada, “Tudo Mudou Tão de Repente", uma das parcerias com outro célebre portelense, Chico Santana, segue na mesma linha: “Eu não sei se é meu destino/ Desde os tempos de menino/ Vivo sofrendo assim”. A sina do sambista, este eterno sofredor.

O violão de Paulão 7 Cordas, o cavaquinho de Mauro Diniz (filho de Monarco) e a “cozinha” de Felipe D’Angola e Marcelo Moreira dão a Argemiro o espaço necessário para ele entrar com seu pandeiro e sua voz. A magnífica “Solidão”, de tão classuda, ganha o toque do violoncelo de Jacques Morelenbaum. E olha que poética! “Um fantasma que mata/ E que maltrata o coração/ É dor, angústia e sofrimento O tédio é um eterno tormento/ Assim é a solidão”. Sua clássica "A Chuva Cai”, já ouvida na voz de Beth Carvalho, Renata Arruda, Grupo Explosão do Samba, Régis Clemente e outros, tem agora, enfim, a do seu próprio autor. A história da música no Brasil devia isso ao samba.

Marisa Monte, produtora do disco, sabia dessa importância histórica e dá ao conteúdo musical e até antropológico o devido capricho. Marisa, por sinal, vinha de alguns anos encabeçando o projeto de valorização da Velha Guarda da Portela. Primeiro, com o disco “Tudo Azul”, também produzido por ela. Mais tarde, os de Casquinha, Jair do Cavaquinho e este, além do belo documentário “O Mistério do Samba”, de Lula Buarque de Hollanda e Carolina Jabor, de 2008, que a tem como cicerone. É neste filme, aliás, que Argemiro ganha seu primeiro protagonismo em vida, tratado como um dos personagens centrais da Portela. Constantes no filme, "Deslize Da Vida" (“A vida/ Não é somente doçura/ Tem que haver amargura/ Para se dar o valor”) e a maravilhosa "A Saudade me Traz", com direito a "clipe", tem a ilustre participação de Zeca Pagodinho e das vozes femininas da Velha Guarda, as Pastoras – leia-se Tia Doca, Tia Eunice, Tia Surica e Áurea Maria. Uma das melodias mais bonitas da história do samba carioca e com uma letra, que é um show de domínio de prosódia e sintaxe: “A saudade me traz/ Quero rever alguém/ Que do meu coração não sai/ Eu vivo nessa agonia sem fim/ Eu canto, eu bebo para esquecer/ Mas nem assim”. Luxo só.

trecho do filme "O Mistério do Samba" com o "clipe" "A Saudade me Traz"

Capricho também se vê no arranjo especial dado a cada faixa. "Cadê Rosalina", um samba-de-roda com ares rurais, recebe, além das vozes tão afinadas quanto agudas das Pastoras, o acordeom de Waldonys. Trato semelhante em conceito tem “Vem Amor”, samba cadenciado em que o violino de Nicolas Krassik escreve frases líricas sobre a base de tamborim e o limpo cavaquinho de Mauro Diniz; bem como o samba romântico "Dizem Que o Amor", toda na voz delicada de Marisa e cujo arranjo valoriza as cordas do cavaquinho, do violão e do cello de Jacquinho. Por falar em voz feminina, é a da fã e parceira Teresa Cristina que aparece em “Amém” para dividir os microfones com o ídolo. Um samba recente, mas com cara de clássico das antigas.

Galanteador, malandro da velha estirpe e cheio de histórias, Argemiro transpõe para seus sambas embates amorosos como o de ‘Nuvem que Passou”. "Essa saiu de repente, inteira por causa de uma mulher que não deu certo. Nós nos encontramos, ela veio com saudade, mas eu não quis dar o braço a torcer", resume. Outra nesta linha é a divertida (mas não menos melodiosa) “Saia da Casa dos Outros”, na qual Argemiro lembra outra companheira que era frequentadora assídua da vizinha, em frente a uma vila em que ele morava em Oswaldo Cruz.

O próprio Argemiro comanda o pandeiro – e apenas mais o cavaquinho – em "Lamento de um Portelense", quase uma vinheta, que antecede outra das joias do álbum: "Em uma Noite de Verão". Samba-canção valseado, com harmonia complexa e engenhosa e de letra de alta expressividade e lirismo. “Até o brilho das estrelas/ Se fez presente aos olhos meus/ Como foi maravilhoso vê-las/ Que bom seria se não fosse o adeus”. É ou não é de dar inveja em muito compositor/letrista com bastantes mais condições na vida?

E o que dizer da maestria de "Vou-me Embora pra Bem Longe"? Esta é tão melodiosa e especial, que rendeu não uma faixa, mas duas no disco. A primeira, na voz de Moreno Veloso, com breve participação do seu autor. A segunda, num eletro-samba remixado por Marcelo D2 que, esta sim, traz o vocal inconfundível de Seu Argemiro. A letra? Essa maravilha aqui: “Vou embora para bem longe/ Não posso mais ficar/ Você não me corresponde/ E os meus anseios não podem esperar”. Note-se o domínio do fraseado e do bom uso dos recursos linguísticos (mesmo que isso se dê de forma totalmente inata): “Amar, como eu amei/ Até pensei que fosse minha um dia/ Cantar, também cantei/ Extravasei a minha alegria/ Mas tudo não passou de fantasia”. Uma estrutura literária própria dos grandes poetas.

A notoriedade que Argemiro recebeu, enfim, ainda em vida, infelizmente durou pouco. Em 2003, ao lado de Teresa Cristina, Jair do Cavaquinho e Grupo Semente, apresentou-se no Centro Cultural Carioca, na Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro. Pouco depois, vítima de uma parada cardíaca, viria a falecer, aos 81 anos, meses depois de lançar seu único disco solo. Quase não deu tempo de registrar essa preciosidade da música brasileira.

Ah, mas Seu Argemiro sempre tinha mais uma história! E esta aqui envolveu Vinícius de Moraes. Depois do sucesso de “A Chuva Cai”, Paulinho da Viola levou Argemiro num bar onde estavam Vinicius e Chico Buarque para apresentar-lhes o "novo compositor". Provocador, Vinícius, informado da capacidade de Argemiro fazer samba de partido-alto, aquele inventado na hora, olhou para ele e falou. “Faz música, mesmo? Então faz uma sobre essa garrafa aí na mesa”. Argemiro fechou o semblante e respondeu que não ia escrever sobre a garrafa, pois não estava sentido nada por ela. Ficou um climão, mas Argemiro foi para casa com aquilo na cabeça. Na semana seguinte, pediu para Paulinho levá-lo novamente àquele bar. Ao chegar, retirou a caixa de fósforo do bolso e batucou para a seleta plateia em que estavam novamente Vinicius e Chico o samba que havia composto naquela semana. Era “Minha Inspiração”, que fecha este disco em um canto a capella de Argemiro:

“Eu direi vocês estão enganados
Não faço sambas fabricados
Compreendendo vão me dar me razão
 
Somente escrevo que sinto
Falo a verdade não minto
Culpada é a minha inspiração
 
Já procurei escrever de outro jeito
Nada saía perfeito, porque não estava em mim
Não adianta eu forçar a minha natureza
Se o melhor do samba é a sua pureza
E eu forçando seria meu fim”.
 
Chico, impressionado, o olhou e disse. “Precisava isso tudo?”


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FAIXAS:
1. Pot-pourri: "Meu Sofrimento” (Argemiro Patrocínio) / “Tudo Mudou Tão de Repente" (Argemiro/Chico Santana) - 3:03
2. "Solidão" - Participação: Jaques Morelenbaum (Argemiro) - 3:26
3. "A Chuva Cai" (Argemiro, Casquinha) - 2:20
4. "Vem Amor" (Argemiro, Armando Santos) - 2:42
5. "Dizem Que o Amor" – Participação: Jaques Morelenbaum e Marisa Monte (Argemiro/Chico Santana) - 2:18
6. "Cadê Rosalina" - Participação: Pastoras da Velha Guarda da Portela e Waldonys (Argemiro, Paulo Vizinho) - 3:54
7. "Saia da Casa dos Outros" - Participação: Pastoras da Velha Guarda da Portela 
(Argemiro, Darcy Maravilha) - 3:01
8. "Deslize da Vida" (Argemiro/Chico Santana) - 3:17
9. "Lamento De um Portelense" (Argemiro/Chico Santana) - 0:55
10. "Em Uma Noite de Verão" (Argemiro) - 2:53
11. "Amém" - Participação: Teresa Cristina (Argemiro, Teresa Cristina) - 3:34
12. "Nuvem que Passou" (Argemiro) - 3:43
13. "Vou-me Embora pra Bem Longe" - Participação: Moreno Veloso e Rildo Hora (Argemiro, Guaracy, Renato Fialho) - 3:13
14. "A Saudade me Traz" - Participação: Pastoras Da Velha Guarda Da Portela e Zeca Pagodinho (Alberto Lonato, Argemiro) - 2:10
15. "Minha Inspiração" (Argemiro) - 0:22
16. "Vou-me Embora pra Bem Longe (remix)" - Participação: Cleber França e Marcelo D2 - 2:59


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OUÇA O DISCO:


Daniel Rodrigues

segunda-feira, 31 de março de 2025

Projeto Rodacine - Exibição de "Um é Pouco, Dois é Bom" e "Chibo" - Aniversário da Cinemateca Capitólio e de Porto Alegre - Largo dos Açorianos - Porto Alegre/RS (29/03/2025)



 

Pode-se dizer que este Clylive é, na verdade, um Claquete. A possível confusão entre as sessões do Clyblog se justifica, pois a exibição ao vivo a que me refiro foi de cinema. E para uma ocasião muito especial em pleno Largo dos Açorianos, um dos pontos mais emblemáticos de Porto Alegre. Ou melhor: duas ocasiões. O que pude conferir com Leocádia, Carolina, Cláudio e a ilustre e comportada presença de nossa cachorrinha Bolota, foi uma sessão a céu aberto do clássico da cópia restaurada do filme gaúcho “Um é Pouco, Dois é Bom”, do pioneiro do cinema negro no Rio Grande do Sul Odilon Lopez e o terceiro cineasta negro a dirigir um longa-metragem no Brasil. A programação ocorreu dentro projeto RodaCine, parceria da Coordenação de Cinema e Audiovisual da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre e Fundacine RS.

Pois esta exibição, antecedida do excelente curta-metragem “Chibo”, de Henrique Lahude e Gabriela Poester (sobre o qual já falamos aqui no blog quando do último Festival de Cinema de Gramado, onde foi vencedor como melhor curta gaúcho na Mostra Assembleia Legislativa) marcou tanto a semana do aniversário de 253 Porto Alegre quanto, principalmente, encerrou a semana de aniversário de 10 anos da resiliente e celebrável Cinemateca Capitólio, este patrimônio do audiovisual e da cultura gaúchas retrazido ao público há uma década.

O divertido “Um é Pouco, Dois é Bom”, de 1970, é produzido, roteirizado, protagonizado e dirigido por Odilon Lopez (1941-2002) e tem diálogos assinados por um jovem escritor então em início de carreira chamado Luís Fernando Verissimo. Afora isso, a ótima trilha é composta pelo pianista e compositor Flávio Oliveira, amigo do pai de Leo e Carol e a quem elas devotam muito carinho. Veja as coincidências!... O filme, com momentos muito interessantes e até experimentais em termos de direção e edição, o filme é dividido em duas partes, que dialogam de forma bastante sutil, mas não deixam de ter complementariedade. No entanto, o segundo e derradeiro episódio, “Vida Nova ... Por Acaso” é, sem dúvida, o mais apreciável. Com o próprio Odilon no papel do “pickpocket” Crioulo, que junto com seu inseparável parceiro de furtos Magrão (vivido por Francisco Silva), tem bem a veia cômica e crítica que marca a escrita de Verissimo que se passou a conhecer melhor depois e a qual ele desenvolveria largamente a partir de então.

Afora o prazer de ver um filme histórico, a ocasião em si foi muito especial. Além das parcerias, ver o Largo dos Açorianos lotado de gente de “cuca legal” é um sopro de esperança em tempos de tamanho terror bolsonarista, fascista, trumpista ou o que quer que seja ligado à excremente extrema-direita. Uma Porto Alegre que respira! 

Nisso, uma coisa boa e outra nem tanto na programação. A boa, é que, além de celebrar o restauro e exibi-lo a um público mais amplo do que nas salas de cinema, o próprio longa, que se passa em vários endereços da cidade, como o Parque da Redenção, a frente do prédio do Daer, a rodoviária, as ruas do Centro, entre outros, configurou-se em si uma celebração pelo aniversário da capital gaúcha. O erro, contudo, foi escolher o denso “Chibo” para abrir a sessão, uma vez que sua exibição ficou prejudicada tendo em vista que o filme depende em vários aspectos da concentração da sala escura. A sonoridade ruidosa, os poucos e propositadamente confusos diálogos mas, principalmente, a fotografia escura, quase invisível, visivelmente não funcionaram ao ar livre – ainda mais porque a produção esqueceu de apagar os refletores da praça logo de início, o que deixou só depois o ambiente bem mais “escurinho” e adequado para os espectadores. Fora isso, tudo muito joia. Afinal, a grande estrela da noite de calor um ventinho de chuva que nos assustou um pouco foi “Um é Pouco...”, novinho em folha em seus 55 anos de existência e resistência.

Confira ou pouco de como estava o clima nesta noite festiva de Porto Alegre:

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Muita gente pra ver a sessão ao ar livro de "Um é Pouco..."

Nós e Bolota aguardando o filme começar

Bolota em sua primeira sessão de cinema

A turma toda curtindo


Daniel Rodrigues