Ir ao Museu de Arte do Rio, o MAR, é sempre uma experiência
rica e penosa. Rica pelo óbvio: a qualidade das exposições que lá circulam, não
raro as mais bem curadas e capitalizadas que passam pelo Rio de Janeiro (esta,
por sinal, a cidade de maior concentração de grandes exposições do Brasil junto
ou até mais do que São Paulo). Mas também penosa porque, além de extensas (o
que, por mais gratificante que seja, é também cansativo), dificilmente se consegue
aproveitar tudo que o MAR oferece simultaneamente. No caso, foram seis mostras,
das quais pude, na companhia de Leocádia e do amigo Eduardo Almeida, ver com um
pouco mais de atenção três delas.
Uma destas, contudo, posso dizer que foi a melhor que
presenciei no Rio desta feita: “FUNK: Um grito de ousadia e liberdade”. Um
espetáculo. Com curadoria da Equipe MAR junto a Taísa Machado e ninguém menos
que o lendário Dom Filó – um dos principais ativistas da causa negra e
agitadores culturais do funk dos anos 70, responsável pela descoberta de que
ninguém menos que gente como a Banda Black Rio e Carlos Dafé –, a principal
mostra do ano do MAR perpassa os contextos do funk carioca através da história.
A temática da exposição apresenta e articula a história do funk, para além da
sua sonoridade, também evidenciando a matriz cultural urbana, periférica, a sua
dimensão coreográfica, as suas comunidades.
Para chegar aos morros e favelas onde o funk carioca se
tornou obra e sinônimo e estilo, a mostra traz com muita propriedade toda a construção
desdobramentos estéticos, políticos e econômicos ao imaginário que em torno
dele foi constituído, recuperando as audições públicas do início do século XX, os clubes para negros dos anos 40/50, os bailes hi-fi dos anos 60, até chegar, aí sim, no fenômeno das
festas black dos anos 70. Influenciados pelo movimento Black Power, Panteras Negras,
a Blackexplotation e, claro, a música soul norte-americana e outros, a galera tomou conta de ginásios e galpões da Zona Norte e
mandou ver no movimento mais libertário e dançante que o Brasil moderno já viu.
E tudo isso estava representado na exposição através de fotos, posters, pinturas,
capas de disco, e também em som, seja dos hinos funk até o poderoso off do
próprio Dom Filó. Ninguém melhor que ele para a tarefa de contar a história
daquele momento crucial para a cultura pop no Brasil, o que viria a dar no funk
carioca tal qual conhecemos.
Toda a parte que mostra a evolução do funk em terras
cariocas é bem interessante, evidenciando as etapas vividas nos anos 90, a
entrada no século XXI e o advento/chegada das novas tecnologias no morro. O
contraste – inevitável, proposital, ressignificado – entre pobreza e riqueza,
periferia e centralidade, comunidade e cosmopolitismo, é de uma riqueza
incalculável, muito a se assimilar. Porém, mesmo com bastante material, esta
segunda metade da exposição, mesmo sendo o crucial do projeto, não é tão
interessante quanto a sua primeira, a que traz a pré-história do funk do Rio.
Talvez pelo fascínio que a mim tem a era Black Rio, suas inspirações políticas,
comportamentais e culturais que bebem nos Estados Unidos, isso tenha me
prendido mais a atenção – embora tenha a sensação de que, documentalmente
falando, seja pelos áudios, obras, objetos, músicas, etc., esta parte
introdutória pareça mais completa.
Contudo, a principal sensação que se sai é a de que, enfim, chegamos aos espaços de arte. Embora eu não tenha relação e nem pertença ao universo do funk carioca (embora o seja contemporâneo, mesmo que de longe), a exposição fez-me aludir aos versos de Cartola em sua música "Tempos Idos", quando ele via seu samba assumindo a nobreza que lhe é merecida: "O nosso samba, humilde samba/ Foi de conquistas em conquistas/ Conseguiu penetrar no Municipal". Aqui, é a cultura pop na melhor acepção da palavra que adentrou os salões nobres das Belas Artes, o que suscita um sentimento de pertencimento. Ver meus ídolos da música pop negra brasileira - Black Rio, Dafé, Gerson King Combo, Tim Maia, Cassiano, Toni Tornado, Sandra Sá, Dom Salvador - e internacional - James Brown, Isaac Hayes, Parliament/Funladelic, Chic, Curtis Mayfield, Marvin Gaye - estampados, um mais bonito que outro, redimensionando suas belezas estéticas e simbólicas, é algo que realmente preenche o coração.
Todos os desdobramentos artísticos explícitos e implícitos são, no mínimo, admiráveis, se não objeto de muita apreciação e análise, como a hipnotizante dança do passinho, as pichações, a estética das armas, a sensualidade, a pele preta à mostra, a luz tropical, os cortes de cabelo. Na música, a constatação de que o funk carioca, original, é muito mais advindo dos ritmos africanos (inclusive do Nordeste da África, na Península Arábica) do que somente do funk importado dos states. Tem mais macumba do que enlatado.
Independentemente, vale a pena demais a visita ao MAR, nem que seja para ver apenas esta exposição. Mas se for, aviso: vá com tempo.
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Já na entrada, o maravilhoso corredor com as pichações iluminadas
Recepção ao som de pukadão
King Combo: mandamentos black, brother
Edu "tatuado" pela projeção de uma das obras de Gê Viana da série "Atualizações Traumáticas de Debret"
A pré-história do funk: Pixinguinha puxa Ângela Maria (esq.) pra dança e Jackson do Pandeiro punha be-bop no samba, tropicalizando a globalização - e não o contrário
As desbotadas cores dos antigos bailes hi-fi revistas por Gê Viana
O artista Blecaute também reconta os apagados eventos sociais negros do passado em novas cores
Mais de Gê Viana em sua série em que recria Debret: genial quebra do tempo simbólico e cronológico
Outra arte imponente, esta de Maria de Lurdes Santiago
Anos 60/70: as referências de fora chegaram. Nunca mais o mundo foi o mesmo
Reprodução de cartazes dos Black Panthers: a coisa ficou séria agora
Eis que chega a Black Rio, potente como uma Maria Fumaça
Dom Filó e sua turma da Soul Grand Prix, promotores das festas black da Zona Norte
Os pisantes, indispensáveis nos clubes soul em arte de André Vargas
Tão indispensáveis quanto, as potentes
aparelhagens de som
James Brown, uma das referências máximas da galera, em fotos no Brasil
Os "times" liderados pelos grandes nomes da soul brasileira
Lindas fotos, maioria P&B, dos tempos dos bailes funk nas noites da Zona Norte carioca e seus sagrados palcos
Encerrando a primeira parte da exposição, obras da genial gaúcha (e preta) Maria Lídia Magliani
Mais Magliani
Os corpos femininos sempre tão explorados... prenúncios de dança da bundinha
Já nos anos 90, a beleza dos passinhos se mistura à fúria violenta dos excluídos
Esta cocota que vos escreve rebolando até o chão
Corpos negros femininos quebrando padrões de beleza e gênero
Presença LGBTQIAP+ nas comunidades, outra força simbólica na cosmologia do funk
Pop art gay no morro: "Só tem no Brasil"
Sem concessões, a exposição mostra também mazelas como as drogas
E esta incrível pintura, que mais parece serigrafia?
Funk também é afrofuturismo
Pra finalizar a exposição, uma frase cheia de sarcasmo que contraria os detratores
texto: Daniel Rodrigues
fotos e vídeos: Daniel Rodrigues, Leocádia Costa e Eduardo Almeida
"Alô, Sandra Sá! Aqui é o Tim Maia. Eu fiz essa música pra você. Já tenho a ideia do arranjo, que eu vou falar com o Lincoln (Olivetti). E tem mais: eu vou gravar ela contigo no teu LP!"
Tim Maia, em ligação telefônica para Sandra Sá, sobre a música “Vale Tudo”
O chamado Black Rio foi o grande movimento cultural próprio do Rio de Janeiro depois da bossa nova. Se não teve a mesma influência ou projeção internacional que as notas dissonantes ou que a Garota de Ipanema, a cena, movida à música soul importada dos states mas com tempero bem tupiniquim, cumpria uma função social corajosa ao exaltar algo inédito naquele Brasil ditatorial dos anos 60 e 70: a cultura negra. Influenciado pelo Black is Beautiful dos Estados Unidos, o movimento Black Rio conseguia levar a pistas brasileiras aquilo que o perseguido samba, o mais brasileiro dos ritmos, nunca havia alcançado, que era a valorização uma raça preponderante em população, mas marginalizada, violentada e desumanizada pelo histórico e estrutural racismo.
As danças, as roupas, os pisantes, os cabelos, a pele, os gestos. Tudo compunha o cenário de deslumbramento e descoberta dos bailes black, que tomavam a Zona Norte carioca. Equipes de som como Furacão 2000, Soul Grand Prix, Modelo, Sua Mente numa Boa, Rick e Revolução na Mente garantiam a festa, frequentada por milhares de pretos e pretas. E claro: a música exercia um papel fundamental nesta inédita onda de autovalorização e resistência. E se a Banda Black Rio tinha a autoridade sonora e onomática de grande grupo da cena, Gerson King Combo o de astro central e Carlos Café o de principal cantor, havia a necessidade de responder também ao público feminino. Sandra Sá, então, naturalmente veio tomar este espaço.
Nascida em Pilares, na Zona Norte carioca, a neta de africanos Sandra Cristina Frederico de Sá levou sua voz rouca e cheia de groove das festas black direto para as rádios, um salto inédito na indústria musical brasileira até então para uma artista negra de música pop. Depois de um celebrado álbum de estreia, em 1980, com direito a música inédita de Gilberto Gil ("É"), Sandra é adotada de vez pela turma da soul brasileira. O sucesso comercial de "Lábios Coloridos", do segundo disco, de 1982, já contava com Lincoln Olivetti nos teclados e arranjos, Robson Jorge nas guitarras, o Azimuth Ivan Conti "Mamão" na bateria e a cozinha da própria Banda Black Rio, a se ver pelas participações ativas de Oberdan Magalhães, Jamil Joanes e Cláudio Stevenson. Em "Vale Tudo", terceiro e último trabalho pela gravadora RGE, Sandra repetia as parcerias e já estava pronta para sua grande obra, a qual completa 40 anos de lançamento em 2023.
O precioso repertório de "Vale Tudo" une músicas de autores consagrados e da nova geração, que passava a se firmar. A começar pela faixa-título: o sucesso instantâneo de Tim Maia dado de presente por ele a Sandra. Não é difícil entender o porquê: em duo com o próprio Síndico, Sandra solta a voz numa animada disco engendrada pelo próprio autor em parceria com Lincoln e executada pela banda Vitória Régia. Ouvir os dois maiores cantores da soul brasileira juntos foi tão estrondoso, que a faixa ganhou videoclipe do Fantástico e virou hit em todo o Brasil, figurando na 28ª de posição entre as 100 músicas mais tocadas do ano de 1983.
videoclipe de"Vale Tudo", comSandra Sá e Tim Maia
Mas se tinha Tim, tinha Cassiano também. É dele a autoria do funk suingado "Candura", em preciosa parceria com Denny King, das melhores do disco. E se havia Tim e Cassiano, também aparecia Guilherme Arantes, na romântica "Só as Estrelas", que encerra o álbum. Com o samba-funk brasilianista "Terra Azul", a dupla veterana Júnior Mendes e Gastão Lamounier eram outros que não resistiram ao talento da cantora, sendo fisgados por seu carisma e seu timbre, que não deixava nada a desejar a grandes cantoras internacionais da época. Se os norte-americanos tinham Donna Summer, Roberta Flack e Chaka Khan, o Brasil tinha Sandra Sá.
De fato, ninguém queria ficar de fora do bonde de Sandra. Tanto é que músicos de primeira linha como Serginho Trombone e Reinaldo Árias também tocam e assinam arranjos. Igualmente presente, seja na caprichada produção quanto em arranjos, é o tarimbado violonista Durval Ferreira, cujo currículo inclui trabalhos com Leny Andrade, Sérgio Mendes e o lendário saxofonista de jazz norte-americano Cannonball Adderley. Ferreira também assina duas composições: o tema de abertura, a excelente "Trem da Central", ao lado de Sandra e Macau (este, o autor de “Lábios Coloridos”), e o funk dançante “Pela Cidade”. Ambas as músicas trazem um olhar diferente da Rio de Janeiro idílica da Zona Sul, evidenciando uma cidade preta e periférica que começava a pedir passagem.
Fotos das gravações no encarte original de "Vale Tudo"
Outras duas delícias emitidas pelo aveludado vocal de Sandra: “Gamação”, soul de muito suingue e romantismo, e a brilhante "Guarde Minha Voz", do craque Ton Saga, tranquilamente uma das mais belas canções pop-soul já gravadas no Brasil. Uma joia equiparável a outros “clássicos B” do AOR brasileiro, como “Débora”, de Altay Veloso, “Joia Rara”, da Banda Brylho, ou “Lábios de Mel”, de Tim. Como diz a letra: para se guardar no coração.
Embora a maioria das músicas seja de compositores masculinos, o disco de Sandra traz uma outra pequena revolução, que é o papel de mulheres como autoras. Além dela própria, que assina a balada “Musa” e coassina “Trem...”, a carioca abre espaço para compositoras no seu repertório já tão disputado. Rose Marinho divide a autoria da já citada “Pela Cidade” com Durval e outro veterano, Paulo César Pinheiro, enquanto Irineia Maria revela outro destaque do disco: a apaixonada “Onda Negra”. Balada soul deliciosa, com a arranjo de Oberdan, contém em sua letra vários elementos representativos da figura de Sandra para o movimento Black Rio, que é um filtro de olhar feminino para aquela “onda negra de amor” que se presenciava: “Nessa forma de beleza/ Vou seguindo a te levitar/ E o som me envolve me fascina/ Não consigo mais parar/ Mas é sempre uma dose certa/ De alegria, paz de luz e cor/ E a certeza de poder criar/ Uma onda negra de amor”. Mais visto na MPB de então por conta da geração de compositoras como Joice Moreno, Leila Pinheiro e Sueli Costa, no meio pop Sandra prenunciava aquilo que se tornaria comum anos depois para Cássia Eller, Adriana Calcanhoto, Vange Leonel e outras, bem como, especialmente, para as cantoras pretas brasileiras da atualidade, tal Xênia França, Larissa Luz, Luedji Luna, Iza e outras.
Depois de “Vale Tudo”, Sandra - que adicionaria definitivamente dali a alguns anos a preposição “de” original de batismo ao nome artístico - ainda alcançou sucessos esporadicamente, principalmente com “Bye Bye, Tristeza”, de 1988. Numa viragem mais pop e comercial para a carreira, hits como este, embora a tenham ajudado a se consolidar no cenário musical brasileiro, denotavam, por outro lado, que a fase áurea havia terminado. Porém, ninguém tira de Sandra o nome gravado na história da música brasileira, haja vista que sua credibilidade como artista e seu legado permanecem inalterados. Mais do que isso: renovados. Um disco como este, mesmo ouvido quatro décadas depois de seu lançamento, soa como um agradável compêndio do que de melhor havia na soul music brasileira àquela época e, porque não dizer, na história da música preta no Brasil. Está tudo lá: intacto. Assim como a voz de Sandra, que o público a atendeu e guardou no coração.
O black loucão George Clinton dando uma de Papai Noel
Se tem coisa que a gente gosta é pegar como gancho o Natal para fazer paralelos com temas como cinema, literatura e música. Aí quando se junta a isso uma outra paixão, que é fazer listas, então: é só servir a ceia! Nessa vibe natalina, pensamos em trazer aqui uma lista bem musical para esta época de Festas, mas com um, digamos, groove diferente. Sim: artistas da soul music que produziram obras com a temática natalina. E são vários! Comum no mercado fonográfico norte-americano desde os anos 50, tanto para músicos desta vertente quanto de outros gêneros, como a música popular, o country, o rock e até o jazz, claro que o clima festivo e de confraternização da data se encaixaria muito bem com os sons suingados e animados da música black. Não deu outra: a química perfeita.
E se os gringos foram os que lançaram a moda, aqui no Brasil o pessoal da soul não fica para trás, não! Tem brazucas de respeito nesta listagem também, todos hábeis em colocar Papai Noel pra remexer os quadris. Afinal, se é cabível a discussão de que Jesus Cristo era preto, porque não sondar que o Bom Velhinho também não possa ser “da cor”? Pelo menos na música, em vários momentos ele foi, e aqui vão alguns bons exemplos.
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The Supremes– “Merry Christmas” (1965)
Diana Ross e suas parceiras foram a tradução do melhor que a gravadora especializada em black music Motown podia ter. Supremas na interpretação, elas cabiam perfeitamente ao estilo de arranjo e produção musical do selo, bem como no esquema de marketing da indústria fonográfica da época, a qual tinham uma boa fatia de mercado. Claro que, com todos esses atributos, não demoraria para que gravassem o seu disco especial de Natal, o que ocorreu três anos depois da estreia do grupo vocal. Clássicos do cancioneiro natalino como “Silver Bells”, “Santa Claus is Coming To Town” e “My Favorite Things” são um arraso na voz delas. OUÇA AQUI
James Brown & The Flamous Flames – ”James Brown Sings Christmas” (1966)
Um velho barbudo e branco tentando bancar de rei só porque é Natal? Isso é inadmissível para quem é o Rei do Soul. James Brown não deixou por menos e gravou não um, mas três álbuns natalinos ao longo da carreira, os quais foram compilados em 2010. O melhor deles, no entanto, é o primeiro: ”James Brown Sings Christmas”, de 1966. Acompanhado da sua competente banda à época, a Flamous Flames, e com arranjos caprichados que bebem no gospel e no R&B, tem como grande detalhe ser um disco totalmente autoral, ou seja, dispensa as tradicionais regravações de standarts. É James Brown impondo a sua autoridade - Papai Noel que vá ciscar noutro lugar. OUÇA AQUI
The Jackson 5– “Christmas Album” (1970)
Curiosamente, foi uma família de Testemunhas de Jeová que gravou um dos melhores álbuns de Natal todos os tempos. Outros que, assim como as Supremes, traduziam muito bem o espírito e o estilo da Motown, os Jackson 5 também modernizaram os clássicos natalinos em versões recheadas de funk e groove. Michael Jackson, então com 12 anos, já dava sinais de que, de fato, era diferenciado, mas os irmãos não ficam mal na foto, não. Além disso, a produção de Hal Davis e, principalmente, os arranjos do craque Gene Page – autor da memorável trilha do filme blackexplotation “Blackula” –, abrilhantam ainda mais o trabalho. Foi o álbum de Natal mais vendido de 1970 a 1972, com mais de 3,5 milhões de cópias em todo o mundo. OUÇA AQUI
Cassiano– música“Hoje é Natal” de "Cuban Soul" (1976)
Quem acha que só gringo dos States manja de soul, está muito enganado. No Brasil, pelo menos um gênio do gênero existiu e se chamava Genival Cassiano. Em seu segundo disco solo, “Cuban Soul” ou “18 Kilates”, este paraibano brilha como uma verdadeira joia. Dono de um estilo de cantar e compor inigualáveis, Cassiano tem no disco a parceria de Paulo Zdanowski em todo o repertório (que traz maravilhas como “Coleção”, “Onda” e o hit “A Lua e Eu”). Mas especialmente a faixa de abertura traz o tema natalino, na tristonha “Hoje é Natal”. Com sua melodia cheia de nuances e encadeamentos que somente um músico de mão cheia e muito inspirado sabe fazer, a música é brilhante como o título do álbum sugere. OUÇA AQUI
Gerson King Combo– “Jingle Black" (1977)
Como um verdadeiro Black Moses, o cara tinha escrito a tábua da música soul brasileira em “Mandamentos Black” naquele mesmo ano. Ou seja: tava com toda a licença para tornar preto também o Papai Noel. É isso que Gerson King Combo faz com seu vozeirão e ritmo contagiante em “Jingle Black”, o sugestivo título do compacto lançado em 1977, em pleno auge de sua popularidade nos bailes funk da Zona Sul. Curiosamente, a música, escrita por ele com Pedrinho da Luz e Ronaldo Correa, traz no seu lado oposto a maravilhosa “Good Bye”, provavelmente a melhor canção do repertório do James Brown Brasileiro. No mercado negro, o raro minidisco com apenas duas faixas custa aproximadamente 200 Reais. E vale. OUÇA AQUI
Bootsy Collins– “Christmas Is 4 Ever“ (2006)
Numa lista de soul natalina em que há a sonoridade tradicional, passando pelo modelo Motown, pelo funk e pelas baladas, não podia faltar a turma P-Funk, que mais do que ninguém soube subverter ao máximo o gênero adicionando-lhe psicodelia, peso e muita irreverência. E Bootsy Collins foi quem puxou o trenó no disco “Christmas Is 4 Ever”, em que reúne uma galera como George Clinton, Bernie Worrell e Bobby Womack e os rappers MC Danny Ray, Snoop Dogg e DJizzle em leituras muito inspiradas de temas típicos, mas também outras originais. O resultado é um som moderno e contagiante, em que canções tradicionais como “Jingle Bells” viram “Jingle Belz”, “Winter Wonderland”, “WinterFunkyLand” e “This Christmas”, “Dis-Christmiss”. Bem a cara malucona de Bootzilla e seus amigos. OUÇA AQUI
Aretha Franklin– “This Christmas, Aretha” (2008)
A Rainha do Soul, diferentemente dos Jackson 5, foi bastante fiel às raízes protestantes de sua formação religiosa e filosófica a ponto de demorar décadas para gravar, de fato, um disco de Natal. Somente mais de meio século depois de estrear para a música que Aretha Franklin topou a empreitada no bonito “This Christmas, Aretha”. Tem standarts? Claro, mas também temas autorais como "'Twas the Night Before Christmas", dela e de Clement C. Moore, e um dueto com o filho e também cantor Edward Franklin na faixa-título. Valeu a pena a flexibilizada de Aretha: o disco alcançou a posição de nº 102 na parada de álbuns da Billboard. OUÇA AQUI
Ícone do gangsta rap, Snoop Dog ficou bem conhecido com canções natalinas ao emplacar, em 2014, o tema do filme “A Escolha Perfeita 2”, cantando em dueto com Anna Kendrick "Winter Wonderland/Here Comes Santa Claus”. Mas anos antes o próprio já havia compilado várias de suas gravações com esta temática em “Snoop Dogg Presents Christmas In Tha Dogg House”. No clima “preto ostentação”, o rapper tem a companhia de diversos artistas como Chris Starr, Lil Gee, Hustle Boyz, Uncle Chucc e Soopafly. Pioneiro, o álbum foi disponibilizado apenas em formato digital, isso antes do mercado de música ser dominado pelo streaming. Títulos característicos da linguagem do gueto: "My Little Mama Trippin on Xmas", "Christmas in the Hood”, "Xmas on Soul" e "Christmas Outro". OUÇA AQUI
Halloween? Que nada! Aqui a gente vai é de Saci! É ele quem dá as caras no programa de hoje em um "Sete-List" especial. Além disso, tem também Beastie Boys, Cassiano, U2, Cocteau Twins, BANDA Black Rio, Carlinhos Brown e mais. Ainda, a reunião do G20 e letra de Nelson Cavaquinho, que faria 110 anos. Pulando numa perna só, o MDCsurge da mata às 21h na lendária Rádio Elétrica. Produção, apresentação e carapuça vermelha: Daniel Rodrigues
Paulo Gustavo, Cassiano, Luis Vagner "Guitarreiro"... pra compensar tanta perda só mesmo trazendo essa gente toda no MDC. Além deles vai ter também muita coisa legal, como Black Alien, The Glove, Elis Regina, Lee Morgan, Marisa Monte e mais. Tem homenagens no "Sete-List" e no "Música de Fato" e tem até Fausto Fawcett com letra sua no "Palavra, Lê". Sobrevivendo na garra, o programa vai ao ar hoje, 21h, na vivíssima Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues.
O fato de apresentar o programa Música da Cabeça, na Rádio Elétrica, é
meio que mera desculpa minha para ir à cata de listas. Sempre gostei de criá-las a
partir das coisas que curto, das criteriosas às mais estapafúrdias. Uma dessas
que me veio à mente para usar no programa se refere a músicas que têm a mesma
melodia, mas letras diferentes. A parte musical e o arranjo podem ser
idênticos, mas o que é cantado, não. Às vezes, até melodias de voz e cantores
diferentes. Dois lados da mesma moeda ou - por que não? - do mesmo disco.
Numa rápida pesquisa de memória, o interessante foi perceber que essa
prática é comum nos mais diferentes gêneros, culturas e locais. Seja no Brasil,
nos Estados Unidos, na Alemanha, na Inglaterra ou até na Jamaica, não há quem
resista em usar aquela base que ficou superlegal de um outro jeito, numa
outra roupagem.
Pra compor esta lista de 15 + 1 exemplos, ainda contei com a ajuda de meu irmão e
parceiro de blog Cly Reis, que contribuiu com algumas das duplas de músicas as
quais não tinham me ocorrido.
Tom Zé e Tim: ambos com duas duplas de músicas na lista
Importante ressaltar que não valem músicas até então instrumentais que ganharam
letra depois de um tempo, casos de “Valsa Sentimental” (de Tom Jobim, que,
quando letrada por Chico Buarque, virou ”Imagina”) e “A Rã” (originalmente, “O
Sapo”, de João Donato, que passou a ter esse novo título na letra de Caetano Veloso). Neste caso, aceitou-se como exceção quando uma delas é instrumental e a outra cantada, mas desde que pertençam a um mesmo artista e que este as tenha composto para um mesmo projeto.
Igualmente, não se incluem canções “reprise” ou de letra mesmo que diferentes
entre si, mas que se tratam de duas partes da mesma, nem mesmo versões para
idioma diferente do original feita por outro artista. Músicas “irmãs”, tipo “Blue
Monday” e “586”, da New Order, ou “Crush with Eyeliner” e “I Took Your Name”,
da REM, não cabem, nem muito menos aquelas que samplearam a “alma” do tema que a inspirou,
como o rap norte-americano costuma fazer. Essas todas ficam de fora – quem sabe, guardam-se para uma futura outra lista...
Do blues ao samba, do industrial a soul, do shoegaze ao psicodelismo.
Têm dobradinhas bem interessantes e variadas.
Em 1970, Tim estava gravando seu disco de estreia quando Nelson Motta aparece no estúdio e fica maravilhado com "Padre Cícero". Tanto que pediu para Tim e Cassiano alterarem a letra para a música entrar na trilha da primeira novela da Rede Globo, "João Coragem".
A fase berlinense rendeu coisas maravilhosas e simbióticas para Bowie. "Sister Midnight", composta por ele e Iggy Pop para abrir "The Idiot", de Iggy, de 1977, serviu para o próprio Bowie finalizar sua própria trilogia na capital alemã dois anos depois com outro título e letra.
O mestre da "preguiça" baiana sabia muito bem fazer sambas geniais com pouquíssimos versos, quando não quase repetidos. Aqui, o que Caymmi repete é a parte instrumental idêntica a ambas, mas com melodias de voz e letras totalmente diferentes entre si.
"Strange Brew", que abre o cláscico disco "Disreali Gears", de 1967, é tão boa que dá vontade de reescutá-la. Não precisa, pois Clapton/Bruce/Baker a põem no fim do disco, só que com outro nome e letra.
Uma mais percussiva, a outra mais world music, mas ambas de abertura de seus discos "Estudando o Samba", 1976, e "Nave Maria", 1984) e sobre o genial riff do baiano de Irará.
"Teenage Lust" é um clássico da banda que coroa uma fase inspirada, marcada pelo disco "Honey's Dead", de 1992. "Heat", por sua vez, está na coletânea de B-sides "Stoned and Detoned", de um ano depois.
Vindo de Moz, artista que produz muito, não seria estranho haver esse tipo de repetição. No caso, "Alma Matters", hit do disco "Maladjusted", de 1997, tem como sombra "Nobody..,", da coletânea "My Early Burglary Years", de 1998.
No talvez melhor disco de Madonna, "Erotica" (1992), a ousadia de pôr um mesmo tema duas vezes, sendo a segunda cantada não por ela, mas pelos rappers Mark Goodman e Dave Murphy.
Totalmente iguais, não fosse uma ser cantada em inglês e a outra em japonês. Aí os alemães conseguiram fazer, pro disco "Computer World", de 1981, duas obras totalmente diferentes sendo a mesma coisa.
Quase iguais, não fosse o título e algumas partes da letra. Mesmo estando no mesmo disco, o clássico "Pet Sounds", de 1966, é tão bonita que não há nenhum problema em "reouvi-la" com pouca diferença entre uma e outra.
A censura, que comeu praticamente todas as letras de "Milagre dos Peixes", de 1973, inclusive "Os Escravos de Jó", parceria de Milton com Fernando Brant, já havia abrandado um pouco anos depois quando Elis Regina gravou "Caxangá" e depois o próprio Milton.
12. "Graveyard"/ "Another"– P.I.L. A instrumental "Graveyard", de "Metal Box" (1979), é, literalmente, a "Outra" em "Commercial Zone", disco de sobras de estúdio da mesma época. Coisas da cabeça conceitual de John Lydon e sua Public Image Ltd..
A mente inquieta de Tom Zé faz com que, mais de uma vez, ele revisite a própria obra. Assim como "Mã"/"Nave Maria", a metaliguagem pega nestas duas também, de 1970 e 1972 respectivamente.
O disco de Grace "Slave to the Rhythm", de 1985, em si, é todo cunhado sobre a mesma base, mas estas duas não não são iguais pela letra.
15. "With no One elseAround"/ "Pra Você Voltar" – Tim Maia Tim não tinha vergonha de reaproveitar melodias suas mais de uma vez, mas aqui ele fez melhor: uma em inglês, para o arrasador álbum de 1978, e outra na língua de Camões, um ano depois ("Reencontro"), em que até o sentido das letras são totalmente diferentes.
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+1. "À Flor da Pele"/ "À Flor da Terra" – Chico Buarque O título é igual, "O que Será?", eu sei, mas o fato de o subtítulo ser diferente faz, com perdão da redundância, toda a diferença. Escritas por Chico para a trilha sonora de "Dona Flor e seus Dois Maridos", de 1976, uma inicia o filme e outra o encerra - e as letras são totalmente distintas.
cena final do filme "Dona Flor e Seus Dois Maridos"- tema:"À Flor da Pele"