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quarta-feira, 10 de junho de 2020
Música da Cabeça - Programa #166
Retomada das atividades? Aqui no MDC a gente não para nunca! Hoje, mais um programa repleto daquilo que a gente mais gosta: música. E também não tem essa de restrição a nenhum segmento! Aqui, entra todo mundo. Pois tem o tropicalismo de Caetano e Gil, o rock indie da Th’ Faith Healers, o samba-canção de Gal Gosta, a soul de Ike White, o pós-punk da Public Image Ltd. e a batucada de Carmen Miranda. Ainda, para completar, a vanguarda eletrônica de Delia Derbyshire, no quadro “Cabeção” e muito mais. Vem por teu EPI – quer, dizer fone de ouvido – e retomar as atividades ouvindo o programa às 21h, na desinfectada Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues. Estamos contigo, Marrom.
Rádio Elétrica:
http://www.radioeletrica.com/
segunda-feira, 20 de abril de 2020
Discos para (e de) quarentena
A Queen, isolada numa fazenda para gravar sua obra-prima |
Mas o que ainda não ouvi falarem são os discos não
necessariamente próprios para este momento, mas os FEITOS em isolamento. Seja
no estúdio improvisado na própria casa, num apartamento fechado, numa mansão
isolada da civilização e até num hospício ou cadeia. Tem de tudo. Não é
novidade que artistas em geral busquem essa condição de recolhimento para se
concentrar, principalmente quando intentam um projeto novo. Porém, geralmente
isso ocorre de maneira controlada e adaptada a um fluxo rotineiro. Aqui, não.
Falamos de exemplos da discografia do rock, da MPB, da black music e do jazz
concebidos ou gravados em condições extremas de afastamento de qualquer outra
coisa que pudesse interferir além da própria criação musical. Tamanho foco não raro
acarretou em trabalhos brilhantes, sendo alguns bastante recorrentes em listas
de melhores em vários níveis.
Woodland, a casa que viu nascer "Trout...", da Captain Beefheart |
Aqui, então, uma listagem que serve como dicas para audição nestes
dias com 15 discos cujo processo de isolamento lhes foi essencial para
serem concebidos, mesmo que a própria sanidade mental de seus autores tenha
sido, em certos casos, comprometida para que isso ocorresse (se é que já não
estava). Se a nossa saúde física está em perigo atualmente, a discografia
musical, diante dessa (aparente) contradição entre “liberdade” e “prisão”, é
capaz de sanas nossas mentes.
*****
1. “Os Afro-Sambas” – Baden Powell e Vinícius de Moraes (1966)
Local: Casa de Vinícius de Moraes, Parque Guinle, Laranjeiras, Rio de Janeiro, Brasil
Já resenhado aqui no blog, é o exemplo clássico na
música brasileira de confinamento que deu certo. Mas não um isolamento para
ficar limpo ou longe da família e das tentações. Os instrumentos de home office
foram o poderoso violão de Baden, o papel e a caneta de Vinícius e um engradado
de whisky 12 anos. “Eu fiquei tão entusiasmado que passamos uns três meses
completamente enfurnados”, disse Vinícius sobre a temporada em que abrigou
Baden em seu apartamento no Parque Guinle, no Rio de Janeiro, para comporem as
mais de 50 canções que resultariam n”Os Afro-Sambas”. Depois da concepção, foi
só lapidar em estúdio com as intensas percussões, os arranjos e regência do
maestro César Guerra-Peixe e as participações vocais do Quarteto em Cy e de
Dulce Nunes. Como Cly Reis bem colocou na resenha de 2013, “Os Afro-Sambas” é “uma
perfeita mescla de técnica, poesia, brasilidade, africanidade, sincretismo,
tradições, folclore e genialidade em um trabalho que leva ao limite a
multiplicidade e as possibilidades dentro da linguagem do samba e das vertentes
da música brasileira desde suas mais remotas origens”.
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2. “Music from Big Pink” – The Band (1968)
Local: "Big Pink", West Saugerties, Ulster, Nova York, EUA
Ia tudo bem com os canadenses Robbie Robertson, Rick Danko, Levon Helm, Garth Hudson e Richard Manuel em 1966. Eles formavam o grupo de apoio de Bob Dylan no clássico “Bringing It All Back Home” e revolucionavam o folk rock ao eletrificá-lo de forma inequívoca. Mas o perigo está sempre à espreita. Não demorou muito para que as reações contrárias viessem e as vibrações ruins dos conservadores da música norte-americana afetassem tanto Dylan, que o fizeram se acidentar de moto. Fim da linha? Não, pelo contrário: fase superprodutiva. Com músicas até sair pela orelha, os rapazes da The Band alugam uma casa de cor rosa em West Saugerties, uma pacata vila no Condado de Ulster, em Nova York, e concebem seu primeiro e histórico álbum, metalinguisticamente chamado de “música da grande casa rosa”. Resultado: “Music...”, cuja capa reproduz um óleo da autoria de Dylan, é classificado como 34º melhor disco pela Rolling Stone's entre os 500 maiores de todos os tempos. Não precisa dizer mais nada.
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3. “Trout Mask
Replica” – Captain Beefheart & His Magic Band (1969)
Local: Woodland Hills, Ensenada Drive, Modesto, Califórnia, EUA
O blueser vanguardista Don Van Vliet já havia dado ao mundo
do rock dois discos memoráveis com sua Captain Beefheart: Safe as Milk (1967) e
Strictly Personal (1968). Mas um filho musical de Frank Zappa como ele jamais
se contenta com o que já fizera. Movido por um desejo artístico superior, Vliet
fez, então, “Trout...”. Reproduzo o parágrafo que abre a resenha que escrevi em
2013 sobre este disco aqui para o blog, pois vai na essência do que essa obra
representa: “Um músico se trancafia em um casarão antigo, só ele e um piano.
Ali, compõe 28 peças. Não, não estamos falando de algum pianista de jazz em
abstinência de heroína nem de um concertista clássico precisando de isolamento
e concentração para criar sua obra-prima. Estamos falando de um disco de rock,
tocado com baixo, guitarra, bateria e, solando, clarinetes e saxofones. Tudo
sem um acorde sequer de piano. (...) Talvez o trabalho que melhor tenha fundido
rock, jazz, blues, folk e erudito, sustenta o status de uma verdadeira ‘obra de
arte’, um dos 10 registros mais importantes da música contemporânea ao lado
obras de Shostakovitch, Charles Mingus, Velvet Underground e Ligeti.”
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4. “Gilberto
Gil” - Gilberto Gil (1969)
Local: Quartel da Vila Militar, Deodoro, Rio de Janeiro, e domicílio-prisão, Rua Rio Grande do Sul, Pituba, Salvador, Brasil
Antes de “Changin’ Time”, do norte-americano Ike White (que
falaremos logo adiante), outro grande disco cunhado em regime de cárcere era
produzido, infeliz ou felizmente, no Brasil. Foi em 1969, nos anos de ditadura
militar. O que se tem a celebrar desse capítulo triste da história brasileira é
que nem a repressão foi suficiente para impedir que a genialidade de Gilberto Gil
produzisse um álbum grandioso tanto em qualidade quanto em simbologia e
resistência. O supra-sumo do tropicalismo. E ainda num ínterim tenso e degradante. Em prisão domiciliar em
Salvador após meses encarcerado no Rio de Janeiro e quatro meses antes de
embarcar para o exílio em Londres, Gil lançou mão apenas de seu violão e de sua
voz para gravar as bases de todas as músicas que comporiam seu novo álbum. Nove
preciosidades que, quando foram parar nas mãos de Rogério Duprat para que este
as produzisse e as vestisse com os outros instrumentos e orquestrações, seu
autor já estava em pouso forçado no Velho Mundo. O antropólogo Hermano Vianna
observa, abismado, que "Gilberto Gil" “é quase um milagre que tenha sido produzido e
lançado”. Milagre maior é saber que desse disco há obras como “Aquele Abraço”,
“Futurível”, “Cérebro Eletrônico” e “Volks Volkswagen Blues”.
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5. “Barrett” –
Syd Barrett (1970)
Local: Fulbourn Hospital, vila de Fbridbourn, Cambridgeshire, Inglaterra
Syd Barrett é daqueles gênios que nunca bateram muito bem. A capa, desenho dele, denota esse ínterim entre a loucura e a mais graciosa sanidade. Ao mesmo tempo em que produzia coisas incríveis, como a marcante participação
(e fundação!) na Pink Floyd, era capaz de cair num estado vegetativo indissolúvel. A esquizofrenia era ainda mais comprometida pelo
uso de drogas pesadas. Tanto que, logo depois de “The Piper at the Gates ofDown”, de 1967, o de estreia da banda, Roger Waters e David Gilmour assumiram-lhe a frente. Mas não sem desatentarem do parceiro, que gravaria logo em
seguida o também lendário “The Madcap Laughs”. Gilmour, aliás, amigo e
admirador, fez o que poucos fariam para manter viva aquela chama: montou um
estúdio em pleno manicômio, em que Barrett fora internado, em 1969, para que o “Crazy
Diamond” registrasse sua obra mais bem acabada antes que sua mente se
deteriorasse e o impedisse disso para sempre. Foi, aliás, exatamente o que aconteceu com Barrett, morto em 2006 totalmente recluso e sem ter nunca mais
entrado num estúdio com regularidade. Antes, graças!, deu tempo de salvar “Barrett”, dos
discos cinquentões de 2020.
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6. “Led
Zeppelin IV” – Led Zeppelin (1971)
Local: Headley Grance, East Hampshire, Inglaterra
Era comum a galera do rock dos anos 60 e 70 dar umas
escapadas sabáticas para ver se conseguiam fugir um pouco burburinho de fãs e
executivos e produzir algo que lhe satisfizesse. Acabou sendo o que aconteceu
com a Led Zeppelin para a produção daquele que foi seu mais celebrado disco: o
“IV” (ou "Four Symbols", ou "ZoSo" ou "o disco do
velho”). Em dezembro de 1970, a banda se reuniu no recém-inaugurado Sarm West
Studios, em Londres, para a pré-produção de seu até então novo álbum. Só que não.
Outra banda, a Jethro Tull, havia chegado primeiro. O quarteto Page/Plant/Bonham/Jones
decidiu, então, por sugestão dos integrantes de outra grande banda inglesa, a Fleetwood Mac, finalizar a produção no pequeno estúdio da Headley Grance, uma mansão de
pedra de três andares em East Hampshire, no meio do nada, com fama de mal
assombrada mas com uma acústica incrível. Prova do acerto na escolha do lugar
para a gravação é o som da bateria de Bonham em "When the Leevee
Breaks", gravada, com microfones-ambiente na base da escadaria da casa. O
resultado é um som trovejante e uma das introduções de bateria mais marcantes
de todos os tempos. Fora isso, o local viu nascerem alguns dos maiores clássicos
do rock de todos os tempos, como "Black Dog", "Rock and
Roll", "Stairway to Heaven" e "Four Sticks".
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7. “Exile on
Main St.” – The Rolling Stones (1972)
Local: Mansão Nellcôte, Villefrance-sur-Mer, Costa Azul, França
Sabe tudo que se fala do caos que foi o set de filmagens de “Apocalypse Now”, do Coppola, com drogas, sexo, atrasos, grana desperdiçada, crises e, claro, o isolamento de toda a equipe do filme numa floresta quente e úmida? Algo semelhante foram as gravações de “Exile...”, dos Rolling Stones. Troca-se apenas a úmida floresta asiática pela da famosa Nellcôte, mansão localizada na mediterrânea Villefrance-sur-Mer, Sul da França, que presenciou, entre 10 de julho a 14 de outubro de 1971, um festival de sexo, drogas e muito, mas muito rock ‘n’ roll. Quase ninguém saía nem entrava, a não ser traficantes e groupies para animar as noites viradas. Os atrasos, como no filme, foram decorrência, o que, aliás, também fez gastar tempo e dinheiro. No que se refere à crise, foi uma financeira que fez a banda fugir da Inglaterra para aquele lugar longe de tudo – principalmente do fisco. Cenário perfeito para sair tudo errado, certo? Se o filme de Coppola venceu a Palma de Ouro e virou o maior filme de guerra de todos os tempos, “Exile...”, a seu tempo, se transformou no melhor disco dos Stones – o que é quase dizer que se trata do melhor disco de rock de todos os tempos.
8. “Rock Bottom” – Robert Wyatt (1974)
Local: Little Bedwyn, vila de Wiltshire, Inglaterra
O segundo disco solo do inglês Robert Wyatt, então baterista da Soft Machine, é outra experiência radical de isolamento forçado. Porém, esta se deu por um motivo limite: um grave acidente. Na noite de 1º de junho de 1973, em uma festa regada a Southern Comfort COM tequila (receita ensinada pelo parceiro de bebedeira Keith Moon), Wyatt, depois de incontáveis doses, não percebeu que saía a pé por uma janela, despencando sem escalas direito do quarto andar rumo ao chão. Ele acordou só no outro dia numa cama de hospital sem movimentar as pernas nunca mais a partir de então. Quando ele finalmente conseguiu se sentar em uma cadeira de rodas, um dos primeiros objetos que encontrou no hospital foi um velho piano na sala de visitas, onde começou a trabalhar no material de “Rock Bottom”, algo como “fundo do poço”. Após um período difícil de adaptação à sua nova condição, ele começou a gravar faixas no início de 1974 em uma fazenda em Little Bedwyn, numa pacata vila de Wiltshire, sudoeste da Inglaterra, alavancando a unidade de gravação móvel da Virgin Records, estacionada no campo do lado de fora da casa. Para o crítico musical e historiador italiano Piero Scaruffi, “Rock...”, cuja soturna arte da capa também é de autoria de Wyatt, é uma das 15 obras mais importantes da música moderna na segunda metade do século XX.
9. “A Night at
the Opera” – Queen (1975)
Local: Rockfield Studios, Rockfield Farm, Monmouthshire, País de Gales
A história desse disco é tão legal, que virou uma das melhores sequências do premiado filme “Bohemian Rhapsody” - faixa, aliás, que exprime
com grandeza a importância e qualidade ímpar do disco da Queen. Depois do sucesso dos
primeiros álbuns com o grupo e recém contratados por uma grande gravadora, a
banda sabia que tinha que trazer algo melhor e novo no álbum seguinte. Pois
Freddie Mercury, em alta efervescência criativa, convence o restante do grupo a
se instalar temporariamente na Rockfield Farm, uma pequena vila no sudeste do
País de Gales, longe do burburinho dos fãs e, principalmente, de qualquer
influência que o desviasse do objetivo de fazer, sem modéstia, uma obra-prima.
Se a gravadora achou ousado demais e houve críticas à mistura de música
clássica com rock, não importa. O fato é que “A Night...” logo estourou, entrou
para a lista dos mais vendidos e saiu bem àquilo que Freddie intentava: uma
obra-prima.
10. “Changin'
Times” – Ike White (1976)
Local: Tehachapi State Prison, Tehachapi, Califórnia, EUA
Se o assunto é disco produzido e gravado num ambiente fechado, “Changin’ Times”, de Ike White, vai ao extremo. Músico prodígio, hábil com vários instrumentos e de uma capacidade compositiva sem igual, ele poderia ter sido um dos grandes astros da black music norte-americanos, no nível de James Brown, Isaac Hayes ou Curtis Mayfield. Só que o destino cruel quis que aquele homem negro tão talentoso quanto pobre fosse sentenciado por um homicídio e passasse a maior parte da vida na cadeia. Mas foi dentro de uma, a penitenciária de Tehachapi, uma pequena cidade no interior da Califórnia, que White, em 1976, ajudado por Stevie Wonder e pelo produtor Jerry Goldstein, revelasse ao mundo aquele é um dos melhores discos da música soul de todos os tempos, o acertadamente intitulado “Tempos de Mudança”. Esses dados são adivinhados pelos agradecimentos na capa do álbum ao superintendente Jerry Emoto, do Departamento de Correções da Califórnia, e ao restante da equipe da prisão "sem cuja ajuda esse projeto não poderia ter sido realizado". E não há mais informações sobre Ike White. Nada. Ano passado, o documentário “The Changin' Times of Ike White”, de Daniel Vernon, revelou alguma coisa mais do pouco que se sabe sobre a lenda Ike White. Porém, ouvindo um disco tão maravilhoso quanto este talvez se conclua que seja isso mesmo tudo que se precise saber.
11. “Bedroom
Album” – Jah Wabble (1983)
Local: Dellow House, Dellow Street, Wapping, East London, Inglaterra
Dellow House, sito ao logradouro de mesmo nome, área urbana da Grande Londres, código postal E1. Este é o endereço em que o lendário baixista britânico Jah Wabble gravaria um de seus discos mais influentes para a galera do pós-punk, entre eles, Renato Russo, que ovacionava este álbum. Porém, nem mesmo todas essas indicações geográficas são suficientes para apontar precisamente onde o disco fora concebido, produzido e gravado: o próprio quarto de Wabble. Aliás – assim como o já citado disco da The Band – o título, "Bedrom Album", mais claro, impossível. Depois de ter ajudado John Lydon e sua trupe da Public Image Ltd. a definir o som dos anos 80 e 90, Wabble, não dado por satisfeito e dono de uma carreira solo que passa desde a música eletrônica ao free funk, fusion, experimental e new-wave, faz seu o melhor trabalho até hoje. As linhas de baixo graves e mercadas ganham toda a relevância nos arranjos, que tem como aliada a guitarra do parceiro Animal (Dave Maltby). Os outros instrumentos, todos a cargo do dono do quarto. Semelhanças com a sonoridade da P.I.L., há, como na brilhante “City”, nas arábicas “Sense Of History”, “Concentration Camp” e “Invaders of the Heart”. Uma aula de como fazer um disco brilhante sem sair da cama.
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12. “Blood
Sugar Sex Magik” – Red Hot Chili Peppers (1991)
Local: The Mansion, Laurel Canyon, Los Angeles, Califórnia, EUA
A The Mansion, antiga construção na montanhosa Laurel
Canyon, em Los Angeles, era lendária e assombrada. Nas décadas de 1960 e 1970,
muitos artistas famosos como Mick Jagger, David Bowie, Jimi Hendrix e The Beatles estiveram nela. Conta-se que, nos anos 20, seus donos a abandonaram depois
que um homem morreu caindo de sua varanda. Há quem afirme que, quando esteve em
seus corredores, as portas se abriam sozinhas. Era o cenário perfeito para que
os malucões da Red Hot gravassem "BSSM", seu quinto e mais festejado álbum. Os 30 dias
em que Anthony Kiedis, Flea, John Frusciante e Chad Smith se mudaram para a
mansão pertencente ao produtor Rick Rubin foram essenciais para que criassem
clássicos e hits do rock como "Give It Away", "Under The
Bridge", "Suck My Kiss" e "Breaking the Girl". Funk,
punk, heavy metal, indie, jazz fusion, pop. Tudo junto e misturado no disco
que, junto de “Nevermind”, do Nirvana, fez o rock alternativo sair das cavernas
e ir para as paradas.
13. “Wish” –
The Cure (1992)
Local: The Manor Studio, Shipton Manor, Oxfordshire, Inglaterra
A The Cure também teve a sua vez de reclusão. Foi para a gravação
de “Wish”, de 1991. O trabalho anterior, o celebrado “Disintegration”, foi um
sucesso de crítica e público, mas bastante tempestuoso durante as gravações.
Último disco com o então integrante formador Lawrence Tollhust, muito desse
clima se deve à relação já bastante estremecida dele para com Robert Smith e
outros integrantes da banda. Já sem ele, decidem, então, se enfurnar numa
mansão em estilo Tudor em Oxfordshire, interior da Inglaterra, a chamada
Shipton Manor. Um lugar espaçoso, cheio de espelhos enormes, tapetes persas,
lareiras e um enorme mural no átrio. A ideia eram justamente, fugir um pouco de
toda a polêmica e as complicações em torno do processo que o Tolhurst movia
contra Robert Smith e o grupo. A safra foi frutífera, tanto que rendeu um álbum
duplo, o último grande da banda, e com o hit “Friday I’m in Love”, que colocou
“Wish” nas primeiras posições em várias paradas naquele ano.
14. “Ê Batumaré” – Herbert Vianna (1992)
Local: Antiga residência dos Vianna, Estrada do Morgado, Vargem Grande, Rio de Janeiro, Brasil
Talvez um desavisado que conheça Herbert Vianna hoje,
paraplégico por causa de um acidente sofrido em 2001, pense que “Ê Batumaré”,
assim como o disco de Wyatt, seja caseiro por motivos de "força maior". Mas, não.
À época, quase 20 anos antes daquele ocorrido trágico, o líder e principal
compositor da Paralamas do Sucesso, dotado de todas as funções motoras, estava
dando uma guinada sem volta na carreira pela influência da música brasileira em
sua música (em especial, do Nordeste). Já se percebiam sinais em discos da
banda, como “Bora Bora” (1988) e “Os Grãos” (1991), e se sentiria ainda mais no
sucessor “Severino”. Gravado, tocado e cantado inteiramente pelo ele em uma
garagem sem tratamento acústico e num equipamento semiprofissional (como está
escrito no próprio encarte), ouve-se de Zé Ramalho a Win Wenders, de baião a
eletroacústica, de rock a repente, além de instrumentos de diversas sonoridades
e timbres e, claro, as ricas melodias que sempre foi capaz de criar. O álbum é
o centro desta mudança de paradigma que Herbert trouxe à sua música, à de sua
banda e ao rock nacional como um todo. Se à época a imprensa brasileira –
sempre pronta para criticar os artistas de casa – recebeu o disco com frieza,
considerado-o “experimental” (mentira: eles não entenderam!), nunca mais o rock
brasileiro foi o mesmo depois de “Ê Batumaré”.
15. “The Downward Spiral” – Nine Inch Nails (1994)
Local: 10050 Cielo Drive, Benedict Canyon, Los Angeles, Califórnia, EUA
Nos anos 90, o avanço da tecnologia dos equipamentos sonoros dava condições para se montar estúdios portáteis onde quer que fosse. Foi então que o multi-instrumentista norte-americano Trent Reznor pensou: “por que não instalar um em plena 10050 Cielo Drive, a mansão nos arredores de Beverly Hills, Los Angeles, em que, na madrugada do dia 9 de agosto 1969, a família Manson assassinou cinco pessoas, entre elas, com requintes de crueldade, a atriz e modelo Sharon Tate, grávida do cineasta Roman Polanski?” O que para alguns daria arrepios, para o líder da Nine Inch Nails foi motivação. Ali ele compôs o conceitual “The Downward Spiral”, disco de maior sucesso da banda. Reznor, que se mudara para a casa, absorveu-lhe o clima macabro para criar uma ópera-rock cheia de ruídos, distorções e barulho em que o personagem principal passa por solidão, loucura, descrença religiosa e repulsa social. Até o estúdio improvisado ganhou nome em alusão àquele trágico acontecimento: Le Pig, uma referência a uma das mensagens deixadas escritas nas paredes da casa com o sangue dos mortos. Se por sadismo ou mau gosto à parte, o fato é que o disco virou um marco dos anos 90, considerado um dos melhores álbuns da década pouco após seu lançamento por revistas como Spin e Rolling Stone.
Daniel Rodrigues
Colaboração: Cly Reis
Colaboração: Cly Reis
terça-feira, 16 de setembro de 2014
Herbie Hancock - "Empyrean Isles" (1964)
“Hancock estreita as fronteiras entre o hard bop, encontrando brilhantemente um sugestivo equilíbrio entre o bop tradicional,
injetando-lhe grooves do soul,
e experimental, jazz pós-modal.”
Stephen Thomas Erlewine,
crítico musical e biógrafo
O jazz
já era o maior gênero musical norte-americano desde os anos 20, mas
é inegável que as décadas de 50 e 60 foram memoráveis para sua
história. A cada ano, vários artistas – muitos em seu auge;
alguns, iniciando; outros, veteranos em plena forma – lançavam um
ou mais álbuns impecáveis e inovadores, considerados fundamentais
até hoje, fosse pela Impulse!, Blue Note, ECM, Atlantic, Columbia, Verve e outros selos. Destes, a passagem de 1963 para 1964 talvez
seja a que reúna o crème de la creme pós-Segunda Guerra.
Provavelmente, iguale-se apenas ao revolucionário ano de 1959, que
presenteou o mundo com as inovações modais de "Kind of Blue",
do Miles Davis, com o libelo free jazz de “The Shape of Jazz
to Come”, do Ornette Coleman, e o petardo hard-bop “Giant
Steps”, do John Coltrane. Se nem tanto em transformação do
estilo, o quinto ano da década de 60 não fica para trás em
qualidade e importância. Gravaram-se, durante seus 365 dias, por
exemplo, joias como "Night Dreamer", do Wayne Shorter, "Matador",
do Grant Green” (ambos já resenhados aqui nos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS), “Out to Lunch”, do Eric Dolphy, e “Witches and Devils”, do Albert Ayler. Todos completando expressivos 50 anos em
2014.
Um dos
mais felizes desses cinquentões foi registrado a 17 dias do mês de
junho daquele fatídico ano para o jazz. Foi quando, pela Blue Note,
um dos maiores mestres da música moderna entrou nos estúdios Van Gelder, em New Jersey, com um timaço que tinha Freddie Hubbard, no
trompete, corneta e flugelhorn,
Ron Carter, no baixo, e Tony Williams, na bateria. Aquele dia
marcaria a sessão de gravação de mais uma obra-prima do jazz:
“Empyrean Isles”, do pianista, compositor e arranjador Herbie Hancock. Um dos mais versáteis, influentes, celebrados e até
controversos ícones da música mundial, Hancock, aos 64 anos de vida
e mais de 50 de carreira, já foi do be-bop ao break,
passando pelo afro-jazz, fusion, funk, modal, clássico e
outros gêneros, seja pilotando o piano ou o sintetizador. E sempre
com a maior integridade, sem perder seu fraseado característico e a
complexidade harmônica inspirada em músicos de diversas vertentes
como Bill Evans, Miles Davis, James Brown, George Gershwin, Tom Jobim e Sergei Rachmaninoff. Como seus mestres, serve de referência não
só para a geração do jazz que lhe sucedera mas, igualmente, a
músicos de outros estilos como Joni Mitchell, Jeff Beck, Stevie Wonder, Brian Jackson, Dom Salvador, Ike White, Marcos Valle, Public Enemy, entre centenas de outros.
Quinto
disco solo do músico, “Empyrean Isles” é o exemplo máximo do
hard-bop hancockiano e cuja influência e profusão através
dos tempos é das mais fortes de sua trajetória ainda em plena
atividade. A começar por dois monumentos do jazz moderno: "One
Finger Snap" e "Oliloqui Valley". A primeira, ritmada
e pulsante, começa com Hubbard arrebentando na corneta sobre uma
base swingada de Williams, que, com as baquetas, conjuga com
equilíbrio caixa, chipô e prato de ataque. Mas, como o próprio
título sugere, a preciosidade está nos dedos de Hancock. Como diria
Ed Motta, “a mão esquerda mais inteligente do mundo”. Um show de
agilidade e engenhosidade de improviso. La no fim, quando se pensa
que tocaram o chorus derradeiro, Tony Williams ainda apresenta
um arrasador solo para, daí sim, desfecharem. Uau!
Já
"Oliloqui...” quem começa incrivelmente é Carter, com seu
toque trasteado inconfundível. Mais cadenciada e bluesy,
nesta é o pianista quem inicia os trabalhos de improvisação,
novamente (e como sempre!) com a mais alta qualidade que se pode
esperar. Um fraseado limpo, cristalino, soul mas erudito ao
mesmo tempo. Hubbard, por sua vez, também não deixa por menos, com
um solo de emoção crescente que concilia lirismo e agilidade. O
mestre Carter, que havia iniciado tão marcantemente a faixa com sua
assinatura sonora, tem a chance de desenvolvê-la ainda mais. É tão
bonito e impactante que o restante da banda para que ele toque,
voltando, em seguida, todo o conjunto ao riff inicial. Mais um
solo de trompete, atilado e curto, para terminar o número em
desce-som.
E o
que dizer da maravilhosa "Cantoloup Island"? Um colosso da
música do século XX. Que base do piano, que harmonia, que groove,
que chorus! Os quatro parecem saber tocar a melodia desde
crianças tamanha a naturalidade do arranjo, que se resolve entre o
quarteto intuitivamente, sabendo com exatidão a hora de cada um
entrar, a precisão da cadência, o ataque ou a supressão certa em
cada solo. No chorus, repetido a cada estampido seco de
Williams na caixa, como um comando, é de uma beleza indecifrável a
delicadeza do quase sugestivo último acorde ao final de cada frase,
pronunciado propositadamente fraco, como uma respiração, como um
suspiro que o ouvido já sabe como será – a adora confirmar o que
já sabia depois que o escuta. A sensação que se tem em
"Cantoloupe ..." é rara em música. Como Dear Prudence, dos Beatles, seu riff é tão natural e sugestivo que é como se
sempre estivesse ali, no ar; só nós que, seres limitados, não o
ouvimos. É preciso esses gênios mal acionem as moléculas para que,
atritadas, gerem o som e percebamos o óbvio. Longe da conjectura
matemática do serialismo dodecafônico, intricada e lógica, a
previsibilidade delas é sentida no coração.
Mas
mais do que o conhecido riff funky (muito bem “chupado”
pelo grupo Us3 em sua “Cataloop”, em 1993, porém inevitavelmente
inferior), Hubbard e Hancock desenvolvem solos que experimentam os
limites do hard-bop. Hubbard, logo após o primeiro chorus,
sobe um tom e entra rasgando, guinada inteligentemente acompanhada
por toda a banda no mesmo instante. Um dos solos mais clássicos do
cancioneiro jazz. Em seguida, cabe ao próprio Hancock, criador da
obra, imprimir-lhe uma carga descomunal de groove como até
então não se vira no jazz. Era James Brown materializando-se na “simplicidade complexa” do jazz.
Para
fechar, “The Egg”, em extensos mas nem de longe monótonos 14
minutos, um exercício minimalista brilhante e desafiador. Primeiro,
pela base de piano repetitiva em um esquisito tempo 4 + 3. Junto a
isso, a bateria de Williams, não menos criativa, mantém o compasso
em curtos rufares. Por fim, claro, as improvisações individuais de
cada um: prolongadas, em que cada músico usa da inventividade de
forma livre, namorando com o avant-garde que Coltrane, Ayler e
Don Cherry desenvolveriam a partir de então. O diálogo com a
vanguarda já se sente quando Carter surpreende e saca um arco para
fazer de seu baixo uma espécie de cello, tangendo as cordas ao invés
de dedilhá-las. Nisso, Hancock faz a música ganhar outras
dimensões, passeando pelo free jazz, retornando ao cool
dos anos 50, mas, mais do que isso, remetendo aos eruditos
contemporâneos em lances de pura atonalidade. Quanta musicalidade!
Em “The Egg”, Hancock antecipa o jazz fusion que ele mesmo
ajudaria a criar anos depois. O fim da faixa, que também encerra o
disco, é tão arrojado quanto sua abertura, como se um piano tivesse
quebrado e repetisse somente e justo aqueles acordes.
Um
disco memorável que, afora a data comemorativa, merece ser reouvido
e revisto a qualquer época, tamanha sua qualidade e importância.
Junto com outro trabalho definitivo do soul jazz, “The
Sidewinder”, do trompetista Lee Morgan (do mesmo ano!), “Empyrean
Isles”, com seus riffs e levadas funk somados à sua
engenhosidade harmônica, inspiraram toda a geração posterior de
jazzistas (Chick Corea, Vince Guaraldi, Hubert Laws, irmãos
Marsalis) e não-jazzistas, como a Blacksplotation dos anos 70, o pop
dos anos 80 e músicos de todas as partes do planeta até hoje que
chega a ser difícil até dimensionar. E essa força perdura desde
aquele longínquo 1964. A fase era tão fértil que, pouco menos de
um ano depois, Hancock comandaria a mesma banda no também
espetacular “Maiden Voyage”, avançando ainda mais alguns passos
em estética e forma. Mas os 50 anos desta outra obra-prima serão
completos somente ano que vem...
Herbie Hancock - "Cantaloupe Island"
Herbie Hancock - "Cantaloupe Island"
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FAIXAS:
- "One Finger Snap" – 7:20
- "Oliloqui Valley" – 8:28
- "Cantaloupe Island" – 5:32
- "The Egg" – 14:00
todas
as faixas compostas por Herbie Hancock
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OUÇA
O DISCO
por Daniel Rodrigues
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