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sexta-feira, 4 de outubro de 2024

"Othelo, O Grande", de Lucas H. Rossi dos Santos (2024)



Othelo, o ainda maior

Uma das características emblemáticas das personagens criadas por William Shakespeare é a profundidade existencial. Há sempre nelas uma série de sentimentos que lhes podem ser associados e, não raro, mais de um ao mesmo tempo. Inveja, rancor, ciúme, ganância, torpor, vaidade, estoicismo, insegurança, euforia, culpa. E quanto mais se leem as obras do autor inglês, mais se identificam essências do comportamento humano, como se nunca chegasse a decifrar a complexidade e a grandiosidade dessas personagens.

Não é por acaso que o maior ator brasileiro de todos os tempos tenha recebido, ainda na infância, quando começava a revelar seu talento nos palcos, uma alcunha referente a um personagem shakespeariano: Othelo. Afinal, para minimamente dimensionar o tamanho simbólico deste pequeno mineiro de extenso nome Sebastião Bernardes de Souza Prata para a arte brasileira é justo associá-lo a um personagem tão fascinante quanto controverso e cuja personalidade ainda é uma esfinge a ser decifrada mesmo 4 séculos após a estreia da peça original. 

Curiosamente, o documentário “Othelo, O Grande”, de Lucas H. Rossi dos Santos, espelha a mesma contradição: um grande filme, mas insuficiente para dar a ideia da grandiosidade de seu protagonista. Mas como classificar de "grande filme" se este aparentemente falha em expressar com inteireza exatamente o objetivo analisado? A resposta está no próprio "objeto" analisado, Grande Othelo.

A opção narrativa do filme concentra todas as explicações, das quais decorrem o que é bom e o que não é tanto assim. Construído em forma de autodepoimentos, o documentário se vale de diversas e muito bem pesquisadas entrevistas, vídeos e fotos do múltiplo Grande Othelo, ator, comediante, cantor, poeta, compositor, produtor e entrevistador. Diante do que se propõe a narrar, o material, aliás, dá conta muito bem. A começar pela impactante sequência inicial em que se escuta a voz do ator falando de si mesmo numa entrevista para o Museu da Imagem e do Som enquanto, num outro registro, este, visual, ele, à vontade no sofá de casa, mira com olhar penetrante a câmera, que o foca em zoom até fechar em seu rosto sob o som de um samba enfezado. A junção de tempos de cada material e o "descompasso" entre o que se fala e o que se cala expressam muito bem uma das ideias centrais de “Othelo, O Grande”: a dificuldade de inserção de um homem negro e fora dos padrões excludentes da sociedade em uma nação jovem e preconceituosa. Mas também, metaforicamente, acaba por simbolizar uma fragilidade do filme.

Olhar forte e penetrante do maior ator do Brasil na sequência inicial do filme

Com uma edição impecável, capaz de interligar ideias distintas da cosmologia do ator e imprimir um ritmo muito interessante à narrativa, visto que convidativo à observação e à reflexão, o filme acerta ao trazer a voz na primeira pessoa, recuperando falas de Grande Othelo como as que ele rememora a infância, a primeira experiência com a Companhia Negra de Revistas, nos anos 20, a vez em que contracenou com Josephine Baker e a admiração que despertou em Orson Welles. As falas também são contundentes, como as que reclama abertamente do racismo que sofreu, da falta de oportunidades na carreira e de ver seu talento relegado. É revelador ouvi-lo dizer, em certo momento, que a Atlântida, estúdio de cinema responsável pelo sucesso das chanchadas dos anos 40/50, tinha dois símbolos: o chafariz, que estampa sua logo, e... Oscarito. Piada, só que não. Qualquer um que minimamente conheça as comédias "teatro de revista" desta fase do cinema brasileiro se refere à dupla indistintamente como a cara da Atlântida. Na hora de assinar os contratos, no entanto, não era bem assim, visto que o ator negro entre os dois era menos valorizado.

Há uma certa melancolia e até sisudez na forma como a figura de Grande Othelo aparece, contrapondo a imagem cômica que o Brasil guardou dele do cinema ou da TV. Essa quebra ideológica, proposital e perfeitamente aceitável, abre porta, contudo, para um dos aspectos em que o filme peca, que ė não ter explorado tudo que seu protagonista ofereceu em vida. As entrevistas que Grande Othelo conduziu na TV, espaço desejado por todos os artistas da época, e as esquetes humorísticas na Globo nos anos 60 (quando batizou Antônio Carlos Bernardes Gomes de Mussum) não são visitados. Igualmente, as novelas em que brilhou, como “Feijão Maravilha” e “Uma Rosa com Amor”. Também, o lado não só sambista, mas de poeta ou o envolvimento com o comunismo, visto que mantinha amizade próxima com Luís Carlos Prestes. Aspectos que não são mencionados e que ajudariam bastante a dar maior consistência ao teor "não-satírico" proposto.

Na história da dramaturgia brasileira, a percepção de Grande Othelo mais como ator e não apenas "escada" para outros começa a mudar na segunda fase do Cinema Novo, nos anos 60. Ele relembra que foi Joaquim Pedro de Andrade que o fez, já veterano, renascer no tropicalista "Macunaíma", de 1969, uma analogia com a clássica cena do parto inicial do filme – muito bem aproveitada, aliás, sob esta perspectiva simbólica no documentário. A montagem em que faz passar da cena de Macunaíma no rio para a de “Fitzcarraldo” é digna de aplauso. Porém, novamente o diretor parece ter se preocupado em não exagerar na exemplificação da magnitude de seu protagonista. "Barão Othelo e o Barato dos Milhões", a comédia non-sense escrita especialmente por Miguel Borges para o ator em 1971, é restringida a poucas cenas ilustrativas e sem maiores créditos.

Cena de "Quilombo": ausente no filme
Outro aspecto sobre Grande Othelo ausente no filme salta aos olhos de quem se acostumou a vê-lo no cinema brasileiro dos últimos 50 anos. Sua participação em obras marcantes da cinematografia nacional, por menor que fosse, sempre teve o poder de abrilhantá-las. Poder, aliás, que atores experientes e com considerável bagagem atingem a partir de determinada fase da carreira, como Jack Nicholson em “Questão de Honra” ou Marlon Bando em "Apocalipse Now". O filme não esquece de ressaltar esse fator ao resgatar muito bem a ponta de Grande Othelo em "Fitzcarraldo", a grande produção de Werner Herzog filmada na Amazônia brasileira em 1982. No entanto, haveria mais. Othelo, quando em cena, redimensiona com sua atuação filmes como "Quilombo", em que faz o sábio Baba, "Natal da Portela" (Seu Napoleão) e "Lúcio Flávio - O Passageiro da Agonia" (Dondinho). O filme, portanto, poderia ter trazido essa percepção exaltadora à figura de Grande Othelo, tão consciente na cultura norte-americana, dona da indústria cinematográfica mais pujante do mundo, e talvez muito pouco clara em terras tupiniquins.

Essa contradição, aliás, é desculpada até certo ponto em razão de refletir a própria vida de Grande Othelo, um artista subaproveitado. Fosse nos Estados Unidos, os diretores se estapeariam para colocá-lo em seus projetos. A se ver por Brando, cuja idolatria em seu país se assemelha a de Othelo no Brasil, não faltaram produções em que tenha protagonizado até que, por motivos próprios, se distanciasse das telas. Grande Othelo, pelo contrário, nunca o volume de convites acompanhou o reconhecimento popular. Até nisso o doc de Santos acerta indiretamente: não explora a totalidade da obra de um homem que não a teve em vida explorada em sua totalidade.

Mesmo com tudo isso, “Othelo, O Grande” é, sem dúvida, dos melhores documentários produzidos no país neste século. Excelentes edição, roteiro e condução. Entretanto, tal como o general mouro de Veneza, o Othelo do Brasil teria muito mais othelos para serem revelados, principalmente em um filme cujo título propõe, justamente, a dar a ideia do quão magnânimo é o seu homenageado. A sensação é que, mal comparando, ocorre com "Othelo,  O Grande" o mesmo que "O Palhaço" (Selton Mello): um ótimo filme que, por detalhe, perdeu a chance de ser uma obra-prima. Num documentário biográfico, não que seja obrigatório incluir tudo sobre o pesquisado, mas a impressão que fica é de que havia mais a ser dito e para conseguir amarrar tudo a seu jeito, preferiu-se omitir algumas coisas. 

O êxito da obra, embora essas lacunas, deve-se, claro, à competência de quem o dirigiu, capaz de lhe dar coesão e coerência discursiva ao que se propôs, mas também ao próprio personagem. Mesmo inexplorado, Grande Othelo garante ao espectador, principalmente, o brasileiro, o orgulho de também pertencer à mesma terra. Como falou o cineasta, professor e filósofo Dodô Oliveira: “Grande Othelo vive em mim”. Uma grandeza maior até do que aquilo que se silencia.

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trailer de "Othelo, O Grande"


"Othelo, O Gtrande"
Direção: Lucas H. Rossi dos Santos
Gênero: Documentário
Duração: 83 min.
Ano: 2024
País: Brasil
Onde encontrar: Cinemas


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Daniel Rodrigues

quinta-feira, 11 de abril de 2024

"Hamlet", de Zeca Brito (2023)



Ser ou Não Ser Político? Eis a Questão


"A loucura às vezes atinge quando o julgamento e a sanidade não dão frutos."
Da Peça "Hamlet", ato 2

Levar Shakespeare para a tela sempre foi uma tarefa complexa. A tentação de se valer do texto clássico pela sua inequívoca qualidade, no entanto, nem sempre é garantia de um bom resultado. Justamente pela alta qualidade literária, a adaptação pode facilmente resvalar. Se há acertos esplêndidos, como “Othelo” de Orson Welles, há também pasteurizações enfadonhas, tipo “Romeu + Julieta” de Baz Luhrmann. Fato é que o cinema ainda explora formas de elaborar a dramaturgia do autor inglês. Entende-se, contudo, tamanha tentação. O teatro shakespeariano sintetiza tão bem a alma humana, que é capaz de refletir situações aparentemente distantes de si, rompendo épocas e renovando linguagens ao longo do tempo. O provocativo “Hamlet”, do cineasta gaúcho Zeca Brito, prova isto. Quando se poderia imaginar, afinal, que uma peça de 425 anos suportaria com a devida potência a ação do movimento Ocupa Escola do Brasil do século 21?

Ganhador de diversos prêmios em festivais, como Gramado e o FIDBA, em Buenos Aires, “Hamlet” é livremente inspirado na peça trágica. Encarnado por Fredericco Restori, o jovem protagonista se encontra em pleno ano de 2016 vivenciado a ocupação do movimento estudantil no Instituto de Educação General Flores da Cunha, em Porto Alegre. Em meio ao traumático processo de impeachment de Dilma Rousseff, é o registro de um período de convulsão social, quando estudantes secundaristas amotinam-se e interrompem as aulas para protestar contra o desgastado sistema vigente. 

Restori no papel de "Hamlet" entre os alunos em protesto

Com a equipe de filmagem inserida no colégio, Brito capta ao mesmo tempo a realidade daqueles jovens e a participação ativa do ator, que divide-se entre a ficção e a vida real. O cineasta retoma o teor político de realizações anteriores, como “A Vida Extra-ordinária de Tarso de Castro” (2016) e “Legalidade” (2019), porém usando a tragédia renascentista como impulso a uma obra pulsante e singular.

A força do filme está no proveito de um dos recursos elementares do texto original: a duplicidade. A dureza da fotografia em p&b expõe constantemente a dicotomia “realidade versus ficção”. O “ser ou não ser” hamletiano se transfigura em embates simbólicos entre bem e mal, loucura e lucidez, democracia e totalitarismo, violência e doçura, espírito e matéria. Ao unir documentário e drama, “Hamlet” joga seu personagem principal num palco vivo, que o faz questionar a vida como um teatro de incertezas e angústias. A exposição na tela daquele Brasil rachado redimensiona, assim, o significado da palavra “cenário”. Não é mais apenas uma explicação para “conjuntura política”, mas para a cena, o plano de ação, aquilo que a câmera enquadra. 

É emblemática a cena em que Hamlet é abordado por uma equipe de televisão, que transmitia ao vivo o ato no colégio. A repórter (de abordagem parcial e sem saber que se tratava de um ator), questiona Hamlet sobre a ocupação. Porém, incomodada com uma pessoa que a filma just in time (o próprio Zeca Brito), grosseiramente a condena. A multiplicidade de camadas e espelhamentos que a sequência consegue revelar – o olhar do cineasta, do tevente, do espectador do filme, da repórter, do apresentador, do cinegrafista – atingem um nível de metalinguagem e de complexidade discursiva admiráveis.

Diálogo entre pai e filho: espelho
A atuação de Restori, igualmente, é alimentada por esta riqueza de intenções. A tênue fronteira entre sanidade e insanidade que conduz Hamlet durante toda a peça expõe-se no personagem do filme através do conflito existencial entre outros dois extremos: o rompimento com a infância e a assunção da vida adulta. Mais do que isso: a tomada de consciência do seu “ser político”. Os diálogos dele com o pai, o também ator Marcelo Restori, como que pondo-se diante de um fantasma no espelho, retrazem o elemento da figura paterna do livro, mas não pelo trauma da morte física como no caso do príncipe dinamarquês, mas a morte da inocência em detrimento da razão. 

Ao reelaborar elementos distintivos do clássico, o filme renova o olhar sobre o ser humano em suas relações sociopolíticas na atualidade. O jovem Hamlet, amálgama de incertezas e desafios, veste, agora, seu manto preto pelas ruas de Porto Alegre como um estudante em busca de respostas àquilo que lhe faça sentido. O filme, assim, faz suscitar profundos questionamentos a respeito da sociedade brasileira dos últimos anos, uma sociedade contraditória e marcada pela pior das dicotomias a qual pode condenar-se: a polarização política. No espelho, não é mais o fantasma do pai que Hamlet vê: é o seu país.

texto originalmente publicado no caderno Doc do jornal Zero Hora em 8 de março de 2024

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trailer de "Hamlet", de Zeca Brito



Daniel Rodrigues


domingo, 12 de março de 2023

"Dead-End: Na Velocidade dos Anos Solitários", de Seyer (1990)


"Um olhar mais atento se dá conta
que o noir de Seyer é ainda mais noir
que os policiais do anos 40 -
ele é menos aveludado do que seus inspiradores,
tem menos glamour.
É rigorosamente gráfico.
Os rostos conhecidos, reconhecidos, convenientes,
próprios a esse repertório, são mais signos do que símbolos."
Jean Luc-Cochet,
quadrinista e escritor



Cinema e quadrinhos têm uma relação muito próxima de longa data. Além dos story-boards, guias organizacionais de diretores para o andamento de uma história, as adaptações de obras pensadas originalmente para papel são parceiras da telona há bastante tempo, e, mais recentemente, ganharam uma força enorme com a ascensão dos estúdios da Marvel e da DC. Já o caminho inverso não costuma ser tão exitoso, uma vez que, grande parte das vezes, quando quadrinistas resolvem passar para o papel uma obra cinematográfica de sucesso, se limitam a reproduzir os quadros da película.
"Dead-End, Na Velocidade dos Anos Solitários" é diferente dessa mera transposição de cenas para as HQ's. A graphic-novel é inspirada e ao mesmo tempo é uma reverência ao cinema. Seyer, o artista responsável pelo trabalho, se utiliza de cenas clássicas, de imagens consagradas de ícones de Hollywood como Humphrey Bogart, Lauren Bacall, James Cagney, Orson Welles, entre outros, para compor sua obra, mas fora do contexto em que elas apareciam originalmente, criando algo totalmente diferente e original. Na história de Sayer Bogart não é o detetive Sam Spade, de "O Falcão Maltês", e sim um cara encrencado tentando arranjar alguma grana e sobreviver como puder; Welles não é o corrupto capitão Hank Quinlan de "A Marca da Maldade", e sim um dono de uma espelunca muito mal frequentada; e a bela Lauren Bacall passa longe de ser a blonde fatal de "À Beira do Abismo" para encarnar um prostituta vulgar de última categoria. O universo de Seyer é esse: a tônica dos filmes noir norte-americanos americanos, só que tudo ainda mais sujo e podre.
A trama é bastante simples: na Nova York dos anos '30, dois caras, ferrados, endividados, jurados de morte pelo gângster do pedaço, sem ter nada a perder, vão para uma cartada final praticamente suicida, roubando um malote e tentando dar o fora da cidade. Só que as coisas não saem exatamente como eles imaginavam e a dupla de perdedores acaba se complicando cada vez mais.
Homenagem ao cinema noir dos anos 40, "Dead-End...", publicada em 1990, hoje é considerada praticamente um cult das HQ's, e tornou-se um verdadeiro item de colecionador. Um exercício de reimaginação do universo do cinema, praticamente recriando personagens que conhecemos com uma visão muito original. Um clássico das HQ's que honra os clássicos do cinema.

Rostos conhecidos, Bogart, Welles, cenas familiares, mas com outra roupagem,
em outra história, diferente (mas nem tanto) das originais em que costumamos vê-los.


 


Cly Reis

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

"O Último dos Dez" ou "E Não Sobrou Nenhum", de Peter Collinson (1974) vs. "O Caso dos Dez Negrinhos", de Satanislav Govorukhin (1987)

 


Muita gente defende que o jogo de futebol fica melhor e deveria ser jogado com dez jogadores de cada lado. Pois, aqui, no nosso jogo, os dois times já começam com dez. No romance "O Caso dos Dez Negrinhos", da mestra do mistério, Agatha Christie, nos apresenta uma trama em que oito desconhecidos são convidados, por um misterioso anfitrião, para um jantar num local isolado e de difícil acesso, no qual, por meio de uma gravação, são revelados crimes que cada um dos convidados e seus dois mordomos teriam cometido. A partir daí, um a um, eles vão sendo assassinados de maneira muito semelhante à subtração de um conhecido versinho infantil sobre dez negrinhos e para cada um que morre, uma estatueta de um conjunto de dez que enfeita a mesa de jantar, é removida. Haverá um décimo primeiro "jogador" ou um dos próprios convidados é o matador?

Nossos dois adversários contam a mesma história, mas com propostas de jogo um pouco diferentes: "O Último dos Dez", também conhecido como "e Não Sobrou Nenhum", de 1974, de Peter Collinson, ousa e faz algumas alterações na história original: ao invés de situar a trama em uma ilha, como no romance original, transfere a ação para o deserto do Irã, em um luxuoso hotel no meio do nada, ao qual os convidados chegam, deixados de helicóptero. Em nome desse atrevimento, ele é obrigado a fazer outras modificações e a maior parte das mortes acaba sendo diferente das idealizadas pela escritora, sendo adaptadas para situações determinadas pela localização, ambiente, hábitos culturais, comprometendo bastante a ligação dos assassinatos com o poema infantil que os ordena e determina.

As ousadias até funcionam, como adaptação cinematográfica, se formos analisar isoladamente, enquanto proposta, filme de mistério e tal, tá ok: deserto, serpentes, hábitos locais de execução, ruínas, etc. Mas, o problema é que, além de mexer numa obra impecável da maior escritora do gênero, no comparativo com o adversário desse jogão do Clássico é Clássico, a opção pelas alterações acaba pesando.

"O Caso dos Dez Negrinhos", de Stanislav Govorukhin, de 1987, é muitíssimo mais fiel ao original de Agatha Christie. A ação se passa numa casa, em uma ilha, no topo de um rochedo, cujo acesso se dá apenas por barco e apenas quando a maré permite; a produção, embora russa, tem todo o aspecto dos filmes noir norte-americanos, com chapéus, sobretudos, véus, persianas, sem perder, contudo, sua identidade; os crimes seguem à risca os versos do poema dos negrinhos que, por sinal, está exposto, emoldurado, em cada um dos quartos dos convidados, recebendo sua devida importância dentro da trama como acontece no livro; e a atmosfera, a casa, a ilha, o mar, os rochedos, tudo é muito mais angustiante e claustrofóbico do que no filme inglês.


"O Último dos Dez" (1974) - trailer original



"O Caso dos Dez Negrinhos" (1987) - trailer original



*não conseguimos os trailers dublados ou legendados de nenhum dos dois, no entanto a amostragem
destes originais serve para dar uma boa noção de escolhas e elementos visuais que mencionamos na análise das obras.

Enquanto a versão inglesa tem um aspecto árido, quase luminoso, uma decoração rica em ouro e pesada em tapetes persas, a produção russa é cinzenta, sombria, rústica, amadeirada, trabalha em planos fechados, sombras, reflexos, janelas, enquanto o filme de 1974 opta por planos mais abertos, travelings longos, e tomadas, na maioria das vezes, pegando todos os personagens no mesmo plano. 

O filme de Govorukhin traz uma atmosfera mais misteriosa, furtiva, obscura, os convidados se esgueiram, são evasivos e parecem mais suspeitos por mais tempo, até que fique claro, por fim, que são tão vítimas e vulneráveis quanto qualquer outro ali.

O filme de 1974 até tem um elenco mais estelar, com Gert Fröbe, o Goldfinger de 007, Herbert Lohm, o comissário Dreyfuss da Pantera Cor-de-Rosa, Oliver Reed, de "Golpe de Mestre", "O Gladiador", o versátil Richard Attenborough, diretor do clássico "Gandhi, uma ponta do cantor francês Charles Aznavour, o primeiro a morrer, e a voz de Orson Welles, revelando os crimes de cada um dos convidados, mas no fim das contas, com exceção de Attenborough, que faz um bom juiz Cannon e Reed, como Detetive Lombard, tantos medalhões acabam não fazendo tanta diferença assim. O filme russo, ainda que não tenha nomes tão conhecidos no ocidente, traz o aclamado Vladimir Zeldin, a bela Tatyana Drubich, e Alexander Kaydanovski, o "Stalker" do filme de Tarkowski, no papel do investigador Lombard. Os demais, embora nada badalados, têm um um ótimo trabalho coletivo e garantem o bom desenvolvimento e a coesão do filme.

Dentro de campo, onze contra onze..., ou melhor, dez contra dez, o filme de 1987 leva vantagem. A fidelidade à novela original faz diferença e garante um gol para o time de Govorukhin, o clima noir, o visual soturno, o jogo de sombras, reflexos, espelhos, vidros, aumenta a vantagem.

No entanto, a audácia da proposta, da mudança da ambientação, ainda que não totalmente bem-sucedida, merece reconhecimento e a recompensa com um gol. Mas a alegria do time de 1974 não dura muito e a constante referência e a vinculação dos crimes aos versos nas paredes dos quartos, dá mais um gol para o time russo.

No tocante à escalação, Peter Collinson dá a camisa 10 para Oliver Reed, que até dá boa contribuição mas não consegue desequilibrar, até porque, do outro lado, o 10 é o 'Stalker' Alexander Kaydanovski que articula muito bem o jogo o tempo inteiro; Tatyana Drubich, no time de 1987, se sai muito melhor do que Elke Sommer como a secretária contratada pelo incógnito anfitrião, encarnando melhor o espírito da personagem, Vera Clyde, na versão inglesa e Vera Claythorne, na russa; e, de um modo geral, mesmo com mais jogadores destacados, rodados, com passagens por times grandes, o time inglês não consegue impor seu jogo, com exceção de Richard Attenborough, como juiz Cannon, que tem um desempenho excelente, sobretudo na sequência final, que é muito boa também no outro filme, com um flashback crucial e aquela recapitulação característica de Agatha Christie, mas que não supera a performance de Attenborough e a surpresa do filme inglês. No entanto, a cena em questão é resultante de uma mudança decisiva no final do romance original e isso é imperdoável!

(Para quem não leu o livro ou não viu nenhuma das adaptações, aqui vão spoilers - desculpem, mas absolutamente necessários).

Em nome de um final feliz, de ficar bem com o público, de não matar o 'mocinho' e a 'mocinha' do filme, Peter Collinson faz com que Lombard (Reed) depois de uma farsa com Vera Clyde, reapareça vivo, ao final, no salão, em frente ao juiz Cannon que, supondo êxito em seu plano, já dera um gole numa taça de veneno a fim de concluir seu plano, incriminando a garota pelos nove crimes, deixando-a sem opção, induzindo-a a fazer uso da forca já pendurada previamente pelo juiz na sala. Já sob efeito da substância, o velho morre (maravilhosamente bem) e o casal é resgatado do local pelo mesmo helicóptero que os deixara lá.

No outro, não! Depois de atirar, DE VERDADE, em Lombard, desconfiada e com medo dele, Vera volta para casa e encontra em seu quarto apenas a forca dependurada à sua espera. Com a culpa pelo crime que lhe é imputado na gravação e percebendo-se sem saída diante de nove cadáveres que, naturalmente, seriam atribuídos a ela, a garota sobe numa cadeira e coloca seu lindo pescocinho na corda e dá fim à sua vida, para regozijo do juiz que se fingira de morto a fim de fazer a justiça que os tribunais não fizeram. Realizado, ele, mais criminoso que todos ali, mete uma bala na própria cabeça, concretizando seu último ato de justiça, em uma cena, igualmente, de se aplaudir de pé. Pela fidelidade ao original no ápice do filme, na resolução do caso, vai mais um gol para o time russo.

O time britânico ainda marca um nos acréscimos pois, depois da morte do juiz e da retirada dos dois sobreviventes, de helicóptero, a gravação, com a narração de Orson Welles volta a ser rodada enquanto passam os créditos finais. Mas não há tempo para mais nada e o jogo termina assim. 



Podia ter proposto, aqui o enfrentamento de um dos dois, "O último dos Dez" ou "O Caso dos Dez Negrinhos" contra a primeira adaptação para cinema, de 1939, de René Clair, "E Não Sobrou Nenhum", mas preferi tirar um pouco o foco das produções norte-americanas e, embora a Rússia não esteja na Copa do Catar, e venha criando problemas para o mundo inteiro com essa treta com a Ucrânia, achei que seria um confronto internacional mais interessante e original esse embate de russos contra britânicos.
Mas, olha, hein... o time de René Clair também teria sérias dificuldades contra esse ótimo time de Govorukhin.
No alto, à esquerda, o hotel que receberá os convidados, no meio do deserto iraniano, 
e, à direita, a mansão de aspecto sinistro no alto de um rochedo cercado pela água;
na segunda linha, as estatuetas dos dois filmes, que vão sendo subtraídas
conforme uma pessoa morre;
na sequência, os jantares das duas versões, ainda com todos os acusados vivos
na quarta linha, o plano aberto, alto, do filme inglês,
e uma visão mais próxima, mais cúmplice, do filme russo.
Na penúltima linha, o visual típico dos anos 70, com golas rolês, golas cubanas, branco, tweed, do primeiro filme, e o aspecto muito Hollywood anos 40, da outra versão;
e, por fim, na última, as duas Veras (Clyde, no filme de 1974 (esq.), e Claythorne (dir.), no de 1987)
no momento decisivo da trama.





Cly Reis




segunda-feira, 2 de maio de 2022

As 30 melhores aberturas de filmes

 

Não sei quanto a quem não é cinéfilo de carteirinha, mas mais de uma vez me surpreendi tanto com a abertura de um filme, que a sensação imediata era a de quem nem precisava mais continuar assistindo. Foi assim quando, em 1995, na companhia de vários amigos – em sua maioria absoluta amantes de cinema mas não necessariamente cinéfilos – reunimo-nos para ver o VHS locado de “Pulp Fiction: Tempo de Violência”, do Quentin Tarantino. Eu não havia visto “Cães de Aluguel” ainda, seu primeiro e anterior longa, embora já ouvisse todo o debate em torno do nome do cineasta que dizia-se estar revolucionando o cinema. Mas o que me despertava maior interesse era, principalmente, porque o filme em questão havia ganhado a Palma de Ouro em Cannes. Isso, mais do que toda a celeuma sobre Tarantino significar ou não um novo capítulo na história da 7ª Arte (o que poderia ser, escaldado que sou, um exagero proposital, comum na mídia), de fato me surpreendia. Cannes desde cedo em minha vida cinéfila fez muito sentido, pois cresci assistindo seus premiados e indicados, que não raro eram (ainda são) alguns dos melhores filmes que já assisti, como “A Balada de Narayama”, “Coração Selvagem” e “Mephisto”. No caso de “Pulp Fiction”, ainda mais por saber tratar-se de um filme “comercial” norte-americano e não algum cult europeu ou asiático, isso, sim, chamava-me mais a atenção e despertava a curiosidade de vê-lo.

Pusemos a fita no videocassete. A grande maioria sabe o que acontece nos primeiros minutos de “Pulp Fiction”, né? A sequência do diálogo entre Pumpkin (Tim Roth) e Honey Bunny (Amanda Plummer) antes de assaltarem o restaurante e a entrada triunfal dos letreiros iniciais com “Miserlou” de Dick Dale arrasando com um surf-rock na trilha e, ainda pelo meio dos créditos, a mudança de música, como se alguém tivesse mudado uma estação de rádio para o funkão “Julgle Boogie”, da Kool & The Gang. Tudo aquilo, o estilo; a atmosfera pop; a inteligência da montagem; o bom gosto musical; o tom de tele-seriado B; a referência a Godard no nome da produtora A Band Apart: toda essa sequência minimamente bem pensada de como iniciar um filme me fez ficar absolutamente estarrecido. Somava-se a isso a engenhosidade da montagem no momento em que Pumpkin e Honey Bunny levantam-se sobre o banco do restaurante (e Roth diz: “I love, Honey Bunny”, e eles se beijam em close antes de apontarem as armas) e anunciam o roubo, a imagem congela e mantém-se o áudio das falas – estas, aliás, extremamente musicais, tanto que se tornam inseparáveis da música de Dale que vem na sequência no próprio disco da trilha sonora. Apaixonei-me pelo filme que mal havia começado.

"Pulp Fiction", Quentin Tarantino (1994)


Excitado, eu olhava para meus amigos na sala enquanto aquela série de genialidades iam surgindo da tela para observar suas reações, mas todos, embora estivessem, sim, gostando, nem de perto se exaltavam como eu. Aquele sentimento de arrebatamento era única e exclusivamente meu. Cheguei a perguntar, incrédulo: “Gente, vocês estão vendo a MESMA coisa que eu?!”. A resposta? Com desdém adolescente: “Sim, Dani, o que é que tem? O filme tá recém começando”. Sim, o filme estava recém começando, mas não de um jeito normal. Para mim (e para muito cinéfilo e estudiosos do cinema) confirmava-se ali a tal revolução cinematográfica atribuída a Tarantino. Não precisava nem ver o filme por completo: era certo que o cinema, então a 4 anos de completar seu primeiro século de existência, mudava a partir dali, e isso era o máximo de eu estar presenciando. Aprendi, naquela situação, que não era uma pena meus amigos não estarem vendo o mesmo que eu: era, sim, o que me diferenciava do senso comum na forma de ver e sentir cinema.

Não foi a primeira abertura de filme que me surpreendeu a de “Pulp Fiction”, claro, mas é certo que esta sensação de entusiasmo se me repetiu várias vezes. Seja em casa ou numa sala de cinema, de vez em quando sou pego de surpresa com algum começo de filme que, como um bom disco de música, sabe dar o start certo e cativar de cara quem o está apreciando, mesmo que a obra em si não corresponda tanto a seu bom início – embora seja geralmente um bom indicativo. Pois essa lista se propõe a elencar justamente isso: não os filmes inteiros, mas seus primeiros minutos. A rigor, por “openning scene” entendemos não somente o design de créditos, mas o suficiente para apresentar o filme, embora não seja necessariamente uma regra.

A junção de fatores, a inventividade na disposição dos letterings, a edição, o prólogo, o design, o impacto da cena, o significado simbólico para com a história que será contada: tudo conta para impressionar e construir uma introdução digna de memória. As maneiras de fazer, assim como de se contar uma história em imagens, são infinitas, e não há um jeito melhor que outro. O critério para a escolha destes 30 exemplos sem ordem de preferência – e que pode tranquilamente ser ampliada por novos filmes ou por títulos aos quais não me ocorreram – é apenas o da sentir-se conquistado já na largada por uma obra cinematográfica. Aqueles filmes que, contrariando a lógica, recomendo que não sejam necessariamente vistos até o final. Os primeiros minutos já bastam.

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“Era uma Vez no Oeste”, Sergio Leone (1968)

São pouco mais de 7 min de puro deleite daquela que é provavelmente a melhor abertura de um filme de todos os tempos. O filme de Leone, aliás, por si merece essa alcunha, mas se se destacar apenas o seu começo já está mais do que bem representado. O design, o cenário, os enquadramentos, a disposição criativa dos letterings, o tempo da montagem, a arte e o figurino, a fotografia. Tudo em perfeita sintonia e, mais que isso, conceitual, visto que apresenta, sem precisar valer-se da poderosa música de Ennio Morricone e quase sem nenhuma palavra dita, tal westerns do cinema mudo, as ideias centrais do filme: o embate ideológico entre passado e futuro, entre vida e morte, entre instinto e consciência..


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“Cassino”, Martin Scorsese (1996)

Lembro também de, no cinema, sentir a reação da sala ao surpreender-se com a explosão do carro do personagem Sam Rothstein, vivido por Robert DeNiro, em “Cassino”, nos idos de 1996. Uma reação espontânea do público, que, assim como eu, era abduzido para dentro da história em poucos minutos de fita transcorridos. Scorsese, justificadamente fã de Saul Bass, conseguira em vida trabalhar com o mestre do design de créditos cinematográficos ainda em dois filmes: “Cabo do Medo”, de 1991, e neste, do ano em que ele morreu.


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“Fahrenheit 451”, François Truffaut (1966)

A nouvelle vague foi o movimento que melhor soube subverter os padrões da linguagem cinematográfica. Esta ficção científica de forte crítica filosófica baseada na novela e Ray Bradbury, além de ser um dos melhores filmes de Truffaut e do cinema, inova desde o seu primeiro minuto. E de forma simples. Aliás: simples em formato, haja vista que se engendra apenas por uma sequência de imagens estáticas e monocromáticas em zoom in e uma locução que descreve aquilo que geralmente apareceria escrito. Porém, a simplicidade da sequência de "Fahrenheit 451" é de uma criatividade tamanha, visto que traduz conceitualmente o principal elemento da história, que é a proibição de qualquer material escrito num futuro distópico. Genial e simples.


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“Cidade de Deus”, Fernando Meirelles e Katia Lund (2002)

A experiência com "Cidade de Deus" também foi inesquecível. Fui assisti-lo pouco depois de seu lançamento já tomado pela fama em torno do filme. Na sala de cinema, pude comprovar estar diante da obra que demarca o antes e depois do cinema brasileiro, o filme que deu fim à dolorosa era da Retomada. E sua sequência introdutória (“Pega a galinha, pega a galinha!”), com a faca cintilante simbolizando o perigo, os fragmentos de imagens intercaladas por legendas, a foto em cores pulsantes, o som da lâmina sendo afiada misturado ao do samba para devorar a ave fujona. Uma cena de tensão que se cria em poucos minutos e que já diz a que o filme viera: para revolucionar o cinema nacional e mundial.


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“Um Corpo que Cai”, Alfred Hitchcock (1956)

Saul Bass foi, inegavelmente, o gênio do design de créditos em cinema. E quando a genialidade dele se encontrava com a de outros, como, no caso, Alfred Hitchcock, com quem colaborou mais de uma vez, aí era gol certo. Altamente conceitual, como os videoclipes musicais que passariam a existir apenas décadas depois, a entrada de "Vertigo", com o casamento perfeito com a trilha de Bernard Hermann e os efeitos especiais bastante ousados e criativos para sua época, ainda surpreendem. Se hoje fosse feito por computadores já seria louvável, imagina em 1956.


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“Psicose”, Alfred Hitchcock (1960)

Outro da colaboração Bass/Hitchcock, "Psicose" vale-se dos tradicionais grafismos que eram comuns ao trabalho de Bass, dono de um traço magnifico. A assustadora trilha de Hermann, sinônimo de thriller de suspense, é traduzida por linhas retas paralelas em p&b que se deslocam horizontal e verticalmente em conjunção com as letras, geram uma sensação de instabilidade e não-linearidade, ideia a qual, por sua vez, simboliza a perturbadora história do assassino psicótico Norman Bates. Junto com "Vertigo", aquele que é considerado o grande filme de Hitch. Não à toa.


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“O Segundo Rosto”, John Frankenheimer (1966)

Mais uma de Bass, esta perturbadora abertura de "O Segundo Rosto" é um verdadeiro exercício artístico. Valendo-se de potente trilha de Jerry Goldsmith e da trama de suspense psicológico do filme de Frankenheimer, Bass explora distorções como as do expressionismo alemão e carrega nas sombras e imagens projetadas em espelhos para, já de início, entrar na mente do espectador, que, a se confirmar pelo excelente longa, será conduzido a um mundo de medos e aflições internas. Poucas vezes uma introdução casou tão bem com a ideia central de uma obra. 


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“O Jogador”, Robert Altman (1992)

Esta cena já esteve destacada aqui no Clyblog por outro motivo: o plano-sequência. Pois Altman consegue com este engenhoso desenho de cena não apenas criar uma das melhoras sequências sem corte da história do cinema (afinal, o próprio filme trata sobre os bastidores da sua indústria) como, por conta exatamente disso, causar um incrível impacto já no início do filme, visto que o plano-sequência é justamente o que o abre. Altman, dos melhores do cinema autoral dos Estados Unidos, sabia como ninguém abrir suas obras, haja vista "Nashville", "M*A*S*H*" ou "Três Irmãs", mas nada bate a de "O Jogador".

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“Magnólia”, Paul Thomas Anderson (1999)

Outro dos que fui assistir no cinema é fui totalmente arrebatado. Também pudera: que forma criativa de se começar um filme! P.T.Anderson põe pra baixo o queixo do espectador num prólogo ao mesmo tempo divertido e instigante, que relaciona fortuitos momentos da história, para, ao final, triunfantemente, soltar a imagem da flor "Magnólia" abrindo-se em velocidade acelerada sobre a projeção de diversos vídeos. Além disso, tem a apaixonante música de Aimee Mann, a quem nem conhecia e passei a adorar por causa da trilha do filme. Inteligentemente, a aparente dissociação dos acontecimentos do prólogo antecipa a trama coral proposta pelo roteiro e a nada casual relação entre aquelas histórias paralelas. “Isto não foi uma coincidência”.

 

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“O Homem do Braço de Ouro”, Otto Preminger (1955)

Bass de novo, aqui na sua forma mais naturalmente criativa e genial: grafismos e desenhos com seu traço característico sobre um fundo preto e legendas sendo dispostas em conjunto com a música de Elmer Bernstein. A primeira parceria do designer com Otto Preminger, com quem trabalharia em vários outros projetos, também explora os meandros obscuros da mente humana, no caso, de um baterista de jazz viciado em heroína vivido incrivelmente pelo jovem (mas já ídolo) Frank Sinatra. Só o desenho do braço distorcido já é uma das mais felizes contribuições de Bass para a história do cinema e do design.


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“A Marca da Maldade”, Orson Welles (1958)

Outro que, assim como "O Jogador", também tem um dos grandes plano-sequências da história cinematográfica para começar o filme. Porém, havemos de dar ainda mais mérito para o sempre inquieto e criativo Orson Welles em ousar abrir um filme deste jeito nos anos 50, quando o cinema e os espectadores tinham como padrão o formato convencional de créditos iniciais. Nunca se havia visto uma cena de abertura tão complexa, com vários atores e figurantes em cena, câmara em travelling, mudança de enquadramento de primeiríssimo plano para planos médios e grande, num espaço físico extenso e com direito até à explosão. E tudo isso SEM corte. Caramba! Como se não bastasse, o longa confirma todas as expectativas de seus de minutos iniciais naquele que é, talvez, o grande de Welles.


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“Uma Mulher É uma Mulher”, Jean-Luc Godard (1961)

Godard, assim como Truffaut e seus companheiros de nouvelle vague, nunca deixaram de inovar a maneira de começar a contar suas histórias. O suíço, aliás, comumente radical, já fez muito filme que, a rigor, não começa nunca – e nem “termina”, consequentemente, como “Je Vous Salue, Marie” ou “FilmSocialisme”. Mas uma das marcas que Godard nunca abandonou é o trato formal da tipografia dos letterings, os quais se utiliza geralmente com fontes não serifadas tipo Futura ou Arial (e nas cores da bandeira da França) sobre fundo escuro, encurtando os limites entre poesia concreta, cinema, vídeoarte e literatura. Caso de “Uma Mulher é Uma Mulher”, que ele faz a proeza de apresentar genialmente em menos de 2 min.


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“Fellini 8 1/2”, Federico Fellini (1963)

Fellini não cria suspense nenhum em relação ao nome do filme, o qual aparece já no segundo frame sobre fundo escuro na forma da conhecida logo. Mas a partir dali o que se vê até os 3 min que se transcorrem é a mais absoluta genialidade felliniana. A história do cineasta pressionado pela crise de criatividade é expressa numa espécie de prólogo onírico minuciosamente bem construído. O claustrofóbico engarrafamento, cuja mudez é ensurdecedora, e os olhares condenatórios à sua volta, sufocam aquele homem sem rosto dentro de seu carro a ponto de fazê-lo... sair voando! A lindeza do sonho se encerra numa praia, sobrevoando o mar e sendo puxado por uma corda da areia por ele próprio, que tem a companhia de um homem de capa sobre um cavalo negro. E o melhor: o oitavo filme (mais um média) de Fellini mantém esse nível até o fim.



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“2001: Uma Odisseia no Espaço, Stanley Kubrick (1969)

 A ficção científica que estabeleceu o padrão do gênero para sempre é uma aula de narrativa para realizadores até hoje, o que inclui sua marcante abertura. Copiado e referenciado centenas de vezes, o início de "2001", de apenas 1 min30’, é, contudo, dos mais originais da história da 7ª Arte. Traduzindo em imagens siderais grandiosas a impactante abertura da sinfonia "Also Sprach Zarathustra", de Richard Strauss, Kubrick mostra o raro alinhamento do planeta com Sol com a Lua valendo-se, para isso, de poucos mas precisos elementos: tela escura que vai aos poucos revelando a imagem e apenas três letreiros em tipografia Futura: “Metro-Goldwyn-Mayer Presents”, “A Stanley Kubrick Production” e o nome do filme em tamanho maior (com o detalhe do Copyright abaixo bem pequeno). Separadamente do filme, só esse trecho já pode ser considerado uma obra-prima.


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“O Poderoso Chefão, Francis Ford Coppola (1972)

Este é um caso de uma forma própria de apresentar a história. O nome, através da bela logo com a mão divina comandando a marionete com o letreiro “Mario Puzo’s The Godfather” e os acordes da clássica música tema de Nino Rota, já está garantido no segundo frame. Porém, os 6 minutos seguintes apenas de diálogos traduzem diversos níveis narrativos e simbólicos que serão trazidos nas quase 3 horas de fita subsequentes. As relações de poder, a inteligência manipuladora do Padrinho, os valores familiares, os papeis sociais, os meandros dos poderosos... muita coisa é dita ou subentendida até o momento em que Vito Corleone (Marlon Brando, espetacular) cheira a rosa de sua lapela e dá-se continuidade à “festa”. 


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“A Terceira Geração, Reiner Werner Fassbinder (1979)

Um dos maiores estetas do cinema, o alemão Fassbinder deve muito de suas criativas aberturas de filmes a um contemporâneo e conterrâneo seu ligado à arte moderna a quem muito se inspirava para isso: Joseph Beuys. Não raro, as introduções de seus filmes referenciam o estilo de Beuys, com tipografias monocromáticas dispostas sobre imagens em movimento ou estáticas, criando peças dignas de galerias expositivas. O começo de “A Terceira Geração” é um deles, com os créditos pulsando no ritmo de uma batida cardíaca enquanto vão sendo apresentados sobre um zoom out que vai descortinando um apartamento com telas, móveis e pessoas.


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“Assassinos por Natureza, Oliver Stone (1994)

Cineasta pautado pelo experimentalismo, Oliver Stone desde seu primeiro longa, “Platoon”, de 1986, sempre soube começar bem um filme. Porém, 8 anos depois, ao invés de tornar-se mais conservador, Stone mostra-se saudável e surpreendentemente ainda mais ousado com o altamente pop e sarcástico “Assassinos por Natureza”. O começo do filme é visivelmente influenciado pela linguagem dos videoclipes da MTV, emissora à época em alta, seja pelos enquadramentos distorcidos, pelo movimento de câmera frenético, pela alteração brusca de ISO ou pela montagem de ritmo musical. Tão musical, que, na cena, o violento casal espanca e mata pessoas em um restaurante com absoluto prazer ao som do punk-rock da L7. 


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“Persona, Ingmar Bergman (1960)

Um dos maiores cineastas de todos os tempos, Bergman tinha total domínio da narrativa. Porém, a introdução de seus filmes invariavelmente traziam a fonte Times sem serifa sobre fundo escuro. Mas Bergman sabia quando contrariar o próprio estilo, e o profundo “Persona” incitou-lhe a isso. Num conceito de vídeoarte – já existente nas galerias contemporâneas mas pouco exploradas no cinema de arte –, o cineasta funde imagens em alta profusão, usa fotos reais e ousa em enquadramentos e fotografia p&b. Tudo de forma a criar uma atmosfera de sonho e fluidez do tempo/espaço o qual Bergman tão bem constrói naquele que é considerado“o filme mais difícil de todos os tempos”.


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“Cidadão Kane, Orson Welles (1940)

Em seu primeiro longa, o então jovem Welles, com apenas 25 anos, inovava consideravelmente o modo de abrir uma história filmada. Aliás, não somente essa parte, mas em diversos aspectos da linguagem cinematográfica daquele que é ainda hoje para muitos o melhor filme de todos os tempos. Quanto à introdução, mesmo com o título revelado imediatamente ao começo (seria muita transgressão não informar pelo menos isso ao público da época), nunca havia se visto um prólogo in média rés (com o qual se começa uma narrativa no auge da ação antes de começar de novo para explicar como se chegou lá), tão comum hoje. Enigmática (o que será aquele "Rosebud" dito antes do cara morrer?!), a primeira imagem que aparece traz uma placa com a mensagem “No Trapessing” (“Não Ultrapasse”). Era Welles, o mesmo que anos antes havia apavorado multidões com a transmissão em rádio d'"A Guerra dos Mundos", manipulando o subconsciente do espectador.


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“Manhattan, Woody Allen (1979)

Assim como Bergman, Allen tem um estilo geralmente muito próprio de iniciar seus filmes, quase que invariavelmente com legendas em fonte tipo Windsor Light Condensed e uma música inteligentemente bem selecionada para sonorizar. Porém, como o mestre sueco em "Persona", Allen também sabe transgredir a si próprio. Em "Manhattan", ao invés do fundo preto com letterings, ele monta uma pequena sinfonia urbana com uma sequência de imagens documentais e poéticas de sua Nova York num cristalino p&b. A sutileza da forma como anuncia o título (e nada mais que isso), num letreiro luminoso de uma rua qualquer do bairro, prevê a abordagem que será dada aos personagens do filme: todos meras continuações do próprio corpo da cidade. Poesia.


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“Laranja Mecânica, Stanley Kubrick (1971)

Com total domínio do fluxo narrativo, Kubrick é um craque das aberturas. "O Grande Golpe", "O Iluminado" e o já citado "2001: Uma Odisseia no Espaço" são exemplos, mas outro diferenciado neste sentido é "Laranja Mecânica". Uma música feita em sintetizador começa sobre uma tela vermelha até quase 30 segundos, quando finalmente surgem os primeiros letterings numa tipografia Arial negritada. Percebe-se, então, que a tal música é uma versão eletrônica da peça “Music for the Funeral of Queen Mary”, de Henry Purcell, do século XVII. O fundo vermelho se transforma em azul e, de novo, em vermelho para anunciar o nome do filme. Até que, num corte brusco, muda para o close da figura andrógena de Alex (Malcom McDowell), personagem principal da história de Anthony Burgess. Dessa imagem, Kubrick não corta novamente e, sim, a faz prosseguir num travelling frontal-out sob o off do brilhante texto que reproduz o fluxo de pensamento de Alex, o qual situa o espectador do universo de distopia que se verá a partir dali.


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“Arizona Nunca Mais”, Joel e Ethan Coen (1987)

A abertura do segundo e cativante filme dos irmãos Coen, quando eles ainda eram uma revelação, no final dos anos 80, é tão criativa, engraçada, pop e publicitária (no bom sentido), que serve como trailer. A história do assaltante pé-rapado H.I. McDonnough (Nicholas Cage) contada em off por ele mesmo enquanto as imagens vão sendo exibidas com a trilha magistral de Carter Burwell – suas idas e vindas pra cadeia, os personagens bizarros que conhece no caminho – denotam, pelo brilhante texto, principalmente, seu coração bom. O mesmo que o faz conhecer o amor de sua vida, a policial Ed (Holly Hunter). Depois, eles resolvem sequestrar um dos sete bebês da ricaça família Arizona, mas aí é que a história mesmo começa...

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“Alien: O 8º Passageiro”, Ridley Scott (1979)

Lembrando a abertura de "2001", filme ao qual Scott bastante homenageia neste revolucionário terror espacial, tem, assim como na obra de Kubrick, um desenho de cena simples mas muito eficiente. Uma câmera se desloca no espaço da esquerda para a direita em uma panorâmica enquanto veem-se manchas brancas surgirem, as quais vão formando numa uniformidade não-sequencial o nome “Alien” em uma fonte pesada e sem serifa. Não há nos créditos, mas diz que também é obra de Saul Bass.


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“Monty Python em Busca do Cálice Sagrado”, Terry Gilliam e Terry Jones (1975)

Como avacalhar os créditos iniciais de um filme? O grupo Monty Python tem a resposta. Em “Monty Python em Busca do Cálice Sagrado”, usando praticamente só tipografia e tela preta, eles conseguem subverter tudo que se imagina de uma opening scene. Sob uma trilha austera, os subtítulos são exibidos, até que, bem abaixo, algumas palavras com caracteres escandinavos começam a aparecer. Frases totalmente desconexas como “Não vai ter feriado na Suécia este ano?” ou uma história esquisita de um alce que mordeu a irmã de alguém. Eis, então, que surge um crédito para explicar o erro nos créditos: “Nos desculpamos pela falta de subtítulos. Os responsáveis foram despedidos”. Muda a música, mas as intromissões continuam, e um novo aviso, agora de que os responsáveis por demitir os demitidos também foram demitidos. Já com uma absurda trilha mexicana, a confusão segue até o fim e, com muito “esforço”, conseguem dar o nome dos diretores: Terry Gilliam e Terry Jones, principais responsáveis por essa bagunça toda.



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“007: O Espião que me Amava”, Lewis Gilbert (1977)

Poderia citar vários tanto anteriores ou posteriores a este filme, mas esta de "O Espião que me Amava" se tornou uma referência dentro da própria franquia. A começar que a abertura com créditos nunca está dissociada do prólogo, que sempre começa com a famosa “gun barrel sequence”, em que um vilão qualquer está olhando por uma mira e vê 007 entrar em cena e atirar contra ele. Depois, os minutos de ação, neste caso, mostrando o agente em duas de suas situações comuns: namorando e se aventurando. Já a abertura em si, assinada pelo mestre Maurice Binder, designer gráfico que estabeleceu o estilo das clássicas aberturas dos filmes de James Bond, consolidaria os elementos que caracterizariam para sempre as chamadas iniciais da série: arte figurativa com efeitos de elementos da história, uso da figura/silhueta de figuras e pessoas - como a do próprio ator que faz JB (Roger Moore à época) -, a fonte Arial fina e branca, o disparo de pistola e, claro, uma trilha especial feita para aquele filme, no caso "Nobody Does it Are Bether", com a Carly Simon – das melhores.


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“Crepúsculo dos Deuses, Billy Wilder (1945)

O sucesso de consagradas comédias como “Se Meu Apartamento Falasse” e “Quanto Mais Quente Melhor” fez com que Wilder ficasse pouco lembrado por outros gêneros como o suspense e o drama aos quais, contudo, ajudou a solidificar um novo padrão de qualidade na Hollywood dos anos 40 e 50. Este clássico do cinema é uma prova de sua versatilidade, o que deve bastante de seu impacto pela forma como inicia. O modo aparentemente fortuito como o título aparece, numa placa indicando o mítico endereço “Sunset Boulevard”, é precedido por uma câmera em travelling filmando o asfalto cinza na direção de algum lugar específico. É onde está o corpo desfalecido do narrador. Sim! Como em "Memórias Póstumas de Brás Cubas", em "Crepúsculo dos Deuses" é o morto, afogado numa piscina, quem está narrando pleno de consciência de seu estado moribundo. Impossível não ter curiosidade de assistir até o fim.



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“Apocalypse Now”, Francis Ford Coppola (1979)

Não há nenhuma palavra escrita dizendo que filme é. Mas nem precisa. O grande plano de uma floresta é aos poucos invadido por helicópteros que cruzam a tela e uma fumaça começa a levantar. Percebe-se, porém, que a fumaça não é de areia, mas, sim, o venenoso napalm. Até que várias bombas caem sobre a mata, provocando gigantescas explosões. A música que toca não podia ser outra: “The End”, da The Doors. É um presságio. É a guerra. É o Vietnã. É “o horror”. Diversas imagens apocalípticas se fundem ao rosto de um homem em close, o personagem principal do filme, o perturbado Capitão Benjamin Willard (Martin Sheen). A sensação de quebra no tempo perfaz todo o longo filme, que perscruta os mais terríveis meandros psicológicos da guerra.


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“Cléo das 5 às 7”, Agnés Varda (1962)

Outra grande esteta do cinema moderno, Varda pautou toda sua filmografia pela inventividade narrativa e estética, a qual passava por um filtro muito pessoal. Em "Cléo das 5 às 7", seu primeiro longa, fica clara esta criatividade seja na forma como no conteúdo. A mesa de uma cartomante é filmada em plongê mostrando somente o baralho e as mãos dela e da cliente. Os subtítulos em branco são gerados conforme a disposição das cartas sob um silêncio que provoca tensão. Que mensagem as cartas vão dizer? E dizem: a jovem Cléo tem apenas 2 horas de vida, o tempo que o filme transcorrerá: das 5 da tarde às 7 da noite. Varda dá um show em montagem e no jogo simbólico entre cor, que aparece somente quando as cartas são lidas (supostamente, enquanto ainda há vida), e p&b, que domina o filme, marcado pela agourenta previsão que atormentará a personagem.



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“A Pantera Cor-de-Rosa”, Blake Edwards (1963)

Um modo interessante de se abrir filmes – e que fecha muito bem para comédias – é a animação. No entanto, como as da série Pink Panther, não tem igual, principalmente a do primeiro da franquia. A atrapalhada mas elegante pantera de cor exótica criada pelo próprio Blake Edwards virou desenho animado para a TV depois do filme tamanho o sucesso que fez exatamente na abertura do filme, assinada pelos designers e animadores David H. DePatie e Fritz Freleng. Aliás, este é o único momento em que ela, fugindo do ainda mais atrapalhado inspetor Jacques Clouseau, aparece, visto que o nome Pantera Cor-de-Rosa é o de uma pedra preciosa na trama. Além da simpatia da Pantera, ainda tem a infalível trilha do genial Henri Mancini, uma música altamente charmosa e de fácil assimilação, tanto que virou o tema de jazz mais conhecido de todos os tempos.




Daniel Rodrigues