“Incrivelmente inconsequente e monumentalmente irrelevante.”
Revista Rolling Stone sobre Ram, em 1971
Se minha última aparição neste querido blog foi para falar do primeiro álbum solo de John Lennon pós-separação dos Beatles, minha primeira aparição do ano (apesar de já estarmos mais para o final do que para o começo) será para falar do segundo disco solo da outra parte da dupla que coloriu os anos 60 juntos. Com a volta do nosso Sir ao Brasil, pelo segundo ano consecutivo, resolvi revisitar o catálogo do artista, o que me levou a uma de suas obras menos apreciadas, mas que com o tempo foi reconhecida: "Ram", de 1971.
Paul McCartney havia lançado o primeiro disco solo, "McCartney", em 1970, compondo sozinho e tocando todos os instrumentos. Não causou um grande impacto, principalmente quando comparado ao que os ex-colegas John e George Harrison lançaram no mesmo ano. O primeiro lançou "Plastic Ono Band", uma obra-prima envolta em sofrimento, angústia e desabafo, enquanto o segundo lançou "All Things Must Pass", um disco triplo cheio de canções de um guitarrista suprimido pelo ego da dupla de frente da banda, contando até com parcerias de Bob Dylan.
"Ram" surge de um momento de refúgio para Paul, em que ele e a família resolveram se mudar para uma fazenda, o que levou a sua esposa, Linda, a colaborar com as composições. Posteriormente, os dois passam a fazer audições e encontram as pessoas que, eventualmente, formariam o grupo Wings com o casal. Portanto, estava tudo pronto para lançar um disco indie, nesse caso, de “independente”.
À época, existiam dois motivos para alguém estar em uma gravadora independente: ainda não conseguir um contrato com uma gravadora grande; ou, querer ter maior controle e liberdade artística das obras. Frank Sinatra, ícone da música crooner, tinha seu próprio selo, assim como os Beatles, a famosa Apple Records, e sendo assim, todos os ex-membros competiam entre si quando lançavam novas músicas, além de toda uma nova leva de gêneros musicais que surgiram na virada da década.
Sendo assim, "Ram" consegue ser direto e abstrato, ao mesmo tempo, com melodias em escalas maiores, características essas, presentes em praticamente todos os álbuns de indie pop subsequentes. E essas escolhas fizeram com que o disco fosse mal interpretado. Apesar do relativo sucesso comercial que o disco atingiu, a crítica caiu em cima de Paul, fazendo com que até seus ex-colegas dissessem que não entenderam o que ele queria fazer. Claro que ninguém entendeu: ele estava inventando um novo gênero.
“Too Many People” abre o disco, mas poderia muito bem estar no catálogo dos canadenses da Arcade Fire, com violões melódicos e backing vocals femininos (cortesia de Linda) estridentes e afinados ao mesmo tempo, enquanto dá umas cutucadas no amigo John. Na sequência, “3 Legs” parece ter causado em um jovem Jack White, pois parece ser uma antecessora de “Hotel Yorba” do álbum “White Blood Cells”.
Paul e Linda: produção doméstica, que virou cult com o passar dos anos
“Ram On”, uma semifaixa título, contém apenas uma estrofe e serve como pano de fundo, resumindo a tônica do disco. “Dear Boy” parece ter sido feita uns 5 anos antes, influenciada diretamente pelos Beach Boys, orquestrada, harmônica e grandiosa. Estranhamente, “Uncle Albert/Admiral Halsey” foi um sucesso nos Estados Unidos, de certa forma, até inesperado. Albert é realmente o tio de Paul e Admiral Halsey é em referência ao oficial William Frederick Halsey Jr. da marinha estadunidense, que lutou na Segunda Guerra Mundial. Parecem não ter correlação? Sim! Mas a música é sobre tentar levar a vida de maneira mais leve, e definitivamente, é a mais grudenta da lista, com seu refrão em dueto agudo dos artistas em “Hands across the water, water; Heads across the sky” ("Mãos pela água; mãos pelos céus").
“Monkberry Moon Delight” é uma psicodélica. A música não faz sentido algum, mas tem (como toda boa composição de McCartney), uma excelente melodia, vocais estridentes e a participação de Heather (filha de Linda e adotada por Paul), de 9 anos na época, nos backing vocals. Parece uma versão lúdica de uma canção de Tom Waits. É possível até imaginar os três se divertindo no estúdio, quase brincando enquanto gravavam.
“Smile Away”, “Heart Of The Country” e “Eat At Home” soam como clássicos e novidades ao mesmo tempo. Misturam elementos do blues, do hard rock e do folk (com um quê tradicionalíssimo de Paul).
“Long Haired Lady” é Lindíssima (com o perdão do trocadilho, homenagem à esposa e parceira artística). “Ram On (Reprise)” traz aquele hábito dos discos do período, conceitualizados, em que um tema que aparece no início, volta a surgir ao final, para passar a sensação de ciclo contínuo, só tocando o instrumental da primeira versão presente no LP.
O disco fecha com “The Back Seat Of My Car”. Uma saída triunfal para um compilado de canções que trouxeram para um público massivo diversos contextos não muito conhecidos à época. O refrão “we believe that we can’t be wrong” ("nós acreditamos que não estamos errado") parece antecipar que ninguém entenderia muito bem o que eles estavam fazendo por ali, mas que o tempo se mostrou senhor da razão, provando que estavam certos.
"Ram" passou por algo muito comum na era dos streamings: a redescoberta. O disco é um “primo alterna”, perto de "Band On The Run" (com a Wings, 1973), ou até mesmo dos hits presentes em "Wings at the Speed of Sound" (1976). Mas, lentamente, ganha espaço como um dos mais experimentais da carreira do baixista daquela banda famosa, e dos mais influentes da música atual.
Um projeto, praticamente, familiar ajudou a pavimentar o caminho do indie pop. O próprio Paul passou a admirar o próprio trabalho "Ram", que depois de mais de 50 anos, está recebendo a devida atenção que sempre mereceu.
************ FAIXAS:
1. "Too Many People" - 4:09
2. "3 Legs" - 2:48
3. "Ram On" - 2:30
4. "Dear Boy" - 2:14
5. "Uncle Albert / Admiral Halsey" - 4:50
6. "Smile Away" - 4:01
7. "Heart Of The Country" - 2:22
8. "Monkberry Moon Delight" - 5:25
9. "Eat At Home" - 3:22
10. "Long Haired Lady" - 6:05
11. "Ram On (Reprise)" - 0:55
12. "The Back Seat Of My Car" - 4:29
Todas as composições de autoria de Paul e Linda McCartney
“Rock and roll é uma explosão nuclear de realidade em um mundo mundano onde ninguém pode ser magnífico.”
“Provavelmente, sou um dos últimos humanos que cheira à imortalidade e magnificência.”
Kim Fowley
O punk e o glitter rock tem muito mais em comum entre si do que as aparências supõem. Se a radicalidade anti-sistema de um confrontava com a conformidade capitalista de outro, no fim das contas, as distâncias não eram tão grandes assim. A New York Dolls, surgida em meio à efervescência tanto de um quanto de outro movimento, foi a mais efetiva junção desses dois gêneros. Seu figurino carregado, casado com o som agressivo e intenso, não deixam mentir. Mas mesmo aqueles mais identificados com o glam, como David Bowie, T. Rex e Roxy Music, seguidamente davam passos com suas plataformas extravagantes pelo lado selvagem trilhado por Velvet Underground, The Stooges, MC5, Dictators e outros precursores do punk. Quem escuta "Suffrgatte City", de Bowie, pode tranquilamente dizer que se trata de uma música da MC5 ou de Johnny Thunders. A inglesa Bauhaus, em sua fase mais punk, antes de darem a guinada dark à sua sonoridade, gravavam "Telegrama Sam" de Marc Bolan apenas acelerando ligeiramente o compasso. O “punk pub” da Dr. Feelgood, igualmente, bem podia ter saído da mente de Gary Glitter.
Estas semelhanças sonoras de intercâmbio entre punk e glitter, entretanto, quando no campo da indústria musical operava de forma bem mais desigual. E quem levava a melhor era, claro, a turma da purpurina, por natureza mais afeita aos holofotes e ao circo do mainstream - o qual não raro era, pelo contrário, odiado e até combatido pela galera de coturno e jeans rasgadas que frequentava o CBGB. Quem sabia transitar por estes dois mundos, o imundo e o radiante, com naturalidade era Kim Fowley. E o fazia por um simples motivo: como um bom roqueiro indolente e narcísico, Fowley não estava nem aí pra um ou pra outro. Rótulos? Que se danem! Fowley queria saber mesmo era de uma boa contradição.
Figura dândi e entrincheirado à turma da glam, este californiano excêntrico e múltiplo se valia de sua imagem outsider e da menor visibilidade na comparação com astros pop como Bowie e Kiss para não se comprometer com classificação alguma. Depois de quatro álbuns solo, “Love Is Alive and Well”, de 1967, “Born to Be Wild”, “Good Clean Fun” e “Outrageous”, os três no mesmo ano de 1968, e “The Day The Earth Stood Still”, de 1970, Fowley chuta o balde e produz o disco que pode ser classificado como "creep glitter" ou “glam maldito”: "I'm Bad". O nome não poderia ser mais sarcástico. Afinal, o que esperar de um artista que se autointitulava "pedaço de merda" e, noutra hora, de “muito mais interessante do que tenho o direito de ser”? Rock n roll na veia.
Fowley, antes de assumir a própria carreira, no entanto, cuidou muito mais da dos outros. Empresário e produtor, deu luz a trabalhos de Alice Cooper, Kiss, The Modern Lovers, Kris Krostofferson e Soft Machine e lançou bandas como a The Runnways, seu mais célebre feito à indústria fonográfica. A bagagem acumulada desde os anos 50 - a qual contava também com experiências com figuras míticas como Phil Spector, Frank Zappa e Gene Vincent - foi trazida para sua obra própria com muita noção de síntese. Rockabilly, psicodelia, R&B, punk, garage, barroco... tudo arrecadado das experiências sonoras e sensitivas de Fowley ao longo dos anos seja como produtor, compositor ou simplesmente ouvinte. Dono de um modo muito eficiente e direto de compor, Fowley chega em “I’m Bad” pronto para forjar um trabalho que não precisa muito para soar como o mais puro rock. Baixo, guitarra e bateria (quando muito, um piano e uma gaita de boca). Para arrematar, a voz ineditamente rasgada de Fowley, Imagine-se em Captain Beefheart cantando como Iggy Pop de “Raw Power”. Ou um Howlin’ Wolf colérico como Rob Tyner. Um Tom Waits três vezes mais rouco e bêbado. Pois é: este é Kim Fowley em “I’m Bad”. Ele nunca havia cantado assim por mais de raras frases de algumas músicas anteriores. Grave, cavernoso, áspero, ruidoso. Voz de homem "mau”.
“Queen Of Stars” abre os trabalhos dando o recado que Fowley estava determinado a passar. Riff simples a la Stones e uma bateria marcada e ligeira, "pogueante". Uma guitarra na base e outra fazendo contraponto ou solando. Um baixo firme no comando. Uma bateria seca. Tudo sujo, sem requintes de produção. E isso basta. “Forbidden Love”, mais cadenciada, tem a slide guitar arábica e aguda de Warren Klein sobre uma levada nos chipôs da bateria de Dreshan Theaker. Exímio produtor que era, Fowley usa de um artifício muito interessante ao transformar o som de ar comprimido de um sintetizador com a emissão do sopro dos próprios pulmões. Isso, para terminar a faixa imitando estranhos grunhidos de porco (!).
Já “Man Of God” volta à pauleira, tanto na pulsação quanto na simplicidade inteligente do riff. O baixo de Peter Sears é um dos destaques. Interessante notar que a produção não é nada sofisticada, até grosseira, com visível desleixo, ainda mais sendo produto de alguém que sabe como poucos operar uma mesa de estúdio. Neste caso, a sujeira é totalmente proposital para demarcar essa ponte entre punk e glitter rock – a qual Fowley acabava de dinamitar. “Human Being Blues” é bem isso: um blues glam ao estilo do que Bowie e Slade inundariam as rádios naquele mesmo ano de 1972. A faixa-título, na sequência, não podia ser mais simbólica. Ouvir Fowley quase se esgoelando para dizer “I’m so bad” sobre os estampidos secos de Theaker e as guitarras rascantes é didático para qualquer músico do rock até hoje.
Com outro grande riff, que conjuga as duas guitarras e o baixo, “California Gypsy Man” é mais um blues-rock envenenado, enquanto a deliciosa “It's Great To Be Alive”, com seu pianinho maroto, resgata o rocker Fowley forjado no rock dos anos 50. Os Ramones certamente adorariam ter escrito essa música. “Red China”, outro bluesão carregado, traz a guitarra de Klein como protagonista e apenas um leve efeito na bateria, um pequeno detalhe para a sonoridade invariavelmente crua do disco.
No seu estilo ambíguo, Fowley abre “Gotta Get Close To You” sentenciando a divergência: “Life/ Death/ Low/ Loud”. Outra levada de baixo empolgante de Sears, com as guitarras tanto a solo de Klein quanto a de Mars Bonfire, encarregado da base, improvisando sobre a cadência blueser. Fowley, em sua rouquidão espasmódica, faz lembrar o canto de Dr. John, só que bem mais endemoniado. Para finalizar, o autor não dá respiro e convoca os deuses negros do blues californiano para um encerramento contagiante. Guitarras extasiadas. Piano estraçalhando acordes. Baixo suingado. Canto performático.
Fowley, morto em 2015, vítima de um câncer na bexiga, definitivamente não veio para explicar e, sim, para confundir. Controverso e polêmico, haja vista as desavenças com Joan Jett e acusações de abuso sexual que pesavam sobre ele por parte das The Runnways, até o final da vida disse tudo o que queria e também desdisse tudo o que queria. Glam, punk, pós-punk, garage, new wave... Para o inferno com todas essas convenções! O negócio de Fowley, conhecido como “lorde do lixo”, era cumpriu a ingrata missão dos roqueiros de verdade neste mundo. Mundo que talvez não os mereça, mas eles, homens maus como Fowley, contrariam e rolam suas pedras musicais mesmo assim. O mundo que aguente tamanha grosseria. E poesia.
1.000 dias sem Marielle. 14.600 dias sem Lennon. Seguimos tocando a vida, mas que eles fazem falta, fazem. O que não quer dizer que a gente deixe de tocar o nosso MDC, que, aliás, vai ter eles e muito mais, como: The Cure, Chico Buarque, Joe Satriani, Kid Abelha, Aracy de Almeida e mais. No "Cabeça dos Outros", tem ainda Naná Vasconcelos e, no "Palavra, Lê", Tom Waits. Eu se fosse vocês não ficaria mais um dia sem ouvir o programa. Aproveita já o de hoje: 21h, na na imperdível Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues. Aliás, por ontem e por hoje: "Why?"
Oitentinha de Lennon , setentinha dos Snoopy e Peanuts, Poetinha citado pelo Papa... Olha, é tanta coisa boa que nem parece diminutivo. Pra seguir nessa, então, a gente vem com um Música da Cabeça, digamos, repletinho. Dá só uma espiadinha: Tom Waits, Radiohead, Louis Armstrong, Dorival Caymmi, Beethoven, Bernard Herrmann e mais. Tá bom? Mas tem mais! Entre os quadros, um "Palavra, Lê" a ver com os "aninhos" completos por Tom Zé. Programa novinho em folha às 21h, na aumentativa Rádio Elétrica. Produção e apresentação do MDCzinho: Daniel Rodrigues.
"Roy era um cantor de ópera. Ele tinha uma voz grandiosa."
Bob Dylan "Vendo Roy Orbison, eu aprendi como cantar uma balada romântica." Mick Jagger "Quando estava quase adormecendo, escrevi a introdução de "In Dreams", fui dormir, levantei-me na manhã seguinte e já tinha a letra. Todas as músicas são presentes, mas essa foi realmente um presente." Roy Orbison
O primeiro contato que tive com a canção "In Dreams", curiosamente, não foi sonoro. O persoangem John Constantine ouvia a canção no rádio de um táxi num episódio da graphic novel, de Neil Gaiman, "Prelúdios e Noturnos", do personagem Sandman, o Mestre dos Sonhos. "A candy-colored clown they call the sandman/ Tiptoes to my room every night/ Just to sprinkle stardust and to whisper/ Go to sleep. Everything is all right...". Embora o autor e seus desenhistas lidassem muito bem com a inserção de elementos músicas dentro do formato de quadrinhos, é óbvio que numa HQ não teria ali som para identificar de que música se tratava, contudo, na mesma edição, numa espécia de sumário para os trechos de músicas mencionadas naquela publicação, o autor era creditado: Roy Orbison.
Somente algum tempo depois é que fui ouvir aquela música em "Veludo Azul", de David Lynch, na interpretação célebre da dublagem do personagem Ben usando a luminária como microfone e foi só então que eu liguei os pontos: "quadrinhos-neilgaiman-sandman-mestredossonhos-indreams-royorbison-veludoazul...". Ah,era aquela! Aquela era "In Dreams" que eu havia lido nos quadrinhos. E ela era maravilhosa! Foi o que precisava para fazê-la cair definitivamente nas minhas graças.
"Veludo Azul" - Ben dublando "In Dreams"
"In Dreams", a belísima canção de interpretação emotiva e extasiante, e de arranjo de cordas grandioso, aparece pela primeira vez na discografia de Orbison no disco que leva o mesmo nome, de 1963, mas o álbum não se resume a esta canção que já se eternizou na galeria das grandes baladas da história da música. Roy Orbison é mestre em baladas românticas e "Lonely Wine" e "Dream", não deixam dúvidas sobre isso; "Shahdaroba" também romântica mas um pouco mais embalada é outra ótima canção; mais agitadinha ainda, o rock "Sunset", também merece destaque, bem como "Blue Bayou", outro dos grandes sucessos do cantor que conta com mais uma de suas inspiradas interpretações.
Um dos cantores mais influentes em todo o universo da música, Roy Orbison era admirado por Elvis, Johnny Cash e é frequentemente reverenciado por nomes como Bono, Tom Waits, Bruce Springesteen, entre outros. De minha parte, demorei para conhecer mas desde que tive contato me juntei ao coro dos ilustres fãs. Sua voz inconfundível e suas interpretações singulares estão, definitivamente, marcadas na história da música.
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FAIXAS:
"In Dreams" (Orbison)
"Lonely Wine" (Roy Wells)
"Shahdaroba" (Cindy Walker)
"No One Will Ever Know" (Mel Foree, Fred Rose)
"Sunset" (Orbison, Joe Melson)
"House Without Windows" (Fred Tobias, Lee Pockriss)
Constituição respeitada e liberdade restituída: agora é arregaçar as mangas e seguir resistindo. É isso que o Música da Cabeça vai fazer, como sempre, com muita música boa, como Titãs, Sly & Family Stone, Chico Science & Nação Zumbi, Tom Waits, Arnaldo Antunes e mais. Tem "Música de Fato", repercutindo a libertação do Lula; um "Cabeça dos Outros" com o que esteve na mente de quem nos ouve; um novo "Palavra, Lê" musicalmente literário. Quer mais motivo que isso pra comemorar? Mais do que isso, só mesmo ouvindo o MDC de hoje, às 21h, na instância da Rádio Elétrica. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues. Livre.
As variadas cores do São João e do LGBT+ estão representadas no ecletismo do programa desta semana. Olha só quantos tons diferentes: Baco Exu do Blues, David Bowie, Carmen Miranda, Tom Waits, Led Zeppelin, Moacir Santos, Leonard Cohen e mais.E o mais legal: cores diferentes mas totalmente harmônicas! Vem pra Festa Junina do Música da Cabeça, que tenho certeza que vão fazer questão de ficar presos na nossa cadeia. A fogueira tem hora pra acender: às 21h, no Arraial da Rádio Elétrica. Produção, apresentação e quadrilha: Daniel Rodrigues.
No ano em que a Netflix vem com força na disputa pelo Oscar, somando entre suas quatro produções, quinze nomeações, uma delas, "A Balada de Buster Sruggs" conta com ninguém menos que os já oscarizados Irmãos Coen, à frente do projeto. Com três indicações, esta antologia de western traz, em seis episódios, alguns dos mais característicos e tradicionais elementos do gênero como gatilhos rápidos, duelos, assaltos a banco, enforcamento, caravanas, indígenas, corrida do ouro, caçadores de recompensa tudo ao melhor estilo dos irmãos Coen que, por sinal, são especialistas em westerns, sejam eles contemporâneos e mais urbanos como "Fargo", "Arizona Nunca Mais" ou o premiado "Onde os Fracos Não têm Vez", como um faroeste tradicional como "Bravura Indômita", refilmagem deles para o clássico de 1969.
Tom Waits, como o obstinado prospector, faz um dos melhores episódios do filme.
Pontuado com o habitual humor-negro da dupla, o conjunto de historietas adaptadas dos livros vai do cômico ao trágico, do absurdo ao realista, do trivial ao inusitado em histórias que, cada uma à sua maneira, com seus méritos, seus personagens, conquistam a atenção do espectador. O caubói bom de gatilho e de música, que dá nome ao filme, no primeiro conto é cativante; a historia da solteirona que perde o irmão e o cachorro durante a caravana entre Estados é de cortar o coração; e a do garimpeiro, vivido brilhantemente por Tom Waits, é um carrossel de emoções, indo desde uma simpatia e torcida pelo personagem, até chegar a uma revolta pelo oportunismo do bandido que espera à espreita pelo ouro fácil.
A bem da verdade, embora todos sejam interligados pela época e pelo ambiente, a consolidação do Oeste americano, o filme como um todo, fica devendo um pouco de unidade. As histórias são instigantes, interessantes mas a variedade de situações, sem um laço em comum, faz com que pareça, de certa forma, mais um conjunto de episódios independentes do que uma obra fechada.
Salvo este probleminha, vale a pena assistir "The Ballad of Buster Scruggs". É gostoso, é divertido, é bem dirigido, é envolvente. Um fã de cinema e admirador da obra dos Coen, provavelmente, não ficará decepcionado. Aos menos avisados, no entanto, é bom avisar: não vale a pena se apegar muito aos personagens. Os Coen não costumam poupar seus protagonistas.
O simpático Buster Scruggs é bom de gatilho e de gogó.
Milhares de pessoas no Brasil e no mundo foram às ruas dizer “não” a “ele”, o impronunciável. Mas aqui a gente diz com todas as letras: Música da Cabeça! E diz também quem estará no programa de hoje. terá Tom Waits, Dom Mita, Adriana Partimpim, Joy Division, Lisa Germano e mais. Quer entrar nessa corrente? Então, escuta o programa hoje, às 21h, na Rádio Elétrica. Produção, apresentação e voto democrático: Daniel Rodrigues.
Dia da Mulher Negra? Temos aqui no Música da Cabeça, sim! Hoje, o nosso quadro "Uma Palavra" traz uma entrevista com a "palavreira" (poeta, cantora, escritora, tradutora y outras coisas)Tatiana Nascimento Dos Santos. O dia é também de muita música, entre elas The WiseGuys, Zeca Baleiro, David Bowie e Tom Waits. Ainda, "Palavra, Lê, "Música da Fato" e tudo o que você encontra nas quarta-feiras aqui na Rádio Elétrica, às 21h. Produção e apresentação: Daniel Rodrigues.
A histórica capa da Time diz: “Welcome to America”. Sem a mesma ironia, nós também damos as boas-vindas no Música da Cabeça desta semana. No programa de hoje, às 21h, na Rádio Elétrica, vamos falar sobre a desumana ação do Governo Trump contra os imigrantes ilegais. E como nem tudo é tristeza, teremos também a beleza da música de Moacir Santos, The Smiths, Nelson Cavaquinho, Ramones, Tom Waits e outros. Eles vêm nos salvar das trevas dessa política sem escrúpulos! O “Sete-List” e o “Palavra, Lê”, igualmente, cumprem o mesmo papel. Estão bem recebidos? Então, agora é só começar. A produção e a apresentação são de Daniel Rodrigues.
O cinéfilo e meu querido colega José Fernando Cardoso veio novamente me provocar com sua lista de 5 filmes preferidos do gigantesco diretor americano Robert Altman, um titã da cinematografia mundial e, concordando com o Zé, o único a rivalizar com o Scorseseem termos de qualidade e quantidade nos últimos 50 anos. Vou incrementar a lista dele e colocar 10 filmes do Altman (de quem recentemente lembrou-se da data de morte, 20 de novembro, em 2006), que fizeram a minha cabeça na adolescência naquelas sessões do cinema Bristol, em Porto Alegre, onde iniciei minha educação cinematográfica, “in the nineteen-seventies”, como diria o Neil Young. Por favor, os filmes não estão em ordem de preferência, senão teria de botar os 10 filmes no primeiro lugar, de tanto que eu gosto deles.
1 - NASHVILLE(1976) No ano do bicentenário americano, Altman destrói o sentimento patriótico do universo da country music, jogando na tela uns 20 personagens, todos colidindo uns com os outros e fazendo um painel do que era a América naquele período pós-Nixon e Watergate. Impossível destacar alguém do elenco, mas Keith Carradine fez muito sucesso com sua música "I'm Easy".
Keith Carradine cantando"I'm Easy"
2 - CERIMÔNIA DE CASAMENTO(“A Wedding”, 1978)
O que fez com a música country em "Nashville", Altman faz aqui com uma das instituições mais cultuadas no mundo ocidental: o casamento. A demolição acontece a cada fotograma, especialmente com a irmã da noiva, interpretada pela Mia Farrow, marcando território com o noivo numa rapidinha atrás da cortina. O entra-e-sai de figuras patéticas só ajuda a demolir a aura de felicidade de um casamento.
3 - ONDE OS HOMENS SÃO HOMENS(“McCabe and Mrs. Miller”, 1971) Um faroeste existencial no meio da neve com fotografia belíssima de Vilmos Zsigmond e música de Leonard Cohen. Julie Christie esplendorosa e Warren Beatty brigando com Altman o tempo inteiro mais aquela turma do Altman que sempre estava de coadjuvante: René Aberjounois, Michael Murphy, Bert Remsey e Shelley Duvall.
4 - VOAR É COM OS PÁSSAROS(“Brewster McCloud”, 1970)
A história de um guri recluso que sonha em voar e constrói um par de asas artificiais com a ajuda de sua madrinha. Bud Cort, saindo do sucesso de "Ensina-me a Viver" encarnando o "menino maluquinho” e a deliciosa Sally Kellerman fazendo o papel da dinda. Um detalhe interessante: enquanto as aventuras de Brewster McCloud são mostradas, há uma aula de ornitologia ministrada pelo professor René Auberjonois, que vai se transformando em pássaro à medida em que o filme avança. No final, o veterano ator William Windom apresenta o elenco num picadeiro. Maluquice total, porém muita divertida!
5 - M.A.S.H.(1970)
No auge da Guerra do Vietnam, Robert Altman usa a sátira sexual para demolir o exército e suas idiossincrasias durante o conflito na Coreia. A dupla Elliot Gould e Donald Sutherland fez tanto sucesso que acabou fazendo uma série de outros filmes. A cena mais emblemática é a da gostosa porém maluca Lábios Quentes (Sally Kellerman) tomando banho e a catrefa toda abrindo a cortina e dando nota para seus "atributos", por assim dizer. O primeiro grande momento da carreira do diretor. Virou série de sucesso.
6 - BUFALLO BILL E OS ÍNDIOS(“Buffalo Bill and the Indians” ou “Sitting Bull's History Lesson” 1976) Depois de “Nashville”, Altman continuou na sua busca de escrachar os símbolos americanos. Com o herói Búfalo Bill, não foi diferente. Seus cabelos longos são uma peruca, suas atitudes são inventadas e as batalhas com índios e bandidos são ensaiadas para que ele ganhe. Paul Newmanmandando brasa no papel-título. Na época, não foi bem recebido, mas merece uma revisão.
7 - O PERIGOSO ADEUS (“The Long Goodbye”, 1973)
Baseado em Raymond Chandler, mas Altman desloca a ação dos anos 40 para a década de 70, no porre pós-Watergate, Woodstock e do movimento hippie. O detetive Phillip Marlowe tem de localizar seu amigo Terry Lennox acusado de matar a esposa. A trama de Chandler está intacta, mas o diretor imprime um clima de fim de festa à investigação, que é difícil não torcer pelo private investigator. Durante a busca, os personagens mais incríveis se sucedem. Elliot Gould arrasando como o Marlowe existencial.
A turma do jaazz reunida interpretando os mestres
8 – KANSAS CITY(1996)
Pode dizer que estou puxando a brasa pro meu assado, porque é isso mesmo. O filme nem é tão bom assim, mas com toda aquela turma do jazz dos anos 80 e 90 (David Murray, Joshua Redman, James Carter, Craig Handy e Geri Allen) tocando e interpretando os mestres da década de 30, a gente nem presta muita atenção à história, um filme de gangsters em Kansas City. Jennifer Jason Leigh e Miranda Richardson são as femmes fatales e Michael Murphy e Harry Belafonte são os principais atores masculinos. Médio, porém bom. Dá pra entender?
9 – O JOGADOR(“The Player”, 1992) Hollywood estava querendo fazer um mea culpa por ter vilipendiado o independente Altman a vida inteira e adotou “O Jogador” como veículo desta “valorização”. O filme ganhou 3 indicações ao Oscar mas não ganhou nenhuma (aí ia ser demais, não é Academia?). Tim Robbins faz o executivo de Hollywood que mata um aspirante a roteirista que acredita estar mandando ameaças de morte. “O Jogador” é um who’s who de quem era alguma coisa na cidade dos sonhos naquele momento. São 65 aparições de gente como o diretor Sidney Pollack, os atores Dean Stockwell e Whoopi Goldberg e o cantor country Lyle Lovett. O plano-sequência de 7 minutos e 47 segundos já te ganha no começo do filme. E tem até a Joyce Moreno na trilha!
Plano-sequência inicial de "O Jogador"
10 – SHORT CUTS - CENAS DA VIDA ("Short Cuts", 1993)
Os contos do minimalista Raymond Carver são a base para as histórias contadas neste filme, que tem dois artistas da música em papéis principais: a cantora de jazz Annie Ross e o cantor e compositorTom Waits. As angústias da classe média americana misturadas com a possibilidade da sorte e/ou do azar mudar sua vida. Mais um filme de Robert Altman onde a força do grupo de atores é mais importante do que as performances individuais.
Nesta época de final de ano, o cinema, essa representação encenada e
diegética da realidade, reforça sua função, seja ela de ajudar a refletir ou
simplesmente entreter (ou os dois juntos, por que não?). Como n’"O Poderoso Chefão - Parte 2", em que os acontecimentos da máfia e da política estão fervilhando
em plena virada de 1959 para 1960 em Cuba, ou em “Boogie Nights”, quando todos
interrompem a chegada da década de 80 por causa de um suicídio em plena festa
de Réveillon, o dia de Natal também (ou a passagem de 24 para 25) aparece em
alguns filmes não necessariamente como tema central, mas como um pano de fundo
essencial àquilo que se quer contar. Às vezes é um detalhe, mas extremamente
simbólico para determinada obra de cinema. Um nexo narrativo que contribui para
a história de forma a lhe trazer os ícones que a data representa (o nascimento
e o significado simbólico de Cristo, a figura pop do Papai Noel, a valorização
dos sentimentos de fraternidade e compaixão, a representação do consumismo, o
pertencimento à sociedade capitalista ocidental, etc.).
Por isso, o Clyblog registra aqui algo nessa linha: não aquelas
comédias natalinas típicas que, embora divertidas, são óbvias. Aqui, fugimos da
obviedade. Listamos, sim, filmes que se nutrem dos elementos natalinos mais
profundos por assim dizer, ainda que apenas como instrumento para dar um toque
à trama, para gerar contraste entre a aparência e real ou apenas para contar
melhor uma história. Se você está cansado de assistir as franquias “Esqueceram
de Mim” ou “Meu Papai é Noel”, aqui vão alguns títulos que não esquecem da
data, mas vão além da mesmice – e que, justo por isso, merecem ser vistos mesmo
em outras épocas do ano. Mesmo que, porventura, apenas passem pelo tema, o
Natal, com seus significados, está lá.
“Duro de Matar” (“Die Hard”, John
McTiernan, EUA, 1988)
Provavelmente o melhor filme de ação dos anos 80 junto com “Um Tira da
Pesada”, “48 Horas” e alguns outros poucos, tem o Natal como pano de fundo para
uma trama inteligente que mescla policial, comédia e realismo (sim, realismo)
na medida certa. O policial nova-iorquino John McClane (Bruce Willis) vai
visitar a esposa em Los Angeles, que está numa festa de Natal da empresa onde
trabalha, no edifício Nakatomi Plaza. Durante a festa, terroristas alemães,
liderados por Hans Gruber (Alan Rickman) invadem o prédio e sequestram todos os
convidados com a intenção de roubar milhões em ações da companhia. McClane
escapa de ser aprisionado pelo grupo de Gruber e, com grande dificuldade, mas
com perícia e astúcia, passa a combatê-los.
A fórmula é muito parecida com o que Hollywood fazia de muito tempo no
gênero ação/policial – as sequências com o gancho da tensão e as explosivas
cenas de ação, entremeadas por tiradas engraçadas que aliviam a seriedade e a periculosidade
– mas adiciona-lhe algo que passaria a servir de exemplo para trocentas
produções posteriores: a pegada realista. McClane derrota os terroristas neste
dia de Natal atípico, mas o consegue a custas de muito esfolamento. O conceito
de anti-herói, humano e mortal, é uma quebra de paradigma no cinema norte-americano
do gênero. Se há estilhaços de vidro no chão e McClane está descalço, ele vai
cortar o pé, ora essa! É exatamente isso que acontece, numa ressignificação do
tipo James Bond, perfeito e inatingível. Tanto é que, por tudo que passa, McClane
sai um trapo no final do filme, o qual finaliza emblematicamente com o jazz
natalino “Let It Snow! Let It Snow! Let It Snow!” na voz de Vaughn Monroe.
Igualmente, o contraste dos elementos visuais e alegóricos da data com a
violência (o vermelho da roupa do Papai Noel com o sangue dos ferimentos)
funciona muito bem. Daqueles que sempre que estão passando na TV se assiste,
inevitável.
"Duro de Matar" - "Ho-Ho-Ho!"
“Morte e Vida Severina” (Walter
Avancini, BRA, 1981)
Uma obra-prima da teledramaturgia mundial (vencedora do Emmy daquele
ano), é a encenação do poema de João Cabral de Melo Neto, o qual se chama
também “Auto de Natal Pernambucano”. Com músicas primorosas de Chico Buarque e
aproveitando parte do elenco que Zelito Viana usara na filmagem da história quatro
anos antes para o cinema, esta é, sem dúvida, a mais bela versão do texto
clássico do poeta pernambucano.
De forte cunho social e denunciador, narra a trajetória do retirante
nordestino Severino (José Dumond, impecável) do sertão árido à capital Recife
através de versos musicados ou recitados em busca de respostas à vida miserável
que leva. O que encontra em muitas das etapas dessa cruzada é apenas morte
através do descaso e da desassistência do povo, de “Severinos iguais em tudo na
vida”, o que o faz pensar em “saltar fora da ponte e da vida”. Mas o nascimento
de mais um “Severino”, filho de um carpinteiro pobre mas sábio, vem trazer
cores à desesperança. É a “boa nova” que o Natal ensina, o Cristo incutido
naquela pequena e franzina vida que se rebenta. “E não há melhor resposta/ que o espetáculo da vida?”.
“A Felicidade não se Compra”
(“It's a Wonderful Life”, Frank Capra, EUA, 1946)
Capra é um dos mestres do primeiro cinemão norte-americano. Era capaz
de criar filmes de marcantes conceitos estético e narrativo a um espírito
fortemente nacionalista, seja na valorização dos símbolos de seu país, seja no
recorrente tom moral típico daquele povo, o qual vai da puerilidade à
arrogância. No caso, mais para onírico, “A Felicidade...” conta a história de
um espírito candidato a anjo que, para ganhar suas asas, recebeu a missão de
ajudar um empresário (James Stewart) que, em virtude de grave problema
financeiro, tinha a intenção de se suicidar. O aspirante a anjo aparece-lhe na
véspera do Natal quando este está prestes a saltar de uma ponte. Ele fala de
sua missão e comentou que seria um desperdício matar-se, pois ele era
importante para muita gente. Ante o ceticismo de seu protegido, que se sentia
um fracassado, o amigo espiritual mostrou-lhe várias situações que teriam
acontecido se não fosse sua interferência: a morte do irmão, o desespero da II
Guerra (recém terminada quando o filme foi rodado), a tristeza da esposa, a
situação lastimável de sua cidade, entre outras.
Com fotografia P&B impecável – bastante forjada no cinema soviético
de Eisenstein e Vertov –, Capra amarra uma história cheia de acontecimentos com
um domínio narrativo espantoso sem deixá-la confusa ou chata. Trata-se de um
típico clássico natalino, eu sei, mas com tamanha qualidade não daria para
deixá-lo de fora – até por que, atualmente, está em desuso assistir a filmes
antigos ainda mais nessa ditatoriamente colorida época natalina. No final, a
mensagem é evidente, o que não lhe tira a emoção – até por que muito bem
escrito e realizado.
“Cortina de Fumaça” (“Smoke”,
Wayne Wang e Paul Auster, EUA/Alemanha, 1995)
Uma ode à solidariedade e ao respeito às diferenças, sejam elas
raciais, de gênero ou qualidades pessoais. Tem coisa mais a ver com Natal isso?
Pois esta pequena obra-prima com cara de Jim Jarmusch traz isso e mais um
pouco. O “isso” é a história envolvente e coral: Auggie Wren (Harvey Keitel)
tem uma tabacaria onde circulam tipos bem peculiares (olha aí as diferenças
subtextualizadas). Ele também tem um hábito próprio: o de fotografar, às oito
da manhã, a fachada de sua loja. É assim que ele conhece o escritor em crise
criativa e emocional Paul Benjamin (William Hurt), que, por um momento
fortuito, acaba conhecendo um jovem negro morador de rua a quem ajuda a
encontrar seu pai. A história é, na verdade, um reencontro das raízes pessoais
e dos laços afetivos mal resolvidos no passado.
O “um pouco mais” a que me referi é, além desse instigante subtexto, há
a célebre cena em que Auggie vai parar na casa de uma senhora cega cujo neto
furtara-lhe a loja. Ela, amorosa e sem os pré-conceitos de quem enxerga apenas
com os olhos, o recebe e o convida para cear com ela naquela véspera de Natal.
Tudo ao som da belíssima canção “Innocent When You Dream”, de Tom Waits. Cena emocionante. Uma história tão linda que, renovadas as emoções de todos na
trama, motiva o até então travado escritor Paul em seu novo romance, chamado: “Auggie
When’s a Christmas Story”.
"Cortina de Fumaça" - História de Natal de Auggie Wren
“O Natal do Charlie Brown” ou “Feliz
Natal, Charlie Brown” (“A Charlie Brown Christmas”, Bill Melendez, EUA, 1965)
Já havia me referido ao filme indiretamente aqui no blog no Natal de
2013 quando escrevi sobre a magnífica trilha sonora de Vince Guaraldi nos ÁLBUNS FUNDAMENTAIS. Pois além da preciosidade que musica o episódio, a própria
animação merece destaque. Com os elementos característicos da série de Charles
Schulz, o curta “O Natal do Charlie Brown” é o primeiro desenho animado da
turma dos Peanuts. Quando o questionador Charlie Brown reclama sobre o sentido
materialista que as pessoas dão à data, Lucy sugere que ele se torne o diretor
de uma peça teatral no colégio. Charlie Brown aceita, mas, claro, sua
insegurança e os ingovernáveis fatores externos fazem com que ele perca o
controle, frustrando-se. “Que puxa!” O
amigo de todas as horas Linus, entretanto, lhe consola relembrando o verdadeiro
sentido natalino.
Tem um Charlie Brown e Snoopy novo por estrear no Brasil que aproveita
o Natal (comercialmente, inclusive) como pano de fundo, mas este aqui é
insuperável, não só pela trilha original de Guaraldi mas pela precisão de
Melendez na direção, que sempre imprimiu à série de TV a dose certa de doçura,
comédia, entretenimento e ludicidade. Atração – e ensinamento – para crianças e
adultos.
Sou um tanto suspeito em falar desse filme, pois trata-se de meu
preferido da longa, profícua e expressiva filmografia do gênio Bergman.
Entretanto, como deixar de fora essa obra-prima que, além de alinhar-se
bastante com o recorte que proponho, é o amadurecimento total de um artista que
já nascera maduro para o cinema. Superprodução que encerra a carreira do
cineasta na grande tela, transcorre-se em dois anos da primeira década do
século XX na família Ekdahl. Após um alegre Natal, o pai de um casal de
crianças morre. Deste momento em diante Alexander (Bertil Guve), o menino, passa
a ver o fantasma do pai frequentemente. Tempos depois, sua mãe casa-se com um
extremamente rígido religioso e as crianças são obrigadas a deixar a casa da
avó paterna para viverem com a família do padrasto de hábitos severos, onde são
tratados como prisioneiros. Na casa do padrasto o sensível e inventivo
Alexander passa a ver o fantasma da primeira esposa dele e suas filhas, que
haviam morrido tentando escapar dele. Decorrido algum tempo, a mãe se
conscientiza da real personalidade do marido e de quanto seus filhos sofrem
naquela casa e planeja um modo de tirá-los daquele lugar e levá-los de volta para
casa.
O proposital clima espiritualista de toda a história faz cama para a
impactante sequência da fuga, em que as forças divinas operam um milagre de
Natal e os três conseguem escapar da prisão domiciliar. Haveria muito a se
falar sobre “Fanny e Alexander” (a relação entre pais e filhos, a
espiritualidade imanente, a percepção afinada da criança, a metáfora da vida
como palco – e vice-versa –, os limites entre vida e morte, etc.) mas destaco
aqui um fator primordial: o fato de o Natal estar presente no início e no final
do filme. A data do nascimento de Jesus demarca dois momentos psicológicos e
emocionais dos personagens, numa significação das possibilidades de mudança e
desenvolvimento da vida e das pessoas. Cada um com suas qualidades e
dificuldades, com suas personalidades e jeitos, mas passíveis de enxergarem o
mundo para além de si mesmos. Afinal, é Natal.