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quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Copa do Mundo Kraftwerk - classificados para as oitavas-de-finais

 Saíram os classificados às oitavas da Copa do Mundo Kraftwerk.

Tivemos confrontos pesados nessa segunda fase e, em alguns casos, uma grande teve que ficar pelo caminho. É o caso de Music Non Stop que pegou pela frente a encardida Ruckzuck, que por sinal, é última pré-Kraftwerk que resiste; Pocket Calculator e Numbers, ambas do álbum Computer World, foram outras que deram adeus cedo à competição, mas, também, né..., pegaram pela frente, respectivamente The Model e Hall of Mirrors; e em outro confronto pesado, The Man Machine despachou Showrrom Dummies. 

Nos clássicos locais, Boing Boom Tshack bateu Electric Café, uma das favoritas Trans-Europe Express passou como uma locomotiva por cima de Franz Schubert, e deu a lógica, também, no confronto da auto-estrada, Autobahn atropelando Kommetenmelodie e mandando a adversária para o espaço. 

Confira abaixo todos os demais resultados. Em breve teremos os confrontos das oitavas, hein!





sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

"Kraftwerk: Publikation - A Biografia", de David Buckley - ed. Seoman (2015)




"Nós falávamos a mesma língua (...)
Éramos Sr. Kling e Sr. Klang."
Ralf Hütter,
sobre quando conheceu Florian Schneider


"As ideias refletidas no nosso trabalho são internacionalistas e também
uma mistura de diferentes formas de arte (...)
a ideia de não separar
a dança aqui, a arquitetura ali e a pintura lá.
Nós fazemos tudo e a união da rte com a tecnologia
constituía o Kraftwerk..."
Ralf Hütter
sobre o trabalho da banda, em 2006



Se as caixas "The Catalogue" e, mais recentemente, a ao vivo "The Catalogue 3D" repassam musicalmente a carreira e  obra do grupo Kraftwerk, um dos mais importantes de todos os tempos pelo seu pioneirismo e definição de uma linguagem, a biografia "Kraftwerk: Publikation - A Biografia" de 2015, faz o mesmo em forma de palavras, indo ainda mais fundo do que as compilações, mergulhando nas origens do projeto chegando desde seus primeiros formatos e configurações.
O livro do autor britânico David Buckley faz uma retrospectiva cronológica desde o momento em que os então jovens Ralf Hütter e Florian Schneider decidem unir suas ideias e pretensões artísticas, até os dias de hoje quando já encontra o atual projeto 3D que baseou o último lançamento.
Fato é que a não ser que Ralf ou Florian resolvam em algum momento lançar suas próprias biografias, nenhum material será melhor e mais completo que "Kraftwerk: Publikation", uma vez que este traz colaboração substancial de uma das vozes de dentro do grupo, da formação clássica e idolatrada, nada mais nada menos do que Karl Bartos, percussionista e integrante desde 1975, que concordou em ser entrevistado e dar seus relatos e versões sobre fatos duvidosos e matérias até então obscuras da história da banda que permaneciam ainda sem esclarecimento exatamente pela característica tão arredia e reservada que seus integrantes sempre mantiveram com a imprensa.
Mas além de Bartos, o grande trunfo jornalístico do biógrafo, o livro ainda conta com depoimentos de pessoas ligadas à banda como o amigo Ralf Dörper e a artista gráfica Rebecca Allen; de contemporâneos como o pessoal do Can e do Tangerine Dream que transitaram na mesma incipiente cena vanguardista alemã; e ainda ex-integrantes como Wolfgang Flur, também da formação clássica; Michael Rother, ex- Neu! e integrante da primeira fase, e ainda Ebenhardt Kranemann, membro do breve período do Kraftwerk, pasmem!, sem Ralf Hütter.
O excelente trabalho de Buckley examina cada um dos discos (mesmo os mais antigos, pouco considerados pela banda) com nomes de capítulos criativos que remetem a cada um dando detalhes técnicos dos mesmos e contextualizando-os ao momento de seus lançamentos, revelando motivações, ideias e peculiaridades que levaram às suas respectivas concepção. A surpresa geral causada por "Autobahn"; o minimalismo de 'Radio-Activity"; o pioneirismo inigualável de Trans-Europe Expressl; a antecipação da disco com "The Man-Machine"; a antevisão da internet de 'Computer World"; o refugo em "Techno Pop" que viria a tornar-se "Electric Café" e a materializar-se conforme o pretendido apenas em "The Mix"; e a finalização de um projeto em "Tour de France Soundtracks", tudo é abordado em "Publikation" com muita pesquisa, informação e seriedade. E mais: curiosidades como os "dois Kraftwerks", a procura de Michael Jackson para uma parceria; os detalhes de seu acidente ciclístico de Hütter, sua personalidade centralizadora; e a demissão do músico português Fernando Abrantes por, supostamente, fazer uma mixagem muito original de "Music Non Stop" e dançar muito entusiasticamente fugindo do padrão caracteristicamente robótico da banda, são apenas alguns dos lances interessantes e marcantes da obra.
Com um volume caprichado, a edição nacional, além dos prefácios do próprio autor, e do ex-kraftwerk Karl Bartos, conta ainda com um prólogo do jornalista Camilo Rocha, ex-Bizz, e um muito legal do DJ Paulo Beto do projeto eletrônico Anvil FX. "Kraftwerk: Publikation" é uma viagem obrigatória pela longa autoestrada da carreira deste extraordinário grupo que, sem dúvida alguma, tem seu nome gravado com honras na história da música.


Cly Reis

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Copa do Mundo Kraftwerk - Quartas-de-finais

Uno, due, tre, quattro

8 times

4 jogos

2 semifinais

1 só campeão.

Numbers, numbers, numbers...

Pois é, agora são apenas quatro jogos e tudo começa a se definir.

Alguns gigantes caíram pelo caminho e restaram apenas essas oito forte concorrentes.

Em álbuns, supremacia para o Trans-Europe Express, que coloca 3 participantes nessa fase, enquanto que todos os outros participantes, colocam penas um, sendo que dois grandes discos, Autobahn e Computer World, sequer classificaram representantes para essa reta final.

Será indício de que algum viajante do expresso trans-europeu levará o título, ou maioria não significa nada nesse momento da competição?

Saberemos nos próximos dias.

Enquanto isso, conheça os confrontos das quartas-de-final.





terça-feira, 22 de maio de 2012

Madonna - "MDNA" (2012)


Dei de presente pra ‘patroa’ o novo CD da Madonna, o “MDNA”, e mesmo não tento lá grandes expectativas por conta do último trabalho da cantora, 'Hardy Candy", uma vez o tendo em casa, então, resolvi escutá-lo e dar uma chance. Mas,contrariando a minha má vontade, minha desconfiança para minha agradável surpresa o disco é bem interessante. Bom disco, mesmo! Havia lido em algum lugar que o disco era excessivamente diversificado e por isso não tinha uma identidade, mas na minha opinião a variedade de possibilidades propostas por Madonna e seus produtores, é exatamente um dos principais méritos do trabalho. Se é pra ter uma linha e ficar na mesmice do álbum anterior, tal coerência de linguagem é completamente contraproducente, mas neste, a exemplo de “Like a Prayer”, onde atacava na música negra (‘Like a Prayer”), pop básico (“Express Yourself”), funk minimalista (“Love Song”), balada à espanhola (“Spanish Eyes”),  Madonna e seus parceiros, dentro de uma linguagem de música eletrônica, desfilam diversas facetas e alternativas, tendo como resultado um produto final altamente interessante.
Já havia gostado muito de “Give me All Your Lovin” quando a ouvi pela primeira vez no intervalo do Superbowl e ouvindo agora, a sensação só se confirma, nesta música que tem um dos refrões mais bacanas da música pop nos últimos tempos com aqueles gritos de cheerleaders e aquele clima super up. Mas surpreenderam-me muito positivamente também a primeira faixa do álbum “Girl Gone”, um bom cartão de visitas; a minimalista, agressiva, de batida forte e marcada, “Gang Bang”; a lenta “Masterpiece”, uma espécie de ragga com tons espanhóis; e a excelente “I’m Addicted” com sua levada furiosa e uma performance impecável da cantora, num 'punk-eletrônico' que lembra de certo modo Kraftwerk (sei que é redundância dizer que música eletrônica lembra os robôs, mas em especial remete às músicas do “Computer World”). Madonna ainda se aventura em “Free Falling” que fecha o disco, a cantar sobre uma base orquestrada de cordas, numa canção que soa quase como uma oração, e, surpreendam-se, senhores, sai-se muitíssimo bem dando um final mais que digno pra o álbum.
De resto, algumas são popzinhos competentes, outras, na verdade, descartáveis outras poucas dispensáveis, mas no geral, Madonna, cercada de uma boa retaguarda (William Orbit, Martin Solveig, Benny Bennassi) consegue de novo nos proporcionar mais um bom trabalho em sua discografia.
Não chega a ser um "True Blue", um “Erotica”, um “Like a Prayer” mas é um filho legítimo que não pode negar que ali tem o DNA da Rainha do Pop.

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Ouvir:

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Mesma melodia, letras diferentes


O fato de apresentar o programa Música da Cabeça, na Rádio Elétrica, é meio que mera desculpa minha para ir à cata de listas. Sempre gostei de criá-las a partir das coisas que curto, das criteriosas às mais estapafúrdias. Uma dessas que me veio à mente para usar no programa se refere a músicas que têm a mesma melodia, mas letras diferentes. A parte musical e o arranjo podem ser idênticos, mas o que é cantado, não. Às vezes, até melodias de voz e cantores diferentes. Dois lados da mesma moeda ou - por que não? - do mesmo disco.

Numa rápida pesquisa de memória, o interessante foi perceber que essa prática é comum nos mais diferentes gêneros, culturas e locais. Seja no Brasil, nos Estados Unidos, na Alemanha, na Inglaterra ou até na Jamaica, não há quem resista em usar aquela base que ficou superlegal de um outro jeito, numa outra roupagem. 

Pra compor esta lista de 15 + 1 exemplos, ainda contei com a ajuda de meu irmão e parceiro de blog Cly Reis, que contribuiu com algumas das duplas de músicas as quais não tinham me ocorrido.

Tom Zé e Tim: ambos com duas duplas
de músicas na lista
Importante ressaltar que não valem músicas até então instrumentais que ganharam letra depois de um tempo, casos de “Valsa Sentimental” (de Tom Jobim, que, quando letrada por Chico Buarque, virou ”Imagina”) e “A Rã” (originalmente, “O Sapo”, de João Donato, que passou a ter esse novo título na letra de Caetano Veloso). Neste caso, aceitou-se como exceção quando uma delas é instrumental e a outra cantada, mas desde que pertençam a um mesmo artista e que este as tenha composto para um mesmo projeto.

Igualmente, não se incluem canções “reprise” ou de letra mesmo que diferentes entre si, mas que se tratam de duas partes da mesma, nem mesmo versões para idioma diferente do original feita por outro artista. Músicas “irmãs”, tipo “Blue Monday” e “586”, da New Order, ou “Crush with Eyeliner” e “I Took Your Name”, da REM, não cabem, nem muito menos aquelas que samplearam a “alma” do tema que a inspirou, como o rap norte-americano costuma fazer. Essas todas ficam de fora – quem sabe, guardam-se para uma futura outra lista...

Do blues ao samba, do industrial a soul, do shoegaze ao psicodelismo. Têm dobradinhas bem interessantes e variadas.


1. "João Coragem"/ "Padre Cícero" - Tim Maia
Em 1970, Tim estava gravando seu disco de estreia quando Nelson Motta aparece no estúdio e fica maravilhado com "Padre Cícero". Tanto que pediu para Tim e Cassiano alterarem a letra para a música entrar na trilha da primeira novela da Rede Globo, "João Coragem".

2. "Sister Midnight"/ "Red Money" - David Bowie
A fase berlinense rendeu coisas maravilhosas e simbióticas para Bowie. "Sister Midnight", composta por ele e Iggy Pop para abrir "The Idiot", de Iggy, de 1977, serviu para o próprio Bowie finalizar sua própria trilogia na capital alemã dois anos depois com outro título e letra.

O mestre da "preguiça" baiana sabia muito bem fazer sambas geniais com pouquíssimos versos, quando não quase repetidos. Aqui, o que Caymmi repete é a parte instrumental idêntica a ambas, mas com melodias de voz e letras totalmente diferentes entre si.

"Strange Brew", que abre o cláscico disco "Disreali Gears", de 1967, é tão boa que dá vontade de reescutá-la. Não precisa, pois Clapton/Bruce/Baker a põem no fim do disco, só que com outro nome e letra. 


5. "Mã""Nave Maria" – Tom Zé
Uma mais percussiva, a outra mais world music, mas ambas de abertura de seus discos "Estudando o Samba", 1976, e "Nave Maria", 1984) e sobre o genial riff do baiano de Irará.

6. "Teenage Lust"/ "Heat" - Jesus & Mary Chain
"Teenage Lust" é um clássico da banda que coroa uma fase inspirada, marcada pelo disco "Honey's Dead", de 1992. "Heat", por sua vez, está na coletânea de B-sides "Stoned and Detoned", de um ano depois.

Vindo de Moz, artista que produz muito, não seria estranho haver esse tipo de repetição. No caso, "Alma Matters", hit do disco "Maladjusted", de 1997, tem como sombra "Nobody..,", da coletânea "My Early Burglary Years", de 1998.

8. "Waiting""Do You do It?" – Madonna
No talvez melhor disco de Madonna, "Erotica" (1992), a ousadia de pôr um mesmo tema duas vezes, sendo a segunda cantada não por ela, mas pelos rappers Mark Goodman e Dave Murphy.

9. "Pocket Calculator"/ "Dentaku" – Kraftwerk
Totalmente iguais, não fosse uma ser cantada em inglês e a outra em japonês. Aí os alemães conseguiram fazer, pro disco "Computer World", de 1981, duas obras totalmente diferentes sendo a mesma coisa.

Quase iguais, não fosse o título e algumas partes da letra. Mesmo estando no mesmo disco, o clássico "Pet Sounds", de 1966, é tão bonita que não há nenhum problema em "reouvi-la" com pouca diferença entre uma e outra.

11. "Os Escravos de Jó"/ "Caxangá" – Milton Nascimento
A censura, que comeu praticamente todas as letras de "Milagre dos Peixes", de 1973, inclusive "Os Escravos de Jó", parceria de Milton com Fernando Brant, já havia abrandado um pouco anos depois quando Elis Regina gravou "Caxangá" e depois o próprio Milton.

12. "Graveyard""Another" – P.I.L.
A instrumental "Graveyard", de "Metal Box" (1979), é, literalmente, a "Outra" em "Commercial Zone", disco de sobras de estúdio da mesma época. Coisas da cabeça conceitual de John Lydon e sua Public Image Ltd..

13.  "Jimi Renda-se"/ "Dor e Dor" – Tom Zé
A mente inquieta de Tom Zé faz com que, mais de uma vez, ele revisite a própria obra. Assim como "Mã"/"Nave Maria", a metaliguagem pega nestas duas também, de 1970 e 1972 respectivamente.

14. "Slave to the Rythmn""The Fashion Show" – Grace Jones
O disco de Grace "Slave to the Rhythm", de 1985, em si, é todo cunhado sobre a mesma base, mas estas duas não não são iguais pela letra.


15. "With no One elseAround"/ "Pra Você Voltar" – Tim Maia
Tim não tinha vergonha de reaproveitar melodias suas mais de uma vez, mas aqui ele fez melhor: uma em inglês, para o arrasador álbum de 1978, e outra na língua de Camões, um ano depois ("Reencontro"), em que até o sentido das letras são totalmente diferentes.


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+1. "À Flor da Pele""À Flor da Terra" – Chico Buarque
O título é igual, "O que Será?", eu sei, mas o fato de o subtítulo ser diferente faz, com perdão da redundância, toda a diferença. Escritas por Chico para a trilha sonora de "Dona Flor e seus Dois Maridos", de 1976, uma inicia o filme e outra o encerra - e as letras são totalmente distintas.


cena final do filme "Dona Flor e Seus Dois Maridos" - tema: "À Flor da Pele"


Daniel Rodrigues

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Kraftwerk - "The Man-Machine" (1978)





“É uma relação bem mais sofisticada.
Existe uma interação.
Uma interação de ambas as partes.
A máquina ajuda o homem
e o homem admira a máquina.
Este aparelho é uma
extensão de seu cérebro.
[apontando para o gravador]
Ele ajuda você a se lembrar.
É o terceiro homem
sentado a esta mesa.
Quanto a nós,
nós amamos nossas máquinas.
Temos uma relação erótica com elas.”
Florian Schneider,
sobre a relação homem/máquina



Era a hora de, finalmente, o Kraftwerk deitar na cama que ele havia preparado tão generosamente para um monte de gente. No final dos anos 70, a tecnologia musical havia avançado bastante, os sintetizadores já eram relativamente populares, a música eletrônica não era mais um alienígena, a disco music, em alta naquele momento, a utilizava de maneira bastante efetiva, e até correntes do punk ousavam inseri-la em suas sonoridades. Ou seja, o eletrônico já era usado com sucesso, gerando dinheiro, sem toda aquela resistência inicial, e só o Kraftwerk, logo o Kraftwerk, que pacientemente construíra aquela linguagem, ainda era visto sob o preconceituoso olhar da esquisitice e do experimentalismo.
Em 1978, então, pela primeira vez, o Kraftwerk fazia um disco que se aproximava do que costumamos chamar de pop. "Autobhan" já era (e continua sendo) a base de toda a música eletrônica, "Trans-Europe Express" já era reverenciada e extremamente influente, mas ambos faziam parte de projetos musicais mais complexos e por isso de menor potencial comercial. "The Man-Machine", no entanto, sem apelar para o pop óbvio, cheio de vícios e clichês, trazia formatos musicais mais convencionais e estruturas um pouco mais familiares ao ouvinte comum, sem abrir mão de princípios artísticos e de ambições conceituais. O álbum, de marcante capa escarlate, na qual o design inspirado no construtivismo russo interage brilhantemente com o expressionismo alemão da foto da banda, antecipava a relação homem-máquina, hoje algo tão corriqueiro para nós com inteligências artificiais, perfis robôs, próteses médicas, drones e funções humanas automatizadas, transitando por outros assuntos como a corrida espacial, as grandes metrópoles e a moda, fazendo com que o tema central funcionasse como uma espécie de fio-condutor que estabelecia relações e conexões com os demais.
"The Robots" abre o disco reforçando aquilo que, no fundo, todos desconfiamos: que aqueles caras só podem ser robôs! Mas a afirmação que se repete como verso principal da vigorosa peça musical de abertura, não se resume a essa ambígua "confissão", ela é provocativa, na sua aparente simplicidade, sugerindo uma reflexão sobre a rotina, o cotidiano, sobre o automatismo que muitas vezes toma conta de nossas vidas, mas também sobre as relações humanas de trabalho e sobre como muitas vezes nós somos os robôs de um sistema que só visa produção. "Ja tvoi sluga/ Ja tvoi Rabotnik" ("Eu sou seus escravo/ Eu sou seu trabalhador"), afirma, em russo, uma voz robótica na música.
A reflexão se estende a "Metropolis", que ao mesmo tempo que é uma constatação do crescimento  das grandes cidades e de suas novas possibilidades naquele momento, é uma evidente ode à grandiosa obra de Fritz Lang de mesmo nome, marco da ficção-científica, que muito antes do Kraftwerk já antevia a era da robótica, a relação homem-máquina, e levantava questões, entre outras coisas, sobre trabalho abusivo e exploração humana. Um filme que retratava homens que, como desejavam os poderosos daquela cidade futurista, deviam trabalhar como máquinas.
O elemento metrópole é a chave para outra conexão dentro dos disco. Desta vez a ligação dá-se com "Neon Lights", a faixa mais longa de um disco em que as durações são mais comedidas para os padrões Kraftwerk. A canção é uma belíssima e elegante declaração de amor à cidade no que talvez seja o momento mais humano do álbum. Mas a amarração não se esgota por aí, uma vez que a alusão às luzes de neon também dialoga, de certa forma, com a era dos robôs proposta pelo disco. Hoje, às voltas com telas HD, lasers e painéis de LED, talvez não tenhamos exata noção de que, ali pelos anos 70, o neon com seus letreiros luminosos e coloridos, de certa forma, transmitia uma certa sensação de futurismo, o que fica evidente até mesmo pela sua presença em diversos filmes que, na época, e ainda hoje, pretendem ilustrar uma imagem de futuro.
Os manequins idênticos frequentemente 
presentes no palco, na época.
Outra que, por um momento, até nos faz pensar que o quarteto Hütter, Schneider, Bartos e Flür talvez fosse formado por humanos é "The Model", um pop perfeito, lição de casa pro pessoal do synthpop dos anos 80, uma melodia elegantemente simples e de uma levada comedidamente contagiante, que descreve em sua letra uma fascinação quase platônica por uma modelo, deixando transparecer em si uma série de "pequenas emoções" como desejo, frustração, recalque, desprezo... "Ela é uma modelo e ela está bonita/ Eu gostaria de levá-la para casa, isso é certo/ Ela se faz de difícil, sorri de vez em quando/ Basta uma câmera pra fazê-la mudar de ideia". Mas o olhar sobre essas musas da beleza vai um pouco além de uma mera e rara manifestação de emoções dos nossos robôs de Düsseldorf. Com "The Model", o Kraftwerk, de certa forma, também antecipa a sociedade de consumo, superficialidade e aparências na qual vivemos hoje, onde tudo tem seu preço, inclusive o prazer e a beleza. Se pode adquirir, por exemplo, bonecas em tamanho natural que imitam quase que perfeitamente formas e feições humanas e que satisfazem desejos e fantasias sexuais. Prazer. Beleza. Robôs.
A opção de Ralph Hütter, o letrista e líder da banda, em simbolizar esse aparente rasgo de emoção diante da beleza física feminina, na figura da modelo, não é por acaso, uma vez que essas "mestras da sedução calculada", como definiu certa vez Fausto Fawcett, na passarela ou diante de câmeras, são, se definidas de maneira bem objetiva, seres de semblantes impassíveis com movimentos padronizados e poses programáveis que utilizam seu equipamento físico, talhado especificamente para aquele fim, para apresentar variedades de indumentárias humanas para consumo e provocar sensações das mais diversas. Quase robôs. Completando o conceito e a ironia, na época do lançamento do álbum, a banda utilizava-se com frequência de um conjunto de manequins, feitos à imagem e semelhança dos quatro integrantes, deixando-os no palco, nas posições dos verdadeiros, dos humanos, causando no público um misto de curiosidade, espanto, dúvida e inquietação. Definitivamente "The Model" era muito mais que uma recaída emocional.
"The Model " era uma aula de música pop que só comprovava a capacidade do Kraftwerk, já demonstrada em músicas como "Showroon Dummies" e "Airwaves", de álbuns anteriores, de simplificar sua linguagem e compor canções mais adaptadas a um padrão mais convencional. E não que isso fosse uma concessão em nome de aceitação ou "sucesso", era simplesmente o ponto onde sua trajetória havia levado, tendo, muitas vezes para chegar até ali, que extrair sons sons de onde não havia, inventar equipamentos e inovar em métodos de gravação. No entanto, naquele momento, diante das tendências musicais vigentes, repletas de sintetizadores e repetições eletrônicas, era o Kraftwerk que soava como oportunista. "Metropolis" e "Spacelab", ambas de ritmo repetido e pulsante, eram frequentemente comparadas a trabalhos de Giorgio Moroder, compositor e produtor de grande sucesso no universo disco-music daquela metade para o final dos anos 70, em especial a "I Feel Love", música gravada por Donna Summer e que havia sido lançada no ano antes. Semelhanças existem mas o "usurpador", no caso era o produtor italiano que encontrara pronto um modelo que os alemães vinham lapidando há muito tempo, o que pode ser observado, por exemplo, na música "Kristallo", do disco "Ralph und Florian", ainda da era pré-Kraftwerk que já continha o embrião daquela ideia. A mencionada "Spacelab", no que diz respeito à temática, por sua vez, mantém a linha de coerência e amarração do álbum uma vez que o espaço, as pesquisas, as descobertas, os desbravamentos, sempre tiveram no nosso imaginário, alimentadas pela ficção-científica, ligação com os robôs e humanoides.
Mas toda a questão homem-máquina converge para a faixa que encerra o disco e com ele divide o nome. "The Man-Machine", consegue com seus parcos e sucintos versos sintetizar toda a ideia do álbum, deixando em aberto questões como quem domina quem e quem, na verdade, é o robô: "Man-machine, pseudo human being/ Man-machine, super human being..." ("Homem-máquina, semi ser humano/ Homem-máquina, super ser humano...). Uma composição magistral que habilmente inverte a hierarquia melódica, fazendo com que, sobre uma percussão eletrônica bem marcada e uma base praticamente fixa, um vocal sintético guie ritmicamente a música até culminar numa repetição da palavra "machine", subindo em escala, até concluir com um último MACHINE prolongado, pronunciado como algo entre o agonizante e o ameaçador.
Apesar da flexibilização do Kraftwerk em "The Man-Machine" e da identificação com a sonoridade do momento, o disco não foi muito bem comercialmente, com exceção de "The Model", que acabou frequentando as paradas, mas mesmo assim, apenas em uma segunda investida, num relançamento três anos depois, como lado-B do single "Computer Love" do álbum sucessor, "Computer World", que daria continuidade ao conceito de "The Man-Machine" e confirmaria sua importância como consolidador da linguagem da banda dali em frente.
Um trabalho impressionante e assombrosamente profético. Em seis faixas o Kraftwerk antecipava elementos tecnológicos, urbanos, sociológicos e comportamentais do mundo atual como se tivesse visto tudo isso antes... Ei! Peraí...
Não, não pode ser...
...
Será?

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FAIXAS:
01 The Robots - 6:15
02 Spacelab - 5:57
03 Metropolis - 6:05
04 Model - 3:44
05 Neon Lights - 8:57
06 Man Machine - 5:30


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Ouça:
Kratwerk - The Man-Machine

sábado, 31 de julho de 2021

Cantando de olhinhos puxados


 



Os alemães da Kraftwerk vestiram kimono e puxaram os olhinhos
para cantar no idioma japonês
Olimpíadas rolando em Tóquio e tá todo mundo se arriscando num "sayonara" ou num "arigatô", não é verdade? Mas falar japonês pra valer, convenhamos, é pra poucos. Dada a dificuldade de se entender a milenar língua nipônica, pode-se dizer que cantar em japonês é domínio estritamente de quem é natural de lá.

Mas será mesmo? Se depender de alguns ousados artistas, não é bem assim. Indo além do palavreado simplório, músicos de nacionalidades diferentes da japonesa também se aventuraram nessa difícil e rara empreitada. E fizeram mais do que simplesmente cantar temas originais do Japão ou versar standarts para o japonês: eles compuseram canções novas neste idioma. Seja norte-americano, brasileiro, inglês ou alemão, esses músicos, menor ou maiormente afeitos aos ideogramas hanzi, puseram a cara pra bater e fizeram obras diferentes daquilo que eles mesmos desenvolvem normalmente.

Aproveitando, então, esse clima olímpico de Jogos de Tóquio, selecionamos sete músicas de artistas não-japoneses que não só fugiram dos estereótipos como construíram bonitas obras em homenagem à cultura do país do Sol Nascente.

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“Ito Okashi” - The Passangers (1995)
Composta para a trilha da performance de mesmo nome da artista japonesa Rita Takashina, a canção, cantada por sua conterrânea Akiko Kobayashi, a Holi, é de autoria que ninguém menos que Bono Vox, The Edge, Adam Clayton, Larry Mullen Jr. e Brian Eno, ou seja: a U2 em parceria com seu melhor e mais celebrado produtor. A The Passangers, projeto criado para abarcar as diversas trilhas que a turma compôs junto fora do repertório da renomada banda, lançou um único disco com esta formação e nomenclatura, “Original Soundtracks 1” repleto dessas coisas inusitadas assim como o próprio grupo. “Ito Okashi” é certamente das mais representativas do repertório.

Clipe de "Ito Okashi",da The Passangers



“Ai no Sono” - Stevie Wonder (1979)
Da capacidade de Stevie Wonder não se pode duvidar de nada, nem que ele fique com olhos puxados como um oriental pode debaixo daqueles óculos escuros. A bela “Ai no Sono”, assim como a música da The Passangers, também nasceu de um projeto diferente e ligado a cinema. No caso, a trilha sonora para o filme de animação “Journey Through the Secret Life of Plants”, que o Estevão Maravilhoso não apenas compôs, como tocou, arranjou e produziu de cabo a rabo. Quem pode duvidar, então, que o homem invente uma canção em japonês? Embora irregular e extenso, o disco duplo, guarda essa joia que só poderia ter saído de uma cabeça genial como a de Stevie.
OUÇA



“Made in Japan”
- Pato Fu (1999)

O lado extrovertido da Pato Fu faz com que a banda mineira liderada por John Ulhoa e Fernanda Takai (de origem oriental), diferente de outros grupos “sérios” do rock nacional dos anos 90, não levasse tão a sério a si mesmos. Entre os benefícios disso, está o de levar a sério as próprias brincadeiras, como a de criar uma música toda em japonês. Para quem como eles, que cresceu jogando Hatari e vendo na TV Spectreman e Ultraman (e admite isso), não foi uma tarefa tão difícil. Música do disco “Isopor”, de pouco antes de Fernanda começar a se achar uma grande cantora, ou seja, a se levar a sério.
OUÇA



“Relax”
- The Glove (1983)

Tá certo que é só um refrão “sampleado” de uma voz masculina repetindo as mesmas frases durante a faixa inteira – provavelmente, chupada de algum filme japonês B muito esquisito. Junto a essa voz, outros recortes se entrecruzam com variações de velocidade e compressão, além de sons que fazem referência ao Oriente, como de um koto, de sinos e gongos. Mas, além do inusitado do idioma diferente do inglês em comparação com todos os outros temas cantados de “Blue Sunshine”, o maravilhoso e único disco do projeto de Robert Smith (The Cure) e Steven Severin (Siouxsie & The Banshees), a The Glove, fecha com esta tensa e lisérgica canção, digamos, nada “relax”
OUÇA



“I Love You, Tokyo”
- Os Incríveis (1968)

Em 1968, a banda de rock da jovem guarda Os Incríveis excursionaram pelo Japão e aproveitaram para gravar no álbum “Os Incríveis Internacionais” e, depois em “Os Incríveis no Japão”, a faixa “I Love you Tokyo”. Embora o título em inglês, a letra é, sim, toda em japonês. A sacadinha da turma de Mingo, Risonho, Nenê, Neno e Netinho foi utilizar uma música original da era Meiji, composta por volta do ano de 1700, para inventar a letra. “Vale essa, Arnaldo?” Vale, sim.
OUÇA



“Miki”
- Toninho Horta (2012)
Um dos vários músicos brasileiros admirados no Japão – às vezes, reconhecido mais ou antes lá do que aqui – é o mineiro Toninho Horta, violonista e compositor de mão cheia e um dos artífices do Clube da Esquina. No início dos anos 2010, em constante deslocamento entre o seu país natal e o outro lado do mundo, resolveu, então, solucionar esse problema lançando o disco “Minas Tokio”. Em parceria com a musicista japonesa Nubie, Horta, além de regravar clássicos como “Beijo Partido” e “Giant Steps” e de seus tradicionais e belos temas instrumentais, como a claramente oriental “Shinkansen”, ainda escreveu com ela músicas que fazem essa ponte entre Brasil e Japão não só pela música, mas pela letra também.
OUÇA



“Dentaku” - Kraftwerk (1981)
Os geniais pais da música eletrônica, além de cantarem em inglês e alemão em várias ocasiões, têm como característica a universalidade da sua música. É o que se vê nas músicas “Numbers”, que mistura diversas línguas, as faixas de “Tour de France”, todas cantadas em francês, “Sex Object”, com trechos em espanhol, ou “Electric Café”, quando até o português eles arranham. Por que, não, então, cantar em japonês. É o que fizeram nessa faixa, que é uma corruptela da clássica “Pocket Calculator”, do álbum “Computer World”, que, no final das contas, diz mais ou menos a mesma coisa que seu tema original: um convite para fazer/ouvir música usando as teclas de uma calculadora de bolso. 

"Pocket Calculator/ Dentaku" ao vivo, da Kraftwerk



“Império dos Sentidos” - Fausto Fawcett & Os Robôs Efêmeros (1989)
Não se enganem pelo título em português. Afinal, quem não liga este nome a de um dos mais famosos filmes rodados no Japão, o drama erótico de Nagisa Oshima que escandalizou o mundo nos anos 70? Pois foi com essa clara referência (e reverência), que os criativos Fausto Fawcett, Carlos Laufer e Herbert Vianna escreveram a música que intitula o segundo disco da banda carioca. Para isso, fazem o mesmo expediente que a The Glove: recortam um trecho de voz, neste caso, feminina, que repete a mesma frase em japonês, algo provavelmente extraído do próprio filme. Um clima misterioso e, claro, com elementos orientais além da própria letra, que é dita levemente por uma voz feminina, quase uma “narcotic android nissei com a bateria no fim”, como diria o próprio Fawcett.
OUÇA

cenas do filme "O Império dos Sentidos"


Daniel Rodrigues