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sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

PIL (Public Image Ltd.) - "Metal Box (1979)




O Public Image Limited é a banda criada por John Lydon, o ex-Johnny Rotten dos Sex Pistols após a dissolução da banda quando o movimento punk já se mostrava cansado e moribundo. Não que a experiência não tivesse sido válida, que não tivesse sido importante ou deixado um legado, mas o grito do punk em si, já começava a ficar sem sentido, e sem perceber ele já tinha ramificado para tanta coisa que nem a sua linguagem mias já permanecia pura. Foi isso que viu John Lydon ao fundar o PIL. A new-wave aparecia, a disco-music era a onda, o pós-punk assumia diversas formas e um cara antenado, inquieto, inteligente não ia querer ficar só vociferando e xingando a rainha a vida toda. Os punks o renegaram, “Traidor do movimento”, “Judas”. Mas e daí? Ele lá tem cara de que se importa com isso? Acho que pelo contrário. Quanto mais batem, mais ele gosta.
O primeiro disco, homônimo à banda, (ou também chamado de “First Issue”), já transparecia a mudança, com visíveis concessões pop, mas foi em "Metal Box”, o segundo, que John Lydon achou a liga. Curiosamente num ambiente conturbado cheio de brigas e dificuldades de gravação, de onde seria provável que não saísse algo coeso, aparece um álbum que desfila e brinca com os estilos vigentes da época, volta ao punk e ao mesmo tempo oferece rumos para o pop-rock dos anos 80. Até mesmo seu formato de apresentação, inusitado, lançado originalmente como álbum triplo em uma lata de rolo de filme, “Metal Box” parece com este invólucro pesado e hermético querer proteger o ouvinte do “perigo” à sua exposição. E quando se ouve é quase isso. “Metal Box” é um disco perigoso!
Abre com a quilométrica “Albatross” que se arrasta como um longo vôo da ave com um baixo primoroso e cadenciado do cara que é considerado o melhor pior baixista do mundo, Jah Wobble, e que neste disco em especial parece estar, dentro da sua pouca técnica, extremamente inspirado no que diz respeito a criatividade;ora é minimalista, ora elaborado, ora jazzístico e muitas vezes bem disco-music como na ótima “Swan Lake”, (conhecida também como “Death Disco”), esta uma das melhores faixas do álbum.
"Poptones” não à toa tem este nome pois ela aponta um horizonte de levada pop que serviria para o resto da década e talvez além. Igualmente com uma linha de baixo destacada e agradável, em “Poptones” Lydon desfila sua voz com aquele costumeiro tom sarcástico só que aqui parece um pouco mais light e relaxado.
“Careering” que a segue, tem destaque para uma bateria bem marcada e com constantes improvisos entre os tempos, e “The Suit” um dub solo de baixo com uma voz quase sussurada de Lydon, também vale o destaque. Outro dos pontos altos é “Socialist”, uma composição instrumental tipicamente punk mas com uns tecladinhos quase infantis que suavizam a levada agressiva. “Chant” com sua bateria alta é minimalista e agressiva, num clima meio caótico, cantada em insistentes repetições; e apenas como trilha de encerramento “Radio 4”, levinha, tocada no teclado por Keith Lavene, baixa a poeira e faz as honras de fechar esse discaço.
Álbum fundamental!

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FAIXAS:
1. Albatross
2. Memories
3. Swan Lake
4. Poptones
5. Careering
6. No Birds
7. Graveyard
8. The Suit
9. Bad Baby
10. Socialist
11. Chant
12. Radio 4

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Ouça:
PIL Metal Box


Cly Reis

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

As Melhores Capas de Discos








Grandes capas de discos. Aqui vai uma seleção das 10 melhores capas de discos, na minha modesta opinião.
No topo da minha lista está o Joy Division e seu "Unknown Pleasures" com sua capa minimalista, enigmática, que é na verdade um medidor de pulsos de uma estrela, em uma concepção de Peter Saville que aparece novamente na lista com a ótima capa de "Power, Corruption & Lies" do New Order, banda fruto do Joy, da qual o designer sempre foi colaborador.Outro que faz "dobradinha na minha lista é Andy Wahrol com a famosa capa do Velvet e com a provocante "Sticky Fingers" dos Stones.
Capas como as do PIL (Public Image Ltd.) "Metalbox" e a do Marley em seu "Catch a Fire" podem parecer muito simples numa primeira olhada mas sua concepção, conceito e formato as justificam. "Metalbox" vinha, efetivamente, em uma caixa de metal. O LP ficava em uma lata tipo rolo de filme que funcionava quase que como "proteção" ao ouvinte quanto ao material contido ali. "Catch a Fire", caso não dê pra notar, imita um isqueiro e aí, quanto ao conceito, em tratando-se de Bob Marley, não precisa falar mais nada. Uma curiosidade é que, assim como o álbum do PIL, este foi concebido para o formato vinil e sua capa abria como se fosse o isqueiro, mesmo, para cima.
A do Alice Cooper também pode se enquadrar nessas aparentemente comuns, mas note que a capa imita uma carteira de couro e as do "Sgt. Peppers..." e do "Dark Side..." dispensam comentários.

Dêem uma olhada na lista e se quiserem deixem a sua também.

Menções honrosas também para "Physical Graffiti" do Led com sua capa cheia de janelas, símbolos e enigmas, também para "Mezzanine" do Massive Attack, "Bandwagonesque" do Teenage Funclub, "Highway to Hell do ACDC, "Number of the Beast" do Iron, "In the court of King Crimson", "The Queen is Dead" dos Smiths, "Songs to Learn and Sing" do Echo com foto de Anton Corbjin e "Violator" do Depeche, concebida pelo mesmo, e ainda para a demoníaca "Live Evil" do Black Sabath com suas figuras simbolizando cada um dos seus clássicos.
ABAIXO, AS MINHAS 10 MELHORES:


1. Joy Division, "Unknown Pleasures"; 2. The Velvet Underground and Nico, "The Velvet Underground and Nico; 3. Nirvana, "Nevermind"; 4. PIL, "Metal Box"; 5. The Beatles, "Sargent Pepper's lonely Hearts Club Band"; 6. Alice Cooper, "Billion Dollar Babies; 7. bob Marley and the Wailers, "Catch a Fire"; 8. New Order, "Power, Corruption and Lies"; 9. Pink Floyd, "The Dark Side of the Moon"; 10. The Rolling Stones, "Sticky Fingers"

sábado, 29 de agosto de 2020

Festival M2000 Summer Concerts - Helmet, Fito Páez, Robin S., Anithing Box, Dr. Sin, Débora Blando e Cidadão Quem - Capão da Canoa / RS - (Jan.1994)



A galera no M2000 Summer Festival, festival que rodou diversos lugares do Brasil,
 com diferentes atrações, naquele ano de 1994.
(foto: site da DC Set)
O M2000 Sumer Concert, pra mim, mais que um festival, foi uma aventura! O litoral gaúcho já costumava ter, todo verão, o badalado Planeta Atlêntida, evento que, de um modo geral, sempre baseou seu line-up em atrações, na sua maioria, nacionais de grande apelo popular, mas naquele verão de 1994, uma marca de tênis promovia por, ali mesmo, por aquelas bandas, um festival que se não chegava a ser "alternativo", contava com nomes não tão "batidos" na mídia e de um peso até um pouco maior do que o tradicional evento gaúcho. Se por um lado tinha a "Madonna brasileira", Débora Blando que bombava nas rádios naquele momento com "Innocence" e uma versão de "Decadence Avec Elegance", de Lobão, a acid-house do Anythin Box e a dançante Robin S, por outro tinha nomes como o argentino Fito Páez que embora bastante conhecido está longe de ser um astro pop, o metal progressivo do Dr. Sin que, embora respeitado e reconhecido não era o tipo de coisa que fazia acabeça do grande público, e um tal de Helmet, uns carinhas norte-americanos que eu conhecera havia pouco tempo mas que me encantara com um metal pouco usual de estruturas complexas e um estilo bem despojado e atípico para bandas do seu estilo. Não lembro o que atraiu meus amigos Giuliano e Renê, ou se toparam ir só pelo programa, mas a mim, o que chamava atenção e me fazia querer ir a Capão da Canoa dar uma conferida naqueles shows, sem dúvida, era o Helmet de quem eu, inclusive, já tinha o primeiro álbum, o intenso e arrrebatador "Meantime".
Ok, iríamos os três mas tínhamos alguns problemas: em primeiro lugar tínhamos pouco dinheiro. Tá bom... demos um jeito. Junta um trocado daqui outro dali, segura mais uma semana aquela conta pra pagar, tira daquilo que tava reservado, ede uma ajuda pra mãe e no fim das contas dava pra ir. Tá mas... ir e ficar onde? Não conhecímaos ninguém em Capão da Canoa que pudesse nos dar abrigo e tampouco tínhamos recursos pra alugar uma casa, ficar numa pousada ou algo assim. A solução? Um camping! Ótima solução. Bom, nem tanto... Não tínhamos uma barraca. quer dizer, até tínhamos mas... era só pra duas pessoas. Ok, dois de nós dormiríamos no abrigo de lona e outro ao ar livre num saco de dormir. "Dá pra ser?". Então tá! "Vamos assim mesmo". E fomos.
O festival começava às seis da tarde, então, no dia, pegamos um ônibus na rodoviária de Porto Alegre, ali pelo início da tarde. Tranquilo! Capão fica a mais ou menos uma hora, uma hora e meia da capital, chegaríamos cedo e dava pra procurar um camping e ir numa boa pro show. No busão já fomos "calibrando" com um vinho que o René havia levado. As pessoas só nos olhavam de canto reprovando, por certo, aqueles garotos que passavam aquela garrafa de um lado para o outro pois, além de tudo, não tínhamos conseguido nossos três assentos juntos.
Chegando a Capão da Canoa fomos então providenciar o camping. Se o litoral gaúcho já é repleto de argentinos, com um bom festival e com Fito Páez escalado entre as atrações o que mais tinha na cidade era hermanos e, no camping onde ficamos, não era diferente: só se falava castelhano. Nos entendemos bem, trocamos umas ideias sobre futebol, música e os nossos vizinhos de barraca até nos apresentaram alguns bons sons de metal argentino. Mas era hora de ir para o festival. Tratamos de encher o cantil (e não foi de água) e fomos caminhando até o palco pela beira da praia.
Chegamos!
No início não estava muito cheio pois ainda tocava a banda gaúcha, bem meia-boca, Cidadão Quem, mas, logicamente, conforme ia acabando o horário de praia, ia anoitecendo e as atrações iam melhorando, o lugar ia ficando mais cheio. Acho que nem demos bola pro tal do Cidadão Quem; pelo que lembro só demos uma olhada mais ou menos, meio por cima, no Dr. Sin; ficamos azarando uma garotas durante o show do Anything Box que até ficaram impressionadíssimas com o fato de eu ter ido ao show da Madonna mas, logicamente, incomepotentes como éramos, não tiramos proveito da sensação que causáramos; azucrinamos a vida da Débora Blando plantados na frente do palco, bêbados, chamando a loira de "gostosa", durante praticamente todo o show dela; praticamente apenas ouvimos o bom show da Robin S. de um bar ali perto onde jogamos sinuca e tomamos mais algumas cervejas. Nossa passagem pelo bar merece registro pois lá furei o pano da mesa de bilhar com a minha falta de habilidade para o jogo e o Giuliano levou um tombo, para trás, tentando se encostar numa mureta que não estava onde ele imaginava. Deposi dessa pausa, voltamos para perto do palco para ver o Fito Páez mas, sinceramente teria sido melhor ter assistido ao show da Robin S. que, à distância impressionava pelo vozerio, do que ter voltado para ver o fraquíssimo show do cantor argentino. Depois disso, por fim, de minha parte fui curtir o que me interessava. Não lembro de todos os detalhes do show mas posso garantir que o Helmet não decepcionou. Entraram no palco bem ao estilo deles, de bermudas camisetas, cabelos curtinhos, tão comuns que poderiam ser confundidos com alguns veranistas quaisquer e, olhando para aqueles caras talvez nem desse para imaginar que fossem capazes e produzir todo aquele terremoto sonoro. Foi aquela pegada agressiva e intensa o tempo todo sem deixar a bola cair. Lembro especialmente de ter me surpreendido positivamente pelo fato de terem tocado "Just Another Victim", música que fazia parte da trilha sonora do filme "Judgement Night", e que, originalmente, combinava o metal deles com o rap do House of Pain e, exatamente me surpreendeu a tocarem pelo fato de, ali, não contarem com a parceria dos rappers. Ficou um pouco mais curta, é bem verdade, sem toda a segunda parte, mas ficou uma pedrada.

Helmet - "Just Another Victim" - ao vivo  no sonoria Festival - Itália (1994)
Não há registro da apresentação deles em Capão da Canoa, naquela noite
 mas segue aqui um vídeo da banda tocando "Just Another Victim" ao vivo, naquele mesmo ano,
num festival com mais ou menos a mesma vibe do M2000 Summer Concerts.

E claro, não teria como não lembrar de "Unsung", o "hit" da banda que fez até as menininhas de praia caírem no metal. De minha parte, eu só queria saber de "poguear" e "benguear", tanto que numa dessas balançadas de pescoço, dei uma cabeçada tão forte em outro headbanger que estava ali por perto que me deixou tontofiquei verdadeiramente tonto a ponto de tudo à minha volta começar a girar. A pancada foi tão forte que até hoje tenho uma certa sensibilidade na área do choque e, desde então acho que fiquei com um certo problema de assimilação e fixação. Mas a pancada valeu a pena. Grande show, embora a maioria do público ali, típicos praieiros  esperando por um monte rockzinhos bem palatáveis, não tivesse curtido tanto assim.
Shows terminados, grande festival, agora tudo o que queríamos era voltar para o camping e dormir. A caminhada era longa mas chegamos. O plano era que dormíssemos o René e eu na barraca e o Giuliano, fora, no saco de dormir que ele havia comprado, mas não contávamos com um elemento surpresa: a chuva. Aí não teve jeito. Tivemos que dormir, aqueles três marmanjos, numa minúscula barraca de camping para dois. A tarefa não foi das mais fáceis mas entre cutucões, roncos, pés, apertos, tudo deu certo. Superada a noite desconfortável, agora, pela manhã seguinte, era só juntar as coisas e tratar de voltar pra casa. Mas o que parecia simples não foi tão natural assim. Havíamos torrado praticamente toda a grana em bebidas na noite anterior e pouco havia sobrado em dinheiro vivo, e o problema é que, na época (e lá se vão 26 anos!), embora tivéssemos cartão de banco para saque, não era tão comum ter caixas eletrônicos a cada esquina como acontece hoje, ainda mais em uma localidade litorânea. Aí que não conseguíamos sacar dinheiro para comprar as passagens de volta e tampouco a rodoviária, naquela época, diferentemente de hoje, aceitava pagamentos com cartão. O que fazer? O Giuliano lembrou que tinha uns poucos dólares na carteira mas, com a cotação alta, como nos dias de hoje, aquilo ali renderia uns bons Cruzeiros Reais e, na ausência de uma casa de câmbio aberta em pleno domingo, a solução foi trocar com uns taxistas. Deu certo. Conseguimos dinheiro o suficiente para comprarmos as passagens. Foi ali, ali. Sobrou só uma meia dúzia de trocados e, como não tínhamos almoçado ainda, tudo o que deu para comprar com o que sobrou foi... uma melancia. Foi nosso almoço.
Mas tudo deu certo! Tudo meio improvisado, bem farofada mas deu. Programa de índio? Visto assim com tantos percalços e imprevistos, pode até ter sido, mas são aventuras como essa que fortalecem amizades e garantem boas histórias para se contar depois. E e essa é uma delas. Uma daquelas que sempre vão render risadas e vão ficar para sempre nas nossas memórias.



por Cly Reis
para os amigos Giuliano e René

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Joy Division - "Closer" (1980)

Diálogo Entre Mim e Eu Mesmo Sobre Como Re-Descobri o Joy Division


“Cansados por dentro, agora nossos corações perdidos para sempre/
Não podemos nos recompor do medo ou da ânsia da perseguição/
Estes rituais nos mostraram a porta para nossas caminhadas sem rumo/
Aberta e fechada, e então batida na nossa cara/
Onde estiveram? Onde estiveram?...”
Ian Curtis,
da letra de “Decades”

- Dã, tu que sempre gostou de Joy Division, desde que os descobriu num programa do saudoso Clube do Ouvinte, da Ipanema FM, no início dos anos 90, já percebeu que eles são superinfluentes num monte de coisa?

- Que eles inspiraram o próprio New Order, embora o som seja majoritariamente diferente (um, deprê; o outro, “pra cima”), disso todo mundo sabe. E que tiveram também um papel importante na formação do pós-punk, ao lado do Public Image Ltd.Gang of Four e Pop Group, e do gothic punk, junto com The CureEcho and the BunnymenSiouxsie and the Banshees e outros. Mas tem mais alguma coisa que eu não saiba?

- Tem, tem mais coisa aí, sim. Andei percebendo isso reouvindo-os como sempre fiz desde que os conheci junto contigo, mas, sei lá porque, agora que me dei conta de uma série de outras percepções que nunca tinha atinado. A gente sabe que eles são muito mais do que um grupo do hit clássico “Love Will Tear Us Apart” ou aquela banda pré-história do New Order do vocalista que se matou. Mas afora isso tudo e o que tu citaste, noto hoje mais claramente que o Joy abriu as portas para uma série de influências que seriam sentidas dos anos 80 adiante na música pop em geral.

- Tipo o quê?

- Vejamos o “Closer”, de 1980. Embora minha admiração pelo "Unknown Pleasures" (e a idolatria que o mesmo tem mundo afora), é no segundo e último disco que o Joy Division cristaliza essa confluência de referências. Comecemos pelo exemplo da faixa inicial, “Atrocity Exhibitions”. Numa expressão: rock industrial.

- Quê? Tu... quer dizer, eu... enfim: estás louco? Rock industrial é pesado, sujo, ruidoso, cheio de efeitos eletrônicos. Rock industrial é Ministry, Pigface, Foetus, Alien Sex Fiend, essas coisas!

- E tu já prestou atenção em como é “Atrocity Exhibitions” de fato? Por acaso ela não é, justamente, pesada, suja, ruidosa e cheia de efeitos? Mais do que isso, veja a estrutura dela. Comparando com Ministry, banda exemplo máximo de rock industrial: a linha de bateria é intricada, quase específica dentro da harmonia. Em “Atrocity...”, a combinação caixa-tom tom-bumbo parece separada do chipô que, por sua vez, é separada dos toques no tarol, como se fossem três ilhas de percussão distintas. Fora que, além de não usar pratos, por uma questão de conceito harmônico, a percussão é toda sequencial, podendo tranquilamente se passar por uma programação de ritmo eletrônica combinada com bateria. Não é totalmente as melodias do Martin Atkins pro Ministry, Pigface ou PIL?

- É, neste sentido, tens razão.

- E o riff: muito rock industrial. Linha de baixo pesada em constante levada e guitarra distorcidíssima e corrosiva dando corpo, criando um clima caótico de era pós-industrial. A sacada do Joy, que ainda não tinha todo o aparato eletrônico que o mundo pop iria democratizar poucos anos à frente, foi criar um efeito de sequenciador na própria guitarra. A distorção, de uma clareza sonora incomum para as gravações da época (que não conseguiam dá-la por limitações de estúdio, fora num Hansa ou Abbey Road), parece, propositadamente, sair de uma motosserra ou de uma britadeira. Sobrepõe-se ao restante na medida certa, mas sem abafar os outros sons.

- É verdade!... Muito rock industrial isso, né? Lembra a estrutura melódica do Ministry em, por exemplo, “Breathe” e “Faith Collapsing”, até pelo ritmo meio tribal, pra citar apenas duas. Neste sentido, põe “no chinelo” o Pere Übu, que, embora eu goste, é o que chamam de início desse estilo. Que nada!

- E fora o vocal sempre espetacular do Ian Curtis, naquele timbre grave que transmite seriedade e melancolia, além de ser uma voz que não se consegue precisar a idade. Pode ter 24, como ele tinha, ou 70 anos. É bonita e perturbadora ao mesmo tempo.

- Bá, sempre achei o máximo o vocal do Ian.

- Pois então avancemos em nossa análise. “Isolation” não tem nem o que dizer: é MUITO New Order. E, mais do que isso, o pop dançável que tomaria as pistas anos 80 e adiante. The Cure, que é The Cure, só foi descobrir essa fórmula (riff no baixo, teclados cumprindo a função melódica da guitarra e bateria um misto de acústico e eletrônico) três anos depois, com “The Walk”. O Depeche Mode ainda engatinhava em direção à sua sonoridade própria quando o Joy lançou “Closer”.

- Ah, aí eu concordo contigo. Essa é a música que “inventou” o New Order.

- É, aí tu te enganas, mr. Daniel. Não exatamente.

- Ué? Por quê?

- Mais do que “Isolation”, “Heart and Soul”. Esta, sim, menos lembrada, carrega todos os predicados da linha que o New Order escolheria para seguir depois da morte do Ian. É só prestar atenção: primeiro, bateria/programação que reelabora a ritmação da disco, o que viria a dar depois em toda a cena tecno-house de Erasure, Tecnotronic, OMD da vida. É o mesmíssimo estilo de bateria que o PIL criou, principalmente no "Metal Box", de 1980 (“Swan Lake”, “Bad Baby”) e “This Is What You Want... This Is What You Get”, de 1984 (“This Is Not a Love Song”, “Bad Life”). Depois, o baixo marcado, constante, dub, a la Jah Wobble, remetendo a uma sonoridade eletrônica. David Bowie e Brian Eno já haviam feito isso em “Breaking Glass”, do "Low", de três anos antes – afinal, Bowie é quase sempre pioneiro no que se refere a pop-rock. Mas o Joy reelaborou e deu a forma definitiva daquilo que o próprio New Order assumiria. Basta ver os teclados e sintetizadores, que têm papel essencial na melodia e no arranjo. Mas o principal desta música: a voz do Ian. Mais leve e melodiosa que em qualquer outra que ele cantou em toda sua curta trajetória. É exatamente o estilo vocal que o Bernard Summer se sentiu à vontade em usar quando tomou os microfones – claro, tirando as gravações do defasado “Movement” – que é, parafraseando, um “movement ago”! hahahaha Endenteu, “movement”, “ago”! hahahaha

- Entendi, entendi. Meio sem graça, mas tudo bem.

- Com tu é sem graça, Dã... Tá, só complementando a ideia: o “Movement” é um luto do New Order em que eles ainda não conseguiam se desprender do Joy e da figura do Ian, grande poeta e líder. Por isso, New Order mesmo vale a partir do “Power, Corruption and Lies”, de 1982. Não só o Barney Summer pegou esse estilo de cantar do Ian em “Heart and Soul”, mas de toda a geração da acid house. Os caras do Erasure e Pet Shop Boys cantam exatamente assim até hoje!

- Concordo. Mas “Passover” e “24 Hours”, darks e densas, onde ficam?

- Tem que se entender que o Joy Division tinha o seu estilo já formado desde o “Unknown...”, e a banda, por mais que tenha incutido elementos e texturas eletrônicas, nunca deixou de compor suas canções nos instrumentos-base: baixo-guitarra-bateria . E se tu fores ver, eles próprios no New Order, festeiro e alegre muitas vezes, nunca abandonaram a composição à “moda antiga”, o que talvez seja o grande diferencial por eles estarem anos-luz à frente de outros grupos/artistas do eletro-punk dos anos 80, como o próprio Pet Shop Boys, o Ultravox ou o Durutti Culumn. No New Order, o Joy sempre esteve presente, às vezes até suprimindo ou relegando a segundo plano os teclados da Gilliam Gilbert, como em “Leave me Alone”, “Dream Attack” ou “Love Less”.

- Tá, mas voltando ao “Closer”, então, que mais tu me diz?

- Quanto a essas duas que citei, “Passover” é como uma continuação de “Isolation” com aquela “colagem” entre as faixas: o final de uma tem aquele som que parece estar sendo sugado, enquanto que o início da seguinte traz o mesmo som, só que invertido, dando a impressão de trazê-lo de volta, mas em outra abordagem. É isso que “Passover” é: uma “Isolation” obscura. No lugar do ritmo em tom elevado, tom menor de tristeza. Ambas as letras retratam as dificuldades psicológicas de Ian para com sua criação materna. Enquanto a letra de “Isolation” diz: “Mother I tried please believe me/ I'm doing the best that I can/ I'm ashamed of the things I've been put through/ I'm ashamed of the person I am” (“Mãe, eu tentei, por favor, acredite em mim/ Estou fazendo o melhor que posso/ Me envergonha as coisas que tenho feito/ Me envergonha a pessoa que sou”), “Passover” responde: “Is this the role that you wanted to live/ I was foolish to ask for so much/ Without the protection and infancy's guard/ It all falls apart at the first touch” (“É este o papel que você quis viver?/ Eu fui um tolo por pedir tanto/ Sem a proteção e guarda da infância/ Tudo se despedaça ao primeiro toque”). Até a batida, num compasso mais lento em “Passover”, é igual. Pode perceber. Quanto a “24 Hours”, acho das melhores da banda, com aquela intensidade que explode no refrão num ritmo punk junto da inabalavelmente tristonha voz de Ian, que não se altera da parte mais lenta para esta, mais agitada. E a linha de baixo do Peter Hook?! O que é aquilo? Inteligente, executa arpejos crescentes e decrescentes, que imprime um ar sério e contemplativo pra música. A bateria é outro ponto especial. Como no pós-punk e no industrial, não é óbvia. Aliás, o Stephen Morris dá um show à parte em todo o disco, cumprindo com precisão nas baquetas e na programação rítmica sempre que acionado, e olha que tem cifras difíceis de tocar no “Closer”!

- É verdade. “Colony” é um espetáculo a bateria.

- Pois ia falar justamente desta. Classifico-a como um “blues hermético”. É outra muito rock industrial, estilo que, por sua vez, como fica claro em “Heart and Soul”, é filho do pós-punk. Enquanto no “Unknown...” a veia punk desses ex-Warshaw ainda estava latente (basta ver “Interzone” e “Disorder”, punk-rocks secos), no “Closer” Ian & Cia aperfeiçoam isso. A bateria é sequencial e quebrada, como uma "Tomorrow Never Knows" em tempos fin de siècle, a guitarra solta urros como de “um vento cruel que uiva em nossa demência” e o baixo encaixa-se na batida, formando um ritmo marcial-militar, dando a ideia de prisão de uma opressora colônia para doentes mentais (ou seria a sociedade moderna que ele estava falando?). Nesse mesmo compasso rítmico, “A Means To an End” é outra brilhante do disco.

- E, novamente, uma letra e performance incríveis do Ian Curtis. É fantástico quando ele sai do seu tom contidamente tenso pra esbravejar, desiludido: “I put my trust in you” (“Eu depositei minhas esperanças em você”). Demais.

- Pois é. Agora, pensando pela lógica que expus desde o início, tanto “The Eternal” quanto “Decades” são bem a ponte entre o dark do Joy e o avanço técnico e melódico trazido pelo New Order e sua geração tempo depois. O compasso de “The Eternal” vem de uma bateria eletrônica, que lhe dá um clima de funeral, semelhante a de um coração deprimido que pulsa com sofreguidão. Os sintetizadores, também, mais parecem camadas de neblina cobrindo um cemitério. Elementos “artificiais” para um efeito orgânico. E é muito legal ainda a voz quase desfalecida de Ian, que a canta com profundo sentimento. Aí vem o final do disco com “Decades”!

- Esta é das melhores. “Decades” parece-me ser uma paixão especial por parte dos fãs de Joy Division.

- Concordo. Seguindo a linha de raciocínio, como “The Eternal”, em “Decades” a banda avança na ideia de sofisticar sua sonoridade. Ao invés da secura sem maiores efeitos de mesa de uma “New Down Fades” (também excelente, deixe-se registrado), que também fecha um dos lados de "Unknown..." e tem clima igualmente sombrio e construção melódica que cresce para um final épico e carregado, o riff de “Decades” já sai do próprio teclado. Nela, se adensa a atmosfera litúrgica sentida na faixa anterior, principalmente pelo som de órgão de Igreja. A letra, belíssima, não pode ser mais poética e decadentista.

- Total desesperança desse cara, né? Tava na cara que o suicídio dele se anunciava, e foi acontecer justamente dois meses antes do disco ser lançado, o que o tornou ironicamente póstumo. Mas tu me responde uma coisa: o que um ser em sã consciência faria assistindo “Stroszek”, do Werner Herzog, e ouvindo o "The Idiot" do Iggy Pop, ao mesmo tempo? Ambas as obras excelentes, mas, juntas, é piração total, um coquetel molotov pra um suicida!

- É verdade. Além de toda essa lenda em torno da morte do Ian, aumenta ainda mais a carga mitológica do “Closer” o fato de ter sido gravado sob uma abóbada de estuque especialmente construída esse fim de modo a captar a ressonância de uma capela. Era o Ian já preparando seu jazigo.

- Não sabia disso. Mas é fato que a peculiaridade de não ter indicação dos lados, seja no selo, seja no encarte, gera, conceitualmente, uma relação ao mesmo tempo aleatória e concisa entre as faixas, pois todas “dizem a mesma coisa”.

- Ah, mas mais do que isso, a arte da capa (assinada por Peter Saville), com aquela foto pictórica ritualística, mostra a foto de uma lápide tirada no Cemitério Staglieno, em Gênova, foi concebida antes da morte de Ian Curtis. Sabia disso? Uma infeliz coincidência?

- Sabe-se lá, né? De repente, o cara já tava intuindo, queria deixar seu “testamento musical”, como dizem que Coltrane fez em “A Love Supreme” ou Kurt Cobain teria dado a entender ao tocar a debochada e tristemente autosugestiva “Where Did You Sleep Last Night?” (“Onde Você Dormiu a Noite Passada”), com todas aquelas velas fúnebres no palco, como último número do "MTV Unplugged in New York", canto-do-cisne do Nirvana. Enfim: mitos que se criam em torno de um disco clássico como “Closer”.

- Pois é... pós-punk, gothic-punk, rock industrial, acid house, tecno, dub... puxa, são muitas referências que partiram deles!

- É, Dã: clássicos são reveladores a cada audição até mesmo para fãs de Joy Division como nós, que nunca deixaram seus discos esquecidos na prateleira. É o caso do “Closer”, que escutamos e reescutamos seguidamente. Mas grandes artistas têm disso, né: nos surpreendem mesmo depois de acharmos que os conhecemos bem. Eu pelo menos me surpreendi, e tu, Daniel?

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FAIXAS:
1. "Atrocity Exhibition" - 6:06
2. "Isolation" - 2:53
3. "Passover" - 4:46
4. "Colony" - 3:55
5. "A Means to an End" - 4:07
6. "Heart and Soul" - 5:51
7. "Twenty Four Hours" - 4:26
8. "The Eternal" - 6:07
9. "Decades" - 6:10


vídeo de "Decades" - Joy Divsion


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OUÇA:




segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Mesma melodia, letras diferentes


O fato de apresentar o programa Música da Cabeça, na Rádio Elétrica, é meio que mera desculpa minha para ir à cata de listas. Sempre gostei de criá-las a partir das coisas que curto, das criteriosas às mais estapafúrdias. Uma dessas que me veio à mente para usar no programa se refere a músicas que têm a mesma melodia, mas letras diferentes. A parte musical e o arranjo podem ser idênticos, mas o que é cantado, não. Às vezes, até melodias de voz e cantores diferentes. Dois lados da mesma moeda ou - por que não? - do mesmo disco.

Numa rápida pesquisa de memória, o interessante foi perceber que essa prática é comum nos mais diferentes gêneros, culturas e locais. Seja no Brasil, nos Estados Unidos, na Alemanha, na Inglaterra ou até na Jamaica, não há quem resista em usar aquela base que ficou superlegal de um outro jeito, numa outra roupagem. 

Pra compor esta lista de 15 + 1 exemplos, ainda contei com a ajuda de meu irmão e parceiro de blog Cly Reis, que contribuiu com algumas das duplas de músicas as quais não tinham me ocorrido.

Tom Zé e Tim: ambos com duas duplas
de músicas na lista
Importante ressaltar que não valem músicas até então instrumentais que ganharam letra depois de um tempo, casos de “Valsa Sentimental” (de Tom Jobim, que, quando letrada por Chico Buarque, virou ”Imagina”) e “A Rã” (originalmente, “O Sapo”, de João Donato, que passou a ter esse novo título na letra de Caetano Veloso). Neste caso, aceitou-se como exceção quando uma delas é instrumental e a outra cantada, mas desde que pertençam a um mesmo artista e que este as tenha composto para um mesmo projeto.

Igualmente, não se incluem canções “reprise” ou de letra mesmo que diferentes entre si, mas que se tratam de duas partes da mesma, nem mesmo versões para idioma diferente do original feita por outro artista. Músicas “irmãs”, tipo “Blue Monday” e “586”, da New Order, ou “Crush with Eyeliner” e “I Took Your Name”, da REM, não cabem, nem muito menos aquelas que samplearam a “alma” do tema que a inspirou, como o rap norte-americano costuma fazer. Essas todas ficam de fora – quem sabe, guardam-se para uma futura outra lista...

Do blues ao samba, do industrial a soul, do shoegaze ao psicodelismo. Têm dobradinhas bem interessantes e variadas.


1. "João Coragem"/ "Padre Cícero" - Tim Maia
Em 1970, Tim estava gravando seu disco de estreia quando Nelson Motta aparece no estúdio e fica maravilhado com "Padre Cícero". Tanto que pediu para Tim e Cassiano alterarem a letra para a música entrar na trilha da primeira novela da Rede Globo, "João Coragem".

2. "Sister Midnight"/ "Red Money" - David Bowie
A fase berlinense rendeu coisas maravilhosas e simbióticas para Bowie. "Sister Midnight", composta por ele e Iggy Pop para abrir "The Idiot", de Iggy, de 1977, serviu para o próprio Bowie finalizar sua própria trilogia na capital alemã dois anos depois com outro título e letra.

O mestre da "preguiça" baiana sabia muito bem fazer sambas geniais com pouquíssimos versos, quando não quase repetidos. Aqui, o que Caymmi repete é a parte instrumental idêntica a ambas, mas com melodias de voz e letras totalmente diferentes entre si.

"Strange Brew", que abre o cláscico disco "Disreali Gears", de 1967, é tão boa que dá vontade de reescutá-la. Não precisa, pois Clapton/Bruce/Baker a põem no fim do disco, só que com outro nome e letra. 


5. "Mã""Nave Maria" – Tom Zé
Uma mais percussiva, a outra mais world music, mas ambas de abertura de seus discos "Estudando o Samba", 1976, e "Nave Maria", 1984) e sobre o genial riff do baiano de Irará.

6. "Teenage Lust"/ "Heat" - Jesus & Mary Chain
"Teenage Lust" é um clássico da banda que coroa uma fase inspirada, marcada pelo disco "Honey's Dead", de 1992. "Heat", por sua vez, está na coletânea de B-sides "Stoned and Detoned", de um ano depois.

Vindo de Moz, artista que produz muito, não seria estranho haver esse tipo de repetição. No caso, "Alma Matters", hit do disco "Maladjusted", de 1997, tem como sombra "Nobody..,", da coletânea "My Early Burglary Years", de 1998.

8. "Waiting""Do You do It?" – Madonna
No talvez melhor disco de Madonna, "Erotica" (1992), a ousadia de pôr um mesmo tema duas vezes, sendo a segunda cantada não por ela, mas pelos rappers Mark Goodman e Dave Murphy.

9. "Pocket Calculator"/ "Dentaku" – Kraftwerk
Totalmente iguais, não fosse uma ser cantada em inglês e a outra em japonês. Aí os alemães conseguiram fazer, pro disco "Computer World", de 1981, duas obras totalmente diferentes sendo a mesma coisa.

Quase iguais, não fosse o título e algumas partes da letra. Mesmo estando no mesmo disco, o clássico "Pet Sounds", de 1966, é tão bonita que não há nenhum problema em "reouvi-la" com pouca diferença entre uma e outra.

11. "Os Escravos de Jó"/ "Caxangá" – Milton Nascimento
A censura, que comeu praticamente todas as letras de "Milagre dos Peixes", de 1973, inclusive "Os Escravos de Jó", parceria de Milton com Fernando Brant, já havia abrandado um pouco anos depois quando Elis Regina gravou "Caxangá" e depois o próprio Milton.

12. "Graveyard""Another" – P.I.L.
A instrumental "Graveyard", de "Metal Box" (1979), é, literalmente, a "Outra" em "Commercial Zone", disco de sobras de estúdio da mesma época. Coisas da cabeça conceitual de John Lydon e sua Public Image Ltd..

13.  "Jimi Renda-se"/ "Dor e Dor" – Tom Zé
A mente inquieta de Tom Zé faz com que, mais de uma vez, ele revisite a própria obra. Assim como "Mã"/"Nave Maria", a metaliguagem pega nestas duas também, de 1970 e 1972 respectivamente.

14. "Slave to the Rythmn""The Fashion Show" – Grace Jones
O disco de Grace "Slave to the Rhythm", de 1985, em si, é todo cunhado sobre a mesma base, mas estas duas não não são iguais pela letra.


15. "With no One elseAround"/ "Pra Você Voltar" – Tim Maia
Tim não tinha vergonha de reaproveitar melodias suas mais de uma vez, mas aqui ele fez melhor: uma em inglês, para o arrasador álbum de 1978, e outra na língua de Camões, um ano depois ("Reencontro"), em que até o sentido das letras são totalmente diferentes.


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+1. "À Flor da Pele""À Flor da Terra" – Chico Buarque
O título é igual, "O que Será?", eu sei, mas o fato de o subtítulo ser diferente faz, com perdão da redundância, toda a diferença. Escritas por Chico para a trilha sonora de "Dona Flor e seus Dois Maridos", de 1976, uma inicia o filme e outra o encerra - e as letras são totalmente distintas.


cena final do filme "Dona Flor e Seus Dois Maridos" - tema: "À Flor da Pele"


Daniel Rodrigues

domingo, 30 de dezembro de 2012

Planet Hemp - "Usuário" (1995)




“Acenda um e ouça o que eu tenho a lhe dizer/
Esse é o Planet Hemp e
 não tenho o que esconder/

Fumo maconha sim, mas calma meu camarada/

Eles um dia vão ver que a lei estava errada.” 

versos de abertura de “Dig dig dig”



Chega a ser ridículo pensar hoje que, em 1995, mesmo ano em que o Brasil hipócrita achava engraçadinho os filhinhos-de-papai dos Mamonas Assassinas fazerem apologia ao bacanal e à felação para crianças (pra ficar em apenas dois exemplos incabíveis), os pretos da periferia carioca do Planet Hemp eram taxados de perigosos. Isso porque seu discurso não tinha a intenção de apenas vender falando qualquer baboseira apelativa, mas, sim, de ir à raiz do problema, sem meio-termo. Com palavras-de-ordem como “Legalize Já”, “Fazendo a sua cabeça” e “Aprenda a dizer não”, os caras fizeram um álbum revolucionário que quebrou barreiras sonoras e comportamentais no Brasil democrático e globalizado dos anos 90: “Usuário”. A bandeira não era só a da liberação da maconha, mas também da desigualdade social, da discriminação racial, da midiatização e da corrupção policial e política numa fala altamente engajada e denunciadora. Tudo com muita agressividade, articulação e pegada.
O Planet Hemp foi algo totalmente novo no mercado fonográfico mundial. A começar, tinha nada menos que três rappers como protagonistas. Um deles era o hoje popular Marcelo D2, então um verdadeiro prosador urbano, um poeta do subúrbio cuja lírica alia o grito de revolta do rap à malemolência consciente dos partideiros do samba. Igualmente, BNegão, dono de uma voz possante e ideias não menos, inteligentíssimo e mordaz. Para completar, Black Alien, outro feroz rapper-repentista. A banda se autodefinia como um Raprocknrollpsicodeliahardcoreragga, o que, na verdade, apenas mostra sua diversidade musical. Uniam com desenvoltura rap ao hardcore, funk, reggae, ragga, surf, punk entre outros, mas, como se não bastasse, ainda incluíam ritmos brasileiros. É inegável que se parecem com e não existiriam não fossem Rage Against the MachineBeastie BoysBody Count e Cypress Hill, mas essa levada de raiz é um grande diferencial do Planet não só no som, mas na maneira de cantar, no fraseado e nas letras.
Prova dessa gama de influências é a faixa inicial do disco: “Não Compre, Plante”, um funk-rock-soul que podia muito bem integrar algum dos volumes do Tim Maia Racional não fossem os scratches modernos do DJ Zé Gonzales, perfeitos e cirúrgicos como em todo o disco. Na sequência, “Porcos Fardados”, rap com batida sampleada de James Brown, um tiro de escopeta em forma de palavras contra a polícia. Além de citar um dos ídolos de D2 e da banda, Bezerra da Silva ("Você com o revólver na mão é um bicho feroz/ Sem ele anda rebolando e até muda de voz"), manda o recado no refrão: “porcos fardados: seus dias estão contados”.
Depois, a pesada e pegajosa “Legalize Já”, polêmico megasucesso que foi um dos responsáveis por fazer “Usuário” vender 150 mil de cópias. “Deisdasseis”, das melhores, é uma vinheta sustentada só nas vozes e no beat box mas que, pasmem!, não tem ritmo de rap, mas de baião. Sim! Parece um desafio nordestino, mas com sotaque de gurizada carioca (e, claro, com apologia à marijuana). Genial. Esta já emenda com “Phunky Buddha”, um rap-hardcore com scratches fenomenais e a ótima guitarra de Rafael Crespo, além de Bacalhau, na bateria, e Formigão, no baixo, segurando a base super bem – como, aliás, fazem em todo o disco.
“Maryjane”, outra ótima, alterna um hardcore rápido a um funk carregado. A diversidade sonora do grupo surpreende novamente em “Futuro do País”, que começa com um sample de pagode e o canto malandro de D2. A letra, crítica, põe o dedo na ferida, dizendo: “Mas eu queria somente lembrar/ que milhões de crianças sem lar/ São frutos do mal que floriu/ Num país que jamais repartiu (Pátria amada, Brasil)”. Isso, claro, não podia “terminar em samba”. Pois que uma guitarra distorcidíssima surge ao fundo até que, ao final da última estrofe, entra, como se estivesse socando, uma massa sonora de guitarras, baixo, bateria e samples, transformando-a num rock que parece as melhores e mais pesadas coisas do Ministry.
Outro hit, a clássica “Mantenha o Respeito”, traz um refrão poderoso, daqueles que incendeiam qualquer show. “Mutha Fuckin' Racists”, em inglês e bem ao estilo Body Count , alternando hip hop, heavy metal e hardcore, antecede a, para mim, melhor do disco e da banda. “Dig Dig Dig (Hempa)” é, sem dúvida, um dos clássicos do rock nacional. Primeiro que só rock não é a melhor definição. Ela começa com uma batida marcada de baião, até que, no primeiro refrão, muda radicalmente para um reggae. O ritmo nordestino retorna na segunda sessão de versos, mas, no refrão seguinte, surgem as guitarras possantes e pesadíssimas para formar um funk-rock de tirar o fôlego. Outra ideia genial é que a letra do refrão varia. No segundo, por exemplo, D2 cita nada mais, nada menos que versos de “Zumbi”, o clássico samba-rock do LP "Tábua de Esmeraldas"  de Jorge Ben, fazendo referência não só ao som do mestre, mas à negritude e à importância histórico-social do líder negro para o discurso contemporâneo do Planet.
Mudando totalmente a textura sonora apurada, o craque produtor Mario Caldato Jr. (corresponsável por toda a engenharia de estúdio dos Beastie Boys  pôs a banda ao vivo no estúdio para tocar a instrumental “Skunk”, com show de guitarras de Crespo e que ficou, propositalmente, com cara de faixa demo. “A Culpa É de Quem?” cai no rap novamente, e aí quem se destaca, além dos rappers, é Zé Gonzales, que varia o tipo de batida e os elementos sonoros. Para terminar, o hardcore acelerado “Bala Perdida”. Perfeita.
Afora as polêmicas, prisões e censuras que gerou, é evidente que “Usuário” trouxe à tona discussões então superficializadas ou até evitadas, denunciando a infinidade de coisas erradas que o sistema político do Brasil faz questão de manter para poder explorar. Dentro disso, mordazes e desafiadores, os rapazes do Planet Hemp foram muito além da imagem de adolescentes maconheiros querendo fumar sua cannabis sem parecer criminosos, pois colocaram na mesa uma série de questionamentos fundamentais para quem quer um mínimo de igualdade social em terras brasileiras. Lá pelas tantas, eles dizem: “Não vou ficar calado porque está tudo errado/ Políticos cruzam os braços e o país está uma merda/ Trabalho pra caralho e fumo minha erva/ E aí eu te pergunto/ A culpa é de quem?
E aí eu lhes pergunto: a culpa é de quem?

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FAIXAS:
1. "Não Compre, Plante!" 4:12
2. "Porcos Fardados" 3:06
3. "Legalize Já" 3:01 

4. "Deisdazseis" 0:46 
5. "Phunky Buddha" 2:50 
6. "Maryjane" 2:10 
7. "Planet Hemp" 0:26 
8. "Fazendo a Cabeça" 3:20 
9. "Futuro do País" 3:39 
10. "Mantenha o Respeito" 3:17 
11. "P... Disfarçada" 2:26 
12. "Speed Funk" 1:24 
13. "Mutha Fuckin' Racists" 3:45 
14. "Dig Dig Dig (Hempa)" 1:53 
15. "Skunk" 3:35 
16. "A Culpa É de Quem?" 3:48 
17. "Bala Perdida" 2:33 
18. "Sem título" (faixa oculta no final do álbum) 1:26

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vídeo de "Dig Dig Dig" - Planet Hemp


Ouça: